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Princípios recursais de processo civil e penal

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30/12/2003 às 00:00
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Juízo de Admissibilidade e Juízo de Mérito dos Recursos

Não é por ser o recurso extensão da ação que o órgão julgador não deve examinar as condições de admissibilidade daqueles atos processuais. Ora, se a ação para ser admitida deve se adequar a determinadas condições exigidas por lei e pressupostos processuais, assim também ocorre com os recursos. Sabemos que a ação é autônoma com relação ao direito pleiteado, pela Teoria da Autonomia. Tal se dá com os recursos: as condições de admissibilidade devem ser lógica e temporalmente examinadas antes do juízo de mérito. Assim, são antecedentes ao mérito os requisitos de admissibilidade que, apreciados negativamente, irão impedir que o órgão julgador se manifeste sobre o pedido propriamente dito. Ressalte-se que o juízo de admissibilidade realizado em primeira instância (decisão interlocutória) é necessariamente repetido em segunda e não se vincula àquele. Processando o recurso, pode ocorrer em grau superior que o mesmo venha a ser considerado intempestivo, carente de legitimidade, de interesse etc. Uma exceção no sistema processual civil: o agravo de instrumento que é interposto diretamente ao Tribunal. Sendo decisão interlocutória, o recorrido teria, em tese, interesse de agravar da decisão positiva de admissibilidade feita em instância inferior...mas o sistema recursal confere a este modo mais célere para guerrear a decisão: as contra-razões, argüindo em preliminar o não-cabimento daquele recurso.

Questão interessante ocorre no agravo retido. Este, mesmo sendo recurso válido, interposto em primeira instância, deve ser argüido em preliminar de apelação para ser apreciado em segunda instância: ora, o efeito prático da apreciação do agravo retido é a anulação do feito cível, desde o momento processual correspondente à interposição. Sendo assim, o agravo retido se configura como preliminar ou prejudicial à apelação? Como a apreciação do agravo não provoca qualquer tipo de conseqüência à apelação, não impedindo sua futura interposição, na oportunidade de nova sentença, sua apreciação é preliminar e não prejudicial.

Confirma-se a não vinculação do juízo de admissibilidade em grau recursal que pode se dar a seguinte situação: a apelação não ser processada por juiz singular, sendo declarada a sua inadmissibilidade, e interposto agravo de instrumento dessa decisão, o Tribunal entender que há o pressuposto e mandar processar a apelação: já em sede recursal (juízo de admissibilidade provisório), o mesmo Tribunal negar os requisitos, constatando que realmente não estão presentes. Isto porque a matéria é de ordem pública e deve ser examinada sem as presunções constantes do processo civil ordinário. Da mesma forma, ocorre em processo penal, com o cabimento do recurso em sentido estrito, quando denegada o cabimento da apelação criminal.

Outra observação válida sobre o sistema de admissibilidade é o fato do órgão "a quo" não apreciar o mérito do recurso, muito embora verifique a admissibilidade da interposição. No Processo Penal, a apelação e o recurso em sentido estrito são admitidos ou não pelo juiz singular, sendo vedado a apreciação de mérito, circunscrevendo-se a verificar os requisitos mínimos de processamento do recurso. Ocorre, todavia, no sistema pátrio que nem sempre tal regra vem sendo observada: por oportunidade do Recurso Extraordinário (art. 102, III, a, CF), os relatores vem examinando se a decisão contrariou ou não preceito constitucional, como preliminar de admissibilidade. Ora, esse mister não compete ao Tribunal "a quo", já que se trata do próprio mérito do RESP. Todavia, pode ser que haja juízo de retratação, onde é permitido ao magistrado reformar a própria decisão; caso contrário, dá seguimento ao recurso, para que o mérito seja analisado em superior instância. Na apelação, não há retratação como no agravo. Mas, em um caso, pode ocorrer – quando do indeferimento liminar da petição inicial. Já no ECA existe uma exceção: a apelação prevista dá oportunidade para um amplo juízo de retratação. Em processo penal, anotamos, nunca se dará a retratação do magistrado, por não estar prevista expressamente no Código de Processo Penal.

O juízo de admissibilidade negativo fixa o trânsito em julgado da decisão, sendo a partir daí rescindível a sentença por prazo de dois anos, em processo civil. Tal preocupação não se dá em processo penal, não havendo tal prazo peremptório para ação rescisória, cabendo revisão criminal a qualquer tempo.


O Juízo de Admissibilidade dos Recursos

Conforme lição de Nelson Nery Jr e de Barbosa Moreira, os pressupostos intrínsecos são aqueles que dizem respeito à decisão recorrida em si mesmo considerada. Para serem aferidos, leva-se em conta o conteúdo e a forma da decisão impugnada. De tal modo que, pra proferir-se juízo de admissibilidade, toma-se o ato judicial impugnado no momento e da maneira como foi prolatado. São eles: o cabimento, a legitimação para recorrer e o interesse em recorrer.

Os pressupostos extrínsecos respeitam aos fatores externos à decisão judicial que se pretende impugnar, sendo normalmente posteriores a ela. Neste sentido, para serem aferidos não são relevantes os dados que compõem o conteúdo da decisão recorrida, mas sim fatos a esta supervenientes. Deles fazem parte a tempestividade, a regularidade formal, a inexistência de fato impeditivo ou extintivo do poder de recorrer e o preparo.

O preparo no sistema processual civil é imediato (art. 511, CPC). Não se exige preparo nos agravos retidos (art. 522, par.ún, CPC), embargos de declaração (art. 536, CPC) e embargos infringentes. Em processo penal, dificilmente há preparo, porque a maioria esmagadora das ações são públicas incondicionadas ou condicionadas, revelando interesse público no deslinde da causa.

1) Cabimento:

Pelo Princípio da Taxatividade, o recurso deve ser cabível, ou seja, previsto em lei o recurso de determinada decisão. Assim, o art. 496 do CPC elenca um rol de recursos cabíveis, somando-se a estes outros tipos de agravo que já foram tratados. Completando o cabimento, deve haver também a adequação (Princípio da Singularidade), isto é, o recurso além de previsto deve ser adequado à determinada decisão. Conforme vimos, nem o recurso adesivo, nem o agravo retido devem ser considerados autônomos: isto porque ambos são formas de interposição e não propriamente recursos. Também já alertamos para o desacerto em se concluir pela classificação da adequação pelo mérito, pois nem todas as sentenças aferem mérito, assim como existem interlocutórias que o fazem – o que nos leva a concluir pelo sentido finalístico da decisão – quando encerram ou não a relação processual.

Existem diferenças fundamentais entre agravo no processo civil e recurso em sentido estrito no processo penal, geralmente confundidos por equívoco. Uma delas é o fato de que o juiz do cível, ao apreciar agravo, pode mudar a sua decisão com o juízo de retratação. Mudando, profere novo entendimento, e o recurso de agravo poderia ser considerado prejudicado pelo tribunal. Tal não se dá: quando a nova decisão for também agravável, o recorrido solicita ao órgão "ad quem" que julgue o agravo já interposto. Quando não for o caso de novo agravo, o recorrido pode eventualmente apelar da decisão. Diferentemente, o recurso em sentido estrito (art. 581, CPP) trata de forma diferente o mesmo caso: interposto o recurso em sentido estrito, se o juiz mudar a sua decisão pelo juízo de admissibilidade, caso couber novo recurso da mesma espécie, basta uma simples petição para fazer com que o recurso interposto seja apreciado.

Ademais, distanciam-se agravo e recurso em sentido estrito pela finalidade – neste, temos o embargo de decisões especificadas num rol de decisões judiciais, enquanto naquele, a impugnação de qualquer decisão que seja considerada interlocutória. Assim, quando o magistrado extingue o processo, sem julgamento de mérito, em processo civil, caberá apelação, enquanto que em processo penal, quando o juiz extingue o processo por estar prescrita a punibilidade, caberá recurso em sentido estrito, da mesma forma que no caso da absolvição sumária.

A razão da confusão é que, no recurso em sentido estrito, há decisões de mérito elencadas no rol do art. 581 do CPP ou outras que extinguem o processo sem julgamento de mérito. É aí que não se observa as particularidades dos dois processos, para confundir os recursos pura e simplesmente.

2) Legitimação para recorrer:

No Processo Civil, são partes com legitimidade para recorrer: as partes, o terceiro prejudicado e o Ministério Público. Da mesma forma, os intervenientes que ingressaram no processo como opoentes, denunciados da lide ou chamados ao processo. Quando a nomeação à autoria é aceita pelo autor e pelo nomeado, este se torna réu, de sorte que tem legitimidade para recorrer como parte. O terceiro prejudicado é aquele que tem interesse jurídico em impugnar a decisão, não um mero interesse de fato ou mesmo econômico. O requisito do interesse jurídico é o mesmo exigido para que alguém ingresse como assistente no processo civil (art. 50, CPC). Decorre daí que somente aquele terceiro que poderia haver sido assistente (simples ou litisconsorcial) no procedimento de primeiro grau é que tem legitimidade para recorrer como terceiro prejudicado. Anote-se que quando a própria legitimidade for o mérito do recurso, por este motivo não pode deixar de ser conhecido a impugnação interposta.

Como estudado anteriormente, a legitimação para recurso em processo penal não coincide com o interesse. Poderá haver interesse em recorrer, sem haver legitimidade, até porque o CPP é peremptório nos sujeitos que podem interpor recurso: Ministério Público, réu, defensor, querelante, querelado e, de forma supletiva, o assistente. Imaginemos o Juizado Especial Criminal, onde o responsável cível é chamado para garantir o pagamento de obrigação a ser contraída pelo acusado. Mesmo identificado como responsável, não poderá recorrer de decisão desfavorável ao réu.

3) Interesse em recorrer:

Conhecido é o binômio necessidade x utilidade: por necessidade, entende-se que a decisão somente poderá ser mudada por meio de recurso, ou seja, se o recorrente puder obter a vantagem pleiteada de qualquer forma, afora a hipótese do recurso, este não será conhecido. Por utilidade, entende-se o próprio prejuízo da parte ou de terceiro, ao ver uma decisão desfavorável às suas pretensões: diz sucumbência. Esta pode ser formal ou material – a formal diz respeito ao pedido do autor ou da resistência do réu. Quando não há a perfeita correspondência do pedido com a decisão, houve sucumbência formal; já a material, é representada por tudo aquilo que a parte, mesmo sem ter deduzido, poderia esperar do processo, geralmente questões de ordem pública. Questão interessante impõe-se na sucumbência formal, onde o réu reconheceu o pedido do autor, mas ingressou com reconvenção: mesmo tendo reconhecido o pedido inicial do autor, tem direito a impugnar a decisão judicial que não apreciou ou concedeu a menos do que foi requerido na reconvenção.

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O conceito de sucumbência está sendo, hodiernamente, alterado. Considerando os efeitos reflexos das decisões judiciais, o interesse em recorrer avulta-se onde, até então, não existia. Assim, o réu que pugnou, em contestação, pela carência da ação e foi aceita a tese, pode recorrer para ter consigo uma sentença de improcedência? Parece-nos, sem sombra de dúvida que sim: não falta interesse ao recorrente, ainda que suas razões tenham sido integralmente aceitas. Porque? Porque imaginemos um caso de ação popular, onde o réu, tendo o seu pedido de carência aceita, também tem o direito de ver julgado no mérito improcedente a ação para que não mais enfrente nova ação. O contrário não se dá, por falta de interesse-utilidade: o juiz declara a improcedência da ação e o réu recorre para que seja julgada a inicial como improcedente...da mesma forma, dá-se com o autor que teve na decisão um julgamento "citra" ou "ultra petita": se o órgão julgador não apreciou todo o pedido, haverá óbvio interesse em recorrer; e se houver um julgamento além do que o autor pleiteou? Também terá interesse em atacar a decisão, já que é cabível ação rescisória (art. 485, V do CPC), porque ofendem os arts. 128 e 460 do CPC.

OBS – falta interesse em se agravar de forma retida, quando ocorrem decisões interlocutórias que impossibilitem efeitos práticos na apreciação deste agravo. São exemplos: liminares de ações possessórias, nas ações civis públicas, nas cautelares, nos pedidos de antecipação de tutela (arts. 273 e 461, par. 3, do CPC), mandado de segurança etc. Da mesma forma, carece de interesse o terceiro prejudicado em interpor agravo retido contra decisão que lhe prejudica. Isto porque terceiro não tem legitimidade para apelar, recurso que devolveria o mérito do agravo retido ao órgão "ad quem".

Em seguida, consignamos alguns apontamentos sobre o interesse e a legitimidade para recorrer em processo penal, ditados pela doutrina do Dr. Maurício Zanóide de Moraes:

1) Interesse do ofendido como substituto processual

Não é racional conceber tratamento diverso ao ofendido na ação pública e na ação privada subsidiária da pública, pois, se nessa, não há dúvida, o ofendido possui interesses penais e não-penais, não há como se lhe negar os mesmos interesses quando atua na mesma função de substituto processual do MP. Caso houvesse apenas interesses civis não se explicaria a participação do ofendido no processo penal quando já tivesse recebido sua indenização ou até mesmo a ela renunciado. Entretanto, uma observação: sendo o MP o titular da ação penal de iniciativa pública, competindo a ele a condução acusatória do processo, o ofendido somente poderá substituí-lo caso aquele órgão se quede impugnativamente inerte (analogia com o art. 598, CPP).

O ofendido está expressamente autorizado a recorrer em sentido estrito das decisões de improcedência ou daquelas que, de qualquer modo, extingam a punibilidade do agente da infração (art. 584, par. 1º do CPP). Também está legitimado a apelar das sentenças proferidas por juiz singular ou pelo Tribunal do Júri (art. 598 do CPP). Pelas mesmas razões, deve-se aceitar a legitimação extraordinária para o ofendido recorrer em sentido estrito na hipótese de ter sua apelação julgada deserta ou denegada. Se o ofendido estava autorizado a apelar nos termos do art. 598 do CPP e teve seu direito denegado ou julgado deserto, é intuitivo que àquele substituto processual está estendida a legitimação para impugnar a decisão que obstou seu ato recursal (apelação) por meio da interposição de recurso em sentido estrito previsão do inciso XV, do artigo 581, daquele diploma.

Acrescente-se a isso o fato de o ofendido defender na ação penal não só interesses civis de caráter indenizatório, mas também interesses de caráter penal (de uma justa punição do infrator), e pode-se concluir: ele sempre terá interesse em recorrer quando lhe era lícito esperar, civil e penalmente mais do que o reconhecido pela decisão jurisdicional impugnável. Sob essa angulação do problema, não há como se negar ao ofendido a possibilidade de recorrer para pleitear o agravamento da pena do condenado. Seu recurso, por pretender a defesa de seus interesses penais, é útil e legítimo.

2) Interesse do ofendido como co-réu

Só haverá interesse para o co-réu/ofendido recorrer da decisão que diga respeito ao seu ofensor. Não possui interesse em recorrer, portanto, de decisão dirigida a outro co-réu do qual não tenha sido vítima. Contudo, mesmo em se respeitando essa correlação agressor/vítima, o co-réu, da mesma forma como ocorre com o ofendido substituto, somente poderá recorrer quando desse ato ressurtir benefício prático-jurídico aos seus interesses penais e extrapenais.

3) Casos particulares do interesse do acusado em recorrer

Extinta a punibilidade, pode o réu adentrar no mérito da causa para ter sua pretensão absolutória apreciada?

Há suas espécies de prescrição penal no direito positivo brasileiro. A prescrição da pretensão punitiva, prevista no caput do art. 109 e parágrafos do art. 1110, ambos do Código Penal, e a prescrição penal da pretensão executória, insculpida no caput desse mesmo art. 110. Tratando-se de prescrição executória, ao réu sempre falecerá interesse recursal, pois o lapso temporal caracterizador daquela prescrição tem seu termo "a quo" após o trânsito em julgado da decisão e, portanto, com esse trânsito, por conseqüência da preclusão temporal já ocorrente, cessou qualquer indagação quanto a eventual interesse do acusado.

De forma diversa ocorre com a prescrição da pretensão punitiva. Essa, por sua vez, subdivide-se em 3 espécies: a prescrição em abstrato, a prescrição intercorrente e a prescrição retroativa. Essas duas últimas subespécies prescricionais têm em comum a existência de uma sentença condenatória ainda não transitada em julgado e que fornecerá como crédito norteador da ocorrência ou não do lapso prescricional a pena provisoriamente aplicada naquele "decisum" combinada com os vários incisos do art. 109 do Código Penal. Já na prescrição em abstrato o lapso prescricional é fixado pela pena máxima prevista pelo legislador no tipo penal imputado ao réu combinada, outrossim, com os incisos do referido art. 109.

Essa última forma de prescrição, por conseguinte, prescinde de sentença condenatória, logo ocorre antes do julgador adentrar ao mérito da causa. Nesse caso caberá ao juízo competente ou evitar que se instaure procedimento persecutório (policial ou judicial) ou, se acaso já existente, obstar seu prosseguimento. No entanto, caso haja qualquer juízo de valor do magistrado quanto ao fato e à culpabilidade de seu autor quando for declarar a ocorrência de prescrição em abstrato, caberá ao prejudicado, caso entenda oportuno, e para ver resguardado o seu direito líquido e certo de somente ser declarado culpado diante de um julgamento regular.

Todavia, tratando-se da prescrição retroativa ou da prescrição intercorrente, a solução deve ser diversa, porquanto essas espécies somente surgirão após prolação de sentença condenatória transitada em julgado para a acusação ou ainda, quando esta, mesmo recorrendo, tiver seu recurso improvido. Portanto, o acusado sempre terá um líndimo interesse recursal se visar à reforma da sentença condenatória sobre a qual aquelas subespécies prescricionais se lastrearam. Há interesse impugnativo não para o condenado questionar a existência ou não da prescrição, mas para pretender a reforma daquela decisão condenatória que serviu de esteio e pressuposto ao reconhecimento da prescrição punitiva em suas formas intercorrente e retroativa. Veja-se o seguinte exemplo: João é condenado a uma pena de 6 meses de detenção por supressão indevida de marca alheia em gado (art. 162, CP). Ciente da sentença, o MP não apresenta recurso transitando em julgado a sentença em relação a ele. Voltando os autos ao juízo sentenciante, este, ou até mesmo o próprio tribunal, instado por eventual apelação do acusado pleiteando a sua absolvição, atentando ao previsto no parágrafo 1º do art. 110, concertado com o inc. VI do art. 109, ambos do Código Penal, e, ainda, observando que da data do recebimento da denúncia até a publicação da sentença já transcorreu o período de 3 anos, decreta a prescrição retroativa em favor do condenado e não recebe recurso interposto por falta de interesse impugnativo. Se, nessa hipótese, o ofendido pode acionar João, tem este legitimidade para pleitear uma absolvição, ainda que prescrito o seu crime.

Para o perdão judicial, o raciocínio empregado deve ser o mesmo, pois também essa causa de extinção de punibilidade tem como seu esteio uma sentença condenatória.

4) Um caso particular de prescrição

Há, ainda, um outro tipo de prescrição não prevista em nossa legislação: a chamada "prescrição em perspectiva", ou "prescrição retroativa antecipada" ou simplesmente "prescrição antecipada". Essa forma de prescrição poderia ocorrer, para seus defensores, tanto antes do oferecimento da denúncia, quando no curso da ação penal, mas antes da sentença de primeiro grau. Essa prescrição peca já em sua premissa básica, uma vez que, a título de diminuição de trabalho judicial, estabelece como pressuposto não Sá a condenação do sujeito, mas também lhe fixa uma pena através de um ilegítimo exercício de futurologia. Desconsidera, pois, e para sermos breves, o princípio constitucional da presunção de não-culpabilidade. Devido ao fato de essa criação jursiprudencial poder ser reconhecida antes do início do processo – na hipótese do MP requerer e/ou o juiz acolher o arquivamento do procedimento investigativo com base na dita prescrição em perspectiva – e durante o curso do processo – quando depois de recebida a denúncia há reconhecimento daquela forma de prescrição penal pelo juiz que, com base no art, 61, do CPP, decreta-a de ofício – para cada uma dessas situações há solução deverá ser distinta.

Para nós, ocorrendo o pedido de arquivamento com tal fundamento, seria a hipótese, segundo um exame casuístico da oportunidade, de se impetrar mandado de segurança para defesa do dir. líquido e certo de o cidadão não ser considerado culpado. Ao revés, para segunda hipótese, ou seja, sendo decretada a dita prescrição penal em perspectiva após o recebimento da denúncia, se for conveniente ao beneficiado, ele poderá impor recurso contra tal decisório, já que seu interesse impugnativo despontará legítimo na medida em que representará seu inconformismo contra a presunção de culpabilidade a ele dirigida e ínsita ao raciocínio basilar da referida prescrição penal.

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Sobre o autor
Eduardo Mahon

advogado criminalista em Mato Grosso, professor de Direito Penal e Processual Penal na Universidade de Cuiabá (UNIC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAHON, Eduardo. Princípios recursais de processo civil e penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 177, 30 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4561. Acesso em: 26 abr. 2024.

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