O artigo 1.583, §1º., segunda parte, traz o conceito de guarda compartilhada, sendo esta “a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernente ao poder familiar dos filhos comuns”.
Conhecida também como guarda conjunta, é compreendida como um sistema pelo qual os filhos de pais separados permanecem sob a autoridade equivalente de ambos os genitores, que vêm a tomar, juntos, decisões importantes quanto ao seu bem estar, educação e criação.
Trata-se de um dos meios de exercício da autoridade parental, regulamentando a responsabilidade do pai e da mãe, quando fragmentada a família, buscando-se assemelhar as relações entre pai, mãe e filho às relações mantidas antes da dissolução da convivência.
Com o crescente número de separações, divórcios e nascimentos ocorridos fora do casamento, a busca de garantias pelos direitos de pais e filhos surge como uma preocupação no cenário jurídico. Assim, a guarda compartilhada traz uma alternativa para os mais fortemente atingidos quando da separação do casal ou discussão acerca das visitas aos filhos, beneficiando a todos no convívio existente no ambiente familiar.
Por sua vez, verifica-se que muitos casos caminham para o litígio, implicando em medidas prejudiciais para os envolvidos. Tal situação pede que se considere a possibilidade de se tratar a guarda num modelo cooperativo e não adversarial, sugerindo o seu exercício de forma compartilhada entre os pais.
Essa medida traduz respeito mútuo entre as partes, viabilizando o exercício de decisões conjuntas que priorizem o interesse dos menores, cumprindo cada um a função parental que lhe compete e que lhe é de direito.
É fácil constatar que a guarda única incita as partes na disputa pelos filhos. Por sua vez, não é difícil perceber que, por trás do interesse dos pais em ter os menores em sua companhia, existem, na verdade, problemas mal resolvidos entre eles, ocultos em meio ao conflito.
Nesse contexto, observa-se que questões da ordem de alimentos, de disputa pelo poder e até mesmo vingança, que não se adequam ao melhor interesse da criança, encontram-se obscuras na lide. Ocorre que o problema não é a ausência destas questões, mas, sim, o empenho das partes em litigar a qualquer preço, envolvendo a criança numa guerra pessoal e colocando-a, nos dizeres da autora e psicóloga Maria Antonieta Pisano Motta, como “receptáculo e ponte das diferenças entre os pais”.
Em artigo publicado pela mesma autora, nos Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família, ela escreve que “o compartilhamento também pode ser solução para os litígios nos quais as crianças são utilizadas como armas de guerra, na interferência contínua de um dos genitores na possibilidade de relacionamento com o não guardião. Referimo-nos aos casos de visitas dificultadas ou impedidas, em que os contatos telefônicos são proibidos e dificultados, além de ser o genitor não guardião excluído de comemorações e eventos e de informações da vida social, escolar e de informações sobre a saúde do filho. A guarda compartilhada viria de encontro a esse genitor, instrumentalizando-o com o poder que a lei confere, tendo igual poder de decisão sobre seus filhos e, portanto, estando menos sujeito às manipulações do outro.”.1
Desta forma, encontramos muitos casos em que a guarda uniparental é utilizada como meio de manipulação da relação por um dos genitores, buscando ferir o outro seja por qual motivo for. Assim, persistem em litigar, colocando a criança em meio a uma disputa de interesses em que somente ela sai prejudicada.
Mesmo com a promulgação da lei 11.698/08, que institui e disciplina a guarda compartilhada de filhos menores, percebe-se que ainda há acentuada resistência de juízes e de alguns tribunais na sua implementação. Isto porque, na maioria dos casos em que existe o litígio, ocorre a falta de diálogo entre as partes, dificultando as decisões que devem ser tomadas em conjunto na vida dos filhos.
É imprescindível compreender a guarda compartilhada como possibilidade prevista em lei, pois, ainda hoje, ela encontra-se sujeita ao entendimento subjetivo do magistrado. Contudo, deve ele considerar que a rivalidade entre os genitores não pode prejudicar o direito dos filhos em ter a presença de uma mãe e de um pai no seu convívio.
A vida em família é direito garantido pelo artigo 227 da Constituição Federal, e é regulado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Dessa forma, como regulamentado, o direito pátrio elegeu a família como berço da dignidade da pessoa humana, onde tem início a sua origem como indivíduo.
A convivência equilibrada da criança com pai e a mãe não significa que ela deve conviver com ambos de maneira igual. Deve existir uma flexibilidade na fixação da guarda, buscando sempre um referencial de melhor interesse para a criança.
Resta aos pais compreender que compartilhar esse convívio com o filho é um dever inerente à paternidade/maternidade e um direito da criança em ver-se respeitada.
Com essas considerações, resta somente aos genitores a tarefa de assegurar à criança a oportunidade de desenvolver-se como indivíduo, acolhendo-a em um ambiente saudável e familiar, em que se sinta protegida, afastando-a de um jogo de disputas em que ela é a maior prejudicada.
Nota
1 MOTTA, Maria Antonieta Pisano. "Compartilhando a guarda no consenso e no litígio". Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família. Família e Dignidade Humana. Belo Horizonte. 2005.