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A duração dos contratos de prestação de serviços a serem executados de forma contínua

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O legislador pátrio, seguindo as linhas do Decreto-Lei n° 2.300, de 21 de novembro de 1.986, reservou dispositivo especial destinado a regulamentar a duração dos contratos de prestação de serviços a serem executados de forma contínua, havendo, desde a edição da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1.993, excelsos administrativistas emprestado o brilho de suas inteligências para fornecer aos agentes públicos uma exegese segura. Contudo o advento da Medida Provisória 1.108, e suas reedições estão a exigir nova reflexão sobre o assunto.


I - alcance do dispositivo

É de boa técnica de hermenêutica que em preliminar se fixem as linhas fronteiriças da norma que será examinada.

Contrato de prestação de serviços a serem executados de forma contínua não foi, acertadamente, conceituado pelo legislador, mas segundo a majoritária doutrina, são aqueles em que execução se protrai no tempo (1) e cuja interrupção trará prejuízos a Administração. Não apenas a continuidade do desenvolvimento, mas a necessidade de que não sejam interrompidos, constituem os requisitos basilares para que se enquadrem como "prestação de serviços a serem executados de forma contínua".

O significado da expressão admite tanto a noção de permanência como a de continuidade por um período indefinido ou definido longo.

Não se enquadram no dispositivo, que adiante será comentado, compras de qualquer natureza, ou obras.

É inconveniente tentar, como pretendem os menos avisados, excluir tipos de serviços, pois somente as circunstâncias, avaliadas pelo prudente arbítrio do Administrador, indicarão com segurança quais atendem aos requisitos citados. Nesse sentido, há razoável uniformidade em admitir, como tais, os serviços de manutenção de elevadores, de máquinas de escrever, de computadores, de automóveis, entre outros. Recentemente, em curso ministrado em Tribunal superior verificou-se a possibilidade de serviços de manutenção de jardins serem aqui enquadrados como prestação contínua; esclareça-se que tratava o caso de um jardim do paisagista Burle Marx e a ausência de manutenção por firma especializada poderia trazer danos pelo domínio de ervas daninhas, inclusive a total destruição. Como se vê não é recomendável a exclusão sem ter em linha de consideração o fato concreto.


II - o regime da Constituição Federal

É inafastável o dever elementar do hermeneuta considerar o substrato estabelecido na Constituição Federal no disciplinamento de qualquer tema. Lamentavelmente, porém, no presente caso, vislumbra-se uma visão deformada, porque os esforços envidados simplesmente se ativeram ao exame restrito da lei de licitações, olvidando por completo - de forma absurda - o regime do tema pela Constituição Federal.

O estatuto político fundamental no art. 167 dispõe:

          Art. 167. São vedados:

I - ...

II - a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais.

...

§ 1° Nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de responsabilidade.

À toda evidencia, a Consituição não autoriza a assinatura de contrato, mesmo no caso de serviço de execução continuada, por mais do que, no máximo doze meses, deixando evidente que o limite máximo é o respectivo crédito orçamentário ou adicional.

O inc. II do art. 167 transcrito, porém, não acarreta a inconstitucionalidade do art. 57, inc. II, da Lei 8.666/93. Cabe ao intérprete a tarefa de harmonizar a legislação infraconstitucional com o alicerce fundamental do Direito Positivo pátrio.

Ensina o mestre maior da hermenêutica, Carlos Maximiliano, que "não se encontra um princípio isolado, em ciência alguma; acha-se cada um em conexão íntima com outros." (2)

Qualquer interpretação do art. 57, inc. II, da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1.993, deve resultar em um contrato limitada a vigência do crédito orçamentário. O que o legislador infraconstitucional autoriza são as sucessivas prorrogações, sempre, porém, com respeito aquele princípio insculpido na Constituição Federal.


III - a duração antes da Lei n. 8.883, de 6 de julho de 1.994,

A redação original da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1.993, estabelecia que os contratos de prestação de serviços a serem executados de forma contínua poderiam ter a duração estendida por "igual período". Sobre essa expressão houve divergência na doutrina, sem manifestação conclusiva do Tribunal de Contas da União, as quais podem ser resumidas sinteticamente:

1ª) os contratos poderiam ser firmados por 12 meses e prorrogado por igual período, em qualquer circunstância;

2ª) os contratos poderiam ser firmados direto por 24 meses, inadmitindo a prorrogação;

3ª) os contratos poderiam ser firmados por até doze meses, mas se tivessem duração inferior, só poderiam ser prorrogados por igual período ao que foi inicialmente ajustado;

4ª) os contratos deveriam ser ajustado pelo prazo máximo de até doze meses, mas sempre, por força do art. 167, inc. II, da Constituição Federal, ficavam limitado ao crédito, normalmente até 31 de dezembro de cada ano, podendo ser prorrogado por mais 12 meses, porque o termo igual período se referia ao caput do artigo.

Implicitamente todas as hipóteses, antes da vigência da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1.993, foram admitidas como regulares pelo Tribunal de Contas da União, como se depreende do voto adotado pelo Plenário no proc. TC - 004.674/94-4.


IV - a duração após a Lei n. 8.883, de 6 de julho de 1.994,

A nova redação decorrente da Lei n° 8.883, de 6 de julho de 1.994, dispõe que o contrato prestação de serviços a serem executados de forma contínua deverão ter sua duração dimensionada com vistas a obtenção de preço e condições mais vantajosas, limitada sua duração a 60 meses.

Esse dimensionamento, que a própria Secretaria Federal de Controle vislumbra de difícil equacionamento, porque deve estar previsto no ato convocatório, é feito antes do início da licitação.(3) Sugere-se que a duração seja justificada com prévia realização de pesquisa de preços, ainda que de caráter informal, via fac-símile, ou telefone mesmo, anotando-se no processo, os dados do preço mensal em razão do número de meses de uma possível contratação.

Como o art. 113, da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1.993, obriga a demonstração da legalidade e da regularidade dos atos praticados e, como a licitação é um procedimento formal, de algum modo o fato do "dimensionamento" deve constar do processo.

Seguramente, após a edição da Lei n. 8.883, de 6 de julho de 1.994,, os contratos podem ter duração de até 60 meses, nos estritos termos legais. Mesmo após o advento dessa Lei continuam existindo duas exegeses possíveis:

- a primeira, sustentando que o contrato deve ser firmado com o prazo total, decorrente do dimensionamento feito previamente pela Administração e divulgado no edital. Para essa corrente de pensamento, no ato de dimensionamento do prazo, o licitante sustenta sua proposta com expectativa de lucro vinculada a extensa duração, erigindo-se em seu favor o efetivo cumprimento do prazo.

- a segunda, que também parte do pressuposto do prévio dimensionamento do prazo, em face do que dispõe a Constituição Federal - art. 167, inc. II - vedando a assunção de obrigações que ultrapassem os créditos orçamentários, o prazo inicial do contrato deve, normalmente, ir até 31 de dezembro, prorrogando-se, anualmente, o ajuste até o prazo máximo para o qual foi dimensionado.


V - efeitos intertemporais da Lei n. 8.883, de 6 de julho de 1.994,

Outra questão relevante que se vem desenvolvendo diz respeito à possibilidade de estender a duração dos contratos, firmados antes da vigência da Lei n. 8.883, de 6 de julho de 1.994, até 60 meses, quando a prorrogação for vantajosa para a Administração.

Essa linha de pensamento sustenta que o art. 121, da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1.993, teve sua redação alterada também pela Lei n. 8.883, de 6 de julho de 1.994, autorizando a retroatividade do art. 57, mesmo que a possibilidade de prorrogação não tivesse sido prevista no ato convocatório ou no contrato. Adotando essa exegese, o Tribunal de Contas da União, em resposta a consulta que lhe foi formulada pela Secretaria de Controle Interno - e, resposta a consulta pelo art. 1° , § 2° , da Lei n° 8.443, de 17 de julho de 1.992, tem caráter normativo - firmou o entendimento de que:

- "a partir da edição da Lei n° 8.883/94, são aplicáveis aos contratos assinados anteriormente à sua vigência as disposições contidas no art. 57, inciso II, da mesma Lei, independentemente do prazo de vigência inicialmente previsto no ato convocatório e, por conseguinte, no contrato, por expressa autorização legal (art. 121), devendo ser observado o interesse público e o critério de razoabilidade na estipulação do novo prazo contratual a ser fixado.(4)

Também a Secretaria Federal de Controle, que interpreta a legislação em caráter normativo, por força da MP n° 480/94 e reedições posteriores firmou entendimento no mesmo sentido.(3)

As conseqüências dessa interpretação de elastério tão amplo e a possibilidade de jungir o alcance do referido art. 121, apenas para preservar o ato jurídico perfeito, são discussões que perderam a importância, frente as interpretações precitadas, adotadas em caráter normativo.


VI - a situação após a MP 1.081

Em 28 de julho de 1.995, foi editada a Medida Provisória 1.081, cujo texto autoriza a prorrogação em caráter excepcional, por mais 12 meses, dos contratos de prestação de serviços a serem executados de forma contínua. Essa medida vem sendo reeditada, com o memso teor. (Q.cfr. MP 1.108, de 29/08/95, MP 1.140, de 28/09/95, ... MP 1.242, de 14.12.95, )

É, no mínimo, curioso que se pretenda regular por "Lei" com eficácia de trinta dias - como é a Medida Provisória - efeitos sobre atos jurídicos perfeitos. Deixando de lado o aspecto crítico, enfrenta o administrador duas e alternativas possibilidades de aplicação desse normativo.

- a primeira, consistente em estender os contratos, firmados antes da vigência da Lei n. 8.883, de 6 de julho de 1.994, - em face da Decisão 366/95 -, por até 60 meses, e, ainda, prorrogá-lo por mais 12 meses;

- a segunda, inadmitindo qualquer prorrogação, nos termos previstos no edital ou no contrato, só podendo agora, em caráter excepcional uma única extensão do prazo pelo período máximo de 12 meses.

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São desconhecidos os motivos da edição - e das reedições - dessa MP, cabendo ao intérprete do Direito aplicar a lei tendo em vista os princípios da ciência jurídica.

Evidentemente falece razoabilidade à segunda possibilidade de interpretação, pois mesmo que já tivesse sido convertida em Lei, não há possibilidade da mesma afetar o ato jurídico perfeito, inibindo a possibilidade de prorrogação anunciada pela Administração. Embora a prorrogação não se erija em direito adquirido para o contratado, constitui um ato jurídico perfeito para a Administração, com utilidade na defesa do interesse público.

Exemplificando:

- um contrato de prestação de serviços a serem executados de forma contínua, firmado em agosto/94, com previsão de prazo dimensionado até 60 meses, poderia viger até 31.12.94, prorrogado até 31.12.95, até 31.12.96, 31.12.97, 31.12.98, ... e, ao cabo de 60 meses, prorrogado por mais 12 meses;

- um contrato assinado em março/95, com previsão de uma só prorrogação, por mais 10 meses. Nesse caso, após a prorrogação dos 10 meses, poderia ser novamente prorrogado por mais 12 meses;

- um contrato assinado antes de julho/94, pode, de acordo com a decisão do Tribunal de Contas da União, atendidos os requisitos ali estabelecidos ser estendido até 60 meses e, depois, mais 12 meses, de acordo com a MP.

A MP apenas elastece, em caráter excepcional, mais uma prorrogação, mostrando-se útil para facilitar a atividade administrativa, respeitando o ato jurídico que regula.


VII - conclusões

Em síntese, amparada na Constituição Federal e no que foi exposto, pode-se concluir que:

- em face da decisão do Tribunal de Contas da União os contratos de prestação de serviços a serem executados de forma contínua, firmados antes da Lei n. 8.883, de 6 de julho de 1.994, podem ser prorrogados até 60 meses, independentemente do que foi previsto no ato convocatório, observado e justificado no processo o interesse público;

- após a edição da Lei n. 8.883, de 6 de julho de 1.994, os contratos para prestação de serviços a serem executados de forma contínua, devem ter a duração dimensionada em até 60 meses, visando a obtenção da proposta mais vantajosa;

- em ambos os casos, é possível acrescer à duração, após as prorrogações citadas, mais 12 meses, por força da MP referida no item anterior;

- em todos os casos, a formalização do ajuste fica adstrita a vigência do respectivo crédito orçamentário, prorrogando-se, anualmente, até os limites temporais referidos anteriormente.

O tema ainda merece maior reflexão e, por certo, orientações em caráter normativo tanto da parte do Tribunal de Contas da União, quanto da Secretaria Federal de Controle.

Há porém um princípio que deve nortear a ação do controle e nessa ocasião não deverá ser esquecido: entre duas ou mais interpretações verdadeiramente razoáveis, não pode o órgão de controle impor a sua exegese, sob pena de se substituir ao administrador. Sem dúvida, após a eleição da interpretação mais correta, adotada pelo controle, se em caráter normativo, deve a Administração vincular-se à mesma sob pena de irregularidade das contas.

No presente caso, face a multiplicidade de interpretações abraçadas pelos mais diversos administrativistas, mostra-se recomendável que a orientação que venha a ser firmada não olvide as dificuldades que pesam sobre os órgãos jurisdicionados ao controle que, de afogadilho, tiveram que optar por uma exegese, sem doutrina, nem jurisprudência, que pudessem guiá-los com segurança.

Que os órgãos de controle, na perspectiva da nobreza de suas funções orientadoras, firmem o mais breve possível a melhor exegese que no descortino superior de suas funções vislumbrarem, aplicando os seus efeitos para o futuro, Não impondo a retroatividade às situações já constituídas entre a Administração e contratados.

As normas sobre licitação e contratos, guardam uma singularidade, destacada com o habitual brilho e sensibilidade pelo Ministro, aposentado do Tribunal de Contas da União, Ivan Luz: "o primeiro intérprete de tais normas é seu próprio executor, o agente da Administração competente para aplicá-las", fato que não pode ser olvidado pela área de controle.


NOTAS

(1) Marçal Justen Filho, Comentário à lei de licitações e contratos administrativos, Rio de Janeiro: Aide, 1993, p. 332

(2) Carlos Maximiliano, in Hermenêutica e Aplicação do Direito, Rio de Janeiro: Forense, 10ª ed., p. 128

(3) Parecer 001/95 - COORI/Secretaria Federal de Controle de 02/06/95

(4) Decisão n° 366/95 - Tribunal de Contas da União - Plenário, por unanimidade, na sessão de 02/08/95. Proc. TC n° 023.345/94-2

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Sobre o autor
Jorge Ulisses Jacoby Fernandes

É professor de Direito Administrativo, mestre em Direito Público e advogado. Consultor cadastrado no Banco Mundial. Foi advogado e administrador postal na ECT; Juiz do Trabalho no TRT 10ª Região, Procurador, Procurador-Geral do Ministério Público e Conselheiro no TCDF.Autor de 13 livros e 6 coletâneas de leis. Tem mais de 8.000 horas de cursos ministrados nas áreas de controle. É membro vitalício da Academia Brasileira de Ciências, Artes, História e Literatura, como acadêmico efetivo imortal em ciências jurídicas, ocupando a cadeira nº 7, cujo patrono é Hely Lopes Meirelles.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. A duração dos contratos de prestação de serviços a serem executados de forma contínua. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 40, 1 mar. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/462. Acesso em: 23 abr. 2024.

Mais informações

Texto anteriormente publicado pelo Boletim de Licitações e Contratos, editora NDJ, n. 2, fevereiro 1996, p. 75-79

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