1 Os principais contornos nas concessões de serviços públicos
1.1 Considerações gerais
A concessão de serviços públicos foi bastante importante no século XIX na Europa, devido à necessidade de atender a execução de serviços de grandes investimentos e obter pessoal técnico especializado quando o poder público não fazia esse papel. Porém as concessões eram duradouras, devido o ente privado necessitar do retorno de seu investimento. Interessante ressaltar que segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro quando o Estado delega a execução de serviços a entes particulares, retira de si, a responsabilidade de fazer grandes investimentos e demais riscos inerentes à execução das obras e é exatamente isso que aconteceu nessa fase na Europa. [1]
Posteriormente a esse período de ápice na Europa, tanto o Estado quanto o concessionário passaram a ter diversos problemas como, por exemplo, o Estado fazia a ruptura de contratos ao acaso e acabava fazendo diversas alterações a seu favor. Com isso chegou-se em um período de declínio dessa parceria.
No final do século XX, o interesse foi retomado e novamente a concessão de serviços públicos passou a ser tema de grande interesse devido a atual crise econômica europeia.
Especificamente no Brasil a concessão de serviços públicos está contemplada desde a Carta de 1934 e reeditada pela constituição de 1988 em seu artigo 175 que expressamente estabelece “Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação dos serviços públicos”. [2]
Posteriormente foram editadas algumas leis infraconstitucionais, e foi introduzida a modalidade concorrência, com isto gradativamente houve maior competitividade entre os prestadores de serviços, eliminado em tese o monopólio e os privilégios de certos empreendedores que receberam do Estado a exclusividade na prestação dos serviços.
Entre as Leis infraconstitucionais temos a partir do artigo 175 da CF, a Lei 8.666/93 lei geral das licitações e contratos e a Lei n. 8.987/95 que passou a disciplinar as concessões de serviço público ao particular. Além delas, temos a Lei 9.074/95 e a Lei 11.079/04, a celébre Lei das Parcerias Público-Privadas, estas são as leis que disciplinam a modalidade.
A Lei 8666/93 estampa, no art. 3º os princípios pelos quais os procedimentos licitatórios devem se pautar, como o da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade e da publicidade entre outros. Constata-se que o direito nacional positivado inclui os princípios como fonte jurídica, tornando-os tanto obrigatórios quanto às próprias leis. [3]
A respeito do procedimento da licitação, as diversas fases do procedimento licitatório foram ordenadas pela Lei 8666/93, nos artigos 38 a 49, que procuraram estabelecer disposição cronológica dos diversos atos que culminarão na adjudicação à proposta mais vantajosa. Assim, foram previstas as fases internas (caput do art.38) e externa da licitação (incisos do art. 38 e 43 a 49), com os respectivos elementos caracterizadores. [4]
Pela Lei 8666/93 a avaliação e a classificação das propostas levam, inicialmente, em consideração a qualificação técnica dos proponentes, analisando a capacitação e a experiência do proponente, a qualidade técnica da proposta (compreendendo metodologia, organização, tecnologias e recursos materiais a serem utilizados nos trabalhos) e a qualificação das equipes técnicas e pontuando-a de acordo com o edital. Só após é que será avaliado o preço, sendo estes dois critérios ponderados, de acordo com os pesos preestabelecidos.
Por fim, no que se refere aos critérios de habilitação (art. 27 da Lei 8666/93), no Brasil há exigências quanto à habiltação jurídica, qualificação técnica, qualificação econômica-financeira, regularidade fiscal e exigência quanto as condições de trabalho, envolvendo proteção especial aos menores de dezoito anos de idade.
1.2 Definição legal
Com clareza solar o art. 175, parágrafo único, inciso IV da Constituição Federal, ao lado da Lei 8.987/95, dispõem sobre o regime de concessão e permissão de serviços públicos, estabelecendo esta ultima em seu art. 6.º, que “Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários”, afirmando, a seu turno, no § 1.º o conceito de serviço adequado como “o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”.
Embora a Constituição tenha tratado do instituto em tela, não se preocupou em conceitua-lo, tal só ocorreu com o advento da Lei Geral das Concessões, de no 8.987/95, a qual passou a dispor em seu art. 2o, inciso II, que “a concessão de serviço público é a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado”.
Calha trazer anotação importante feita por Maria Sylvia Zanella di Pietro, que o conceito legal serve apenas aos objetivos da lei, pois ele não contém todos os elementos necessários para caracterizar adequadamente essa modalidade de contrato. [5]
Ainda a esse respeito, é válido acrescer – como pontuado por Marçal Justen Filho, no entanto, a definição legal é precária e insuficiente, sendo que alguns trechos da lei padecem de defeitos lógicos que descaracterizam sua própria função. [6]
1.3 Entendimento doutrinário
Em passagem que merece ser aqui referida ante sua inocultável clareza, Maria Sylvia Zanella di Pietro define concessão em sentido amplo:
Concessão em sentido amplo é o contrato administrativo pelo qual a Administração confere ao particular a execução remunerada de serviço público, de obra pública ou de serviço de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ou lhe cede o uso de bem público, para que o explore pelo prazo e nas condições regulamentares e contratuais. [7]
Em sentido análogo Marçal Justen Filho define concessão comum de serviço público:
A concessão comum de serviço público é um contrato plurilateral de natureza organizacional e associativa, por meio do qual a prestação de um serviço público é temporariamente delegada pelo Estado a um sujeito privado que assume seu desempenho diretamente em face dos usuários, mas sob controle estatal e da sociedade civil, mediante remuneração extraída do empreendimento. [8]
1.4 Modalidades de concessões
Segundo precisa anotação de Maria Sylvia Zanella di Pietro, existem várias modalidades de concessão que a seguir serão descritas, a saber: concessão de serviço público, concessão patrocinada, concessão administrativa, concessão de obra pública e concessão de uso de bem público. [9]
Concessão de serviço público é tradicionalmente disciplinada pela Lei n. 8.987/1995. A remuneração básica provém da tarifa sustentada pelo usuário ou outra forma de remuneração decorrente da própria exploração do serviço.
A Lei nº 11.079/2004, em seu artigo 2º, § 1º aponta a “concessão patrocinada” como a de serviços públicos ou de obras públicas de que aborda a Lei no 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando abranger além da tarifa cobrada dos usuários, a contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado.
Concessão administrativa é conceituada na Lei nº 11.079/2004, art. 2º, §2º, como o “contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens” .
Maria Sylvia Zanella di Pietro menciona, ainda, a concessão de obra pública nas modalidades disciplinadas pela Lei n. 8.987/1995 ou pela Lei n. 11.079/2004; e a concessão de uso de bem público, com ou sem exploração do bem, disciplinada por legislação esparsa. [10]
Apura-se com facilidade, pois da doutrina e do próprio conceito legal, que a concessão é um instrumento por intermédio do qual se vale o Estado para delegar ou transferir a terceiros: pessoa jurídica de direito privado ou, ainda, pessoas jurídicas de direito público, a execução de uma atividade que é lhe é própria, mantendo-se na titularidade dos referidos serviços. E exatamente por isso é que a pessoa jurídica que se submete a aceitar a prestação de serviços públicos estará sujeita a observar todos os princípios e restrições típicos de tais atividades.
Em suma, se o serviço público existe porque os direitos fundamentais não podem deixar de ser satisfeitos, isso significa que o instrumento criado pela lei para a execução de tais serviços deverá necessariamente seguir essa mesma linha.
1.5 Contexto contemporâneo
Ainda no campo da doutrina Marçal Justen Filho destaca-se a importância da concessão para realizar os fins preconizados pelo novo modelo de Estado que requer a participação ativa da sociedade. O Estado através da concessão formaliza e implementa políticas públicas. [11]
Muito importante é a natureza trilateral da relação jurídica de concessão. Ainda nesse universo de relação trilateral, observamos que a concessão possui uma natureza associativa na qual todos os usuários, poder concedente e concessionário buscam o funcionamento de um serviço de modo eficiente, satisfatório e lucrativo. A delegação de serviço público não é uma decisão unilateral do poder concedente. No âmbito específico dos interesses dos usuários, a opção pela prestação de serviços públicos pela concessão não é uma escolha livre da administração pública.
Em suma, a concessão será viável se assegurar ao usuário o recebimento de prestações de melhor qualidade por preços iguais aos praticados pelo Estado, a prestação dos serviços sempre deverá resultar em maior vantagem ao cidadão.
REFERÊNCIAS
[1] [5] [7] [9] [10] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2015.
[2] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 52ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
[3] FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2013.
[4] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 41ª ed. São Paulo: Malheiros, 2015.
[6] [8] [11] JUSTEIN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003.