1. JUSTIFICATIVA PRÉVIA
Não se pretende aqui fazer um plágio do livro do Prof. Dr. Chaves Camargo, mas sua obra Imputação Objetiva e Direito Penal Brasileiro, [1] chegou até nossas mãos por intermédio do Prof. Dr. Celso Fernandes Campilongo, que a adquiriu em uma livraria jurídica do Estado de São Paulo. Desenvolvíamos uma dissertação intitulada Imputação Objetiva: Uma crítica de Suas Perspectivas Extremamente Otimistas e/ou Reducionistas. [2]
Nosso orientador foi o Prof. Dr. João Maurício Adeodato, intelectual que muito nos ajudou na pesquisa, eis que ele é jusfilósofo e o tema encontra suas bases na Filosofia. Ademais, ele é profundo conhecedor da cultura filosófica germânica, uma vez que realizou vários cursos na Alemanha, o que o aproxima ainda mais do tema.
O Dr. Campilongo prestou-nos auxílio inestimável, haja vista que possibilitou a aproximação entre Filosofia alemã e o garantismo de Luigi Ferrajoli, permitindo a observação do contexto filosófico hodierno, com profundos reflexos no Direito Criminal.
O livro do Prof. Chaves Camargo, na literatura jurídica pátria, foi aquele de caráter monográfico que teve a felicidade de expor com clareza todas as bases da imputação objetiva, sendo até o momento de sua edição (2.001), sem qualquer desprestígio aos que já haviam sido publicados, o melhor. Com isso, não se afirma que outros livros que trataram do assunto não tenham valor. Apenas é possível dizer que, do ponto de vista científico, referida obra, ao lado da de Luiz Regis Prado e Érika Mendes de Carvalho, esta intitulada Teoria da Imputação Objetiva do Resultado, publicada em 2.002, ainda é uma das principais que deve ser consultada para o conhecimento científico e não equivocado da teoria da imputação objetiva.
O assunto foi publicado no Brasil em 1988, quando em poucas páginas, se explicou acerca da imputação objetiva. [3] Em se tratando de obra de autor estrangeiro, a sua tradução foi feita por dois grandes juristas pátrios, Professores Doutores Luiz Regis Prado e Juarez Tavares. Este último publicou vários artigos e, em 2.000, publicou um bom livro que se ocupou da matéria enquanto critério para investigação do injusto criminal. [4] Ele, não só por meio do referido livro, é um grande difusor da teoria em nosso meio.
Finalmente, dentre os grandes Professores Doutores pátrios, mais dois nomes devem ser destacados: Álvaro Mayrink da Costa, que no seu livro Direito Penal, tratou resumidamente da matéria em 1998, [5] e Juarez Cirino dos Santos, que, também, se ocupou da imputação objetiva, tendo publicado, em 2.000, sua tese de pós-doutorado, defendida na Alemanha. [6]
Ocorre que a obra que será discutida com o Prof. Chaves Camargo é de difícil acesso. A empresa que editou o livro não tem a influência comercial que outras editoras. Infelizmente, o meio acadêmico passa a ter que se contentar com o casuísmo extremo de certos livros que se transformam em análises de casos hipotéticos, como se a ciência criminal se esgotasse em um certo número de exemplos colocados em investigação. Assim, Chaves Camargo consegue construir uma obra científica porque evita "uma imersão no casuísmo que aflige grande parte das investigações sobre o tema". [7]
2. FUNCIONALISMO E IMPUTAÇÃO OBJETIVA
Publicamos artigo em que não adentramos na imputação objetiva. Apenas a observamos de longe, fazendo uma crítica do sentido da teoria, com rápida incursão no funcionalismo, apenas visando a demonstrar que a teoria, antes de tudo, tem fundamentação filosófica. Daí, nossa referência às correntes jusfilosóficas sistêmicas da atualidade. [8] Nesse ponto, nossa perspectiva é semelhante à de Chaves Camargo, uma vez que ele na apresentação de seu livro adverte o leitor de sua preocupação para a contextualização do positivismo-jurídico neokantiano. Aliás, assim como pudemos perceber, ele observa a influência de Jürgen Habermas, o qual traz, por meio da teoria do discurso, a possibilidade de se verificar um sistema criminal aberto. [9]
Importante notar que o autor afirma que a história do Direito Criminal se consolidou a partir de construções naturalistas e que a pena, inicialmente, tinha cunho eminentemente retributivo. [10] Hoje, no plano científico, argumenta-se no sentido de que procura-se abandonar referidos aspectos, fazendo prevalecer as teorias relativas (ou utilitárias), no que tange à pena, e fundamentos racionais diversos do naturalismo puro, a fim de justificar o conceito de crime. Não obstante isso, verificamos leis severas sendo criadas sob o manto de serem a panacéia de toda criminalidade, v.g., [11] Lei nº 8.072/1990, com todas suas alterações, o que induz a acreditar em João Faria Júnior, no sentido de que, infelizmente, toda Penalogia [12] ainda está calcada nas teorias absolutas, para as quais a pena é castigo, a retribuição do mal ao infrator da norma. [13]
Chaves Camargo sustenta que o finalismo tentou minimizar os efeitos da visão normativa da culpabilidade, transportando o dolo para a conduta e, em uma fase mais avançada, passou a admitir a adequação social para excluir fatos aparentemente típicos do âmbito jurídico-criminal. [14] Ocorre que o finalismo, embora Welzel (o pai do finalismo) negue, [15] baseou sua teoria na filosofia do ser de Nicolai Hatmann, filósofo esquecido até mesmo na Alemanha. [16] Assim, embora seja verdadeira a afirmação de Chaves Camargo, devemos verificar as incoerências do finalismo, mormente no que tange à culpabilidade.
O conceito analítico de crime é aquele que é feito segundo seus requisitos (ou elementos). Assim, como Welzel adotou o conceito tripartido, a culpabilidade, para Welzel, é o terceiro elemento do delito. [17] No Brasil, há quem diga que o finalismo excluiu a culpabilidade do conceito analítico do crime. [18] Conforme exposto, adotando a posição jurídica do próprio Welzel, nada mais equivocado.
A culpabilidade, para o finalismo, é normativa, ou seja, só tem elementos normativos (imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e exigibilidade de conduta conforme o Direito). Isso induz à Filosofia de Hartmann, que traz à tona velha discussão: o valor decorre da própria coisa, ou é dado pela pessoa que a aprecia? Ele entende que as entidades lógicas e matemáticas existem objetivamente e elas conformam o mundo real. [19] Porém, Hartmann não anula o ente homem, eis que entende que este tem o poder de decidir, com referência ao que compreende, sendo esse poder de transformar as exigências do ideal em forças modeladoras do existente que a seu ver assinala a grandeza de nossa espécie. [20] De qualquer forma, tais conclusões não destoam daquela em que a análise da culpabilidade é meramente normativa. Ora, sendo a culpabilidade o elemento subjetivo do delito, aquele que liga o autor ao fato, e sendo ela censurabilidade, não é concebível verificar a censura de um fato com base unicamente em elementos normativos. É, portanto, o finalismo, no tocante à culpabilidade, uma teoria estéril.
Afirma Chaves Camargo que a imputação objetiva foi formulada por Larenz, em 1927, e Honig, em 1930. O problema é que Larenz deu significativa importância à tópica como método do Direito, o qual, embora se reportando ao ethos de Nicolai Hatmann, diz que os "tópicos cobram seu sentido ‘sempre a partir do problema’, a cuja elucidação se destinam, e têm de ser entendidos como possibilidades de orientação ou canônes do pensamento". [21] Aliás, concebendo a imputação conforme Aristóteles e Platão, apud Luiz Régis Prado e Érika M. de Carvalho, "é um fenômeno de atribuição de responsabilidade desenvolvido, a partir da ética, e não do Direito". [22]
Larenz se opôs ao neo-kantismo, firmando-se como um neo-hegeliano. Com isso, opôs-se Rudolf Stammler, Gustav Hadbruch e Hans Kelsen, sendo que "a oposição ao neo-kantismo jurídico e ao formalismo jurídico em geral representava no plano ideológico a oposição ao Estado de Direito liberal-formal, inicialmente de um ponto de vista nacional-conservador". [23] A imputação objetiva, a partir do pensamento de Larenz, é pontual (decorre da tópica), tendente à análise dos casos concretos, isso na busca de um sistema jurídico mais aberto. Ocorre que, conforme alerta o próprio Larenz, a "jurisprudência dos tribunais... acaba sempre, passado algum tempo, por romper os conceitos conformados de modo excessivamente estreito; mas então surge o perigo de ficar fora de controlo". [24]
A discussão sobre a matéria se intensificou na Alemanha porque o Projeto Alternativo à parte geral do Código Penal Alemão, de 1966, que se transformou em lei, em 1975, consagrou o funcionalismo, prestigiando, portanto, os pós-finalistas. [25] Aqui, cumpre observar que nosso Código Penal ainda consagra a relação de causalidade (art. 13), sendo impossível pretender desprezar seu estudo na atualidade. Porém, é oportuno destacar que Chaves Camargo, corretamente, alerta para o fato de não ser a imputação objetiva uma teoria da relação de causalidade. [26]
Outro alerta importante é que a visão exageradamente otimista que grassa em nosso meio, mormente dentre os candidatos e examinadores para concurso público, merece ser melhor avaliada. Com efeito, Chaves Camargo chama a atenção para o fato de não estar concluída a discussão que se instalou na Alemanha acerca da imputação objetiva. [27]
O crime é um fato normal, ele só não pode existir em excessos qualitativos ou quantitativos, senão teremos anomia, [28] mas tudo isso induz à aceitação do agir comunicativo de Jürgen Habermas, filósofo defensor de uma visão sistêmica, que permite dizer ser o objetivo central da teoria da imputação objetiva a aceitação da teoria sistêmica do discurso, segundo o próprio Prof. Dr. Chaves Camargo:
"O objetivo último de toda apresentação é atingir-se a legitimação do Direito Penal, através do princípio do discurso, onde o direito de agir, em liberdade, conduz as pessoas à interação num sistema social, que tem por base um código de direito". [29]
Segundo o douto autor, a obra em comento nasceu como resultado de muitos debates travados em cursos de especialização e seminários. [30] Não obstante isso, não entendemos que sua perspectiva se enquadra dentre as extremamente otimistas, eis que expõe: "...sem a imputação objetiva estaremos vinculados a princípios e axiomas da realidade jurídica brasileira". [31]
Infelizmente, o sistema econômico tem gerado certa alopoiese (corrupção dos signos da comunicação dos sistemas do sistema global, sociedade) no meio acadêmico jurídico pátrio, o que pode induzir à manutenção de equivocadas premissas, v.g., manter a visão de que o finalismo retirou a culpabilidade do conceito de crime. Mas, em matéria criminal, mister é afirmar que a tópica não pode, abrupidamente, superar a sistemática, sendo que a rejeição da imputação objetiva deve ocorrer porque ela se baseia precipuamente na imprecisão da nova teoria, fundamentada em casuísmo insustentáveis. Nesse sentido, os Professores Luiz Regis Prado e Érika Mendes de Carvalho ensinam:
"No momento atual, corre-se o risco, sob pretextos diversos, de supervalorização do método tópico, em detrimento do sistemático, o que pode implicar a erosão da segurança, inerente e à noção de Estado de Direito.
O emprego exagerado do método problemático, sem os devidos e bem-delineados limites, dá lugar a uma negativa e perigosa confusão metodológica, leva ao desconexo, à dúvida, ao desapontamento". [32]
A sistemática, calcada no estudo metodológico, não pode ser substituída por um exame tópico, ou seja, casuístico, segundo coincidências aparentes, porque senão ocorrerá a inevitável contradição e a perda da necessária segurança que o Direito pode ofertar à sociedade, à qual se destina. Esse é o problema da imputação objetiva.
O funcionalismo tende a Habermas, com sua teoria do discurso, calcada no agir comunicativo, ou a Luhmann, tendente à autopoiese do Direito. [33] Tomando por base referidos autores, é possível certa lógica e o estudo científico do Direito. Contrariamente, o estudo tópico pode levar ao excesso em sua fragmentação, o que fragilizará o conhecimento científico, induzindo à rejeição da imputação objetiva.
3. ESCORÇO DOS CAPÍTULOS DO LIVRO EM COMENTO
3.1 História científica do Direito Criminal
"Germanófilo" que é, o Prof. Chaves Camargo enuncia a razoavelmente recente história científica do Direito Criminal a partir da perspectiva alemã. [34] Não obstante isso, os autores pátrios deveriam ser mais fiéis à origem latina de nossa cultura, embora sem desprezar a cultura alemã. Deveriam os autores pátrios, portanto, não abandonar por completo as origens romanas, de fundamental importância para a compreensão da imputação objetiva. Nesse ponto, embora o autor mencione principalmente nomes alemães, não se olvida de importantes nomes da Itália, v.g., Cesare Bonesana (o Marquês de Beccaria) e Francesco Carrara.
O Prof. Chaves Camargo trata da Escola Criminal Positiva como sendo uma escola empírica, calcada na relação de causalidade. [35] Depois, trata da escola neokantiana, como fundamento de todo Direito Criminal brasileiro, uma vez que o Código Penal de 1940 e a nova parte geral dele estão calcados na teoria da culpabilidade.
Depois de rápida incursão no neopositivismo, o autor tece breves considerações sobre alguns posicionamentos sociológicos e funcionalistas, a fim de concluir da importância da imputação objetiva, que ele teria tentado colocar em evidência em 1994, por meio de obra que publicou. [36] Essa posição demonstra que nosso escorço histórico sobre as obras publicadas acerca da imputação objetiva é insuficiente, uma vez que artigos e obras podem ter sido anteriores às mencionadas. De qualquer maneira, pior seria dizer, em 2.000, que se estaria trazendo para o Brasil uma nova teoria, a imputação objetiva, afirmação que não fizemos, mas que alguém inadvertidamente fez. [36]
A relação de causalidade foi objeto de estudo de toda doutrina jurídica, sendo que, em matéria criminal, conforme enuncia o Prof. Chaves Camargo, tende às teorias da equivalência, da condição e da relevância. [37]
Welzel sofreu muitas críticas, conforme reconhece o Prof. Chaves Camargo. Este diz que apesar das críticas, o finalismo é a base de todas as teorias da atualidade. [38] Não obstante isso, não se olvide que o causalismo é, ainda, importante, influenciando nas concepções modernas do delito, ou seja, o finalismo não anulou o causalismo, até porque a conduta jurídico-criminal, para o finalismo, é aquela dominada pela vontade que gera o resultado proibido pela norma criminal. É, portanto, o finalismo, teoria causal. Em síntese, a posição do Prof. Chaves Camargo, embora correta, não torna equivocado dizer são causais as teorias mais modernas do delito.
É interessante a explicação didática contida no livro em comento, que elucida com clareza a história do pensamento jurídico-criminal, a partir do finalismo. Daí a referência a Jeschek (com sua teoria social) e a Hassemer (este tende a uma política criminal que propicia um Direito Criminal mais humano). Então, o autor chega a Claus Roxin, que desenvolveu uma nova teoria de política criminal, com especial destaque aos fins da pena, o que desaguou na imputação objetiva. Ele reagiu ao critério lógico-axiomático do finalismo e se opôs à teoria do ilícito pessoal, mas admitiu posteriormente referida teoria, o que tem criado discussões em torno do fato de estar a imputação objetiva dentro do tipo objetivo. [39]
É necessário evitar confusões terminológicas. Por essa razão evitamos utilizar a denominação antijuridicidade, preferindo ilicitude. [40] Pela mesma razão, deve-se rejeitar a distinção entre tipo objetivo e tipo subjetivo. Tipo é a descrição do fato jurídico-criminal. O tipo subjetivo seria o dolo e o especial fim de agir, que nada mais é do que um dolo específico do tipo. Assim, o tipo está na lei, enquanto que os tipos objetivo e subjetivo estão no fato típico, elemento do delito, segundo seu conceito analítico. Fácil é perceber, portanto a confusão terminológica criada, nesse aspecto, pela doutrina criminal.
A visão serena do Prof. Chaves Camargo acerca de Günther Jakobs é merecedora de elogios. Ele apresenta toda a estrutura dos ensinamentos deste, baseada no funcionalismo sociológico de Niklas Luhmann, dizendo que a adoção limitada desse funcionalismo fez com que ele fosse rotulado de naturalista, embora chamando a atenção para o fato de Roxin dizer que Jakobs construiu um esboço de teoria puramente teleológica. [41]
Não resta dúvida de que a teoria sistêmica de Luhmann é natural. O positivismo jurídico, por mais que tenha tentado, sempre esbarrou em certo transcendentalismo que o tornou, na essência, em jusnaturalismo. Ora, pensar como Luhmann, no sentido que os diversos (sub)sistemas da sociedade se comunicam e, pela comunicação, se auto(re)produzem, induz à existência de uma força natural superior. Assim, deve-se entender como pertinente a crítica de Luigi Ferrajoli, que diz que Luhmann se limita a expor "que o mundo não pode ser de outro modo". [42] Nada mais jusnaturalista. Por isso, as críticas à Jakobs são relevantes e pertinentes, uma vez que ele se apresenta como seguidor de Niklas Luhmann.
O grande problema da imputação objetiva está no seu fundamento, que é a busca de uma legitimação para o Direito, eis que há notória crise de legitimidade no Direito Criminal, o que se dá, também, na Alemanha. [43] Ocorre que a legitimação, conforme preconizava Kelsen, é questão anterior ao Direito, constituindo confusão misturar os objetos de estudo da Filosofia e da Ciência do Direito. [44] Não se olvide, no entanto, que esta é uma questão complicada, sendo que o próprio Kelsen, não conseguiu deixar de levar em consideração a legitimação do Direito. [45]
O Prof. Chaves Camargo propõe o necessário aprofundamento no estudo das teorias da relação de causalidade e da imputação objetiva, a fim de se perceber, de forma sistêmica, o que deve ser considerado fato jurídico-criminal. [46] Não obstante isso, deve-se partir de uma análise científica, sem arroubos insustentáveis, como se verifica pelo excesso casuístico, como se verifica em uma obra publicada no Brasil, a qual, do ponto de vista do cientista do Direito, é quase desprezível. [47]
3.2 Relação de Causalidade
Sem qualquer reparo a fazer, o Prof. Chaves Camargo apresenta as teorias da relação de causalidade, sobre as quais publicamos artigo. [48] Seu conteúdo, entendemos ser compatível com o exposto pelo Prof. Chaves Camargo. [49]
3.3 Imputação objetiva
Inicia o Prof. Chaves Camargo tratando de Karl Larenz, que tratou da imputação objetiva tomando por base a imputação, segundo os domínios do autor, de Hegel. Depois, trata de Honig, que parte dos estudos de Larenz, a fim de excluir da imputação os desvios causais hipotéticos, em que a causa relativamente dependente, por si mesma, gera o resultado. [50] Depois, faz uma análise do finalismo para dizer que ele jamais conseguiu justificar o delito negligente, o que é correto. [51]
Corretamente, sustenta que a imputação objetiva não se divorcia da adequação social. Aliás, na mesma linha de nossas publicações anteriores, entendemos que é mister reconhecer que uma teoria por si só não é suficiente para explicar toda teoria do delito, fazendo-se necessária a conjugação dos ensinamentos das diversas teorias, independemente de preconceitos possíveis.
A imputação objetiva seria o tempero da relação de causalidade pela adequação social. Isso, data venia, parece ser proposta já superada, tornando desnecessária a imputação objetiva, uma vez que a adequação já excluiria do fato típico a conduta socialmente adequada. Diz-se que seria inadmissível nosso entendimento porque os desvios causais hipotéticos socialmente adequados não estariam excluídos do nexo causal, v.g., Tício fere Caio e este vem a morrer por infecção hospitalar. [52] Ora, nem mesmo a imputação objetiva resolve o caso, uma vez que, ao nosso sentir, do correto ponto de vista de adequada política criminal, o caso precisa ser examinado, a fim de se perceber se a causa da morte é uma infecção que constitui decorrência da lesão ou de negligência no tratamento. No caso de negligência no tratamento, não se pode atribuir ao que provocou as lesões o resultado mais grave.
A imputação objetiva nasceu para resolver os problemas decorrentes dos crimes dolosos comissivos materiais. Hoje, tende a atingir os delitos omissivos e delitos negligentes, bem como aos delitos formais e de mera conduta. [53] Não obstante isso, como ela está calcada na teoria do risco, entendemos que só pode ser aplicada com propriedade aos delitos omissivos. [54]
Segundo os critérios da imputação objetiva, o Prof. Chaves Camargo tende ao ensinamento de Claus Roxin, expondo: a) a diminuição do risco exclui a imputação jurídico-criminal; b) não a exclui a não criação do risco; c) não exclui a imputação, a criação do risco em que autor substituto ocupa o lugar do originário; d) a causação de risco permitido exclui a imputação objetiva. [55]
Os dois últimos exemplos que o Prof. Chaves Camargo apresenta evidenciam que que Roxin é autor extremamente casuístico. Não tem uma teoria, mas casos a apresentar, o que esvazia toda lucidez da proposta. Ao mesmo tempo em que tende a um Direito Criminal funcionalista, portanto menos interventor, Roxin propõe o contrário, incorrendo nas imprecisões da lógica indutiva. O conhecimento científico sólido não pode tomar por base exemplos, o que infelizmente não se verifica na proposta de Roxin. [56]
Ao tratar do fim de proteção da norma criminal, Roxin exemplifica com o caso de dois ciclistas que seguem em um caminho escuro, sendo que o da frente vem a colidir com outro ciclista que se dirige em sentido contrário. Tal acidente poderia ser evitado se o ciclista que seguia atrás daquele que colidiu estivesse com o farol acesso, iluminando o da frente. [57] Ora, o próprio princípio da legalidade supera o assunto, sendo desnecessário o aprofundamento no exemplo para saber que o caso nada acrescenta.
Conforme ensina Claus Roxin, superada a fase do princípio versari in re illicita, não se pode pensar mais em uma responsabilidade criminal objetiva. [58] Por referido princípio a simples relação de causalidade seria suficiente para a responsabilização de uma pessoa pelo dano. A imputação objetiva não pretende resgatar referido princípio, uma vez que, para a essa teoria, a imputação se dará segundo o domínio subjetivo do autor. Desse modo, no último exemplo mencionado, não haveria imputação objetiva, segundo Roxin, porque o evento não estaria na esfera de proteção da norma criminal. Todavia, isso é óbvio, sendo desnecessária qualquer construção teórica em torno do assunto.
Esqueçamos a imputação objetiva e analisemos o CP, que entende só haver resultado jurídico-criminal relevante se houver também conduta relevante para o Direito Criminal. Em síntese, embora o delito seja um conjunto de elementos, ele só existirá se preenchidos todos eles. Desse modo, se a conduta não pertence ao campo do Direito Criminal, não se passa ao estudo dos demais elementos do fato típico.
Em um conceito analítico de crime, encontraremos fato típico, ilicitude e culpabilidade, sendo que o primeiro elemento (fato típico) se divide em conduta, resultando, estando a relação de causalidade interligando referidos elementos, e, finalmente, completará o fato típico a tipicidade. No exemplo hipotético, construído por Roxin, mesmo que entendêssemos que o ciclista que seguia atrás previu a possibilidade de ocorrer a colisão, não há norma criminal que o obrigue a evitar o dano, não é ele obrigado a agir, isso nos moldes do art. 13, § 2º, do CP, tornando despicienda a construção de Roxin, apenas para dizer que não se pode fazer a imputação do resultado se ele está fora da esfera de proteção do Direito Criminal. Ora, assim como a lei não deve conter palavras vãs, o cientista não deve rechear suas teorias com postulados inócuos. Daí dizermos que preferimos o conhecimento sistemático e seguro do objeto de estudo do criminalista, que é a norma jurídica que descreve crimes e comina sanções a quem os comete.
Observe-se o exemplo de Roxin, que seria um caso concreto julgado na Alemanha: ciclista segue embriagado. Motorista de caminhão passa por perto do ciclista em distância inferior à determinada pelas regras viárias de segurança. O ciclista cai da bicicleta, é atropelado e morre. Constata-se que o evento morte ocorreria do mesmo modo se o caminhão estivesse na distância regulamentar. [59] Nesse caso, invocando o Código Penal Alemão, Roxin defende que o condutor do caminhão não pode ser responsabilizado pelo resultado morte, tendo em vista que o resultado ocorreria, mesmo que ele tivesse obedecido a distância regulamentar. Ocorre que, in casu, resta evidente certa contradição, tendo em vista que ele defendeu a responsabilidade com base em elementos meramente objetivos, mas a exclui diante de um certo caso. Ao nosso sentir, isso decorre da inserção exagerada de exemplos, visto que eles tendem a conduzir a soluções casuísticas, desnaturando a teoria.
O que foi exposto contribui para o entendimento de que a teoria de Claus Roxin, por ser excessivamente casuística, conduz a soluções contraditórias, o que induz à sua rejeição. Na verdade, no delito negligente, sendo aferível o risco pelo condutor do veículo, tem ele o dever de cuidado, sendo que, em face do incremento do risco, ele pode ser responsabilizado em caso de negligências concorrentes. Desse modo, deve ser mantida a regra de que, em matéria criminal, não se pode admitir a compensação de resultados negligentes, ou seja, se duas pessoas, ambas atuando negligentemente, provocam danos recíprocos devem, responder pelos resultados causados.
Na hipótese em discussão, adotando o critério da eliminação hipotética, consagrado pelo CP, não se poderia imputar o resultado ao motorista do caminhão, tendo em vista que "considera-se causa a ação ou omissão, sem a qual o resultado não teria ocorrido" (CP, art. 13, caput, in fine). Assim, reconhece-se o manifesto equívoco da norma criminal pátria. Não obstante isso, melhor seria a adoção do critério da eliminação global, mas temperando-a com o estudo do concurso de pessoas. [60] Assim, ante a lei brasileira, não se poderia imputar o resultado ao caminhoneiro.
No caso do condutor do caminhão, na esteira do que se está a propor, em matéria criminal, a lei deveria ser modificada e somente ele deveria responder pelo resultado, mesmo que o resultado morte não viesse a ocorrer, tendo em vista que a auto-lesão não constitui crime. De outro modo, na esfera civil, onde a intervenção jurídica é menos drástica, não há qualquer inconveniente na admissão da compensação das negligências.
É relevante o destaque especial que o Prof. Chaves Camargo dá a Bernd Schünemann, [61] sem qualquer margem de dúvida um dos maiores funcionalistas da Alemanha. Ocorre que este não tem muitos textos traduzidos, o que nos leva ao contentamento com meras noções do funcionalismo talvez pela pior vertente. [62]
Em se tratando da obra de Chaves Camargo, adotando sua posição sobre as lições de Schünemann, parece-nos coerente a proposição de uma imputação objetiva que pode ser resolvida pela adequação social, temperada pela relação de causalidade, [63] em síntese, devemos reconhecer certa lucidez da proposta da teoria social, mas temperando-a, eis que a vontade popular que enuncia o contrato social, segundo Rousseau, ela própria, pode estar viciada. [64]
Entende Schünemann que a imputação pode incidir nos desvios causais hipotéticos em que os desvios causais estão no campo da inadequação social. Porém, para ele, apud Chaves Camargo, a teoria da adequação social não supera os problemas em que os desvios causais são socialmente adequados, v.g., resultados tardios decorrentes da SIDA ou acidentes resultantes em lesão. [65] Assim, a imputação objetiva deveria, nesses casos, superar os problemas e dizer que os resultados não poderiam ser atribuídos porque a aplicação da pena não teria sentido no plano da prevenção geral. [66]
Roxin é merecedor de críticas, isso no plano da negligência. Um livro ainda não publicado, mas de vasto conhecimento público no Distrito Federal, eis que adotado no UNICEUB e na AEUDF, enuncia:
"Na busca de parâmetros ideais para a responsabilização pelos delitos negligentes foram construídas três teorias, a saber:
- teoria da dupla posição – expõe que a análise típica deve ser unicamente objetiva, reservando à culpabilidade a apreciação de aspectos subjetivos;
- teoria da individualização da capacidade do agente – para esta teoria, tanto os elementos objetivos, quanto os subjetivos são imprescindíveis na análise do injusto;
- teoria mista de Roxin – propõe que sejam levadas em consideração a capacidade individual do autor somente nos casos em que esta é superior ao padrão objetivo, eis que sendo menor, deve ser mantida a análise estritamente objetiva, relevando os aspectos subjetivos à culpabilidade. [67]
Parece-nos que Roxin, na busca da adoção completa de determinada política criminal, incorre em contradição, tendo em vista que todo seu funcionalismo tende a um Direito Criminal subsidiário, menos interventor, mas o mesmo não ocorre no que respeita aos delitos negligentes, eis que é autoritária, arbitrária, qualquer tentativa de se pretender estabelecer uma responsabilidade penal objetiva. [68] Destarte, preferimos a teoria da individualização da capacidade do agente". [69]
No sentido do exposto, Schünemann, apud Chaves Camargo, também rejeita a proposição do conhecimento extraordinário do autor como significativo para a imputação jurídico-criminal, in verbis:
"A norma, neste aspecto, sempre tem como objetivo preventivo geral uma situação concreta, não se referindo a autores com conhecimentos extraordinários, o que determinaria sua inadequação. No caso de risco permitido não se leva em consideração se o autor estava subjetivamente em condições de observar um cuidado maior, uma vez que todas pessoas, em tese, se encontram em condições de agir no âmbito do risco permitido, dependendo, subjetivamente, das condições de cada um a observância deste risco". [70]
A questão ex ante e ex post tem relevância decisiva para a discussão, uma vez que Roxin coloca o problema no resultado e Frisch no comportamento. Para Schünemann o problema é apenas aparente, tendo em vista que a realização do tipo se produz com a concorrência de referidos aspectos acentuando que a questão empírica não é a decisiva, mas a normativa e esta é valorativa. [71]
Não há acordo na doutrina acerca da imputação objetiva. Schünemann, diferentemente de todos os outros entende nos crimes dolosos a imputação objetiva deve ser analisada diferentemente daquela incidentes sobre os delitos negligentes, eis que no delito doloso o âmbito do risco permitido é menor. [72] Entendemos que a imputação objetiva, calcada na teoria do risco, apresenta dificuldades quase intransponíveis, isso no tocante aos delitos comissivos dolosos materiais, sendo sua aplicação fácil apenas nos delitos omissivos. Nos delitos negligentes, a aplicação da teoria é relativamente fácil, mas sem os grosseiros equívocos decorrentes da doutrina de Roxin (isso naquilo que se refere ao conhecimento extraordinário do autor). De outro modo, é insustentável pretender aplicá-la para superação dos problemas decorrentes dos desvios causais hipotéticos, eis que serão outras as teorias que minimizarão o problema.
Cláudio Brandão define bem jurídico como "valor", o qual "deve ser definido, pois, como o valor tutelado pela norma penal, funcionando como um pressuposto imprescindível para a existência da sociedade". [73] Todavia, sua definição embora estando adequada à visão valorativa de Roxin, tem pequena importância na visão de Jakobs, visto que este procura demonstrar que a lesão jurídico-criminal relevante é aquela que tem seu conteúdo analisado dentro do contexto social, ou seja, a imputação objetiva do comportamento é imputação vinculada a uma sociedade concreta, interessando as condutas dos seres humanos, que são portadores de diversas de obrigações – cada um é portador de um rol próprio de obrigações -, ou seja, cada um deve administrar uma parcela do acontecimento social.
O autor, a vítima ou o terceiro que se conduzir de forma diversa do estabelecido em seu rol de obrigações, administrando-o de maneira deficiente, é quem deve responder pelo fato jurídico-criminal. [74] Destarte, podemos deduzir que para Jakobs não interessam os objetos jurídicos, mas as condutas concretizadas no meio social. Daí a afirmação de Chaves Camargo, no sentido de que Jakobs afasta qualquer possibilidade do Direito Criminal proteger bens jurídicos. [75]
Günther Jakobs admite dois tipos de norma: a) ao redor (entorno) do social, que são normas que obedecem leis da lógica e da matemática; b) diretamente sociais, estas são debéis porque a valoração não está assegurada por antecipação e requerem garantia social para que sejam consideradas legis perfectae. [76]
3.4 Elementos do crime de imputação objetiva
Partindo do conceito analítico do delito, são seus elementos a conduta, a ilicitude e a culpabilidade. O fato típico é composto por conduta, relação de causalidade, resultado e tipicidade. Assim, Chaves Camargo inicia seu estudo pela conduta, tratando das teorias causalista, finalista e social, [77] matéria que já foi publicada por nós alhures. [78]
Roxin entende ser a conduta a "manifestação da personalidade, entendo ser mais abrangente porque inclui as "ações" dolosas, culposas, conscientes ou inconscientes ou omissivas. [79] Pequeno reparo deve ser feito, em respeito ao rigor terminológico, pois a omissão pura não pode constituir ação. Ela é o deixar de agir, sendo mais adequado tratar de conduta, eis que esta pode ser positiva (ação) ou negativa (omissão). Somente a omissão do garante ou garantidor que vem a constituir ação contra o dever de cuidado imposto pela norma, por isso, a omissão impura (ou imprópria) indizará ao crime comissivo por omissão.
Outro aspecto relevante acerca da conduta como manifestação da personalidade é a notória confusão terminológica gerada. A personalidade é objeto de estudo da Psicologia, sendo que não é rara a remessa que a lei faz do Juiz à Psicologia, umas vez que determina constantemente a análise da personalidade (v.g., CP, art. 44, inciso III; art. 59, caput; art. 77, inciso II; etc.). Aferir conduta jurídico-criminal, adotando o conceito de Roxin, é impossível ao jurista, tendo em vista que conhecer a personalidade exigir estudos científicos do especialista, no caso o Psicólogo.
Roxin entende que seu conceito de conduta é pré-jurídico, sendo que a "situação real do delito aparece, assim. como uma manifestação da personalidade típica, antijurídica e culpável". [80] Tende, portanto, Roxin ao conceito global de delito, que merecerá análise casuística para (des)valoração da personalidade, isso no que respeita à conduta típica, antijurídica e culpável. Data venia, referida posição gera excessiva imprecisão jurídico-criminal e evidencia a adoção das lições de Jürgen Habermas, autor que traz uma incontável imbricação de conhecimentos e teorias para a relevância do agir comunicativo, incluindo aí conhecimentos da Psicologia. [81] É Habermas um autor prolixo, [82] conseqüentemente, também o é Roxin, eis que adota posturas daquele. Assim, a imputação objetiva, segundo a proposição de Roxin, não pode ser admitida, eis que o garantismo exige, no mínimo, a elaboração de normas claras.
Não somente o legislador, mas todo aquele que atua com o Direito Criminal, deve restar atento ao garantismo, que é, em primeiro lugar, um modelo normativo de direito, na medida de modelo de "estrita legalidade", portanto, assegurador de direitos individuais. Em segundo lugar, é uma teoria que se prende à validade efetiva, com uma praxe operativa da norma. E, por último, o garantismo é uma filosofia política que requer do Direito e do Estado o ônus de justificar sua base externa, que provém de bens e interesses, de cujas tutelas as normas visam. [83]
A palavra garantismo, no contexto da obra de Ferrajoli, seria um "modelo normativo de direito". Tal modelo normativo se estrutura a partir do princípio da legalidade, que é a base do Estado de Direito. [84] Tal forma normativa de direito é verificada em três aspectos distintos, mas relacionados. Sob o prisma epistemológico, pressupõe um sistema de poder que possa, reduzir o grau de violência e soerguer a idéia de liberdade – não apenas no âmbito criminal, mas em todo o Direito. [85] Essa posição, merecedora de prestígio, permite dizer que tipos confusos devem ser rechaçados. De outro modo, a proteção da liberdade pessoal, para Ferrajoli, é uma variável dependente de uma série de garantias contra o exercício do poder de punir. É, na verdade, uma barreira, um obstáculo contraposto (contra o poder), no qual litigam executivo e cidadão. [86] Esse garantismo não pode ser refutado. Ao contrário, é mister refutar toda tópica imprecisa que induza à insegurança jurídico-criminal, o que permite repudiar o conceito de conduta formulado por Claus Roxin.
O conceito de conduta, construído por Günther Jakobs, não abandona a causalidade, nem a teoria social. Para ele, a conduta é a causação de um resultado evitável, isso segundo a imputação objetiva, ou seja, só pode ser considerada relevante a conduta em que há imputação objetiva, que é o vínculo subjetivo do autor ao fato. Desse modo, estão afastados do conceito de conduta os atos involuntários e aqueles que provoquem resultados inesperados. Também, não pratica conduta jurídico-criminal a pessoa jurídica, eis que ausente a imputação objetiva, que é construída segundo o conceito do sujeito da conduta. É importante verificar o mundo exterior e o vínculo do sujeito com ele, que é o caso de imputação objetiva. [87]
O problema que se verifica no conceito de conduta ofertado por Jakobs tem a mesma natureza daquele que se verifica no conceito de Roxin, que é a confusão no conceito analítico de crime. Determinar o sujeito capaz de evitar o resultado, ou seja, determinar a capacidade individual de cada um, induz à confusão, parecendo pretender resgatar a ilicitude subjetiva, que é uma questão complicada, tendo em vista que sua rejeição se dá exatamente pelo fato de reunir em um elemento do delito o todo, tornando imprecisa a análise dos fatos. Aliás, pela perda do método, o Direito Criminal tende a se transformar em mera especulação sobre casos concretos, segundo uma tal justiça particularizada dos fatos, o que é muito perigoso. Aliás, o próprio Claus Roxin diz que o ponto central de seus estudos é a culpabilidade, que deve restar atenta à justiça do caso concreto. [88]
Interessante a construção de Chaves Camargo da ação no agir comunicativo, que expõe:
"Podemos desta forma, estabelecer um conceito para a ação, como elemento do ilícito, como a exteriorização do mundo da vida do agente num determinado grupo social, em dissenso com os valores reconhecidos pelo mesmo grupo social, que decorrem da interpretação das normas vigentes que dão validade à expectativa de comportamento exigido como preferenciais pelas regras deste grupo". [89]
Habermas pertence à denominada Escola de Frankfurt, cujas idéias se aproximavam tanto do socialismo, a ponto de ter sido considerada marxista. Carl Marx, embora economista, teve grande vertente sociológica, pensamento este que foi acolhido pela Escola de Frankfurt. [90]
Do livro de Habermas, Teoria da ação comunicativa, podemos extrair:
- embora procurando não confundir suas posições com determinadas ciências, mormente com a Sociologia, demonstra forte assimilação de várias delas;
- valoriza fortemente a comunicação, mas sempre invocando a verdade, bem como a utilização de símbolos inteligíveis;
- a sociedade e a cultura são domínios estruturados em torno de símbolos e os símbolos exigem interpretação. Destarte, qualquer metodologia, que sistematicamente negligenciar o esquema interpretativo, pelo qual a ação social acontece, está destinada ao fracasso;
- o conhecimento social é dirigido por normas consensuais, que derivam da ação comunicativa, ou seja, uma orientação que responde ao interesse cognitivo por um entendimento recíproco a ao interesse prático pela manutenção de uma intersubjetividade permanente;
- a validade da teoria da ação comunicativa é uma preocupação constante, mas ele se diferencia de Luhmann porque insere valores na formação e legitimação das normas jurídicas;
- ato da fala permite ao falante executar a ação, esta visa fundamentalmente assegurar o entendimento dos atores, por meio da seqüência de interações comunicativas. [91]
É complexo o pensamento habermasiano, fator que se caracteriza pela sua interdisciplinariedade, da qual resulta uma imbricação de conceitos e teorias. [92] Desse modo, pelo que se pode apreender, sua posição é diferente da apresentada por Luhmann, mas com pontos muito próximos, eis que ambos valorizam significativamente a comunicação na sociedade complexa, sendo a posição de Harbermas mais ampla, eis que insere conhecimentos da Psicologia em sua Filosofia, enquanto que Luhmann entende que o (sub)sistema científico da Psicologia se comunica com o (sub)sistema jurídico, mas este não se deixa contaminar por aquele, como o faz Habermas. É devido à complexidade do pensamento habermasiano que emerge a dificuldade para a adoção de um conceito de conduta decorrente da teoria do agir comunicativo.
Chaves Camargo apresenta a evolução do estudo do tipo, tratando do tipo objetivo e do tipo subjetivo, explicando a descoberta dos elementos normativos do tipo. Welzel passou a tratar de tipo objetivo e tipo subjetivo como sendo atos que integram a execução típica do delito. [93] Ora, conforme exposto anteriormente, o tipo é a descrição do delito, sendo que a execução da conduta típica não poderá se confundir com ele, ela será elemento do fato típico.
A análise de casos concretos, hoje, importa em, sempre, se verificar elementos normativos do tipo (adequação social e fragmentos da norma exposta em outros artigos que complementarão o tipo). Outrossim, o delito negligente é, por excelência descrito por normas abertas, ou seja, que exigem complementação. Assim, são tipos que sempre exigirão a complementação, contendo, portanto, elemento normativo. [94] O dolo integra o tipo, eis que só há crime doloso, salvo se a lei expressa excepcionalmente a relevância jurídico-criminal da conduta negligente.
Enquanto descrição do delito, o tipo é objetivo, mas pode conter elementos objetivos, normativos e subjetivos. O elemento do tipo não se confundirá com ele. Outrossim, o atuar dolosamente ou negligentemente não constituirá, respectivamente, tipo subjetivo ou tipo normativo, mas praticar conduta jurídico-criminal relevante, elemento do fato típico. Destarte, a construção teórica de Welzel peca até pela própria confusão terminológica que ele instalou a respeito da existência de tipo objetivo e de tipo subjetivo.
Entendendo que o fato objetivamente típico é a reunião de conduta voluntária, relação de causalidade, resultado e tipicidade, é possível concluir que o elemento subjetivo do tipo é o dolo, sendo, por conseqüência, fato subjetivamente típico, aquele em que a conduta é dolosa ou dotada de negligência imprópria. Com isso se chega à conclusão que Roxin traz inovação pouco relevante com a imputação objetiva.
Pretender inserir a imputação objetiva no tipo objetivo (descrição objetiva do delito) é um equívoco, eis que ela será normativa, isso sob o ponto de vista da adequação social, ou subjetiva, pois ela é vista sob o ponto de vista de política criminal, [95] sendo, portanto, valorativa e não há valor que não seja subjetivo. Dizer que a imputação objetiva constitui elemento objetivo do fato típico também constitui equívoco, tendo em vista que leva em consideração aspectos subjetivos do autor do fato. Desse modo, embora Roxin entenda que o critério sistemático de análise do fato jurídico-criminal seja falho, [96] referida análise não apresenta maiores inconvenientes.
Fazer o estudo sistemático do delito importará em deixar a análise da consciência da ilicitude dentro da culpabilidade. Não obstante isso, tal momento será posterior ao estudo do fato típico e da ilicitude. Não estando presente algum destes elementos, não se chegará ao estudo da culpabilidade. Assim, saber aplicar adequadamente a teoria da adequação social, isso no momento da análise do fato típico, suprirá as lacunas que a imputação objetiva pretende preencher. Daí, nossa concordância com a colocação de Bustos Ramirez, citado por Chaves Camargo, no sentido de que a imputação objetiva não pode ser analisada como elemento objetivo do tipo, ou dentro do fato objetivamente típico. [97]
Jakobs, mantendo a distinção entre os tipos (objetivo, de injusto, de culpabilidade etc.) permite a análise sistemática do delito, sendo "coerente com a base de sua teoria, que exige um sujeito integrado ao social e que tenha conhecimento do rol de comportamentos que deve responder às expectativas". [98]
O Direito Criminal, segundo a imputação objetiva, deixa de ter fins meramente retributivos e de visar unicamente à proteção de bens jurídicas. Sua missão é garantir a identidade da sociedade. [99] Nesse ponto, a imputação objetiva tende à teoria pura do Direito, mas de forma flexibilizada. O que se está a afirmar é razoável porque Hans Kelsen justiça é felicidade. Mais, justiça é a felicidade de um povo, sendo que a "nossa felicidade depende freqüentemente da satisfação de necessidades que nenhuma ordem social pode garantir". [100] O pior é que se entendemos que justiça é a felicidade individual, seremos obrigados a concluir como Kelsen, no sentido de que não há uma ordem social justa, pois nenhuma ordem social pode compensar as injustiças da natureza. [101] Ademais, se pretender estabelecer uma hierarquia de valores, o faremos sempre de forma subjetiva, portanto, relativa. [102]
Do que foi exposto, adotando a posição de Kelsen, o objetivo maior do Direito Criminal não é a justiça, uma vez que não há justiça geral. O que se pretende é um mínimo de estabilidade, de segurança, compatibilizando o interesse (a felicidade) geral com o(a) individual. Tal conclusão se assemelha ao exposto acerca do papel do Direito Criminal sob o ponto de vista da imputação objetiva.
Uma coisa é certa, a imputação objetiva vai além da exclusão da tipicidade, assumindo um caráter global na análise dos fatos jurídico-criminais, considerada determinada situação de comunicação. [103] Ao nosso sentir, esse é seu maior problema, visto que a tópica tende a substituir a sistemática, tendendo a casuísmos exagerados, que podem gerar situações concretas, porque pontuais, infamantes.
Acerca da ilicitude, a imputação objetiva propõe que é necessário que o agente tenha domínio subjetivo da situação concreta ou presumida da causa de justificação, pouco interessando sua vontade real para caracterização da ilicitude. Porém, tende à ilicitude material, que verifica a ilicitude na sociedade, e que resgata o conceito global de injusto. [104]
A imputação objetiva centraliza a culpabilidade na dignidade da pessoa humana. Ela é o ponto central da discussão, sendo que a imposição de uma pena com base na culpabilidade reiterará a validade da norma em determinado momento social. [105]
Para Roxin, um dos defeitos do pensamento sistemático finalista decorre da desatenção à justiça do caso concreto. Ele entende que o sistema teleológico-racional apresenta inovação central no campo da culpabilidade, visto que esta deve ser expandida. [106] A imputação objetiva, portanto, se atenta mais aos fins do Direito Penal, uma vez que incidirá principalmente sobre os pontos voltados à censura daquele que praticar um fato jurídico-penal.
Schünemann entende que o conceito social de culpabilidade não corrige os problemas decorrentes da análise sistemática. Aliás, distorce todo edifício dogmático, tendo legitimação seriamente discutível. [107] Toda imputação objetiva construída por Roxin assimila o excessivo casuísmo de Larenz, que propõe a "solução justa dos casos" apresentado ao Juiz. [108] Este entende que é necessário um tratamento circular dos casos, a fim de se poder tratar do problema sob os mais diversos ângulos e que traga à colação todos os pontos de vista – tanto os obtidos como decorrência da lei como os de natureza extrajurídica – que possam ter algum relevo para a solução ordenada à justiça, com o objetivo de estabelecer um consenso entre os intervenientes, [109] posição semelhante à de Habermas, que tende ao consenso no agir comunicativo.
3.5 Imputação objetiva e Direito Criminal brasileiro
Chaves Camargo entende que a doutrina criminal pátria ainda está tendendo à influência do positivismo jurídico netokantiano, mas reconhece que alguns poucos tendem ao abolicionismo de Hulsmann. Referido abolicionismo, para Chaves Camargo, não enseja qualquer radicalismo. [110] Essa posição é coerente com toda sua obra, uma vez que seu autor tece vários comentários elogiosos ao agir comunicativo, prestigiando Habermas, sendo que a obra de Hulsmann propõe substitutivos mais humanos às penas que ora prevalecem e, ainda, ele diz ser adequada a pena em que todos os envolvidos (Estado, vítima e sociedade) se contentam com a pena imposta, convergindo para o agir comunicativo. [111]
No campo do fato típico, da ilicitude e da culpabilidade, Chaves Camargo propõe a adoção da imputação objetiva, chegando a propor a não aplicação de uma jurisprudência uniforme, sumular, como interpretação da norma, [112] reforçando a idéia de ser a imputação objetiva essencialmente tópica.
Em se tratando da relação de causalidade, Chaves Camargo se estende um pouco mais para propor a aderência da imputação objetiva à teoria da equivalência, a fim de tornar o Direito Criminal mais aberto e atento ao princípio da dignidade humana. [113]
3.6 Outros aspectos da imputação objetiva no Direito Criminal brasileiro
Inicia Chaves Camargo pela exclusão do crime pelo fato da vítima se autocolocar em situação de perigo. [114] Essa posição, vem sendo resolvida no Direito Criminal pátrio no estudo do fato típico, da ilicitude e da culpabilidade, uma vez que, às vezes, a vítima torna impossível o resultado proibido pela norma criminal, mas porque ela se coloca na situação de perigo de tal maneira que o resultado se dá sem dolo ou negligência do agente, afetando ao fato típico. Noutras circunstâncias, a vítima gera a situação de excludente real ou putativa. Finalmente, pode ocorrer de ocorrer uma conduta da vítima de forma tão profunda que se torna inexigível conduta conforme o Direito por parte do autor, excluindo a culpabilidade.
A imputação objetiva resolveria a questão no plano do agir comunicativo porque se deve entender que todos participantes do fato têm ampla liberdade de decisão e argumentação, excluindo-se a imputação nos casos em que a vítima se colocou na condição de risco.
A imputação objetiva, no âmbito dos crimes dolosos, para Roxin, é o elemento vontade, subjetivo, que não pode ser apreciado por elementos externos. Para Jakobs, o dolo tem a mesma conotação, eis que representado pelo querer violar o rol de obrigações imposto. [115]
O dolo eventual não restou esquecido, tendo sido enfrentadas as teorias de nível cognitivo e as teorias do nível volitivo. Mas, destaque especial merecem as novas teorias do dolo, quais sejam: a de Hassemer, a de Roxin, e a de Jakobs.
O dolo eventual para Hassemer, segundo Chaves Camargo, é indicado por: a) situação perigosa para o bem jurídico; b) a representação do sujeito sobre a mesma; c) decisão de atuar contra o bem jurídico protegido. Tal teoria não facilita a distinção entre dolo eventual e negligência consciente (imprópria), eis que é mister verificar o aspecto interno do autor. [116]
Para Roxin há dolo eventual na decisão contra o objeto jurídico, que se caracteriza pelo fato do agente não realizar qualquer atividade dirigida a evitar o resultado. Caso haja dúvida, deve cessar sua ação, senão restará caracterizado o dolo. Havendo reflexão e o agente adota medidas para evitar o resultado e mesmo assim ele ocorre, há negligência consciente. Outro critério seria, negligência imprópria, o agente atua sem reflexão, de forma a pensar que o resultado lesivo não ocorrerá, enquanto no dolo eventual, o sujeito toma a sério o risco de produção do resultado, mas prossegue contra o bem jurídico. [117]
Roxin é contraditório em sua teoria do dolo eventual. Uma imputação objetiva tendente ao Direito Criminal atento à dignidade da pessoa humana, não pode, contraditoriamente, imprimir pontualmente maiores rigores. O atuar levianamente não constitui dolo eventual, mas negligência.
Jakobs, por sua vez, adota posição mais coerente que a de Roxin, tendo em vista que afasta o elemento volitivo do critério para distinção. A diferenciação está no conhecimento por parte do autor, conjugando a teoria da probabilidade (que é uma teoria de nível cognitivo) com a teoria de tomar a sério. [118]
O finalismo não conseguiu explicar adequadamente o delito negligente em sentido estrito. No caso da negligência, mister é a análise do fato, a fim de saber se o agente violou seu dever de cuidado, sendo que a imputação objetiva não apresenta formulas estanques para solução dos casos, recorrendo-se à tópica, a fim de verificar se constitui fato jurídico-criminal. [119]
O consentimento da vítima, no plano do agir comunicativo, pode excluir o delito, sendo necessária a análise fática de cada situação. [120] Nesse ponto, concordamos com a análise dos fatos, mas sem perder de vista a análise sistemática. A tópica, contribuiria para saber se o consentimento do ofendido, considerando o caso, exclui a tipicidade (quando prévio) ou a culpabilidade (quando concomitante com o ato lesivo) ou a punibilidade (quando posterior), ocasião em que haverá crime, mas não haverá pena. Observe-se que o consentimento do ofendido, não excluirá a relevância jurídico criminal, se a vontade não for manifestada livremente, se o bem jurídico for indisponível ou se houver vício de consentimento.