Ação de nulidade de sentença arbitral

30/12/2015 às 17:44
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Analisam-se as possibilidades de o Poder Judiciário adentrar no mérito da sentença arbitral em sede de ação de nulidade de sentença.

Dentro do sistema arbitral, a regra é a da inexistência de recursos, partindo do pressuposto de que as partes escolhem o árbitro de sua confiança e por isso não lhes é possível questionar posteriormente o seu desiderato. Assim, a sentença arbitral já nasce transitada em julgado, com a pequena possibilidade de esclarecimento nos termos do artigo 30 da LA.

No direito estrangeiro, nem sempre foi assim. A lei de arbitragem espanhola admitia a recorribilidade dos chamados laudos arbitrais situação que só mudou em 1988 com a edição da Ley 36/1988 de 5 de deciembre, onde “se suprimió el recurso de casación.”[1]

Se dentro do procedimento arbitral não existe recurso, somente com a Ação de Nulidade de Sentença Arbitral prevista no artigo 33 da LA e dentro das hipóteses do artigo 32 da mesma lei, se pode questionar alguma coisa perante o Poder Judiciário.

Ao analisarmos o artigo 32 da LA, verificamos que nenhum dos seus oito incisos permite que se discuta o mérito da sentença arbitral. Todas as hipóteses dizem respeito a questões de ordem formal e nenhuma delas permite que se analise a questão de fundo ditada na sentença. O entendimento predominante é de que tais hipóteses são “numerus clausus”, ou seja, “são taxativos, não sendo facultado às partes ampliá-los além dos limites legais”[2].

Diante disso, seria fácil concluir pela total impossibilidade de análise da questão de fundo da sentença arbitral. No entanto, há uma possibilidade que, mesmo não estando prevista no artigo 32 da LA, é reconhecida como possível pela doutrina brasileira e alienígena. Trata-se da questão referente à ordem pública.

A concessão da jurisdição ao particular no sistema arbitral, não significa poder de contrariar interesses estatais ou de violar a “garantia da igualdade, da legalidade e da supremacia da constituição” no dizer de CARMONA,[3] gerando a possibilidade de discutir o mérito da sentença arbitral quando violadora de normas de ordem pública.

Já tive oportunidade de discorrer sobre o cabimento da anulação das sentenças arbitrais em meu livro “A relação entre o Sistema Arbitral e o Poder Judiciário”, onde deixei claro que “surge a probabilidade de uma interpretação extensiva das previsões do artigo 32 da LA, a incluir entre as hipóteses de anulação da sentença arbitral quando esta for contrária “à ordem pública”. Se no direito arbitral brasileiro a expressão não se encontra claramente prevista nas hipóteses de anulação, no direito arbitral espanhol ela é evidenciada no artigo 41 “f” da Ley de Arbitrage daquele país, ao afirmar que o laudo deverá ser anulado na hipótese em “que el laudo es contrario al ordem público.” ”[4]

Em que pese inexistente no artigo 32 da LA, a exigência de que a sentença arbitral deve ser prolatada sem violar matéria de ordem pública está prevista no artigo 39 II da LA que trata da homologação de sentença arbitral estrangeira. Se exige para as sentenças alienígenas, não vejo qualquer motivo para não fazer o mesmo para as nacionais. A mesma conclusão teve CARMONA em seu livro “Arbitragem e Processo”.[5]

A dificuldade está em conceituar o que vem a ser violação de norma de ordem pública. A ampliação deste conceito vago implicaria na recorribilidade de toda a sentença arbitral e a extirpação da irrecorribilidade destas, com nefastas consequências ao sistema arbitral. Vejamos então o que se pode conceber com norma de ordem pública.

No direito espanhol, a conceituação de ordem pública está direcionado ao laudo arbitral que “vulnere os direitos e liberdades fundamentais reconhecidos no capítulo II título I”[6] da constituição daquele país. Esse posicionamento foi confirmado por decisão do Tribunal Supremo Espanhol, informando que “infringen el ordem público quien conculca los derechos fundamentales y libertades públicas garantizados por la Constitución Española.”[7]

As principais normas de condutas de um país estão previstas em sua Carta Constitucional, dentre as quais algumas restam intocáveis por força da própria determinação magna. São as cláusulas pétreas, as quais não podem ser modificadas por emenda constitucional. Outras normas, mesmo que constitucionais, não se enquadram como imodificáveis, gerando a possibilidade de sua alteração por simples emenda constitucional. Existem ainda as normas infraconstitucionais, as quais também revelam a vontade de uma sociedade, mas não possuem a força imperativa de uma disposição constitucional.

A própria Constituição Federal traz em seu artigo 60, § 4º as circunstâncias em que não se faz possível a modificação da Magna Carta pela via do poder de reforma, sendo necessária uma nova Constituição para que aquelas hipóteses possam ser modificadas. Em face disso, entendo que a síntese do Estado Brasileiro está justamente naquelas hipóteses, sendo que a violação de suas normas revela nítida agressão à ordem pública. O artigo 60 da CF88 prevê como imodificáveis, a forma federativa de governo, o voto direito e secreto, a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais.

CARMONA ressalta que os valores relacionados à ordem pública são aqueles previstos na Carta Constitucional, corroborando o entendimento de que devemos analisar a possibilidade pelo prisma das previsões constitucionais.[8]

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Tem-se assim, que o conceito de ordem pública para o direito é bastante amplo, e não deve ser considerado em sua inteireza, como suficiente para anular uma sentença arbitral. Somente as matérias relacionadas às chamadas cláusulas pétreas, não suscetíveis de serem modificadas pelo constituinte reformador, é que se enquadram com perfeição na possibilidade de anulação.

Como exemplo, será violadora à ordem pública a sentença arbitral que determine a uma modelo, a obrigação de posar nua ante sua assinatura em contrato firmado com revista masculina, posto que neste caso é seu direito fundamental não fazê-lo, mesmo que tenha se obrigado contratualmente a isso. O descumprimento faz surgir apenas o direito de receber perdas e danos pela revista, nunca a determinação forçada de posar. A imagem e o corpo de uma pessoa só podem ser desnudados com prévia autorização e vontade desta, principalmente, quando direcionado à publicação.

Em conclusão, violação da ordem pública não pode ser considerada em seu sentido amplo, mas somente nos casos em que se viole normas constitucionais imodificáveis, quando então a sentença arbitral será nula em razão de seu posicionamento de mérito.          


Notas

[1] FENOLL, Jordi Nieva. Jurisdicción y proceso. Estudios de ciencia jurisdicional. Marcial Pons. Barcelona: 2009. P. 940.

[2] ALVIM, J.E. Carreira. Direito arbitral. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004. P. 403.

[3] CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei n. 9307/96. 2a ed. Rev., atual. E ampl. 3. reimpr. São Paulo: Atlas, 2006. p. 329.

[4] AMORIM, Aureliano Albuquerque. A relação entre o sistema arbitral e o poder judiciário. 2ª ed. Revista e ampliada. Belo Horizonte: Forum, 2011. P. 162.

[5] CARMONA, Carlos Alberto. Open cit . p. 334.

[6] VILAR, Silvia Barona. Comentarios a la ley de arbitraje. De la anulación y de la revisión del laudo. 2ª ed. Editorial Aranzadi, SA. Navarra: 2011. P. 1747. Em tradução livre.

[7] SAP de Alicante de 15 de junio de 1993.

[8] CARMONA, Carlos Alberto. Open cit. p. 331/332.

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Sobre o autor
Aureliano Albuquerque Amorim

Juiz de Direito em Goiânia - Go, Professor concursado da PUC-Goiás. Especialista em Direito Processual Civil. MBA em Administração do Poder Judiciário. Mestre em Direito Empresarial pela Universidade de Barcelona - ES. Doutorando em Direito Processual Civil pela Universidade de Barcelona - ES. Autor do livro "Arbitragem e Poder Judiciário".

Informações sobre o texto

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