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Direito concorrencial e concentração empresarial:

aspectos atuais

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14/12/2003 às 00:00
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4 PRINCÍPIOS ATINENTES AO DIREITO DA CONCORRÊNCIA

Como toda seara do conhecimento jurídico, no campo do direito da concorrência, para a correta aplicação da lei e compreensão dos institutos, é necessário num primeiro momento que se atente aos alicerces que os sustentam e servem de fundamento à delimitação do alcance do ramo jurídico.

O direito concorrencial, ou direito antitruste, é um ramo relativamente novo do direito, estando atualmente em estágio mais aprimorado e experimentado em países como os Estados Unidos, Canadá e Inglaterra, e em outros ordenamentos, entretanto, sequer é objeto elaboração legislativa. Como já assentado, no Brasil já uma experiência legislativa e toda uma estrutura administrativa voltada às questões da concorrência. Este ramo do direito, afim ao próprio Direito Econômico, possui suas raízes na própria Constituição Federal, em seu Título VII, e que no artigo 170, traz princípios gerais que subsidiam a norma ordinária, e os demais princípios aplicáveis. Vale salientar, como já ressaltado alhures, a interdisciplinariedade do direito da concorrência por se tratar de fenômeno relacionado com as ciências econômicas.

Sendo assim, mais do que nunca, é mister a fixação da principiologia regente, de modo a solucionar questões hermenêuticas, sempre vivas, em situações de lacunas ou para a melhor aplicação e delimitação do sentido das normas, numa correta transposição entre o abstrato e o concreto.

4.1 PRINCÍPIO DA LIBERDADE DE COMÉRCIO

Este princípio tem suas raízes na garantia da propriedade individual e na consagração da livre iniciativa, exaltando assim a independência dos agentes econômicos do mercado. À legislação antitruste não cabe, portanto, tolher aquelas duas garantias, que são a essência do almejado funcionamento do mercado. É pressuposto lógico de um mercado concorrencial, que num primeiro momento haja a liberdade de comércio, com base na propriedade individual e na livre iniciativa.

Fonseca (2001, p.60) afirma que a proibição de recusa de venda é uma das consequências deste princípio, como por exemplo, estatuído no art. 21, XIII da Lei 8.884/94), que gera reflexos também na seara do consumidor pela lei 8.078/90 (art. 39).

4.2 PRINCÍPIO DA LIBERDADE CONTRATUAL

O princípio do pacta sunt servanda é um dos mais clássicos princípios do direito, e que permanece ao longo dos tempos. Trata-se da consagração da fidelidade aos pactos, pelo qual as partes contratantes estão vinculadas ao que foi validamente acordado. No entanto, esta noção exaltadora da total autonomia da vontade, se viu mitigada com o passar dos anos, principalmente no transcorrer da segunda metade do século XX, com a influência do sentimento neo-liberalista.

Obviamente, o modo como a atividade privada vinha influenciando no mercado como um todo, no desempenho da própria atuação estatal e também com a propagação do conceito de direitos difusos e coletivos, que se fragilizavam com a irrestrita liberdade contratual, são justificativas relevantes que determinaram a intervenção estatal no âmbito das relações privadas, estabelecendo um certo dirigismo contratual.

Em razão disto, as legislações antitruste são ricas em normas restritivas à liberdade contratual, porém, ainda que de forma mitigada, há a preservação da essência do princípio da liberdade contratual, na medida em que sua permanência é vital para se fazer frente à necessidade da competitividade dos agentes econômicos e que o mercado seja um mercado vivo. Faz-se, assim, frente ao princípio Magno da livre iniciativa.

4.3 PRINCÍPIO DA IGUALDADE

O clássico princípio da igualdade, não menos, ou até mais, do que em qualquer outro ramo jurídico, possui inevitáveis reflexos no âmbito concorrencial, sendo uma das principais justificativas da legislação protetiva da concorrência. Isto se dá pelo fato de que o objetivo maior da legislação antitruste é justamente preservar, entre os agentes econômicos, a igualdade de acesso ao mercado, e a abstenção de prática de atos que visem a restringir a atuação de outros integrantes.

Assim, cláusulas proibitivas e restritivas em operações societárias ou em contratos diversos, podem potencialmente violar o princípio da igualdade.

Muito embora Fonseca (2001,p.61) eleve a não-discriminação a um princípio apartado, entendemos que a não-discriminação nada mais é do que o próprio princípio da igualdade considerado de forma mais específica e aplicada, não justificando o desmembramento enquanto se está no desmembrar de um mesmo raciocínio original.

Pois bem, trata-se a não discriminação, nos próprios dizeres de Fonseca (2001, p.62) de conceito cuja aplicação se dá em casos concretos, de inviabilidade de aplicação em abstrato. Assim tem-se, por exemplo, como situações aviltadoras da igualdade, e da não-discriminação, acertos e ajustes entre agentes de modo a restringir a participação ou ingresso de outros agentes, como redução ou aumento de preços. Tais práticas, repercutem diretamente em desigualdade de condições de acesso ao mercado, gerando considerável desequilíbrio.

Por outro lado, em nome da seletividade, ao comerciante lhe é dado o direito de selecionar distribuidores ou revendedores de seus produtos, servindo de exemplo o clássico caso envolvendo Yves Saint-Laurent e o Supermecado Galec, na França. Tal decisão exalta a interesse do comerciante em preservar a qualidade e bom uso de seu produto, considernado as características, público alvo, etc, de modo se preserva ao fabricante a sua estratégia de mercado, e adequada distribuição em atenção à esta postura adotada.

4.4 PRINCÍPIO DA ANÁLISE ECONÔMICA

O princípio da análise econômica confirma a já citada interdisciplinariedade do direito da concorrência e seu estudo. É inconcebível vislumbrarmos a criação, e aplicação ao caso concreto, de normas antitruste sem que se atente ao fenômeno concentracionista, também, pelo prisma econômico. Assim sendo, a norma jurídica em abstrato não conduz por si só à conclusão pela existência de abuso de poder econômico.

A análise econômica do direito tem no norte americano RONALD H. COASE um de seus precursores. Este autor, traduzido e citado por Fonseca (2001, p. 68), em artigo intitulado The problem os social cost, assim diz:

o problema que nós enfrentamos ao tratar com ações que tenham efeitos danosos é não simplesmente o de limitar aquelas que sejam responsáveis por eles. O que deve ser decidido é se o ganhho em prevenir o dano é maior que as perdas que seriam sofridas alhures como resultado de sofrear a ação que produz o dano. Num mundo em que há custos em reorganizar os direitos estabelecidos pelo ordenamento legal, as Cortes, em casos referentes a transtornos, estão, na realidade proferindo um decisão sobre o problema econômico e determinando quais medidas devam ser tomadas.

Do mesmo modo como outros ramos jurídicos, como por exemplo o direito de família e o direito penal, se servem de análise multidisciplinar, o direito da concorrência deve, mais do que qualquer outro ramo, se valer deste recurso. Com a análise econômica do direito aplicada ao direito antitruste, é que se pode aferir critérios de maior objetividade ao alcance da norma concorrencial, ao passo que diversos estudos de escolas econômicas sobre a estrutura e funcionamento do mercado revelam demonstram critérios de eficiência e potencialidade da ilicitude de determinada operação ou conduta.

Assim, verifica-se a utilização de critérios baseados em estudos econômicos para se aferir o nível de concentração de determinado mercado específico, havendo inclusive, várias teorias neste sentido. Internacionalmente tem sido aceitas as Guidelines, de larga utilização nos Estados Unidos e Canadá, juntamente com o índice HHI (Herfindahl-Hirschmann Index), também utilizado pelo CADE no Brasil.

Posner citado por Fonseca (2001, p.69) acentua que a "primeira interseção do direito e da economia ocorreu nos cursos sobre lei antitruste e na literatura antitrutste". Idéias e conceitos como o de eficiência, entendida como o esforço para se maximizar a riqueza, mediante alocação de recursos.

Proença (2001, p.91) ainda lembra, oportunamente, que a utilização da teoria econômica foi incorporada à análise antitruste muito posteriormente à sua origem, introduzindo-se conceitos referentes à organização industrial e o paradigma estrutura-conduta-desempenho (teoria estruturalista), muito aplicado na década de 60, nas análises antitruste. Nos anos 70, a escola de Chicago refutou a teoria estruturalista, concluindo também que a dominação de mercado resulta da superioridade em eficiência, revertendo a causalidade estudada pela teoria estruturalista. Surge nos anos 80 a teoria dos mercados contestáveis, e mais recentemente a nova economia industrial, de modo que o parque industrial não é por si só critério para se aferir a conduta e o desempenho, ante as alternativas estratégicas da empresa: é o nascedouro da teoria dos jogos, que se fundamenta na atuação estratégica das empresas frente ao dinamismo do mercado, nem sempre oriunda de um acordo, mas da própria sensibilidade do empreendedor, resultando em modelos de comportamento.

4.5 PRINCÍPIO DA REGRA RAZÃO

O princípio da regra da razão é um dos mais importantes, quando se fala de direito antitruste, sendo um alicerce que sustenta a flexibilidade na aplicação da norma nesta seara jurídica.

O princípio em tela, de raiz norte americana, teve origem no tratamento dado ao Shermann Act, em conjunto com o Federal Comission Act e o Calyton Act, pela jurisprudência local, amenizando a rigidez destes diplomas legais, de forma a viabilizar atos que, num primeiro momento seriam anticoncorrenciais, em nome da competitividade. De tal modo, a análise dos fatos particularizada em cada caso, torna-se preponderante à delimitação do que seria razoável, dos efeitos pró-competitivos, diferenciando o bom truste do mau truste. Esta exegese resultou na própria alteração do artigo 1º do Shermann Act, que passou a ter a seguinte redação:

Todo e qualquer contrato, combinação sob a forma de truste ou qualquer outra forma ou conspiração em (desarrazoada) restrição do tráfico ou comércio entre os Estados, ou com nações estrangeiras, é declarado ilícito pela presente lei.

Segundo acentua Proença (2001, p. 44), os Estados Unidos tem se baseado em dois critérios para a aplicação da legislação antitruste, qual seja: o da ilicitude per se, no qual determinados atos, tipificados, caracterizam por si só ilícito; e a aplicação da regra da razão.

A regra da razão é também largamente adotada no Brasil, e no correto entender de Proença (2001, p.45) "tem sentido completamente diferente da regra adotada nos Estados Unidos". Enquanto lá sua aplicação se direciona no sentido da concorrência-condição, pressupondo que toda pratica anticompetitiva não interessa à sociedade, sendo vedada pelas normas americanas, no Brasil, a sua aplicação da regra da razão, se dá em momento posterior à prática do ato, de forma a aprová-lo ou não em nome do interesse social, sendo uma justificativa para a aprovação de atos anticoncorrenciais.

Neste último ponto, vale fazer uma ressalva às colocações de Proença (2001, p.45), que afirma que o CADE realiza um controle posterior, e em razão disto, os atos produzem plenamente seus efeitos até serem formalmente proibidos. Sem discordar, Impende ressaltar no entanto, que esta eficácia é circunstancial, e obviamente ficará jungida à decisão do CADE, que produzirá efeitos retroativos, invalidando aqueles atos pretéritos, sustando os efeitos ora produzidos.

A Constituição Federal ao tratar da Ordem Econômica e financeira, exalta no artigo 170 a livre iniciativa e o princípio da livre concorrência, estabelecendo mais adiante no artigo 173, §4º, que a lei reprimirá o abuso de poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. O princípio da regra da razão, portanto, harmoniza esta aparente antinomia existente entre a livre inciativa, que estimula o empreendedorismo, e a livre concorrência, que preserva a competitividade do mercado.

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4.6 PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA

Seguindo a mesma linha de raciocínio que fundamenta o princípio da regra da razão, o princípio da eficiência decorre de uma análise prática do caso de modo a verificar se determinado ato de integração, fusão ou incorporação, quebra a harmonia pretendida para a justiça social e o bem estar econômico do mercado. Para tanto a eficiência não é encarada tão somente como aquele intuito egoísta de maximização do desempenho e dos resultados, ainda que em detrimento de outros fatores do mercado, como os consumidores e a concorrência. É, na verdade, a otimização da atividade econômica empresarial em conjunto com a preservação do bem comum, o que, por sinal, está bem expresso nos incisos do art. 170 da Constituição Federal, em diversas princípios-eficiências: propriedade privada; função social da propriedade; livre concorrência; defesa do consumidor; redução das desigualdades sociais e regionais; busca do pleno emprego, dentre outros.

Uma vez recaindo ao Estado a tutela de um mercado competitivo, cabe a análise específica das origens e das diversas repercussões do caso, de modo a relevar o interesse comum em produtos e serviços com custos reduzidos, porém com desenvolvimento da tecnologia e da qualidade. E obviamente o agente econômico que licitamente empreende no mercado com objetivos de crescimento em conjunto com a manutenção deste interesse comum, tende a uma natural dominação sobre o concorrente, nesta caso, tolerável ante aos benefícios sócio-econômicos. Assim, o objetivo da legislação antitruste visa a proteção das condições de consumo em níveis mais satisfatórios possíveis, e concomitantemente, e em harmonia, a melhoria do desempenho do empreendimento empresarial.

Neste sentido é que o artigo 54, §1º, inciso I, alínea "a", da lei 8.884/94, diz claramente que o CADE poderá autorizar atos que, sob qualquer forma manifestados, possam limitar ou prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados desde que tenham por objetivo propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico.

Como a atividade econômica é, na sua essência, carreada pelo interesse privado, há a contrapartida do estado neoliberal de equalizar os ganhos do empreendedor, com as perdas de outro empreendedor, com a proteção do mercado concorrencial e da livre iniciativa, repercutindo em benefício social, no que tange à geração de empregos, melhor qualidade dos produtos, etc. Assim é que a eficiência alocativa, pressupõe não desconsidera nenhum destes fatores, muito pelo contrário, reconhece os inevitáveis reflexos entre si, de forma a resultar num maior equilíbrio possível, atingindo à máxima eficiência, que pode ser graduada de acordo com a configuração do mercado em análise.

Portanto, a eficiência é um primado, que no direito antitruste pátrio fulcrado pela concorrência-meio, legitima a autorização de atos que abarquem o interesse social e econômico em compasso com a iniciativa privada resguardada ao empreendedor.

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Sobre o autor
Vinicius Marins

acadêmico de Direito na Universidade Federal do Espírito Santo

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINS, Vinicius. Direito concorrencial e concentração empresarial:: aspectos atuais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 161, 14 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4566. Acesso em: 18 nov. 2024.

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