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Princípios recursais de processo civil e penal

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30/12/2003 às 00:00

Resumo:


  • O recurso é um meio processual voluntário para impugnar decisões judiciais, visando sua reforma, invalidação, esclarecimento ou integração.

  • Existem pressupostos intrínsecos (cabimento, legitimidade e interesse) e extrínsecos (tempestividade, regularidade formal, inexistência de fato impeditivo ou extintivo) para a admissibilidade dos recursos.

  • A tempestividade é um pressuposto extrínseco crucial, relacionado ao prazo peremptório para interpor o recurso, sob pena de não conhecimento por preclusão temporal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Princípio da Dialeticidade

Os recursos no Processo Civil são dialéticos, ou seja, discursivos. Assim, é causa de inépcia a interposição dos recursos sem as respectivas razões. É essencial, obrigatória a dedução das razões recursais, por dois motivos: o primeiro de fixação dos limites da irresignação do sucumbente, limitando o órgão "ad quem" à análise do pedido. Do contrário, como poderia o tribunal entender onde está o erro da decisão recorrida (quantum appelatum)?; o segundo motivo está ligado ao contraditório: a parte contrária tem direito de contraditar o recurso nos exatos limites do deduzido no pedido.

No Processo Civil, todavia, há a exceção do reexame necessário, onde toda a matéria é devolvida ao tribunal competente, ainda que não haja interposição de recurso ou, se havendo recurso parcial, ainda sim prevalece a devolutividade plena. Já no Processo Penal, como se lida com o maior interesse do cidadão que é a liberdade, admite-se a interposição de recurso, sobretudo o de apelação, sem as razões, remetendo ao tribunal toda a matéria decidida e recorrida. Isso porque temos dois prazos para o recurso de apelação no Processo Penal: 5 dias para recorrer e 8 para apresentar razões, seja no juízo "a quo", seja no juízo "ad quem". Evidentemente, é de se ressaltar que a falta de fundamentação em recursos penais é excepcional, até porque há a legitimidade recursal em processo penal é mais ampla que em processo civil, atendendo aos interesses prevalentes do acusado pela liberdade. Todavia, não se pode imaginar que poderá o Ministério Público ou, eventualmente, o assistente da acusação podem aproveitar-se dessa exceção, sendo que a carência de discursividade nos recursos destes deverá causar o desconhecimento dos mesmos.

Mas cabe aqui um aviso – não é pacífico o tema em processo penal. Muito embora o Diploma Processual Penal diga claramente que a apelação subirá com ou sem as razões, parte da doutrina entende que não poderá ser conhecido um recurso vazio de fundamentação, o que nos parece retrógrado. Entretanto, o que devemos repisar é o objetivo diverso que o processo penal guarda em relação ao processo civil: lida-se com a liberdade. Dessa forma, interpretações restritivas aqui gerariam prejuízos enormes e não seria econômico, enfim...isto porque se o réu recorre de sentença de juiz absolutamente incompetente, mas não junta razões, gerando o não-conhecimento do apelo, futuramente, poderá se usar do processo de revisão criminal.

Em processo civil, cabe uma questão: mesmo em agravo retido, exige-se fundamentação? Pensamos que sim, por duas razões: a primeira, em função da possibilidade do magistrado retratar-se de sua própria decisão, considerando os fundamentos do agravo; a segunda, pela aferição dos mesmos pressupostos que recaem sobre os demais recursos, já que o agravo retido é, antes de tudo, agravo.

Tanto em processo civil como em penal, os recursos especial e o extraordinário são precedidos pelas exatas razões do inconformismo do recorrente. Tais recursos classificam-se como "de vinculação obrigatória". Digamos que o legislador inseriu mais um pressuposto de admissibilidade a ambos os recursos às cortes superiores: a indicação obrigatória da causa da insubordinação e mais – qual dispositivo foi ferido pela decisão recorrida. Deve o recorrente, ele mesmo, indicar claramente qual hipótese está se usando para impugnar – qual das alíneas do inciso III dos artigos 102 e 105 da Constituição da República, respectivamente. Aqui, não há que se falar, mesmo em processo penal, de desfundamentação recursal: são obrigatórias as razões recursais, por imperiosa determinação legal.


Princípio da Voluntariedade

Os recursos são atos voluntários de não permitir o trânsito em julgado de uma decisão. Assim, as partes não são obrigadas a recorrer. Da mesma forma, esteja atuando o Ministério Público como fiscal da lei, não há a obrigação de recorrer, mas no Processo Penal se interposto o recurso, o órgão ministerial não pode dele desistir. É por esta razão que o reexame necessário não é recurso.

Recursos Necessários no Processo Civil:

a)anulação de casamento;

b)decisões contra a União, Estado ou Município ou quando for julgada improcedente a execução de dívida ativa da Fazenda Pública;

c)decisões que concederem mandado de segurança;

d)desapropriações por utilidade pública.

Recursos Necessários no Processo Penal:

a)das decisões que concedem habeas corpus (art. 574, I, CPP);

b)nas decisões proferidas em absolvições sumárias, nos termos do art. 411 (art. 574, II, CPP);

c)das decisões que concederem reabilitação (art. 746, CPP);

d)nas hipóteses previstas no art. 7º da Lei nº 1521/51 - "os juízes recorrerão de ofício sempre que absolverem os acusados em processo por crime contra a saúde pública, ou quando determinarem o arquivamento dos autos do respectivo inquérito policial".

O legislador elegeu hipóteses de interesse público que, mesmo não havendo contestação da decisão, deve o magistrado remeter os autos ao juízo hierarquicamente superior. Não se entenda o reexame por recurso por duas razões básicas: a devolutividade é plena, ou seja, o Tribunal pode examinar a decisão de forma completa, sem limites; ao juiz é impossível insubordinar-se contra a própria decisão...é logicamente incompatível. De forma que, é insólito o fato do magistrado negar-se a si mesmo, afirmando não ser o seu próprio entendimento digno de fé.

O que se pretende, em resumo, é garantir a lisura de uma decisão excepcional e de relevante repercussão para a sociedade, extravasando interesses das próprias partes. A concessão da ordem em writ, ou em mandado de segurança, ou ainda as absolvições sumárias, importam não só para os envolvidos no processo, mas para toda a coletividade, devendo passar pelo crivo de órgão colegiado, que servem aqui como fiscais da legalidade do ato do juiz singular. A tendência moderna é desconsiderar o reexame necessário, como forma de abreviar o rito processual, tese com a qual comungamos inteiramente, ainda mais saber que, na prática, quase a totalidade das decisões de primeiro grau são confirmadas em superior instância automaticamente.

Anote-se, todavia, que o reexame necessário cabe apenas de decisões singulares. Desta forma, se a decisão que concedeu mandado de segurança, por exemplo, partir de órgão colegiado, está estará isenta de reexame. O que se busca claramente, pois, é a apreciação da decisão por uma corte colegiada. Não podemos entender de forma diferente. Neste ponto, há de se consignar que, havendo a prerrogativa de foro, sendo julgado o réu em Tribunal, ainda assim, não caberá o reexame necessário daquelas decisões apontadas acima, por se tratar de órgãos colegiados, mesmo considerando que sejam a "primeira instância de julgamento".


Princípio da Complementaridade

Contrariamente ao que ocorre no processo penal, em processo civil, à parte é vedada a interposição de recurso em uma ocasião e das respectivas razões em outra, ainda que dentro do prazo recursal. Daí dizer-se, no entender de Barbosa Moreira, que há preclusão consumativa quanto à dedução das razões, se estas já não vieram acompanhando a petição de interposição do recurso. Assim, interposto o recurso antes do prazo, é impossível à parte recorrente completá-lo, ainda que dentro do mesmo prazo. Não por ser extemporâneo, mas sim pelo fato de ter se operado preclusão consumativa (ver anotação no princípio correspondente).

Em processo penal, repita-se, temos a legitimidade extraordinária do réu para interpor recurso, conforme se lê no art. 577 do CPP:

Art. 577. O recurso poderá ser interposto pelo Ministério Público, ou pelo querelante, ou pelo réu, seu procurador ou seu defensor.

Parágrafo único. Não se admitirá, entretanto, recurso da parte que não tiver interesse na reforma ou modificação da decisão.

Assim, era de se esperar que houvessem momentos diversos para apresentar o recurso e as razões, respectivamente, porque o réu geralmente não dispõe de técnica suficiente para arrazoar o seu próprio recurso, manifestando apenas por termo ou oralmente a sua irresignação com a decisão judicial. Em momento oportuno, deverá o defensor apresentar as razões do embargo, do recurso...não se entendendo aqui, de forma alguma, que irá ser "completado" aquele recurso. Lê-se nos artigos correspondentes do recurso em sentido estrito e da apelação:

Art. 588. Dentro de 2 (dois) dias, contados da interposição do recurso, ou do dia em que o escrivão, extraído o traslado, o fizer com vista ao recorrente, este oferecerá as razões e, em seguida, será aberta vista ao recorrido por igual prazo.

Parágrafo único. Se o recorrido for o réu, será intimado do prazo na pessoa do defensor.

Art. 600. Assinado o termo de apelação, o apelante e, depois dele, o apelado terão o prazo de 8 (oito) dias cada um para oferecer razões, salvo nos processos de contravenção, em que o prazo será de 3 (três) dias.

Art. 601. Findos os prazos para razões, os autos serão remetidos à instância superior, com as razões ou sem elas, no prazo de 5 (cinco) dias, salvo no caso do art. 603, segunda parte, em que o prazo será de 30 (trinta) dias.

Daí não se falar de complementação, uma vez que exsurge da lei a própria possibilidade jurídica de se cindir os momentos de recorrer e de apresentar razões. Todavia, transcorrido o prazo para a apresentação de razões e não as havendo no processo, ainda assim, serão remetidos os autos à superior instância, para ser julgado o recurso com efeito devolutivo pleno, logicamente. Anote-se que, apresentadas as razões, ordinariamente não poderão ser elas completadas: aqui sim, aplica-se o princípio em estudo.

A única hipótese que se visualiza de complementaridade são os casos em que a decisão atacada é alterada de uma ou de outra forma, supervenientemente à interposição de recurso por uma das partes: é o caso, por exemplo, de alteração do decisório em embargos de declaração, onde a outra parte já tiver interposto apelação. Terá direito, portanto, de completá-la. Imaginemos, então, o caso de sucumbência da parte "A" com relação ao mérito da causa e da parte "B" por ter sido os honorários arbitrados a menos do que o requerido (ex: de 20% para 10%): "A" interpõe apelação e "B", embargos de declaração, requerendo majoração de honorários, ao que o magistrado concede e altera a decisão anterior. "A" terá direito de complementar a sua apelação, porque houve fato superveniente ao recurso.

Vamos, em processo penal, repetir o exemplo: imaginemos que o réu é condenado por 6 anos de reclusão, em sentença penal, interpondo a defesa desde logo apelação, insubordinando-se com a pena aplicada, num crime de pena mínima de 3 anos...compreensível o recurso nestes casos. Pois bem, da mesma forma, o Ministério Público embarga a decisão, requerendo do magistrado a forma de cumprimento da pena, apontando o adequado regime fechado ou integralmente fechado (que acreditamos inconstitucional), tendo o pleito atendido pelo juiz, completando a sua sentença. E o réu? Já apelou. Não poderá questionar o dispositivo profundamente negativo para o cumprimento de sua pena? Claro que sim, uma vez que a complementação da sentença, apondo o regime fechado, deu-se posteriormente ao protocolo da apelação, podendo ser completada apenas para insurgir-se contra o regime de cumprimento de pena.


Princípio da Proibição da "Reformatio in Pejus"

Pelo princípio em estudo, o juízo "ad quem" não pode piorar a situação do recorrente, no caso de haver recurso de apenas uma das partes. Isto é assim em respeito ao efeito devolutivo restrito na própria peça recursal. Não pode o tribunal ir além do pedido, prejudicando quem recorre. É por esta razão que no Processo Civil exige-se a fundamentação que servirá como balizas para o julgamento do recurso. Da mesma forma, entende os profs. Barbosa Moreira e Nelson Nery com relação ao Processo Penal, no caso de reforma "in mellius". Ousamos discordar: se o Ministério Público recorre da sentença, requerendo agravamento e o tribunal não dá provimento ao recurso, diminuindo a pena, tal não nos parece aberração. Isto porque o que está posto em jogo é a liberdade, bem indisponível na legislação em vigor.

Discute-se também a possibilidade de reforma para pior no caso de reexame necessário. Poderia o tribunal reformar para pior o julgado que deve ser reexaminado para ter eficácia? A Súmula 45 do STJ nos parece contraditória e protecionista: "No reexame necessário, é defeso ao Tribunal, agravar a condenação imposta à Fazenda Pública". Em respeito à coerência do que prelecionamos até aqui, o reexame necessário opera na devolutividade plena, isto é, não impõe nenhum limite ao julgador. No entender acertado de Nelson Nery, se se considerasse preclusa a sentença para o particular, estar-se-ia estabelecendo diferença de tratamento entre as partes, o que seria inconstitucional.

Há uma questão muito interessante em processo penal: imaginemos que o crime seja da alçada do Tribunal do Júri (doloso contra a vida e conexos): havendo o primeiro julgamento, sendo proferida sentença condenatória e fixada a pena em 10 anos, e anulada a mesma sentença, pode o próximo julgamento agravar a pena a mais de 10 anos? Aparentemente, sim. Isto porque o primeiro julgamento fora anulado, não gerando nenhum efeito, sendo desconsiderado no mundo jurídico. Ocorre, entretanto, fenômeno único: o recurso que anulou o julgamento foi o da defesa...assim, se a defesa soubesse que a sua situação poderia ser piorada, jamais recorreria – trata-se de verdadeiro desestímulo, ou melhor, jogo de azar. Não se pode arriscar em processo penal. Compreendemos, portanto, que não se admite nem mesmo a "reformatio in pejus" indireta. Diga-se o mesmo em processo civil.

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Sobre o tema, vejamos as lições do Des. Saulo Brum Leal, a qual comentaremos a seguir:

Segundo Adolf Wach, o fim do processo não é teórico, mas prático.

Imaginemos as seguintes hipóteses:

1ª hipótese.

réu é denunciado e pronunciado por homicídio qualificado, mas o júri não reconhece a qualificadora. Irresignado, apela o Ministério Público, entendendo que o não-acolhimento da qualificadora constituiu decisão manifestamente contrária à prova dos autos. A defesa deixa de apelar. Ou apela intempestivamente.

2ª hipótese

réu é denunciado e pronunciado por homicídio qualificado, mas o júri não reconhece a forma qualificada. Apela a defesa entendendo que a decisão do júri, ao não acolher a tese de legítima defesa, p. ex, decidiu manifestamente contra a prova dos autos. Também apela o Ministério Público, entendendo que o não-acolhimento da qualificadora afrontou a prova dos autos. O Tribunal entende estar com razão só o Ministério Público.

3ª hipótese.

O réu é denunciado, pronunciado e condenado por homicídio qualificado. O Ministério Público deixa de recorrer, mas a defesa recorre, insurgindo-se tão-somente quanto à qualificadora acolhida pelos jurados.

Nesses casos, ainda é entendimento doutrinário e jurisprudencial majoritário que o réu deve ser julgado pela integralidade dos fatos. Entretanto, sustento posição diferente. Entendo que nesses casos o júri deve examinar tão-só a qualificadora.

Passo a examinar cada um dos casos. Mas em todos eles há um traço comum: o réu, pronunciado por delito qualificado, resta condenado pelo Júri na forma simples; em recurso, o Tribunal entende que a decisão quanto à qualificadora não acolhida desgarrou-se da prova.

1ª hipótese

Suponhamos que o réu seja denunciado e pronunciado por homicídio qualificado. Mas o órgão julgador popular acaba condenando o réu somente por homicídio simples, afastando, pois, a qualificadora.

A defesa conforma-se com a condenação por homicídio simples: não apela. Ou apela intempestivamente, o que acarreta a mesma conseqüência. Entretanto, a acusação oficial recorre, e tempestivamente, postulando que o Tribunal de Justiça determine novo julgamento porque o Júri, ao não acolher a qualificadora, decidiu manifestamente contra a prova dos autos.

Ao contrário do que tem decidido a jurisprudência, entendo que julgando e provendo o recurso ministerial, a Câmara Criminal deve determinar o novo julgamento tão-somente para que seja examinada a qualificadora, não devendo o processo ser examinado novamente pelo Júri na sua integralidade (com exame de mérito), isto porque nem mesmo a defesa discutiu a condenação.

Restou, pois, indiscutível e soberana a decisão condenatória. Apenas o Ministério Público é que não se conformou com o não-reconhecimento da qualificadora. Portanto, não há que se discutir a condenação quando até a defesa conformou-se com o homicídio simples. Caso seja determinado o julgamento pela integralidade do processo, poderá o réu até resultar absolvido pelo fato, o qual não foi objeto da decisão da superior instância.

De rigor, não houve sucumbência com relação à condenação, pois "a sucumbência nada mais é senão aquela desconformidade entre o que foi pedido e o que foi concedido".

Aliás, a 4a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, de forma inédita, já decidiu neste sentido:

"JÚRI. NÃO RECONHECIMENTO DAS QUALIFICADORAS DO MEIO CRUEL E DA SURPRESA. DETERMINAÇÃO DE NOVO JÚRI PARA QUESTIONAMENTO TÃO-SÓ DO MEIO CRUEL. É manifestamente contrária à prova dos autos a decisão que não reconhece o meio cruel, quando o homicídio é praticado mediante brutal espancamento, com pontapés e pisoteios na cabeça da vítima. Constantes discussões e brigas do casal possibilitam o afastamento da qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima. Determinação de novo júri apenas para o exame da qualificadora do meio cruel (grifo é meu). Recurso ministerial provido por unanimidade.

Dr. Érico Barone Pires - (...) Então, o nobre Conselho de Sentença, ao desacolher a qualificadora do meio cruel, pela escassa maioria de quatro votos, decidiu manifestamente contra a prova dos autos, o que impõe o provimento do recurso para que o réu seja submetido a novo julgamento pelo júri de Estância Velha, embora mantida a condenação pelo homicídio simples. (...)

Daí por que dou provimento à apelação para que o réu seja submetido a novo júri, tão-somente para exame e novo questionamento da qualificadora do meio cruel.

DR. JOSÉ ANTÔNIO PAGANELLA BOSCHI – "Com muita propriedade GERALDO BATISTA DE SIQUEIRA, RAIMUNDO PEDREIRA MARTINI e MARIA DA SILVA SIQUEIRA defendem a tese de que, na hipótese de sucumbência da parte, apenas quanto à matéria secundária, o apelo deve versar somente sobre esta, que lhe foi adversa, permanecendo intocado o restante da decisão que lhe foi favorável. Assim, por exemplo, a acusação pode apelar, alegando decisão manifestamente contrária à prova dos autos pelo não-reconhecimento de uma qualificadora, permanecendo intocada a condenação por homicídio simples, parte em que não é sucumbente" (Mirabete, Processo Penal, Atlas, p. 614). Com esse acréscimo, acompanho V. Exa".

2ª hipótese

Suponhamos que o réu tenha sido pronunciado e julgado por homicídio qualificado, mas o Júri o tenha condenado por homicídio simples. A defesa apela, insurgindo-se contra o não-reconhecimento da tese de legítima defesa própria, por exemplo, e o Ministério Público, por não terem os jurados acolhido a qualificadora.

Quanto ao recurso defensivo, a segunda instância entende que a decisão do Júri, ao não acolher a defesa legítima, está correta – o Júri tinha prova para afastá-la. Portanto, está mantida a soberania do Júri. Já quanto ao recurso ministerial, decide mandar o réu a novo julgamento, por entender que a decisão do júri, que não acolheu a qualificadora, é manifestamente contrária à prova dos autos.

Neste caso, ainda é entendimento jurisprudencial dominante que o réu deve ir a novo julgamento na integralidade do processo, ou seja, haverá novo exame de mérito, podendo inclusive ser absolvido.

Entretanto, essa orientação é contraditória, pois ao mesmo tempo em que o Tribunal entende estar correta a condenação, ao afastar a tese defensiva, manda-o a novo julgamento, a fim de que seja novamente julgado o mérito. É como se dissesse: "o réu foi corretamente condenado, mas o júri deve examinar novamente a tese defensiva".

Não há razão para que o júri examine mais uma vez o mérito, pois este já foi decidido pelos jurados ao afastar a tese da defesa, e confirmado pela Câmara quando, examinando o recurso defensivo, entendeu que a decisão do Júri não é manifestamente contrária à prova dos autos.

Por isso entendo que o réu deve ir a novo julgamento popular, mas tão-só pela qualificadora excluída, e não pela integralidade do processo, como comumente tem-se decidido.

3ª hipótese

Suponhamos que o réu tenha sido denunciado, pronunciado e finalmente condenado pelo júri por crime de homicídio qualificado. A defesa recorre somente da qualificadora, aduzindo que a decisão que a acolheu foi manifestamente contrária à prova carreada aos autos.

Como se sabe, a apelação pode ser ampla ou restrita (limitada). Naquela espécie, é devolvida ao Tribunal toda matéria anteriormente decidida; nesta, somente é analisado o que é indicado pelo recorrente. Vale o princípio nemo judex sine actore, que impede seja apreciada a parte da decisão da qual não apelou o interessado. Vale também o princípio "tantum devolutum quantum apellatum".

A hipótese em testilha é caso de apelação limitada. A defesa restou conformada com a condenação, tendo se insurgido somente em relação à qualificadora acolhida. Destarte, se nem a defesa quer discutir o homicídio, por que deve o Tribunal mandar o réu a novo julgamento por esse motivo? Mais uma vez a posição tradicional cria uma contradição.

CONCLUSÃO

Como antes referido, o fim do processo não é teórico, mas prático.

Por isso desconsidero qualquer celeuma em relação à discussão sobre se a qualificadora integra ou não o tipo. Desimporta. Tanto é verdade que é obrigatória a formulação de quesito do excesso culposo na tentativa de homicídio. Mas isso é juridicamente contraditório. Se for dada resposta afirmativa ao quesito, resta o réu condenado pela esdrúxula figura da tentativa culposa de homicídio, aplicando-se-lhe a pena correspondente.

O fato é que, sendo um réu pronunciado por delito qualificado, e restar condenado pelo Júri na forma simples, o Tribunal, entendendo que a decisão quanto à qualificadora não acolhida desgarrou-se da prova, deverá mandar o réu a novo julgamento, mas tão-só para o exame da qualificadora. Isto é ser prático; assim é que se alcança a verdadeira finalidade do processo.

Discorre o eminente Desembargador Saulo Brum Leal, de forma didática, sobre o princípio da não "reformatio in pejus", em casos de crimes dolosos contra a vida. Aqui, consignamos a nossa discordância de sua cátedra, ousando divergir de sua conclusão por um novo júri, apenas para julgar uma qualificadora. Senão, vejamos:

a) a apelação traz efeito devolutivo pleno, remetendo o processo à reapreciação de mérito, na análise dos fatos juridicamente sopesados pelo magistrado de primeira instância, substituindo aquela decisão por uma nova, necessariamente;

b) o efeito devolutivo pleno da apelação tem exceções, das quais uma delas é o caso do Júri, justamente por esbarrar com a soberania dos veredictos, onde a decisão do tribunal leigo não é passível de reforma no mérito, sendo apenas suscetível de anulação do julgamento;

c) assim, o entendimento dos jurados, no segundo julgamento, não pode estar "acabrestado" por decisão anulatória do Tribunal, apenas no que concerne à qualificadora, o que seja insólito, ao conduzir o réu a novo júri e vê-lo julgado apenas por parte do tipo, já que qualificadora (desprezou esse ensinamento) integra, sim, o tipo penal de qualquer delito, formando um novo, impossível portanto de ser dissociada do crime cometido. Seria, assim, uma meia-anulação, determinando um julgamento "caolho", sendo impossível ao jurado reconsiderar a sua decisão sobre a tipicidade (?), culpabilidade e reprobabilidade, analisando tão-somente a qualificadora, tomada aqui insolitamente como "alma sem corpo" pelo doutrinador de escol.

O que se quer concluir com as linhas que precedem é que: anulado o julgamento por recurso exclusivo da defesa, não poderá um novo júri agravar a situação do réu, já que foi por meio de seu recurso que houve a realização de um novo julgamento; do contrário, jamais a defesa suportaria correr este risco recursal. Já se adiantariam os críticos: "mas, não foi a primeira decisão cassada?; como poderia a segunda estar vinculada à primeira?". Por esta ótica, é certa a desvinculação entre o primeiro e o segundo júri sendo ambos soberanos, todavia lembramos que o segundo só ocorreu por recurso exclusivo da defesa. Ora, ainda que nulo o primeiro julgamento, este é tomado como parâmetro para, pelo menos, a dosimetria da pena, imposta em grau de recurso, por um novo julgamento.

E, aprofunda-se mais Carlos Otaviano Brenner de Moraes, sobre a reforma prejudicial:

O art. 617 do CPP enuncia:

"O Tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos art. 383, art. 386 e art. 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença".

Trata-se da proibição de uma reforma para pior em prejuízo do próprio recorrente, designada, em doutrina, de "reformatio in pejus indireta".

É um despropósito, além de profundamente injusto, que o acusado possa ser agravado em sua situação penal como decorrência de seu próprio recurso. O efeito objetivado através de todo e qualquer recurso é sempre "para melhor", nunca "para pior". O interesse em recorrer pressupõe benefício a alcançar.

E a regra proibitiva da "reformatio in pejus indireta" tem sido sistematicamente respeitada.

Mas, quando se trata de julgamento do Tribunal do Júri e não do juiz singular ou do segundo grau, os Tribunais, com a chancela da doutrina, não a aplicam, pois entendem proeminente o princípio constitucional da "soberania dos veredictos" (RT 596/327), embora sempre deixem expresso que o Juiz-Presidente, no segundo julgamento, e em face de idêntico veredicto, não pode fixar a pena em "quantum" superior ao estipulado primeiro (STF, HC. 66274-RJ - RTJ 127/561).

Servem de exemplos:

a) STF:

"REFORMATIO IN PEJUS INDIRETA. Tratando-se de preceito decorrente da lei ordinária (CPP, art. 617), a vedação da "reformatio in pejus" indireta não se aplica às decisões do Tribunal do Júri, cuja soberania assenta na própria Constituição Federal (art. 5º, XXXVIII). Habeas Corpus nº 73367/MG, STF, Rel. Min. Celso De Mello, j. 12.03.96, Informativo STF, 15.03.96, nº 23).

b) STJ:

"PROCESSO PENAL. JÚRI. QUESITO. NULIDADE. REFORMATIO IN PEJUS. Inviabilidade da aplicação do princípio da reformatio in pejus indireta nos julgamentos proferidos pelo Tribunal do Júri, em face da soberania de suas decisões. Precedentes desta Corte e do STF". (Recurso Especial nº 76541/DF, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 22.04.97, un., DJU 19.05.97, p. 20.686).

c) TJRGS

"JÚRI E REFORMATIO IN PEJUS. Réu pronunciado por homicídio qualificado por motivo fútil e por recurso que dificultou a defesa da vítima. Ausência de recurso, em relação à pronúncia.

"Submissão do réu a julgamento pelo Tribunal do Júri, que rejeitou as teses da legítima defesa e do excesso culposo, mas reconheceu o homicídio privilegiado por violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, julgando-se prejudicado o quesito da qualificadora do motivo fútil. Reconhecimento, pelo Júri, da qualificadora do uso de recurso que dificultou a defesa da vítima. Condenação do réu a 8 (oito) anos de reclusão. Apelo defensivo, suscitando a nulidade do julgamento, por deficiência de quesitação e porque a decisão dos jurados que reconheceu a qualificadora da surpresa teria sido manifestamente contrária à prova dos autos. Improvimento do apelo defensivo, pelo 1° fundamento, e provimento, pelo 2° fundamento.

"Submissão do réu a 2° julgamento pelo Tribunal do Júri. Rejeição da legítima defesa, já no 1° quesito a ela relativo, bem como do privilégio da violenta emoção e da qualificadora da surpresa. Reconhecimento da qualificadora do motivo fútil.

"Manutenção da pena do réu, no 1° julgamento (8 anos de reclusão), pela Dra. Juíza Presidenta, para não caracterizar "reformatio in pejus". Apelo do MP, com esteio na alínea "b", do inc. III, do art. 593, do CPP.

"Quando se trata de julgamento do Tribunal do Júri, não incide a regra que proíbe a "reformatio in pejus". Precedentes deste Tribunal, do Colendo STJ e do Pretório Excelso. Provimento do apelo do MP, com a exasperação da pena do réu para 13 anos de reclusão"(Apelação Crime nº 696118314, 3ª Câmara Criminal do TJRGS, Porto Alegre, Rel. Des. Nilo Wolff. j. 14.11.96, un.).

Da doutrina, por todos, Fernando Capez é explícito:

"Assim, anulado o Júri, em novo julgamento, os jurados poderão proferir qualquer decisão, ainda que mais gravosa ao acusado. Por exemplo, no primeiro julgamento o réu foi condenado por homicídio simples, ficando afastadas as qualificadoras; anulado o Júri, em virtude de recurso da defesa, poderá agora haver condenação até mesmo por homicídio qualificado, em face do princípio maior da soberania (os jurados estão livres para votar)"(Curso de Processo Penal, pág. 371.

- Penso diferente.

Se o recurso é exclusivo da Defesa, havendo trânsito em julgado da decisão para a Acusação, o reexame não pode ser "para pior". Em nenhuma hipótese. É questão de bom senso.

Os pontos em que a Acusação foi vencida estão sob o manto da coisa julgada. O recurso, que por natureza é restritivo quando impugna julgado do Júri (STF: "Nos processos do Júri a apelação é sempre restrita e não devolve o conhecimento pleno da causa, ficando exclusivamente adstrita aos motivos invocados pelo vencido ao interpô-la." - HC 70589-8-SP, I T., Rel. Min. Ilmar Galvão, DJU 16-09-94, p. 24.267), limita o âmbito de conhecimento, até porque não poderia o "vencedor" recorrer de sua "vitória".

Exemplificando:

Réu pronunciado por homicídio qualificado pela paga e emboscada foi condenado por uma das qualificadoras, a da paga, por hipótese. A decisão transitou em julgado para o Ministério Público. A defesa apela com base na alínea "d", inc. III, do art. 593 do CPP.

Se o Tribunal der provimento ao recurso, reconhecendo que a decisão condenatória foi "manifestamente contraria a evidência probatória", é óbvio que não examinará nem emitirá juízo sobre a qualificadora excluída pelos jurados, até porque não teria o menor sentido, e o novo julgamento, em uma conseqüência lógica, será estritamente limitado ao objeto da impugnação recursal acolhida. A qualificadora da "emboscada", que o Júri, no exercício de sua constitucional e soberana missão, julgou e expungiu, não integrará a imputação.

Nem mesmo diante de vício na formulação do quesito da qualificadora recusada, porque complexo "demais" em sua redação, tornando-o incompreensível aos jurados, poderia o Tribunal invalidar o julgamento do Júri no tocante à emboscada. Além da proibição da "reformatio in pejus direta", o tema "validade de quesito" não estaria compreendido pelos limites materiais da impugnação recursal, e as apelações do Tribunal do Júri são restritivas por natureza. "De nascença".

Dizer-se que o novo julgamento também envolve a qualificadora recusada, com base no argumento de que a CF assegura a soberania das decisões do Tribunal do Júri, não pode ser tão facilmente assimilado.

O julgado objeto do recurso também é expressão de soberania do Tribunal do Júri. E da "mesma" soberania do novo julgamento.

Enquanto preceito garantidor da liberdade do réu, a soberania dos veredictos não pode ser atingida. Mas, e a passagem é de Frederico Marques, "se ela é desrespeitada em nome dessa mesma liberdade, atentado algum se comete contra o texto constitucional" (Processo Penal, vol. 4., p. 467).

Assim, naquilo que não foi impugnado pelo recorrente, e que está passado em julgado, a decisão se mantém, exatamente como expressão de soberania do veredicto. É imutável. Sua fonte de produção, o Júri, foi soberano e definitivo.

Ao novo Conselho, encarregado do hipotético e exemplicativo caso, caberá apenas decidir sobre a imputação de homicídio qualificado pela paga. Nada além disso. A dupla qualificação imputada na denúncia e admitida pela pronúncia, foi "julgada e desconstituída" pelo Tribunal do Júri.

Nesse sentido:

"JÚRI - NÃO-RECONHECIMENTO DAS QUALIFICADORAS DO MEIO CRUEL E DA SURPRESA - DETERMINAÇÃO DE NOVO JÚRI PARA QUESTIONAMENTO TÃO-SÓ DO MEIO CRUEL.

É manifestamente contrária à provados autos a decisão que não reconhece o meio cruel, quando o homicídio é praticado mediante brutal espancamento, com pontapés e pisoteios da vítima. Constantes discussões e brigas do casal possibilitam o afastamento da qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima. Determinação de novo júri apenas para o exame da qualificadora do meio cruel.

Recurso ministerial provido por unanimidade".

(Apelação Crime nº 695026393, 4ª Câmara Criminal do TJRGS, Estância Velha, Rel. Des. Érico Barone Pires, 14.06.95).

- E não é só.

Penso, também, e em frontal oposição ao julgado cuja ementa a seguir será transcrita, que se o réu apela tão só da qualificadora, o mérito da condenação por crime de homicídio transitou em julgado, mais uma expressão de soberania do Tribunal do Júri, pelo que o novo julgamento será circunstancial – sobre a qualificadora da emboscada.

"REFORMATIO IN PEJUS. HOMICÍDIO. JÚRI. DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA A PROVA DOS AUTOS. Tendo os jurados, no segundo Júri, reconhecida a qualificadora da traição não admitida no primeiro, não há que se falar em "reformatio in pejus" vez que a pena nova mais gravosa foi decorrência natural do referido reconhecimento. Apelo improvido" (TJRGS, Apelação nº 695155606, 4ª Câmara Criminal, Rel. Des. Érico Barone Pires, j. 29.11.95, un.).

Concluíndo,

(a) em um sistema constitucional materialmente garantidor, a soberania dos veredictos e a autoridade da coisa julgada não convivem com o efeito "reformatio in pejus", em qualquer hipótese;

(b) o reconhecimento de que o veredicto do Júri anterior, naquilo que transitou em julgado, também é soberano, não significa violação ao princípio, e se em violação consistir, será em nome da liberdade, não havendo atentado algum contra o texto constitucional, pois a soberania dos veredictos só tem razão de ser caso opere como efetiva salvaguarda da liberdade;

(c) confortando a posição aqui sustentada:

"JÚRI - Condenação por homicídio qualificado consumado e por homicídio tentado. Réu que apelou da decisão do júri tão-só quanto à condenação pelo homicídio consumado. Condenação pelo homicídio tentado que transitou em julgado para as partes - Tribunal de Justiça que, entretanto, anulou o julgamento amplamente - "reformatio in pejus". Habeas corpus. Júri. Anulação do julgamento pelo Tribunal de Justiça. 2. O paciente foi condenado por homicídio qualificado consumado e por homicídio tentado. Recorreu da decisão do Júri, tão-só, quanto à condenação pelo homicídio consumado. 3. Quanto à condenação por homicídio tentado, não houve apelação nem do Ministério Público, nem do réu, ora paciente. 4. O Tribunal anulou o julgamento amplamente, por vício formal, determinando que o réu fosse submetido a novo pronunciamento do Júri, também de referência ao homicídio tentado. 5. Alegação, no habeas corpus, de "reformatio in pejus". 6. A apelação do réu ensejava à Corte julgadora anular o julgamento no que se referia à condenação por homicídio qualificado consumado. Ao determinar, entretanto, o Tribunal local a renovação integral do julgamento, pelo Júri, também quanto ao crime tentado, contra cuja condenação não houve apelação, ultrapassou os limites do recurso. 7. Na inicial o impetrante alega que houve "reformatio in pejus", pois a decisão prejudica ao paciente. 8. Habeas corpus deferido para, cassando em parte o acórdão referente à apelação criminal, afastar a determinação de o paciente ser submetido a novo julgamento pelo Júri, quanto ao homicídio tentado."(STF - 2ª T.- HC nº 73.641-6/SP - Rel. Min. Néri da Silveira - DJU 08/11/96, pág. 43.201).

Em conclusão, poderemos sistematizar a reforma prejudicial indireta de seguinte forma:

a) anulada inteiramente a decisão do juízo a quo por recurso da acusação ou da defesa, jamais poderá manifesta-se aquele colegiado ad quem sobre o mérito da decisão cassada, limitando-se a remeter novamente o processo para instância de origem, sob pena de ver suprimida a competência do juízo singular, por exemplo;

b) retornando ao juízo de origem, cabe distinguir qual recorrente induziu a esta novel situação: se o recurso de anulação tiver sido interposto pela acusação, o magistrado poderá proferir nova decisão, mais branda, de igual teor ou ainda mais severa para o réu; se, no entanto, foi o réu que recorreu exclusivamente, não poderá o magistrado exceder-se aos limites de seu julgado pretérito, vez que estaria reformando prejudicialmente uma decisão por meio de recurso da própria defesa;

c) o caso do júri é singular, por sua soberania. Nenhum tribunal pode ingressar no mérito do julgamento do tribunal popular, abstendo-se de considerar justa ou injusta a decisão: analisa basicamente haver ou não nulidades e decisões frontalmente contrárias às provas. Constando haver uma dessas hipóteses, remeterá o Tribunal o réu a novo julgamento, observando anotação no item anterior;

d) poderá apenas, em um caso, o júri reformar a decisão do primeiro julgamento para agravar a situação do réu (muito embora, não irá, na verdade, reformar para prejudicar): imaginemos tenha o réu sido pronunciado por homicídio qualificado por motivo torpe e meio que impossibilitou a defesa da vítima. Condenado pelo homicídio qualificado pelo meio, recorreu o réu para ter um novo julgamento, baseado nas provas e em nulidades do primeiro julgamento. Pergunta-se: poderá o novo conselho de sentença condenar o réu por homicídio duplamente qualificado? Claro que sim, já que a anulação retrocede o processo até a fase do libelo, onde um novo julgamento poderá muito bem admitir nova qualificadora, condenando o réu, portanto, a novo tipo penal, diferindo daquela situação esposada anteriormente.

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Sobre o autor
Eduardo Mahon

advogado criminalista em Mato Grosso, professor de Direito Penal e Processual Penal na Universidade de Cuiabá (UNIC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAHON, Eduardo. Princípios recursais de processo civil e penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 177, 30 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4561. Acesso em: 24 dez. 2024.

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