MATAMOS ROBERT ALEXY COM A APLICAÇÃO DA TEORIA DA CATCHANGA?

07/01/2016 às 14:06
Leia nesta página:

O presente estudo demonstra que a técnica de sopesamento formulada por Alexy, muitas vezes, serve de fomento à discricionariedade em algumas decisões judiciais. A proposta para mitigação deste problema é apresentada com arrimo na doutrina.

Inicialmente, mister se faz algumas ponderações, a fim de situar o leitor sobre o fim do presente estudo.

O que é a catchanga[1]?

Pois bem.

Em uma de minhas aulas de Direito Constitucional, ouvi de um brilhante aluno a seguinte estória:

Um senhor milionário, ao chegar em uma cidade do interior, buscou uma casa de apostas. Sentou-se sozinho em uma das mesas. Pôs a beber. E se chafurdou, por horas, sobre as bebidas mais fortes daquele recinto.

A solidão do milionário foi quebrada pelo próprio dono da Casa. É que o jovem empreendedor, ao perceber que o seu cliente estava tomado pelo álcool, resolveu oferecer-lhe serviços de apostas. Buscava, sem qualquer piedade, obter lucros em detrimento do milionário.

E assim, iniciou o diálogo:

- Boa noite! Sou o dono desta Casa de apostas. Notei que o senhor tem semblante de ótimo jogador. Um adversário sem igual para mim e para esta Casa! Proponho-lhe que aceite uma de nossas modalidades de jogo: roleta, tômbola, draw poker ou blackjack.

- Meu caro, respondeu o senhor milionário, eu só jogo a catchanga.

O jovem, aturdido, perguntou aos seus funcionários, os crupiês, se aquele jogo era conhecido por algum deles. Ninguém, sequer, tinha ouvido falar naquele tipo de aposta.

Mas o empreendedor não queria deixar de ter lucros desenfreados sobre um senhor extremamente embriagado: aposta fácil, pensou, não se perde!

Foi quando teve a astúcia de determinar que o seu melhor crupiê jogasse, a fim de entender as regras do jogo.

E assim se sucedeu.

Na primeira partida, o cliente distribuiu as cartas. Do nada, bradou:

- Catchanga!

E em seguida, recolheu todo o dinheiro que estava na mesa.

Na segunda mão, idem:

- Catchanga!

E todo o dinheiro foi para o bolso do senhor milionário!

Outras partidas se sucederam, até que o crupiê, em reservado, chamou o jovem e lhe disse:

- senhor, já entendi: basta gritar catchanga, antes dele. Muito fácil. E como ele está bêbado, terei mais habilidade do que aquele senhor. Assim, sugiro-lhe que aposte valor extremamente elevado.

Acolhendo a sugestão do seu funcionário, o empreendedor propôs ao cliente que dobrassem o valor de toda a aposta já feita por eles até aquele momento.

O senhor, com ar embriagado, aceitou sem titubear.

As cartas foram distribuídas; a mesa ficou abarrotada de dinheiro. Ocorre que, na fração de segundo após o depósito da última carta na banca do jogo, o crupiê, vitorioso, gritou:

- Catchanga!

Já estava recolhendo todo o montante acumulado, quando o senhor, com toda segurança do mundo, tomou-lhe a quantia, ao reverberar:

-Catchanga real!

Eis a primeira premissa!

É de conhecimento geral que Robert Alexy formulou a “teoria dos princípios”.

Por esta, o escritor, com a destreza que lhe é peculiar, propugna que os direitos fundamentais possuem caráter de princípios e, nessa condição, eles eventualmente colidem, sendo assim necessária uma solução ponderada em favor de um deles[2].

Havendo colisão de princípios, o exegeta da norma deve aplicar o sopesamento ou a ponderação, técnica que exige uma robusta fundamentação, calcada em argumentos jurídicos firmes, objetivos e racionais.

Posta está a segunda premissa.

Ocorre que a Catchanga pode ser utilizada para “destruir” a ponderação[3]. E esta atecnia é utilizada, com frequência, pelos Tribunais Pátrios.

Virgílio Afonso da Silva logrou descrever, com brilhantismo, este fenômeno, no seu texto “O Proporcional e o Razoável[4].

Ele abalizou vários casos em que o Supremo Tribunal Federal, ao pálio de que os direitos fundamentais podem ser relativizados com base no princípio da proporcionalidade, simplesmente invalidou o ato normativo questionado, sem demonstrar dentro de um conteúdo objetivo, racional e crítico, as razões que tornavam o ato desproporcional.

Matamos, com nossas catchangadas, Robert Alexy todos os dias!

A técnica do sopesamento, grande ferramenta à disposição da efetividade dos direitos fundamentais, em diversos casos, vem sendo usada de forma arbitrária por diversos magistrados do Brasil. Daí a criação, pela doutrina, da expressão: “Alexy à brasileira”.[5]

Ocorre que a espécie é de fundamental importância. Trata-se de uma saída de mestre, diante das inevitáveis e corriqueiras colisões de normas princípiológicas dos direitos fundamentais.

Todavia, não se pode permitir que a mesma seja usada para fomentar decisões discricionárias, aos moldes da “catchanga real”: sem regras nítidas, objetivas e racionais.

O problema exposto no nosso trabalho, qual seja, evitar que matemos Robert Alexy, de fato, é tarefa árdua. Talvez, impossível de ser obtida. Todavia, algumas regras, se adotadas, combaterão o uso da catchanga.

Com efeito, com este objetivo, é de imperiosa importância fortalecer o sistema de precedentes judiciais. Aliás, com o novo Código de Processo Civil (Lei n. 13.105/2015), ao menos em tese, damos um grande passo neste sentido.

Além do mais, mister se faz primar por decisões objetivas, lastreadas em dados objetivos, raciocínio cognitivo coerente e análise empírica escorreita.

É preciso, ainda, reforçar a necessidade de aplicar, com a devida fiscalização, o princípio da imparcialidade do juiz. Isto porque, se o magistrado – ainda que indiretamente, tiver interesse no resultado do processo, naturalmente, ele tenderá a galgá-lo, mesmo que fazendo uso da catchanga.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Precisamos, com afinco, fomentar a proteção aos direitos fundamentais, notadamente, quando houver colisão entre eles, usando o sopesamento, conforme defendido por Alexy. Contudo, não se pode permitir o uso da catchanga, sob pena de se verter a ideia do mestre alemão em argumentos para a discricionariedade.

REFERÊNCIA

ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2001.

MARMELSTEIN, George. Alexy à Brasileira ou a Teoria da Katchanga. Disponível em: < http://direitosfundamentais.net/2008/09/18/alexy-a-brasileira-ou-a-teoria-da-katchanga/> Acessado em: 07 de janeiro de 2016.

Streck Lenio, “A estória da ‘Katchanga Real'”, por Lenio Streck. Disponível em: < http://professormedina.com/2012/02/28/a-estoria-da-katchanga-real-por-lenio-streck/> . Acessado em: 07 de janeiro de 2016.


[1] Com base, para melhor abordagem, no brilhante texto de MARMELSTEIN, George. Alexy à Brasileira ou a Teoria da Katchanga. Disponível em: < http://direitosfundamentais.net/2008/09/18/alexy-a-brasileira-ou-a-teoria-da-katchanga/> Acessado em: 07 de janeiro de 2016.

[2] ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2001, p.112

[3] Neste sentido, Streck Lenio, “A estória da ‘Katchanga Real'”, por Lenio Streck. Disponível em: < http://professormedina.com/2012/02/28/a-estoria-da-katchanga-real-por-lenio-streck/> . Acessado em: 07 de janeiro de 2016.

[4] Citado por MARMELSTEIN, George. Alexy à Brasileira ou a Teoria da Katchanga. Disponível em: < http://direitosfundamentais.net/2008/09/18/alexy-a-brasileira-ou-a-teoria-da-katchanga/> Acessado em: 07 de janeiro de 2016.

[5] Ibidem.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Edenildo Souza Couto

Mestrando em Direito Público pela Universidade Federal da Bahia. Pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Juspodivm. Aluno Laureado na graduação. Escritor de livros e de vários artigos publicados em revistas jurídicas. Professor de diversas disciplinas do Direito. Atualmente é Assessor de Juiz - Tribunal de Justiça do Estado da Bahia e Professor de diversas disciplinas do curso de Direito.<br><br>fb.com/professoredenildo

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos