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O porte de arma de fogo e seu tratamento penal

11/12/2003 às 00:00
Leia nesta página:

          Sumário: 1. Introdução; 2. A questão do porte de arma; 3. Conclusão.


1. Introdução

          É sabido que a lei penal, como de resto todas as leis, deve ser produto de intensa reflexão; verdadeira obra de inteligência.

          Também não é novidade para os que se afinam com o Direito que as leis devem ser mutáveis, porém, para a garantia e segurança da sociedade e enquanto produto de inteligência devem ser feitas para durar, e para tanto, no processo de sua elaboração o legislador deve olhar para o passado, presente e futuro. É preciso que investigue no passado o foco de que irá cuidar; analise o presente e tenha os olhos voltados para uma perspectiva futura.

          O contrário tem proporcionado o que estamos vivendo no presente, onde o Poder Legislativo proporciona o que já se convencionou chamar de inflação legislativa; não sem razão.

          Pior que o volume de leis que são paridas a todo instante só a péssima qualidade das mesmas e o caos que geram, desestabilizando a sociedade, a segurança pública, a Justiça e o Direito.


2. A questão do porte de arma

          O decreto-lei 3.688, de 3 de outubro de 1941, entre nós conhecido como Lei das Contravenções Penais, dispôs em seu art. 19 sobre o porte ilegal de arma nos seguintes termos:

          Art. 19. Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade:

          Pena – prisão simples de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, ou multa, ou ambas cumulativamente.

          Delito anão, o porte ilegal de arma foi tratado como simples contravenção penal e no mais das vezes sempre acabava punido tão-somente com pena de multa, e com o advento da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, a Lei dos Juizados Especiais Criminais, por força do disposto em seu art. 61, passou a ser considerado delito de menor potencial ofensivo.

          Em 1997 o legislador houve por bem dar nova regulamentação ao porte ilegal de arma de fogo, e veio à tona a Lei 9.437, de 20 de fevereiro de 1997, e a partir de então portar ilegalmente arma de fogo passou a ser crime, punido, no mínimo, com detenção de 1 (um) a 2 (dois) anos e multa, conforme decorre do disposto no art. 10 da referida lei.

          A nova disciplina legal regulou melhor a matéria estabelecendo diversas condutas típicas por meio de vários verbos, nos moldes do art. 12 da Lei 6.368/76 (Lei Antitóxicos), e exasperou consideravelmente a resposta punitiva em várias modalidades que buscou tratar. Por aqui, é preciso reconhecer que houve um avanço positivo na lei.

          Contudo, a imprudência, a imperícia e a voracidade do legislador não lhe permitiram uma reflexão adequada sobre os limites e alcance da Lei 10.259, de 12 de julho de 2001, que dispondo sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal acabou ampliando o conceito de pequeno potencial ofensivo ao estabelecer em seu art. 2º, parágrafo único, que "consideram-se infrações de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, ou multa", de forma a dar nova dimensão ao art. 61 da Lei 9.099/95.

          Decorre de tal ampliação que a maior parte dos crimes regulados no art. 10 da Lei 9.437/97 passou a ser considerada e tratada como infração de pequeno potencial ofensivo, com as implicações daí decorrentes.

          Discute-se agora no Congresso Nacional Projeto de Lei em que se pretende transformar o crime de porte ilegal de arma de fogo em crime hediondo, havendo grandes chances de que tal projeto venha a ser convertido em lei (*).

          Vejamos, então. O porte ilegal de arma de fogo era uma contravenção até 1997, e considerado infração de pequeno potencial ofensivo por força da Lei 9.099/95, sendo que a partir da Lei 9.437 passou a ser considerado crime e deixou de ser infração de pequeno potencial ofensivo. Em 2001 voltou a receber tratamento penal mais brando, readquirindo o status de infração de pequeno potencial ofensivo, isso por força da Lei 10.259. Pretendem agora, os Srs. Legisladores, transformá-lo em crime hediondo.

          A trajetória é impressionante e assustadora, além de extremamente preocupante: até 1997 era contravenção e de pequeno potencial ofensivo; a partir de 1997 virou crime, com considerável exasperação punitiva e saída do rol das infrações menores; em 2001 volta a ser infração de pequeno potencial ofensivo; em 2003 poderá passar á condição de crime hediondo.

          Nem é preciso discorrer sobre as implicações decorrentes da Lei 8.072/90 para os crimes hediondos ou assemelhados.


3. Conclusão

          É compreensível que a ONU – Organização das Nações Unidas, tenha divulgado recentemente uma pesquisa onde o Brasil figura em penúltimo lugar em índices de inteligência, sendo destacado na pesquisa que a maioria dos Brasileiros não consegue entender aquilo que lê.


(*) NOTA DE ATUALIZAÇÃO

O referido projeto de lei deu origem à Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003. A redação final não faz menção à Lei de Crimes Hediondos, mas prevê tipos penais não sujeitos a fiança. A Lei nº 9.437/97 é revogada expressamente pela nova legislação.

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Sobre o autor
Renato Marcão

Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito. Professor convidado no curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais da Rede Luiz Flávio Gomes. Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP), do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), do Instituto de Ciências Penais (ICP) e do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP). Autor dos livros: Tóxicos (Saraiva); Curso de Execução Penal (Saraiva); Estatuto do Desarmamento (Saraiva); Crimes de Trânsito (Saraiva); Crimes Ambientais (Saraiva); Crimes contra a Dignidade Sexual (Saraiva); Prisões Cautelares, Liberdade Provisória e Medidas Cautelares Restritivas (Saraiva); dentre outros.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARCÃO, Renato. O porte de arma de fogo e seu tratamento penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 158, 11 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4603. Acesso em: 28 mar. 2024.

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