7- A BOA-FÉ DE UMA PERSPECTIVA RELACIONAL
A idéia de boa-fé vem conquistando cada vez mais espaço e importância na doutrina e prática contratual contemporânea, estabelecendo-se, na principal ligação dos princípios de cooperação, confiança e solidariedade no atual direito contratual.
Do ponto de vista psicológico, a existência da boa-fé depende unicamente da convicção, da crença, ou de um fato do espírito, caracterizando o estado de ignorância do sujeito.
A boa-fé no contrato relacional, pode ser encarada como fonte primária da responsabilidade contratual. As obrigações se manifestam diante da imposição que a própria sociedade faz, e não apenas por uma promessa individual que a estipulou.
As idéias de justiça ou bem estar dos indivíduos, devem ser ajustados ou equilibrados de acordo com os interesses privados dos contratos.
O Código de Defesa do Consumidor consagra tal princípio de forma expressa em seu artigo 6º, superando, pois a concepção clássica de boa-fé subjetiva, (praticada na total ignorância dos fatos) já existente no Código Civil de 1916. O novo sistema de proteção do consumidor brasileiro inseriu o princípio da boa-fé objetiva (manifesta a existência de culpa).
Para a teoria relacional, a boa-fé tem uma importante função em encorajar e a prosseguir as relações contratuais, isto porque as normas, além de promessas e vantagens, são também confiança, reciprocidade, solidariedade, o equilíbrio do poder e a harmonização.
O comportamento adequado dos contraentes é determinado pela boa-fé. Esta, contudo, na medida em que admite elementos da vida afetiva, não comporta uma definição formal que a esgote.
"Em primeiro lugar, ela lembra a incompletude dos contratos, os limites da capacidade de previsão humana, os custos e ameaças à solidariedade e as barreiras insuperáveis para a comunicação perfeita e sem ruídos entre as partes. Em segundo lugar, ela enfatiza, valoriza e torna juridicamente protegido o elemento de confiança, sem o qual nenhum contrato pode operar. Em terceiro lugar, ela evidencia a natureza participatória do contrato, que envolve comunidades de significados e práticas sociais, linguagem, normas sociais e elementos de vinculação não promissórios. Assim, a boa-fé realça o elemento moral das relações contratuais." [7]
É por meio da boa-fé que se percebe as finalidades sociais e morais e não apenas econômicas e individuais.
Apesar de hoje em dia ser dominante a teoria neoclássista e não a corrente relacional há razões muito fortes para reconhecer o crescimento e a importância da abordagem relacional.
As situações mais comuns são os contratos de cooperação, de franquia, de trabalho, formação de redes produtivas e de fornecimento de produtos num sistema de produção pós-fordista. Um bom exemplo disto pode ser encontrado no papel e na demanda jurídica cada vez maior pela participação como fonte de solidariedade nos contratos de trabalho. A participação na gestão da empresa pelo trabalhador cria um sentido de comunidade que tem se revelado um importante elemento de estímulo à produtividade.
A boa-fé está inserida em dois marcos da participação nos contratos. Em primeiro lugar, ela permite a fusão de interesses, o que facilita a existência de relações de longo prazo. Em segundo lugar, a boa-fé passa a criar um conjunto de garantias dos contrates nas relações contratuais, dentro do direito privado. Isto é claro no contexto das relações de trabalho com a criação de mecanismos de garantia da dignidade do trabalhador, direito á participação, representação, segurança no trabalho etc.
Percebe-se, contudo, que o bom êxito do Código de Defesa do Consumidor Brasileiro continua a ser mais patente em face dos contratos descontínuos. Até hoje existe resistência por parte dos aplicadores da lei em aceitar a sua aplicabilidade aos contratos de consumo relacionais. Assim, por exemplo, o Código de Defesa do Consumidor teve uma reação instantânea sobre o comércio feito por telefone ou em casa, às exigências de informação correta na embalagem e mesmo na estipulação de cláusulas abusivas de difícil leitura etc. Porém, somente agora os problemas envolvendo contratos relacionais como planos de saúde, contratos bancários e previdência privada começam a chamar a atenção dos juristas brasileiros, sendo aqui as resistências à utilização das inovações relacionais introduzidas pelo Código de Defesa do Consumidor, maiores resultados obtidos e mais modestos.
8- CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS RELACIONAIS
Como este não é necessariamente o assunto do trabalho, apenas serão feitas algumas considerações à cerca do assunto.
O fenômeno da elaboração prévia e unilateral, pelos fornecedores das cláusulas dos contratos possibilita aos empresários direcionar o conteúdo de suas futuras relações contratuais com os consumidores como melhor lhes convém. A cláusula contratual assim elaborada não tem, portanto, como objetivo realizar o justo equilíbrio nas obrigações das partes, mas sim, destinam-se a reforçar a posição econômica e jurídica do fornecedor que as elabora.
Não é raro, portanto, que contratos de massa, contenham cláusulas que garantam vantagens unilaterais para os fornecedores que as elaborou diminuindo os seus deveres em relação ao consumidor, exonerando-o de responsabilidade, diminuindo, assim, os riscos da atividade e minimizando os custos de uma futura lide.
Segundo Valéria Silva Galdino [8], "cláusulas abusivas são aquelas que estabelecem obrigações iníquas, colocando o consumidor em desvantagem exagerada, causando um desequilíbrio contratual entre as partes, ferindo a boa-fé e a equidade."
As cláusulas abusivas não se restringem aos contratos de adesão, mas a todo e qualquer contrato de consumo, escrito ou verbal, ou seja, nem sempre é necessário que a cláusula seja estanque para ser abusiva.
Poderíamos perguntar porque o consumidor aceitaria contratar sob estas condições que lhe são tão desfavoráveis. Em verdade, a maioria dos consumidores que concluem contratos pré-redigidos o faz sem conhecer precisamente os termos do contrato.
A abusividade é, assim, abstrata (porque a cláusula talvez ainda não tenha sido executada ou exigida), potencial (como o abuso de direito é fenômeno jurídico dá a má utilização desse direito) e atual (a estipulação de cláusulas abusivas é concomitante com a celebração dos contratos).
A função do jurista em reconhecer a abusividade das cláusulas é, portanto, crucial e deve concentrar na visão dinâmica e total dos contratos.
Porém, o combate às cláusulas abusivas consiste em:
a)Controle judicial: o Código de Defesa do Consumidor no artigo 51, fala a respeito da nulidade absoluta como sanção para as cláusulas abusivas: "Como a cláusula abusiva é nula de pleno direito, deve ser reconhecida essa nulidade de ofício pelo juiz, independentemente de requerimento da parte ou interessado". [9]
O direito de modificação das cláusulas existirá quando o contrato estabelecer prestações desproporcionais em detrimento do consumidor.
A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não tornará o mesmo inválido, a menos que decorra de ônus excessivo a qualquer das partes. O magistrado irá integrar o contrato, criando novas circunstâncias contratuais.
b)Nulidade das cláusulas abusivas:
"A nulidade de cláusula abusiva deve ser reconhecida judicialmente, por meio de ação direta (ou reconvenção), de exceção substancial alegada em defesa (contestação), ou, ainda, por ato ex officio do juiz." [10]
Consiste numa lista de proibições de cláusulas abusivas, sendo elas:
1-Ficam proibidas as cláusulas que limitam os novos direitos do consumidor;
2-Ficam proibidas as cláusulas criadoras de vantagens unilaterais para o fornecedor;
3-Ficam proibidas as cláusulas "surpresa";
4-Ficam proibidas as cláusulas contrárias à boa-fé (cláusula geral proibitória).
Questão controvertida é a que diz respeito à validade das cláusulas de não-indenizar nos contratos de adesão. O art. 25 do Código do Consumidor, veda esta possibilidade no âmbito das relações de consumo, determinando que a garantia do direito do consumidor à indenização prevalece sobre qualquer cláusula que afaste a responsabilidade do devedor.
9- ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA TUTELA CONTRATUAL NO CDC
Os precursores dos chamados Direitos do Consumidor foram os juristas norte-americanos, na década de 60, desenvolvendo o assunto e sua incidência em todo o mundo.
No Brasil, antes do evento da criação do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078 de 11/09/1990, não havia a caracterização jurídica da pessoa do consumidor, mas sim mecanismos de Direito Civil, e legislação esparsa, buscando a boa-fé do contraente na economia popular.
O Código de Defesa do Consumidor tem uma função legal de estabelecer a igualdade material entre o fornecedor e o consumidor, por meio de um tratamento distinto entre as partes, porém, em benefício do consumidor.
A responsabilidade do Estado é de interferir nas relações de consumo, diminuindo a autonomia de vontade, e determinando normas imperativas que estabeleçam o equilíbrio e a igualdade de forças nas relações entre consumidores e fornecedores.
É de extrema importância falar sobre as duas correntes doutrinárias a cerca do instituto. Em princípio, a que se falar na teoria finalista. Para os seus adeptos, o consumidor é todo aquele que, no exercício da profissão, produzir lucro, não incidirá na proteção do Código de Defesa do Consumidor.
Segundo Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamim, "adquirir para transformar ou para vender não é, evidentemente, ato de consumo, no sentido que lhe empresta o direito do consumidor. A aquisição que visa a um fim profissional não é ato de consumo na acepção jurídica. Ato profissional opõe-se a ato de consumo". [11]
Enfim, a pessoa jurídica só poderá ser considerada como consumidora quando não visar lucro, como é o caso das associações e entidades beneficentes.
A contrário senso, existe a corrente maximalistas, que vê o Código de Defesa do Consumidor de maneira mais ampla. Seus adeptos não se limitam a proteger o consumidor não-profissional. O consumidor será caracterizado pela simples retirada do bem do mercado que esteja como objeto de venda, nada se opondo quanto à sua utilização.
No direito comparado, o que prevalece nos países suecos e mexicanos, é a teoria finalista.
Outro enfoque de grande importância quanto aplicabilidade da nova teoria contratual, está no fato de que a sociedade de consumo, com seu sistema de produção e de distribuição em grande quantidade para o comércio jurídico, mudou seu caráter, e os métodos de contratação em massa aparecem em quase todas as relações contratuais entre empresas e consumidores.
O maior exemplo disso, está no crescimento dos contratos por Adesão, onde as cláusulas são preestabelecidas unilateralmente pelo fornecedor e repassados ao público de maneira uniforme, geralmente já impresso, faltando apenas o preenchimento dos dados particulares à identificação do consumidor.
A principal característica do contrato de adesão, refere-se à ausência de uma fase pré-contratual, ou seja, a falta de uma discussão prévia quanto ao conteúdo das cláusulas contratuais
Vem crescendo de maneira muito rápida o fenômeno dos contratos de adesão, como é o caso dos contratos de seguros, os planos de saúde, as operações bancárias, a venda e aluguel de bens, e outros.
Um grande exemplo a ser comentado é o Contrato de Transportes, sendo imprescindível a distinção entre transporte de pessoas ou de coisas.
O contrato de transporte de pessoas é um contrato de prestação de serviços, ou seja, uma obrigação de resultado. Neste caso, não é difícil a caracterização do profissional transportador como fornecedor, nem a do consumidor como usuário do serviço, não importando qual seja o fim que pretende com o deslocamento.
Outra situação que merece comentários é quanto ao contrato de fornecimento de serviços públicos. É uma das grandes inovações do sistema do Código de Defesa do Consumidor que visa incluir as pessoas jurídicas de direito público entre os fornecedores.
O artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor entende que o contrato firmado entre os consumidores e os órgãos públicos e suas empresas podem, também, ser consideradas de consumo. Porém, em uma interpretação literal da norma, os serviços prestados a todos os cidadãos com os recursos adquiridos em impostos, ficariam excluídos da responsabilidade de eficiência previsto pelo Código de Defesa do Consumidor. O que realmente importa, é somente aquele serviço prestado em decorrência de uma relação contratual.
A proteção do usuário do serviço público precisa ser aprofundada por parte da doutrina, afinal, poucos são os estudos sobre o tema, em particular sobre a aplicabilidade das normas de proteção ao consumidor em favor do serviço público.
10- DIREITOS DO CONSUMIDOR E DEVERES DO FORNECEDOR
Dentro do contrato relacional a proteção legal do consumidor quando da formação dos contratos, concentra-se na declaração de vontade e é instituído pelo Código de Defesa do Consumidor como princípio básico de transparência nas relações de consumo.
a)Direito à informação: Nos contratos de massa a oferta é genérica. Não é feita à pessoas específicas, mas sim, a todos os indivíduos integrantes da sociedade. Toda informação e mesmo a publicidade suficientemente precisa vincula o fornecedor e passa a integrar o futuro contrato. Comprometendo o fornecedor da informação veiculada, seja através de impressos, propaganda, rádio, jornais e televisão, afinal, estas já criam para ele um vínculo, uma obrigação pré-contratual.
A falsa informação ou a publicidade insuficiente será considerada como um vício do produto, ficando o fornecedor forçado a sanar o vício em 30 dias, cumprindo o que prometeu e informou, ou poderá o consumidor exigir a substituição, completementação, restituição da quantia paga, ou ainda o abatimento proporcional do preço.
b)Direito de reflexão e de arrependimento: para que o consumidor possa refletir com calma sobre os produtos adquiridos à domicílio, o Código de Defesa do Consumidor determinou um prazo de arrependimento. No art. 49, o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio. O exercício deste direito pressupõe que não haverá enriquecimento sem causa por nenhuma das partes.
"Os direitos dos consumidores correspondem sempre, na metodologia do Código de Defesa do Consumidor, os novos deveres para os fornecedores de bens e serviços," [12] sejam eles:
a)Cuidados na redação dos contratos: O Código de Defesa do Consumidor instituiu um dever especial quando da elaboração dos contratos de massa que são pré- redigidos unilateralmente pelo fornecedor. Com base no artigo 46, os contratos não obrigarão os consumidores "se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance". Sua base é a preocupação de que todos os contratos de consumo sejam redigidos conforme a boa-fé.
b)Cuidados na utilização de contratos de adesão: "Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo." [13]
Os responsáveis pela elaboração do contrato deverão fazê-lo de maneira clara e legível de modo a facilitar a compreensão pelo consumidor.
"De acordo com Iain Ramsey, há seis falhas básicas que podem ocorrer no funcionamento do mercado: 1-a falta de competição (em razão de monopólio ou oligopólio); 2-a existência de barreiras de entrada no mercado; 3- os problemas com a diferenciação do produto onde há diferenças qualitativas dentro do mercado (e assim, falta de homogeneidade de produto); 4- as lacunas de informação entre vendedor e comprador, ou uns certos sinais de mercado, por exemplo à reputação do vendedor pode ser imperfeita; 5- os efeitos para terceiros que não foram computados no custo de mercado; 6- os custos da transação que incluem; a- os custos da procura e da informação sobre o serviço; b-os custos da negociação e da decisão de consumir; c-os custos da fiscalização, monitoramento, garantia e implementação da legalidade das práticas de consumo." (14)