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Compliance, risco operacional e o advogado

17/10/2016 às 18:03
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É impensável a atividade empresarial sem controlar riscos, sem cumprir a legislação ou regulamentos, enfim, sem um programa de compliance bem estruturado e bem executado.

O Compliance, ferramenta relacionada às boas práticas de gestão é conceituado como sendo “o dever de cumprir, de estar em conformidade e fazer cumprir leis, diretrizes, regulamentos internos e externos, buscando mitigar o risco atrelado à reputação e ao risco legal/ regulatório[i]” das atividades empresariais e governamentais.

Neste pequeno artigo, não trataremos das relações governamentais, embora em tempos de crise moral e ética na administração pública, como o atual, este tema venha forte para os debates diários, nos ateremos ao caso da atividade privada.

A expressão compliance “vem do verbo inglês “To Comply”, que significa “cumprir”, ‘executar’, ‘satisfazer’, ‘realizar o que lhe foi imposto[ii] e se revela como uma ferramenta de gestão que, juntamente com os controles internos, cria os mecanismos necessários para o desenvolvimento de um ambiente empresarial de boa governança e, principalmente de transparência.

Ferramenta indispensável para a governança corporativa, o Compliance trabalha com a adequação das práticas das empresas e dos governos às leis e regulamentos, internos e externos com escopo de impedir danos à imagem e perdas financeiras das organizações.

A implementação das medidas de Compliance se dá por meio da adoção de controles internos, auditorias, testagens de segurança, elaboração de manuais e procedimentos claros, enfim, do estabelecimento de uma rotina de acompanhamentos periódicos da sistemática da empresa. Com isso, é possível antever situações, avaliar e reavaliar condutas, reduzir e mitigar riscos.

Se a palavra chave para a governança corporativa é transparência, a palavra chave do Compliance, em nossa concepção é avaliação, pois é a partir da análise da legislação, da regulamentação e de procedimentos que é possível avaliar se determinada conduta “está de acordo”, ou é capaz de produzir riscos à organização.

Quanto ao risco, este se caracteriza por ser uma possibilidade “mensurável” de ganho ou perda. Diferentemente da incerteza, que não pode ser medida, o risco é mensurado[iii]

Diz-se que quando a incerteza passa a ser mensurada, ela se transforma em risco[iv], de modo que o risco é a possibilidade mensurável de acontecer algo, positivo ou negativo.

De acordo com o IBGC[v], os riscos podem ser internos ou externos: 

1.     Internos – são eventos gerados por sua própria estrutura, por seus colaboradores ou pelo seu sistema de tecnologia. Carecem sempre de uma atitude proativa.

2.     Externos – são eventos alheios à vontade da alta direção, tais como fatores macroeconômicos, políticos, sociais, naturais e setoriais. Geralmente não comportam ação direta da corporação, mas demandam ação reativa, ou seja, necessitam de uma avaliação prévia para preparar a Sociedade Empresária para a sua ocorrência.

Os riscos ainda podem ser classificados quanto à sua natureza como:

1.      Riscos Estratégicos – são associados à tomada de decisão da administração da sociedade. Riscos advindos de má-gestão geralmente resultam em perda de credibilidade e perda do valor das ações da empresa.

2.     Riscos Operacionais – são relacionados a falhas, deficiências ou inadequação de procedimentos internos, pessoas e sistemas. Dos riscos operacionais podem advir passivos judiciais, contratuais, regulatórios e ambientais.

3.     Riscos Financeiros – Os riscos financeiros podem ser de mercado, de crédito e de liquidez e são aqueles relacionados à administração financeira do negócio. Podem conduzir ao endividamento excessivo e prejuízos frente à exposição cambial, falta de liquidez, baixo fluxo de caixa, enfim, trazem consigo a falta de dinheiro.

 Uma atitude poderá gerar exposição aos riscos de forma ampla, os riscos poderão ser financeiros, estratégicos e operacionais ao mesmo tempo.

O Compliance, quando levado a sério, gerencia os riscos, influencia, inclusive, no resultado dos negócios, na interação da empresa com o mercado em geral, na relação com o conjunto de colaboradores e fornecedores, com o Estado, bem como todos os que, de uma forma ou de outra vivem e interagem com o seu dia-a-dia.

A demanda por informações gerenciais tem crescido sensivelmente nos últimos anos, principalmente em decorrência de uma série de escândalos corporativos que expuseram a fragilidade das empresas e sua suscetibilidade a prejuízos financeiros e de credibilidade e o Compliance auxilia na geração de informações e busca impedir prejuízos.

Ademais, não é excesso asseverar que, mesmo uma relação cotidiana, com o consumidor final, por exemplo, pode gerar desgaste e perda financeira, afinal, uma informação equivocada, incompleta ou imprecisa pode gerar procedimentos no PROCON, processos judiciais e publicidade negativa para a organização que podem lhe levar, em última análise à ruína.

Recentemente, a Volkswagen[vi] foi alvo de escândalo internacional, no qual restou obrigada a reconhecer que fraudava o software de verificação de emissão de poluentes. Este fato fez com que as ações da montadora caíssem em 20% (vinte por cento), uma queda histórica dos papéis da Companhia, isto sem falar que ainda corre o risco de sofrer penalidades por parte do Governo Americano de mais de dezoito milhões de dólares[vii].

As perdas financeiras da Volks foram previstas em mais de um bilhão e setecentos e trinta milhões de euros[viii]. O prejuízo bilionário está contingenciado em mais de seis bilhões de euros e pode custar o cargo do presidente da Companhia e o de seus principais executivos[ix].

Em outro caso, diametralmente oposto, o frigorífico JBS S.A, criou um programa de Compliance, denominado “Programa de Prevenção” nos moldes do Ministério Público do Trabalho com escopo de reduzir ou evitar multas e processos trabalhistas, conforme notícia veiculada dia 07 de janeiro último no jornal Valor Econômico[x]. A criação desta força tarefa composta por médicos do trabalho, engenheiros e técnicos em segurança, advogados e ergonomistas tem por finalidade reduzir e mitigar riscos em matéria trabalhista, para excluir a Companhia das listas de maior demandado nos Tribunais Regionais do Trabalho dos Estados em que possui planta fabril.

Os dois casos acima demonstram que é impensável a atividade empresarial sem controlar riscos, sem cumprir a legislação ou regulamentos, enfim, sem um programa de Compliance bem estruturado e bem executado.

Mas onde se insere o advogado neste panorama? 

Entendemos que a atuação do advogado é a razão de ser do Compliance. Sem a atuação do profissional do Direito é extremamente dificultosa e árdua a tarefa de criar um programa de Compliance, afinal, cabe ao profissional da área jurídica não apenas a defesa da sociedade empresária quando instaurado um conflito de interesses, mas também trabalhar na prevenção desses conflitos.

Muito embora o profissional de Compliance não necessite, obrigatoriamente, ser advogado, profissionais com expertise jurídica possuem um maior número de ferramentas para executar a tarefa, afinal, na execução e cumprimento das leis e dos regulamentos externos e internos a que a empresa está sujeita cabe interpretação de dispositivos legais e normativos a que o profissional versado no Direito está mais acostumado.

O Compliance a partir do advogado é lógico, pois o profissional precisa avaliar constantemente as práticas da empresa e os impactos dessas práticas em vista do que estabelece a legislação, os regulamentos internos e externos e a ética, atividades que não podem ser dissociadas do conhecimento adquirido nos bancos acadêmicos das faculdades de Direito.

Outrossim, não só os advogados internos das empresas devem agir em prol do Compliance. O advogado terceirizado deve buscar seguir sempre as determinações da empresa, para que sua atuação não se torne contraditória em relação às práticas de seu cliente. A par disso, o profissional do direito deve fazer uma análise crítica de cada situação, até mesmo das determinações da empresa, com vistas a identificar potenciais situações de risco que venham gerar prejuízos à corporação.

Nesse caso, o papel do advogado é justamente alertar, prevenir e minimizar as chances de que alguma conduta adotada pela empresa possa estar fora dos padrões estabelecidos pelas leis e regulamentos, das obrigações éticas e morais, dos ditames atinentes às boas práticas.

De outra banda, a empresa, também deve ouvir seu corpo jurídico, seja interno ou externo, pois determinadas atitudes acarretam problemas que poderiam ser evitados se tivessem sido avaliados do ponto de vista jurídico e ético. Tais assertivas representam implementar o conceito do compliance na prática: fazer com que os diversos setores da empresa “conversem” e garantir que haja pessoas encarregadas e atentas checando diariamente se as condutas adotadas estão de acordo com a lei, com a ética e com o que indicam as boas práticas.

Exemplificando: Um determinado fabricante de tintas teria alterado o conteúdo da embalagem de seu produto, sem, contudo, informar ao consumidor da mudança, o que veio a acarretar cominação de multa por parte do INMETRO. Ao discutir o auto de infração e a respectiva punição, a empresa restou derrotada no judiciário, pois teria praticado violação ao art. 39 do Código de Defesa do Consumidor, conforme ementa abaixo:

 ADMINISTRATIVO. DIFERENÇAS ENTRE O PESO EFETIVO DO PRODUTO E O INFORMADO NA EMBALAGEM. REGULARIDADE NOS AUTOS DE INFRAÇÃO.DESNECESSIDADE DA JUNTADA DO PROCESSO.- Havendo diversidade entre o real conteúdo do produto e a indicação da embalagem, e estando essa diferença prevista no Regulamento Técnico Meteorológico, é legal a cobrança de multa pecuniária como forma de proteção ao consumidor.- A juntada do processo para julgamento único é decisão que cabe ao Administrador, atendendo à conveniência.- Apelação desprovida. (17815 RS 2002.71.00.017815-0, Relator: CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, Data de Julgamento: 06/03/2006, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 24/05/2006 PÁGINA: 709).

O conhecimento das normas de direito do consumidor estabelece que qualquer alteração na embalagem do produto ou redução da quantidade deve ser amplamente divulgada na embalagem (art. 39 do CDC), sob pena de sanções de natureza administrativa e judicial.

Nesta mesma toada, a inclusão de serviços não solicitados em contas telefônicas, se feitas de modo reiterado poderá gerar inúmeras condenações judiciais por danos morais, que deixam ao alvedrio do judiciário a quantificação destas indenizações.

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. TELEFONIA. COBRANÇA DE SERVIÇOS NÃO CONTRATADOS. ABUSIVIDADE CONFIGURADA. PAGAMENTO INDEVIDO. REPETIÇÃO DO INDÉBITO. INSCRIÇÃO DO NOME DO AUTOR NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO ILÍCITA. DANO MORAL MANTIDO. QUANTUM INDENIZATÓRIO REDUZIDO. PERCENTUAL DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS MANTIDO. Configurada a abusividade na disponibilização e cobrança relativa a serviços não contratados. Caso concreto em que o dano moral resta demonstrado em face da situação experimentada, diante da cobrança indevida de serviços não contratados (70041819327 RS, Relator: Romeu Marques Ribeiro Filho, Data de Julgamento: 18/05/2011, Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 25/05/2011).

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Igualmente como no exemplo anterior, a adoção de um sistema de controles internos poderia impedir a ocorrência de erros e violações ao direito de clientes e usuários, o que minimizaria os custos com processos judiciais (custas, honorários e condenações) e multas administrativas.

Os casos acima exemplificados constituem claras falhas de controle de risco operacional, pois envolvem diretamente o negócio, podendo ser evitados com procedimentos de análise das condutas, nominados ou não de programa de Compliance, mas com a base analítica e criteriosa de profissionais conhecedores do Direito.

Assim, entendemos que não há como afastar o advogado do Compliance, mas ao contrário, deve-se trazê-lo para o centro do programa, pois somente ele tem o conhecimento completo dos temas necessários ao bom andamento das atividades, capaz de evitar ou até elidir riscos operacionais.


[i] COIMBRA, Marcelo de Aguiar. Manzi, Vanessa Alessi. Manual de Compliance. 1ª Edição. Editora Atlas: São Paulo. 2010. P. 2.

[ii] ABBI. FERABAN. Função de Compliance. Disponível em: http://www.febraban.org.br/Arquivo/Destaques/Funcao_de_Compliance.pdf. Acesso: 10/05/2011.

[iii] ASSAF NETO, Alexandre. Finanças Corporativas e Valor. 3º Edição. Editora Atlas: São Paulo. 2007. P. 702.

[iv] OLIVEIRA, Gilson Alves de. PACHECO, Marcelo Marques. Mercado Financeiro. Editora Fundamento: São Paulo. 2005. P. 245.

[v] INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Guia de Orientação e Gerenciamento de Riscos Corporativos. IBGC – 2007. P. 18/19.

[vi] Matéria veiculada no site G1: Escândalo da Volkswagen: veja como a fraude foi descoberta.

Disponível em: http://g1.globo.com/carros/noticia/2015/09/escandalo-da-volkswagen-veja-o-passo-passo-do-caso.html. Acesso em 07/01/2016. 

[vii] Matéria veiculada no site G1: Ações da Volkswagen caem mais de 20% após escândalo nos EUA. Disponível em: http://g1.globo.com/economia/mercados/noticia/2015/09/acoes-da-volkswagen-caem-mais-de-20-apos-escandalo-nos-eua.html. Acesso em 07/01/2016.

[viii] Matéria veiculada no Estado de São Paulo: Leia Mais: http://economia.estadao.com.br/noticias/mercados,volkswagen-tem-prejuizo-de-1-73-bilhao-de-euros-no-3o-trimestre-apos-escandalo,1787330. Acesso em 08/01/2016.

[ix] Matéria veiculada no site UOL: Fraude da VW deve render prejuízo bilionário e demissão a CEO. Disponível em: http://carros.uol.com.br/noticias/redacao/2015/09/22/fraude-da-volswagen-deve-render-prejuizo-bilionario-e-demissao-a-ceo.htm. Acesso em 08/01/2016.

[x] Matéria veiculada no site Valor Econômico: Empresas investem em prevenção para evitar multas e ações judiciais http://www.valor.com.br/legislacao/4381144/empresas-investem-em-prevencao-para-evitar-multas-e-acoes-judiciais. Acesso em 07/01/2016.

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Sobre o autor
Leandro Villela Cezimbra

Graduado em Ciências Juridicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2005), Especialista em Mercado de Capitais pela Faculdade de Administração, Contabilidade e Economia pela mesma Universidade (2010) e pós-graduando em Direito Empresarial pela FGV.<br>Atualmente, consultor (Analista) Sênior na Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CEZIMBRA, Leandro Villela. Compliance, risco operacional e o advogado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4856, 17 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/45863. Acesso em: 24 nov. 2024.

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