Resumo: A adoção, ao longo dos anos, sofreu várias modificações, tanto em seu procedimento como também nas consequências por ela trazidas. No Brasil, as mudanças foram ocorrendo através das legislações, inicialmente trazia um teor bastante preconceituoso ao falar de filhos adotivos. Atualmente, já há a igualdade entre os filhos adotivos ou não, mas, como foi uma mudança tida como recente e também pela burocracia existente em nossa legislação, passou a ser praticadas adoções ilícitas, onde não há o respeito ao procedimento legal. Conhecidas como “adoção à brasileira”, que consistem no registro de filho de outra pessoa como se biológico fosse. Tipificada como crime, mas com exceções quanto à pena, pois a Justiça tende a priorizar a socioafetividade em detrimento da aplicação da pena, assim, este tema merece ser melhor estudado, o que será visto no decorrer do trabalho.
Palavras-chave: Adoção. Filiação. Adoção à brasileira. Socioafetividade.
1. INTRODUÇÃO
Este trabalho foi desenvolvido com o intuito de mostrar a realidade da adoção, quais são os procedimentos legais e mostrar as ilegalidades que ocorre em alguns processos de adoção.
Será dado um maior enfoque nas adoções ilegais, chamadas de “adoção à brasileira”, que são aquelas que ocorrem sem o procedimento previsto em lei, e a criança adotada é registrada como se fosse filha biológica dos pais adotivos. Esse nome é dado levando a comparação ao jeitinho brasileiro, que é conhecido como aquele que tem encontra sempre formas de burlar o processo legal para tirar proveito próprio.
Contudo, a feitura desse ato ilegal, vista por muitos como um ato de bondade e solidariedade, por pegar uma criança que seria abandona ou seria criada em um ambiente não muito favorável a sua criação, pode está a encobertar outros crimes como a venda e tráfico de crianças.
Também é interessante apontar quais os motivos que levam a pessoa, que pretende adotar, a não se utilizar dos procedimentos legais para conseguir a criança. Segundo Domingos Abreu (2002, p. 42), o principal problema que levam as pessoas a não fazer a adoção legal é a morosidade da Justiça. A burocracia, que levam as pessoas não adotarem legalmente.
Será também objeto de estudo deste projeto a como está ocorrendo a regularização da situação ilegal observada nestes casos, visto que a adoção à brasileira é um crime e está previsto no Código Penal em seu artigo 242.
Contudo, mesmo sendo crime tipificado, está ocorrendo uma aceitação jurisdicional desses casos. Na maioria das vezes é visto que o vínculo afetivo dos pais e a criança já é de muitos anos e uma destituição desta reação casaria vários traumas na criança. Assim, é de suma importância a aplicação dos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente, como a preservação do melhor interesse para criança.
Por consequente, de tanto ser vista com bom olhos, a adoção à brasileira agora já tem possibilidade de se transformar de um ato ilícito e nulo, para um ato lícito e não passível de punição.
Diante dessa aceitação é que se faz necessário um estudo de todos os aspectos que levaram até esse nível e levantar possíveis questionamentos.
2. ADOÇÃO
O instituto jurídico da adoção consiste em uma criança, que por algum motivo, não pode ficar com seus pais biológicos e é acolhida por outros pais, adotivos, que lhe tem como se fosse seu filho de verdade, biológico, de sangue.
Tal instituto está previsto em nossa legislação vigente, tanto na Constituição como em dispositivos infraconstitucionais. A Adoção e seus procedimentos estão previstos nos seguintes artigos e códigos: Artigos 1.618 e 1.619 do Código Civil; artigo 227, § 6º, da Constituição Federal e também está inserido no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
3. ADOÇÃO À BRASILEIRA
No Brasil é comum pessoas se utilizarem de mecanismos, não autorizados por lei, para conseguir adotar uma criança. Segundo Domingos de Abreu (2002, p.39), ocorre de tal forma esse tipo de adoção ilegal: primeiramente, uma pessoa, conhecida dos pais que pretendem adotar, indica uma mãe que quer dar seu filho, porque não tem condições de criá-lo. Daí, alguns dias depois do nascimento da criança, os pais adotivos vão à maternidade buscar a criança. No momento de registrar a criança no cartório, os pais tem que ter a declaração da maternidade, mas os pais adotivos não o tem e, geralmente, falam que o bebê nasceu em casa, pois não deu tempo de chegar ao hospital, no cartório é pedida duas testemunhas para confirmar que ocorreu mesmo isso, e os pais adotivos registram a criança como se fosse seu filho biológico.
Segundo Bordallo (2010, p. 255) a adoção à brasileira não pode ser considerada um tipo de adoção, assim como a adoção internacional, bilateral, e as outras mencionas anteriormente, pelo motivo que não o procedimento de adoção, e sim o registro do filho de outra pessoa como se biológico fosse.
É importante, para o melhor entendimento da prática da adoção à brasileira, levar em consideração a evolução legislativa da adoção. É visto que antes da Constituição Federal de 1988, a criança adotada era tratada de forma diferenciada dos filhos legítimos, de sangue, se estes últimos existissem. Uma das primeiras diferenças tidas era no registro de nascimento, onde constava que aquele estado de filiação contido não era existente pelo fator biológico.
Com isso, temos que a adoção ilegal tem suas características próprias e também é justificada por aqueles que a praticam.
3.1. CARACTERÍSTICAS E JUSTIFICATIVAS
A prática da adoção à brasileira tem algumas características específicas a serem analisadas, como o perfil dos pais que pegam a criança para seus cuidados, bem como dos pais biológicos que dão a criança e daquelas pessoas que auxiliam, facilitam e mediam a transição da criança de sua família biológica para a adotiva.
As crianças que são dadas para outros pais as criarem são filhas de pais com baixas condições econômicas, que já tem outros filhos para cuidar e assim estão sem nenhuma condição de cuidar de mais uma, pois geraria uma despesa a mais. Conforme é exposto por Gueiros (2008, p. 215):
As razões apresentadas por Ana e Emílio, pais de Vitória, nos remetem à falta de condições sociais para assegurar cuidado e proteção a mais um filho e à consciência da infraestrutura necessária para o desenvolvimento de uma criança. […] a preocupação em preservar a as mínimas condições que o casal tem para criar os dois primeiros filhos; certamente um terceiro interferiria nisso, pois significaria repartir o mesmo reduzido quinhão por um número maior de filhos.
Por outro lado, tal preocupação na melhor educação e condições para seus filhos, que os pais biológicos acabam não querendo entregar seus filhos em instituições específicas para receber crianças para adoção, pois não querem que seus filhos sejam criados por qualquer pessoa. Gueiros (2008, p. 227), também relata sobre essa escolha dos pais adotivos da criança:
Entre os cinco sujeitos desta pesquisa, a rede social acionada está vinculada às relações de vizinhança, de trabalho e de parentesco. Aparentemente, o movimento partiu das mães/pai que, grávidas e sem condições para criar o filho, avaliaram que a alternativa para assegurar o cuidado e a proteção a ele seria doá-lo para pessoas reconhecidas pelos pais como capazes de assumir satisfatoriamente essa responsabilidade.
Com essa preocupação, gera, por consequente, que os pais biológicos optam por uma adoção intuitu persona, que consiste em uma adoção em que os pais adotivos são escolhidos pelos pais biológicos, os primeiros, na maioria dos casos, são de classe mais abastarda e possuem uma condição financeira consideravelmente melhor que os pais biológicos.
Contudo, esse tipo de adoção “arranjada” não é vista com bons olhos pelo judiciário, já que é uma burla ao procedimento legal estabelecido pelo ECA, este prioriza aqueles interessados em adotar que estão cadastrados no CNA – Cadastro Nacional de Adoção. Acabando assim, por medo de não ficar com a criança já preterida, os pais adotivos quando recebem a criança, realiza, seu registro como se fossem seus.
Por outro lado, observamos uma característica em comum entre as crianças doadas por seus pais biológicos. Estas, na maior parte das vezes, são dadas ainda recém-nascidas, com poucos meses de vida. Ainda por Gueiros (2007, p. 81):
É possível que esse índice esteja associado às explicações dadas pelos entrevistados, nas quais evidencia-se maior dificuldade em separar-se do filho após uma convivência mais duradoura, além da tendência de os pais adotivos (brasileiros) preferirem bebês.
Isto ocorre pelo medo dos pais biológicos em criar laços afetivos com a criança, o que será um empecilho para a entrega para a outra família. Gueiros em sua colocação, também nos mostra a preferência da família adotiva em adotar apenas crianças pequenas.
Outro participante que merece ser destacado são as pessoas que são intermediárias no processo de passagem da criança de seus pais biológicos para os pais adotivos. Sobre isso, Abreu (2002, p. 40):
Grande parte dos relatos a este respeito indicam que os próprios pais adotivos buscam a criança ainda na maternidade. Os amigos do adotante, as enfermeiras, os médicos ou mesmo as assistentes sociais do hospital onde a mãe biológica tem o bebê, se dispõem a ajudar o adotante nessa tarefa. Não raramente, da maternidade o adotante vai diretamente para o cartório a fim de assentar a criança como filho biológico. Muitas vezes, a própria pessoa que pega o bebê serve de testemunha de que a criança “nasceu de parto domiciliar”. Neste setor, estamos longe da “verdade”, da lei e da Justiça. No, entanto, os envolvidos contam, de maneira recorrente, que “salvaram uma criança”, ou ainda, que “ajudaram uma mãe” (e esta afirmação tanto pode ser usada para designar a mãe biológica como a mãe adotiva).
Assim, vemos que a ajuda de terceiros na transição da criança entre as famílias é de suma importância na prática da adoção à brasileira, pois são estas que realmente estão lá, para serem testemunhas, na hora do registro feito sem declaração da maternidade, pois a criança nasceu em casa, ou para dar qualquer auxílio necessário para que isto ocorra.
Outro ponto de bastante relevância na abordagem desse tema, além das características dos que participam diretamente da prática, é o porquê a adoção à brasileira é tão comum e qual a justificativa utilizada por aqueles que se utilizam dela.
Sempre que é falado de adoção ilegal surgem inúmeras justificativas para a realização do ato, mas a mais comum é a vontade de ter filhos, pois de alguma forma os interessados em adotar não o pode ter naturalmente.
Mas também há casos em que se justifica adoção à brasileira no fato dos pais adotivos o fazem por caridade, como diz Gueiros (2008, p. 21):
Os sentimentos humanitários podem ser despertados por aquelas situações de crianças colocadas à porta, ou que parentes e amigos oferecem por não haver quem as crie, seja por morte dos pais, seja porque estes não dispõem de condições econômicas ou psicológicas de criá-las.
Assim, podemos observar que a adoção à brasileira tornou-se comum pelo fato da carência econômica dos pais biológicos e da vontade dos adotantes em ter filhos, pois estes não o puderam os ter por algum motivo, e também leva-se em consideração a lentidão do judiciário.
3.2. ADOÇÃO ILEGAL E SUAS PUNIÇÕES
O Código Penal Brasileiro (CPB) vigente tem em sua formação uma seleção de artigos que são intitulados como Crimes Contra a Família, que estão abrangidos entre os artigos 235 a 249. Tais condutas estão tipificadas como crime visando dar a proteção necessária à entidade familiar, que tem uma grande importância em nossa legislação pelo fato de ser a família os pilares de formação de um bom cidadão.
Dentre estes artigos acima mencionados, há um específico sobre a adoção à brasileira, que é o objeto de estudo deste trabalho. O artigo 242 do CPB preceitua que: “É crime contra o estado de filiação dar parto alheio como próprio, registrar como seu o filho de outrem, ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito inerente ao estado civil. Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos”. Neste artigo, podemos observar que não só a família foi considerada para fins de proteção. Também é possível visualizar a proteção à fé pública (EDUARDO, 2015).
Vale ressaltar que nos casos de adoção à brasileira a legislação é rigorosa, pois nestes casos o início do prazo prescricional é diferenciado, levando em consideração o artigo 111 do CPB que tem o seguinte texto:
Art. 111. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr:
[…]
IV - nos de bigamia e nos de falsidade ou alteração de registro civil, da data em que o fato se tornou conhecido.
Assim, observamos que, para este tipo de infração, o legislador teve um olhar mais severo, pois trata-se de um crime contra a família, que é considerada a base na formação de bem. Nestes casos, a prescrição começa a ter seu prazo contado a partir da data do conhecimento do fato pela autoridade competente, diferentemente dos outros crimes, que tem como início deste prazo a data do cometimento do ato ilícito.
Ainda sobre assunto, expõe Abreu (2002, p. 45. e 47):
O crime da “adoção à brasileira” não prescreve após dez anos. Esse crime não prescreve. Ele só prescreve dez anos após a data em que ele é conhecido por autoridade pública. Só aí o prazo de dez anos começa a contar. [...]
Uma “adoção à brasileira” de trinta anos atrás não tem seu prazo prescricional correndo até que alguma autoridade seja informada do delito. Muitos operadores do direito desconhecem essa peculiaridade da lei, como ficou manifesto nas informações contraditórias dos promotores, advogados e juízes nos primeiros dias da emissão.
Com isso, podemos dizer que fica caracterizada a adoção ilegal caso as normas vigentes na legislação sobre adoção não sejam aplicadas. Mas, somente a não aplicação das normas não gera o julgamento, sendo esta ocorrência feita apenas se for tomado conhecimento por alguma autoridade competente.
Se confirmado, durante a instrução processual, o cometimento do crime poderá ocorrer o cancelamento do registro do adotando, a busca e apreensão deste, para a família biológica e, dependendo do caso, se não se souber onde encontra-se a família biológica, o mesmo será levada a abrigos onde a criança passará pelo processo de adoção previsto no ECA. Sobre isto, Abreu (2002, p. 45): “…O registro civil é falso e ela pode ser objeto de ação civil pública que vise a anulação do ato jurídico”.
Assim, são estas as consequências da condenação dos pais adotivos, caso seja descoberta e comprovada a prática da adoção à brasileira.
Importante ressaltar também que, neste artigo que trata sobre a adoção à brasileira, além do caput que faz menção ao ato que constitui crime e sua punição, temos um parágrafo neste artigo que nos remete a uma atenuante, onde dependendo das características de quem o cometeu, terá uma redução na pena ou até mesmo não será passível de punição. Contudo, estes casos serão vistos mais detalhadamente no próximo capítulo.
Por fim, vimos que a adoção à brasileira é tipificada como crime que tem suas punições e deve ser investigado por uma autoridade competente a partir do momento de sua descoberta, já que esta tem um prazo prescricional diferenciado.
4. REGULARIZAÇÃO DA SITUAÇÃO ILÍCITA
A adoção à Brasileira, apesar de ser crime tipificado no Código Penal, temos a possibilidade da não aplicação da pena e em consequência haver a validação de um ato originalmente nulo. Isto se deve ao parágrafo único do artigo 242, que diz: “Se o crime é praticado por motivo de reconhecida nobreza: Pena – reclusão de 1 (um) a 2 (dois) anos, podendo o juiz deixar de aplicar a pena.”
Com isso, podemos observar que já há uma possibilidade jurídica de regularização dos casos de adoção ilegal. Contudo, deve-se ressaltar que nem todo caso será regularizado. Naqueles que houver tido a troca de uma criança por dinheiro ou qualquer prestação de cunho pecuniário não poderá ser legalizada, pois ninguém poderá se beneficiar da própria torpeza.
Mas, nos casos em que há um valor maior de afetividade, que não houve a intenção, o dolo de praticar ato ilícito, pois para os pais adotivos estão fazendo o certo em acolher uma criança que seria abandonada pelos pais biológicos, não há como se falar em crime. Como preceitua Abreu (2002, p. 48):
Na verdade, não está buscando um lar para uma criança, mas justamente o contrário. Existe uma contradição entre o ECA (que quer “encontrar um lar para uma criança institucionalizada’’ e “garantir-lhe a convivência familiar e comunitária’’) e as punições do Código Penal que não tem força social (e mesmo jurídica) para apenar aquele que age de forma diversa. Busca-se, antes de tudo, seja esconder a origem adotiva do menor, seja driblar a burocracia e a morosidade da justiça no Brasil. Em muitos casos, as duas coisas são objetivadas na “adoção à brasileira’’. Tudo “à sombra da lei”.
Assim, podemos observar que na verdade nestes casos, apesar de se ter um crime, há um choque de interesses, pois, atualmente, a visão dos Tribunais é em levar como primazia a relação sócioafetiva, e nestes casos está intimamente ligada ao melhor interesse da criança, princípio de suma importância do ECA. Segundo Bordallo (2010, p. 258):
Com a proteção que é conferida à manutenção da paternidade socioafetiva, como demonstrado nos acórdãos acima transcritos e em centenas de outros proferidos por Tribunais de todo País, não se está a concordar com tais atos, mas proteger a família com a manutenção dos laços afetivos familiares, principalmente quando envolvem crianças e adolescentes.
Isso quer dizer que, mesmo que os pais adotivos sejam julgados e condenados, estes poderão se beneficiar por um perdão judicial, porque só cometeram o delito para apressar a adoção, pois, foi levado em consideração o bem da criança. Bordallo (2012, p. 228) expõe sobre a não aplicação da lei de adoção em virtude da socioafetividade, que na ponderação se sobrepõe à legalidade.
A adoção é o grande exemplo da filiação socioafetiva, seu único elo é o afeto, que deve prevalecer sobre tudo. Toda criança/adolescente que tem a possibilidade de ser adotada já passou por um momento de rejeição em sua vida, tendo conseguido obter e dar amor a um estranho que vê, agora, como um pai, superando o sentimento de perda. Não se justifica que, em nome ao respeito a uma regra que tem a finalidade única de dar publicidade e legalidade às adoções, o sentimento, o sustentáculo da adoção, seja colocado em segundo plano e a criança seja obrigada a passar por outro drama em sua vida, sair da companhia de quem aprendeu a amar.
Assim, há várias jurisprudências sobre casos de adoção à brasileira, as quais preceituam que só pode ser considerado nulo o registro de nascimento quando não houver se constituído um vínculo afetivo entre os adotantes e o adotado. Portanto, já é praticamente unânime que sejam utilizados os princípios do ECA, bem como a socioafetividade, sobreposto a legislação criminal vigente, pois se é observado que na maioria dos casos, tirar uma criança de um local onde esta já está inserida, adaptada e já com os vínculos afetivos formados, seria bastante traumático. Assim, é autorizada a flexibilização do procedimento de adoção legal para que aqueles pais tenham o real direito de filiação para com a criança, deixando a situação de ser irregular. Dessa forma é mostrado nesse julgado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
ABANDONO DOS PAIS CONFIGURADO. CRIANÇA QUE CONTA ATUALMENTE COM CINCO ANOS DE IDADE, PLENAMENTE ADAPTADA À NOVA FAMÍLIA substituta DESDE OS PRIMEIROS MESES DE VIDA. Cadastro de pretendentes (eca, art 50), situação peculiar que recomenda a flexibilização. EXISTÊNCIA DE VÍNCULOS SOCIOAFETIVOS CAPAZES DE SE SOBREPOR A QUESTÕES FORMAIS.
TJ-RS (N° do processo: 70039310271. Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos. 16-12-2010)
Portanto, é bem claro que nesses casos pode ocorrer sim a sua regulamentação da adoção, mesmo que o seja crime, mas este será desconsiderado em favor do menor.
Podemos assim falar na cumplicidade da legislação brasileira para esses casos. Vejamos a seguinte ponderação de Abreu (2002, p. 47-48):
As falas destes operadores do direito nos permitem observar que o Código Penal é contraditório neste tipo de crime. Ele é, ao mesmo tempo, rígido e permissivo com quem o comete.
Num primeiro momento, é extremamente rígido ao abrir uma exceção na contagem do tempo para prescrição da pena. Contrariamente aos outros crimes, ele não começa a prescrever antes que uma autoridade tome ciência dos fatos. […]
Paralelamente à crueza da lei em sua especificidade para a prescrição, este crime conta com uma condição atenuante, que faz dele um “crime privilegiado”, no dizer da linguagem jurídica.[…]
Além disso, muitos não conseguem perceber estas práticas como crime e alguns procuradores se dizem favoráveis a arquivar os casos antes mesmo de entrarem com uma denúncia, ou seja, julgar o crime no lugar do juiz.
Mas, o que parece sobremaneira revelador dos esquemas de percepção e ação postos em prática pela sociedade brasileira no que diz respeito ao assunto é o próprio “perdão judicial” embutido na tipificação do delito. O crime é visto como uma ação para “apressar a adoção” e sobretudo como um “ato nobre”, “caridoso”, motivado pelo “desejo de salvar a criança”.
Com isso, podemos visualizar a contradição do legislador para com essa prática, sendo rigoroso na contagem do prazo prescricional e no mesmo lado dando a possibilidade da não aplicação de pena se caracterizada a nobreza do ato. Assim, pode-se dizer que, levando em consideração os princípios norteadores do ECA, o legislador já garantiu a segurança do menor em ficar com aqueles com quem já criou vínculos afetivos. Venosa (2004, p 282.) sobre assunto:
Lembremos, porém, que a cada passo, nessa seara, sempre deverá ser levado em conta o aspecto afetivo, qual seja, a paternidade emocional, denominada socioafetiva pela doutrina, que em muitas oportunidades, como nos demonstra a experiência de tantos casos vividos ou conhecidos por todos nós, sobrepuja a paternidade biológica ou genérica. A matéria é muito mais sociológica ou psicológica do que jurídica. Por essas razões, o juiz de família deve sempre estar atento a esses fatores, valendo-se, sempre que possível, dos profissionais auxiliares, especialistas nessas áreas.
Por fim, podemos observar que na nossa atual conjuntura jurídica, há uma legislação rigorosa com os casos de adoção à brasileira, mas que esta não se sobrepõe à realidade dos fatos dos casos concretos, visto que, quando se fala em crianças e adolescentes há uma flexibilização do regramento vigente procurando aquilo que seja melhor para os menores levando em consideração a socioafetividade.