A natureza jurídica do pedágio e seus elementos distintivos das taxas enquanto espécies tributárias

26/01/2016 às 16:50
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Este artigo tem por objetivo analisar e compreender a natureza jurídica do pedágio. Isso porque, durante algum tempo, tanto a doutrina como a jurisprudência divergiram quanto ao enquadramento nos elementos caracterizadores de taxa e de tarifa.

1CONCEITO

Podemos entender o pedágio como uma cobrança pelo tráfego de veículos em vias interestaduais ou intermunicipais. Esse tributo cobrado advém da conservação das vias pelo poder público, como nos traz o art. 150, inciso V, da nossa Constituição Federal vigente:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvado a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público;

Sobre a origem do pedágio, Coêlho (2001, p. 427) sustenta que:

"O ter que pagar para passar é fato velho na história da humanidade. O império dos Incas tinha caminhos pelos cimos e altiplanos da cordilheira andina desde a atual Colômbia até o Chile, ao sul. No esplendor do Cuzco, para onde convergiam todas as estradas àquela época, já se cobrava o pedágio, salvo dos estafetas do serviço postal imperial. Os impérios de antanho, quase todos, conheceram e cobraram pedágios. Roma os exigia. Na Idade Média os senhores medievais cobravam “direitos de passagem”, prática abusiva, que na época da florescência das feiras e da intensificação dos fluxos de comércio os embaraçava muito, dificultando os negócios. Com o fortalecimento das coroas e, mais tarde, com o surgimento dos “Estados Nacionais”, os barões perderam o privilégio de exigi-los dos passantes."

É de suma importância salientar que o que constitui o fato gerador é o uso da via ou estradas. O condutor do veículo paga uma taxa para poder trafegar livremente; o comum é que esse valor seja arrecadado por uma empresa concessionária que cuida da via ou alguma entidade pública.

O autor Savaris diz que o pedágio é uma estratégia milenar de fazer fortuna (SAVARIS, 2008, p.1678-2933), entende-se por esse pensamento do aludido autor que o pedágio é uma grande forma de arrecadação de dinheiro, devido ao fato de vários condutores de veículos precisarem desse serviço todos os dias.

Quando o pedágio for conservado por empresas privadas, as conhecidas concessionárias ou permissionárias, sua natureza será de tarifa. Os condutores que usufruir de tal serviço serão conhecidos por usuário. O pedágio vem sendo um tema de alta relevância, tudo isso pelo simples fato da difícil identificação de sua natureza jurídica, tornando-se, assim, alvo de grandes debates perante os tribunais.

A título de conhecimento, dentro desse tema, não podemos deixar de ressaltar um pouco sobre o selo-pedágio, que existia há algum tempo em nossa jurisprudência. O mesmo foi criado pela Lei nº 7.712/88, bem depois de promulgada nossa Carta Magna Vigente, depois de pouco tempo o “selo” foi extinto pela Lei nº 8.075/90.

Observaremos, agora, o texto jurisprudencial, que decidiu que o “selo-pedágio” era taxa:

CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO PEDÁGIO. LEI N. 7.7712, DE 22-12-1998: I- Pedágio, natureza jurídica: taxa. CF, art. 145, art.150, V.II- Legitimidade constitucional do pedágio instituído pela Lei n. 7.712, de 1988. III-R. E. Não conhecido. (STF, 2ª T, RE 181.475-6-RS- rel. Min.Carlos Velloso-j. 04-051999); Concluído o julgamento dos recursos extraordinários em que se discute a constitucionalidade do selo-pedágio instituído pela Lei n. 7.712/88 (...). A Tuma não conheceu dos recursos dos contribuintes, por entender constitucional o referido tributo, tendo em vista sua natureza jurídica de taxa (RREE 181.475-RS e 194.862-RS, rel. Min. Carlos Velloso, 04-05-1999). (Grifos nossos)

O selo-pedágio, nada mais era do que um selo mensal cobrado pelo Departamento Nacional de Estradas e Rodagem (DNER), nas rodovias federais, que os condutores compravam e colocavam no vidro dianteiro do automóvel. Com o selo, eles podiam trafegar normalmente pelas vias sem nenhum outro tipo de pagamento pelo tráfego. O mesmo possuía validade de um mês, tendo, assim, que ser renovado mensalmente para se poder usufruir do serviço.

Podemos perceber que o selo-pedágio não parece nada com o Pedágio, pois o mesmo tinha característica de compulsoriedade, ou seja, assemelhava-se as taxas, as pessoas eram obrigadas a possuir o selo mesmo não passando pelas vias Estaduais, diferentemente do pedágio, que só pagamos se formos utilizar o serviço.

Observaremos a inconstitucionalidade proclamada pela nossa corte com relação ao selo ser considerado taxa:

Ementa: I - CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO - SELO-PEDÁGIO - LEI Nº 7712 /88, REGULAMENTADA PELO DECRETO Nº 97532 /89 - A INCONSTITUCIONALIDADE DAA COBRANÇA DO SELO-PEDÁGIO FOI RECONHECIDA PELO EGR ÉGIO TRE DA 1ª REGIÃO, NA ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONLIDADE NA AMS Nº 90.01.143288-MG E PELO TRE DA 5ª REGIÃO, NA ARGUIÇÃO SUSCIT ADA NA AMS Nº 0502017-CE . II - REMESSA IMPROVIDA. SENTENÇA CONFIRMADA

A ementa acima relatada nos diz que é totalmente inconstitucional a cobrança do selo-pedágio, devido à questão da compulsoriedade que predominava no antigo selo. Vejamos algumas decisões que também decidem pela inconstitucionalidade:

Ementa: TRIBUTÁRIO. SELO-PEDAGIO. LEI 7712 /88. INCONSTITUCIONALIDADE. EXTINÇÃO PELA LEI 8075 /90. - O PLENARIO DESTE EGREGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA QUINTA REGIÃO, JULGANDO A ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA AMS 1408-AL, DECLAROU INCONSTITUCIONAL A LEI 7712 , DE 22.12.88, QUE AUTORIZAVA A COBRANÇA DO SELO-PEDAGIO. ADEMAIS, SOBREVEIO LOGO EM SEGUIDA A LEI 8075 , DE 16.08.90, EXTINGUINDO EM DEFINITIVO A MALSINADA EXIGENCIA FISCAL. - APELAÇÃO DO DNER E REMESSA DESPROVIDAS. PREJUDICADO O APELO DOS IMPETRANTES.

Essa ementa nos traz a primeira decisão considerando o selo-pedágio Constitucional; e, logo após, mostra-nos a revogação do mesmo, devido à chegada da Lei n. 8.075 de 16.08.1990. Observaremos mais um exemplo dos tribunais que passaram a decidir sobre a inconstitucionalidade do “selo-pedágio”:

Ementa: TRIBUTÁRIO. SELO-PEDAGIO. LEI 7712 /88. INCONSTITUCIONALIDADE. EXTINÇÃO PELA LEI 8075 /90. - O PLENARIO DESTE EGREGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA QUINTA REGIÃO, JULGANDO A ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA AMS 1408-AL, DECLAROU INCONSTITUCIONAL A LEI 7712 , DE 22.12.88, QUE AUTORIZAVA A COBRANÇA DO SELO-PEDAGIO. ADEMAIS, SOBREVEIO LOGO EM SEGUIDA A LEI 8075 , DE 16.08.90, EXTINGUINDO EM DEFINITIVO A MALSINADA EXIGENCIA FISCAL. - APELAÇÃO DO DNER E REMESSA DESPROVIDAS. PREJUDICADO O APELO DOS IMPETRANTES.

Depois de recepcionada a nova lei, os tribunais passaram a entender de forma diferenciada sobre o respectivo assunto, passando a extinguir de vez o “selo”. Vale salientar que o mesmo não se assemelha aos pedágios cobrados em nossas rodovias.


2-NATUREZA JURÍDICA DO PEDÁGIO E SUAS ABORDAGENS DOUTRINÁRIAS E JURISPRUDENCIAIS

Existe uma grande divergência na doutrina com relação à natureza jurídica do pedágio, alguns doutrinadores acreditam que tem natureza jurídica de taxa, outros associam a preço público na modalidade de tarifa.

A doutrina cita três argumentos para considerar o pedágio uma taxa, o primeiro deles é que, pelo simples fato do pedágio estar inserido nos moldes do art.150, inciso V, da Constituição atual, ao falar nas limitações do poder de tributar, encontra-se inserido entre os tributos, ou seja, sendo tributo, logo, não é tarifa e, sim, taxa.

O segundo argumento usado pela doutrina seria o entendimento de que o significado do pedágio se assemelha ao de taxa, pelo simples fato de ambos serem pagos pela utilização de um serviço divisível e específico a disposição do contribuinte ou prestado para o mesmo. Vejamos o pensamento do autor Dinini (2008, pg. 91) sobre esse entendimento:

"A ressalva à cobrança de pedágio, pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público, demonstra que o constituinte compreendeu o pedágio como tributo. Assim não fosse, não haveria porque excepcioná-lo em dispositivo que veda restrição à livre circulação por meio de tributos interestaduais e intermunicipais. Considerado tributo pela Constituição, entre as espécies deste gênero, situa-se o pedágio como taxa de serviço (de conservação de vias públicas)."

O terceiro e último argumento posto pela doutrina defende não ser possível a remuneração de outra forma a não ser através das taxas. Sendo espécie de tributo, entende-se que, somente poderá ser instituída ou reajustada por meio de lei, fazendo alusão ao princípio da legalidade estrita. É uma corrente defendida por Antônio Roque Carrazza; Luciano Amaro; Leandro Paulsen.

Outra parte da doutrina defende o pedágio como tarifa; nesse contexto, estão presentes três argumentos. O primeiro defendido é o de que, mesmo sem ocorrer incidência tributária em tráfego de pessoas ou de bens, deve ter sua cobrança feita por pedágio, sendo, assim, uma espécie diferenciada.

O segundo argumento defendido pela doutrina é com relação ao efetivo uso das vias, pois só deve existir a efetiva cobrança do pedágio através da comprovada utilização do serviço; não é possível a cobrança em caso de utilização preferencial, pois quem não usa as vias não tem obrigação nenhuma de pagar, logo, não se enquadra na atual definição de taxa.

O terceiro argumento feito por alguns doutrinadores diz que é possível, sim, o pedágio ter natureza de tarifa, desde que não seja compulsória a utilização do serviço; com relação às rodovias, os condutores de veículos podem optar por passar ou não por elas, pois a utilização não é obrigatória.

Não sendo tributo, o pedágio pode ser reajustado por atos infralegais; diferente das taxas, o pedágio não está sujeito ao princípio da legalidade estrita. É uma corrente sustentada por Ricardo Lobo Torres e Sacha Calmon.

Existe também a terceira corrente que é defendida por Andrei Pitten Velloso, afirmando que depende do entendimento; tendo via alternativa, sustenta que será tarifa; na ausência da via, entende-se ser taxa. O entendimento do autor é simples e claro, pois, não existindo via alternativa, a utilização da estrada com o pedágio será compulsória, e o pagamento, então, será efetivado por meio de taxa.

Existindo a via alternativa, a utilização da via com o pagamento do pedágio é opcional, pois o motorista pode escolher, pode decidir por desviar, ou ir por outro lugar em que não se cobre o pedágio. Tendo a cobrança do serviço, entende-se ser tarifa.

O Supremo Tribunal Federal (STF), em sua decisão sobre a natureza jurídica do pedágio, adotou a 2ª corrente, dos doutrinadores Antônio Roque Carrazza; Luciano Amaro; Leandro Paulsen. Decidiu, então, que o pedágio é tarifa por não ser cobrado com compulsoriedade de quem não utilizar a via, vejamos:

"O pedágio é tarifa (espécie de preço público) em razão de não ser cobrado compulsoriamente de quem não utilizar a rodovia; ou seja, é uma retribuição facultativa paga apenas mediante o uso voluntário do serviço. Assim, o pedágio não é cobrado indistintamente das pessoas, mas somente daquelas que desejam trafegar pelas vias e somente naquelas em que é exigido esse valor a título de conservação. STF. Plenário. ADI 800/RS, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 11/6/2014 (Info 750)."

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O atual elemento diferenciador para o Supremo Tribunal Federal (STF), que distingue taxa de preço público, é a compulsoriedade; vejamos isso no enunciado da Súmula 545 do STF: “Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias.”.

Porém, convém lembrar que nem sempre foi esse o pensamento do Supremo Tribunal Federal (STF) com relação ao tema em discussão. Fruto de uma interpretação literal conferida pela corte ao art. 150 da Constituição Federal, dizia-se que o pedágio possuía natureza jurídica de taxa, vejamos:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO MONITÓRIA. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE PASSAGEM E COBRANÇA EM PEDÁGIO. INÉPCIA DA INICIAL. Proferida sentença, resta prejudicado o pedido deste agravo de instrumento de declaração da inépcia da petição inicial, pois a ação monitória foi julgada extinta. Precedentes deste Tribunal de Justiça. AGRAVO DE INSTRUMENTO EXTINTO PELA PERDA DE OBJETO. (Agravo de Instrumento Nº 70052700705, Décima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Roberto Imperatore de Assis Brasil, Julgado em 09/10/2013)

AÇÕES CIVIS. COBRANÇA DE PEDÁGIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUÍZO FEDERAL. POSTERIOR CRIAÇÃO DE VARA FEDERAL NA LOCALIDADE. CISÃO DOS PROCESSOS. REMESSA. CONEXÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 282/STF. ARTIGO 87 DO CPC . PRINCÍPIO DA PERPETUATIO JURISDICTIONIS. I - Em autos de ação civil pública ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL na Vara Federal de Londrina, por meio da qual se discute a taxa de pedágio em estradas, foi prolatada decisão no sentido de determinar a cisão de processos e determinou seu processamento pelo Juízo Federal da Vara de Jacarezinho/PR, recém-criado. RECURSO DA ECONORTE. II - Não se verifica o necessário prequestionamento em relação às matérias tratadas pelos artigos 103 , 105 e 106 do CPC , e nem mesmo houve oposição de embargos declaratórios para suscitar o tema relativo à eventual conexão entre as ações. Incidência da Súmula 282/STF. RECURSOS DA ECONORTE E MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. III - As ações civis existentes que discutem a questão do respectivo pedágio foram ajuizadas antes da criação da Vara Federal de Jacarezinho, devendo ser observado o que dita o artigo 87 do CPC , não se tratando de exceção ao princípio da perpetuatio jurisdictionis, porquanto não se enquadram em nenhuma das exceções nele previstas para alteração da competência posteriormente ao momento do ajuizamento da ação. IV - Recursos providos, mantendo-se no juízo federal de Londrina as ações civis nele intentadas anteriormente à criação da Vara Federal de Jacarezinho.


3 Conclusão

Diante do que foi exposto, compreendo que o Supremo Tribunal Federal decidiu acertadamente ao considerar que o pedágio tem natureza jurídica de tarifa. O critério que foi utilizado pelo tribunal, para escolher por este e não por aquele instrumento normativo, foi o critério da compulsoriedade. Decisão esta que passou a nortear o entendimento dos tribunais e solucionou a questão pondo fim à incerteza, facilitando a vida dos condutores que trafegam normalmente pelas vias tradicionais estaduais e interestaduais.

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Sobre a autora
Bianca Dihégma

Acadêmica de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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