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Princípios recursais de processo civil e penal

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30/12/2003 às 00:00

Resumo:


  • O recurso é um meio processual voluntário para impugnar decisões judiciais, visando sua reforma, invalidação, esclarecimento ou integração.

  • Existem pressupostos intrínsecos (cabimento, legitimidade e interesse) e extrínsecos (tempestividade, regularidade formal, inexistência de fato impeditivo ou extintivo) para a admissibilidade dos recursos.

  • A tempestividade é um pressuposto extrínseco crucial, relacionado ao prazo peremptório para interpor o recurso, sob pena de não conhecimento por preclusão temporal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Princípio da Consumação

Quando não impugnada uma decisão no prazo, há preclusão temporal. Quando já impugnada, há preclusão consumativa. Daí a razão de se ter o princípio da não-complementaridade: porque já se operou a preclusão consumativa. Sobre esse tópico, discute-se particularmente o caso do recurso adesivo. Partindo da premissa que recurso adesivo não passa de uma forma alternativa de interpor recurso, aderido ao principal da outra parte, resta saber se a parte que recorreu pode aderir depois a um outro recurso de seu oponente. Assim, por exemplo: se no caso concreto, o pedido deduzido em juízo pelo autor foi x, y e z. Tendo sucumbido em y e z, o autor apela somente por y, enquanto o réu apela agora por x. Pode o autor apelar adesivamente por z? Parece-nos que não, em função do princípio ora estudado, juntamente com o da singularidade recursal.

Imaginemos as mesmas situações em matéria penal, mesmo para questões polêmicas: 4 cidadãos são condenados por tráfico de drogas a 6 anos de reclusão, sendo que o magistrado omitiu-se em fixar o regime de cumprimento, ou ainda, fixou inicialmente fechado, mesmo determinando a Lei 8072/90 que devera ser o integralmente fechado. O Ministério Público apelou da sentença que não considerou também a formação de quadrilha, enquanto a defesa apelou para diminuir a pena da sentença. Operou-se a consumação quanto o regime de cumprimento da pena, já que nenhuma das partes o questionou em recurso, o que impede a devolutividade da matéria para ser apreciada novamente pelo Judiciário.

Entretanto, as regras de fixação de limites de devolutividade entre recursos da seara civil e penal são diversas. Uma questão nos parece ser oportuna, cuidando-se da observação cuidadosa sa Súmula que vai transcrita abaixo:

Súmula 160, STF: É nula a decisão do tribunal que acolhe, contra o réu, nulidade não argüida no recurso da acusação, ressalvados os casos de recurso de ofício.

Exsurge da interpretação pacificada pelo Excelso Pretório questão delicada e reveladora: as nulidades em processo penal, já em grau recursal, têm dois pesos e duas medidas – um para efeito de recurso, quando argüido tempestivamente por uma das partes; outro, para efeito apenas de defesa, quando não argüido por nenhuma das partes. De outra forma: imaginemos argüida a nulidade em recurso de apelação por qualquer das partes – pelo efeito devolutivo, aquela mácula trazida a lume deverá ser, necessariamente, analisada, anulando-se ou não o processo ou parte do feito. Mas, se a nulidade não for argüida por nenhuma das partes, em regra, sendo ela absoluta deverá ser sempre apontada em processo penal, DESDE QUE em benefício da defesa, jamais contra. É o que se extrai do entendimento sumulado pela Suprema Corte.

Decidiu assim aquele sodalício por acreditar que os interesses em processo penal são prevalentes e indisponíveis, mas o jus puniendi jamais pode manietar o jus libertatis, sendo analisada a nulidade processual sempre a favor do réu, quando não argüida por nenhuma das partes no processo. Ada Pellegrini Grinover, em sua obra "As Nulidades no Processo Penal Brasileiro" traz à baila situação pouco crível: os réus foram acusados como incursos no crime de receptação dolosa, sendo que o ladrão era terceiro. No curso do processo, entretanto, o juiz verificou que se tratava de receptação culposa, na verdade e, sem observar as regras contidas no artigo 384 do CPP, condenou os réus por receptação culposa. O Ministério Público se contentou com a decisão, não apelando. Entretanto, a defesa apelou, requereu abrandamento de pena para seus clientes. Juntadas as razões do recurso em segunda instância, verificou o relator que o magistrado "a quo" realmente não observara os mandamentos do art. 384 do CPP, configurando-se verdadeiro caso de nulidade. Todavia, pelo estudo sistemático dos artigos citados, juntamente com o art. 617 do CPP, as Súmulas 160 e 453 do STF, o que pode a defesa esperar do julgamento do Tribunal de Justiça? Qual a única solução possível para caso?

Vejamos o problema e suas soluções, considerando a redação da súmula 453 do STF:

Súmula 453, STF: Não se aplicam à segunda instância o art. 384 e parágrafo único do Código de Processo Penal, que possibilitam dar nova definição jurídica ao fato delituoso, em virtude de circunstância elementar não contida, explícita ou implicitamente, na denúncia ou queixa.

Veja-se que é uma situação, no mínimo, incomum. Temos aqui uma nulidade de caráter absoluto, por ter olvidado o magistrado as regras da mutatio libelli, ao mesmo tempo em que nenhuma das partes argüiu diretamente a nulidade existente, havendo recurso apenas da defesa. O que fazer? Para onde seguir? Pela conjunção de ambas as súmulas, e ainda considerando os interesses dos quais presta-se a preservar o processo penal, temos uma única resposta para o caso: deverá o colegiado absolver o réu, ainda que a contragosto.

É assim porque, ao mesmo tempo em que não pode reconhecer a nulidade da decisão de ofício, prejudicando o réu que fora condenado por crime menos grave em primeira instância, também não poderá aplicar a regra da mudança do libelo em sede recursal, sendo a única saída possível a absolvição – não há outra. Se houvesse pré-questionamento em preliminares da nulidade, poderia bem o Tribunal cassar a decisão, remetendo o processo novamente a instância primitiva. Mas, o que não é admissível é que o Tribunal analise o recurso, sabendo haver nulidade de caráter absoluto no processo e fechando os olhos para não vê-la: deve obrar no sentido de não ser a mácula permitida de nenhuma forma e, não havendo outra saída, deve sanar o problema da forma mais radical que é a imposição da absolvição. Não é crível, portanto,. que o Judiciário deixe ser o réu condenado, havendo nulidade absoluta no processo.


Afinal, o que é Recurso?

Antes de tudo, devemos atentar para a teoria da ação que, como a maioria da doutrina hoje admite, é independente o direito do processo respectivo. Isto é assim porque ao Judiciário é facultado julgar causas que podem ou não ter um fundo jurídico procedente. Sendo assim, devemos concluir que os atos processuais, em função dessa mesma independência, podem ser válidos, mesmo havendo nulidades materiais. Conforme Nelson Nery Jr. "Isto porque não existe defeito algum que não possa ser corrigido dentro do processo, quer pela sua convalidação (art. 244, CPC), quer pela repetição ou retificação (art. 249, caput, CPC), quer pela sua ratificação (art. 36, único, CPC), ou ainda pela sua impugnabilidade por intermédio de recurso". Portanto, num sentido amplo e livre, recurso é o instrumento processual que a parte ou terceiro prejudicado se usam para atacar uma decisão desfavorável, submetendo-a a novo julgamento.

A fim de construir um conceito mais científico de recurso, tanto no processo civil, como no penal, devemos levantar alguns elementos inerentes dos recursos:

a) São exercitáveis, necessariamente, na mesma relação jurídico-processual em que foi proferida a decisão recorrida. Esse matiz especial do sistema, que é extensão da ação, difere das ações autônomas que se constituem a partir de processo diverso, como nos casos de mandado de segurança, habeas data, habeas corpus, mandado de injunção, ação rescisória etc;

Abstenha-se de acreditar o leitor que, muito embora o agravo de instrumento seja interposto diretamente ao Tribunal "ad quem", seja ele modalidade de ação autônoma: tanto não é que se presta para atacar decisório da ação original, sendo dela dependente, vinculado. Os recursos diferenciam-se das ações autônomas em função de vários elementos que são mutuamente estranhos: a ação rescisória, por exemplo, tem como finalidade a alteração de um estado jurídico já existente, alcançado com a autoridade da coisa julgada. Pretende somente anulá-la (juízo rescindendo, conforme art. 485 do CPC e seus incisos). O recurso, ao contrário, busca justamente fazer com que seja evitado este estado jurídico, retardando a ocorrência da coisa julgada material. Outra diferença prende-se a divisibilidade, nos recursos, do juízo de admissibilidade do juízo de mérito: pode o julgador admitir o recurso para, no mérito, negar-lhe provimento. Ou seja, verificando as condições especiais que a lei impõe, o julgador é obrigado a aceitar e processar o recurso, mesmo que no mérito, o recorrente não tenha razão jurídica de recorrer. Nas ações autônomas de impugnação de conteúdo rescisório ocorre o contrário: se o juiz reconhecer o direito à revogação, não poderá decidir contrariamente à anulação da decisão.Mais uma diferença: o mérito do recurso pode coincidir com o da ação, mas não são necessariamente a mesma coisa: tal se dá no caso de agravo, onde se ataca uma decisão interlocutória, pretendendo a juntada de provas, por exemplo.

b) Os recursos adiam a coisa julgada e não impedem ou evitam, como trata a doutrina majoritária. Isto é assim, pois uma vez proposta a ação, inexoravelmente haverá julgamento por meio de uma sentença, possa demorar o tempo de durar a tramitação de eventuais recursos, haverá a decisão que é a própria prestação jurisdicional, ainda que não de mérito. Portanto, os recursos não impedem, mas protelam; prorrogam, aliás, para não usar uma expressão que hoje é pejorativa. Nesta altura, também as expressões são passíveis de confusão: nada tem a ver a prorrogação do trânsito em julgado com o efeito suspensivo dos recursos: este, suspende a eficácia da decisão recorrida, desprovida que está de plena e imediata executoriedade, enquanto aquela, impede que se forme um juízo estável sobre uma determinada lide – ou seja, o efeito suspensivo liga-se à eficácia da decisão, e a prorrogação do trânsito em julgado, à própria decisão.

Vale informar, rapidamente, que os recursos, quanto aos seus efeitos, têm também um efeito devolutivo e suspensivo. O efeito devolutivo é aquele que remete toda a matéria impugnada a uma nova apreciação por órgão diverso ou até mesmo ao mesmo órgão que prolatou a decisão. Não há, portanto, necessidade de que a devolução seja dirigida a órgão diverso daquele que proferiu a decisão impugnada. Ainda que o órgão destinatário do recurso seja de mesma hierarquia, há o efeito devolutivo. Questão interessante ocorre quando uma das partes agrava por instrumento uma decisão e, após a sentença de mérito em que sucumbiu, não apela. Temos aqui uma sentença que será executada provisoriamente, até porque a interposição de agravo não tem o efeito suspensivo, mas que seja anulada, caso o agravo seja conhecido e provido.

Portanto, somando-se esses elementos temos que recurso é:

1) "Meio voluntário de impugnação de decisões, utilizado antes da preclusão e na mesma relação jurídico-processual, apto a propiciar a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração da decisão" (Ada Pellegrini Grinnover);

2) "Meio, o remédio jurídico-processual pelo qual se provoca o reexame de uma decisão". De regra, esse reexame é levado a cabo por um órgão jurisdicional superior. A parte vencida, por meio do recurso, pede a anulação ou a reforma total ou parcial de uma decisão" (Tourinho Filho);

3) "Meio processual que a lei coloca à disposição das partes, do Ministério Público e de um terceiro, a viabilizar, dentro da mesma relação jurídica processual, a anulação, a reforma, a integração ou o esclarecimento da decisão judicial impugnada" (Nelson Nery Jr.)

4) "remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna" (José Carlos Barbosa Moreira)

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5) De forma petulante, daríamos o nosso conceito da seguinte forma: recurso é um meio processual, previsto em lei, cuja parte ou terceiro se utiliza, havendo legitimidade e interesse, para impugnar uma decisão que lhes seja, de qualquer forma, desfavorável, dentro de uma mesma relação processual. Devemos alertar para a impropriedade científica desse conceito, pois estão acopladas a ele uma série de requisitos intrínsecos aos recursos...mas, de qualquer forma, nos parece mais didático inserir no conceito a sucumbência, o interesse da parte ou do terceiro prejudicado e a legitimidade para recorrer que, como veremos, formam a tríade de admissibilidade intrínseca dos recursos. Ademais, informamos que o cabimento também está presente no conceito, vez que o aspecto legal está expresso no início da fórmula.


Atos Processuais sujeitos a recurso

O nosso Código de Processo Civil adotou a teoria finalística para classificar os atos processuais passíveis de recurso. Antes, uma observação: não se recorre de ato que não seja do magistrado: isto porque o sistema jurídico brasileiro é presidencialista, devendo o juiz ele mesmo controlar a validade dos atos das partes. Dessa forma, o art. 162 do CPC nos informa haver três tipos de atos: as sentenças – que põem fim ao processo; as decisões interlocutórias – que não põem fim ao processo; e os despachos de mero expediente – verdadeiro impulso oficial, sem conteúdo de prejudicialidade. Mas o que seria despacho, senão o de mero expediente? O legislador incorreu em redundância...ou quis nos informar que talvez alguns "despachos" presentes nos CPC talvez sejam, na verdade, decisões interlocutórias, como realmente ocorre.

Fica fácil, portanto, compreender, pela conseqüência do ato judicial, qual é a sua natureza e, portanto, qual o recurso cabível. Assim, da decisão não decreta falência, concede liminar em mandado de segurança, concede ou nega liminar em ações possessórias, são exemplos de decisões interlocutórias agraváveis, muito embora a legislação específica não se manifeste a respeito. Não se manifestando, aplica-se o CPC subsidiariamente: portanto, quando a decisão for interlocutória, na falta de vedação para recorrer, aplica-se o agravo. Também é assim na esfera dos órgãos judicantes colegiados. Cabe agravo das decisões do relator: que indefere embargos infringentes (art. 532, CPC), quando o relator, no STF ou STJ, indefere o recurso extraordinário ou especial (art. 545, CPC), ou ainda, quando o relator indefere o recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou contrário à súmula do tribunal ou de tribunal superior (art. 557, único, CPC). Assim não é diferente com o indeferimento do recurso especial ou extraordinário, desafiando agravo de instrumento (art. 544 do CPC) para o Tribunal local.

Classificadas as decisões desta forma, por sua conseqüência, o que dizer do cabimento dos embargos de declaração? Pela leitura do art. 535 do CPC, cabem embargos declaratórios onde haja omissão, contradição ou obscuridade de sentenças ou acórdãos. E das decisões interlocutórias? Como sabemos haver decisões interlocutórias de mérito, não podemos olvidar da importância das mesmas no processo: cite-se, por exemplo, a decisão de saneamento. Portanto, caberão os embargos de declaração também para esclarecer e integrar todas as decisões, num sentido mais amplo.

Nas decisões e sentenças há patente diferença entre o "error in judiciando"e o "error in procedendo": o erro no procedimento é aquele pelo qual equivoca-se o magistrado no procedimento processual adequado, dando marcha diversa da tratada em lei, vedando elementos permitidos como as provas, invertendo situações traçadas na legislação processual. Quanto ao erro no julgamento, este não é meramente procedimental e sim substancial, ou seja, age o juiz com injustiça frente ao direito. Nelson Nery ressalta a diferença ao se referir ao exemplo do cabimento das rescisórias: se há "error in procedendo", caberá a rescisória, baseada nos incisos II ou IV do art. 485 do CPC; do contrário, se há "error in judicando", caberá rescisória, só que fundada nos incisos V ou IX do mesmo artigo.

Como já afirmado alhures, é interessante a classificação das decisões judiciais em processo penal. Numa conjunção de artigos (arts. 581, 593 e 800, CPP), temos que, em tese, há: decisões definitivas, com força de definitivas, terminativas, interlocutórias simples, mistas e, finalmente, despachos. Mas, como processo civil, em nenhum lugar há determinação pura e simples que em todos os casos de determinada decisão, caberá este ou aquele recurso. Assim, temos nas hipóteses de recurso em sentido estrito, decisões que são definitivas, com força de definitiva e até mesmo uma sentença de mérito que é a absolvição sumária. Em conclusão: a decisão não prevista em recurso em sentido estrito, por exclusão, é atacável por outro recurso, diametralmente diverso do que preceitua o processo civil, numa classificação coerente e sistêmica.

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Sobre o autor
Eduardo Mahon

advogado criminalista em Mato Grosso, professor de Direito Penal e Processual Penal na Universidade de Cuiabá (UNIC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAHON, Eduardo. Princípios recursais de processo civil e penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 177, 30 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4561. Acesso em: 25 dez. 2024.

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