Artigo Destaque dos editores

Imposto sobre Serviços que incide sobre as empresas que agenciam mão-de-obra temporária exigido com intento confiscatório.

Esta atitude é lícita?

Exibindo página 2 de 3
Leia nesta página:

E. DA TRIBUTAÇÃO EXIGIDA PELO MUNICÍPIO:

O ISSQN relativo ao agenciamento de mão-de-obra temporária, encontra-se devidamente regulamentado nos termos do item nº 83 do artigo 102, do Código Tributário do Município do Recife, que é assegurado constitucionalmente pela competência que fora delegada aos Municípios através do art. 156, III da Carta Magna de 1988.

Todavia, seu teor de regulamentação não condiz com a exação que as empresas agenciadoras de mão-de-obra temporária estão sendo impostas pelo ente municipal.

Como se sabe, o ISSQN consubstância-se por meio da prestação de um determinado serviço. Entretanto, o Município do Recife está desnaturando o sentido do preço do serviço e extrapolando os limites dos princípios constitucionais tributários que perfazem a sistemática de atuação do referido imposto. Assim, o ISSQN que está sendo exigido das referidas empresas incide da seguinte forma:

DISCRIMINAÇÃO DA FATURA:

- Receita de terceiros (a ser repassada)......................R$ 18.000,00

- Comissão (receita do agenciador).............. ............ R$ 1.000,00

- Encarg. Soc. ref. aos terceiros (a ser repassado)...... R$ 1.000,00

- ISS, com a alíquota de 5%, sobre o total da fatura... R$ 1.000,00

RECEITA DA EMPRESA APÓS A DEDUÇÃO DOS IMPOSTOS

-Receita, após o confisco do ISS. Comissão–ISS=1.000,00 – 1.000,00

-Receita, após o confisco do ISS.............. ............. R$ 0,00

*Valores expostos a título ilustrativo*

Com base nesta demonstração, fica claro quão imensa é a exacerbação a que as agenciadoras estão sendo submetidas, configurando uma evidente ilegalidade, posto que vai de encontro ao que preceitua o art. 9º do Decreto-lei n.º 406/1968, e inconstitucionalidade, pois o Município por tal ato está conseqüentemente, ferindo flagrantemente os Princípios Constitucionais da Vedação ao Confisco e da Capacidade Contributiva.


F. DA ILEGALIDADE ACERCA DO CONCEITO DE PREÇO DO SERVIÇO, SEGUNDO O ART. 115, § 1º DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO DO MUNICÍPIO DO RECIFE:

A hierarquia entre as legislações é expressa através do art. 59 da CF/88, que representa o processo legislativo como um todo:

Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:

I – emendas à Constituição;

II – leis complementares;

III – leis ordinárias;

IV – leis delegadas;

V – medidas provisórias;

VI – decretos legislativos;

VII – resoluções.

Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis.

A situação acima descrita representa a questão do ISSQN que por mandamento do Poder Constituinte a tributação do referido imposto cabe aos Municípios (art. 156, III, CF/88), devendo estes reproduzirem a legislação hierarquicamente superior adaptando-a as suas condições (art. 30, I e II, CF/88), mas sem ferir as demais legislações.

Todavia, não é o que está acontecendo, pois como já fora citado o DL nº 406/68, que estabelece normas gerais acerca do ISSQN, representa e considera que a base de cálculo do dito imposto deve ser calculada de acordo com o preço do serviço, por conseguinte a comissão/taxa de agenciamento que as empresas recebem é que condiz a tal remuneração, enquanto que o Município do Recife estabelece sobremaneira no art. 115, § 1º do CTM acepção contraria, que estrapola nitidamente seus limites de atuação:

Código Tributário Municipal do Recife

"Art. 115 - A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.

§ 1º - Considera-se preço do serviço tudo o que for devido, recebido ou não, em conseqüência da sua prestação, a ele se incorporando os valores acrescidos e os encargos de qualquer natureza, ainda que de responsabilidade de terceiros." (grifo nosso)

Assim, fica claro que o Código Tributário Municipal do Recife apresenta em sua reprodução sentido legal-normativo diferenciado do que disciplina o DL nº 406/68, com a redação dada pela Lei Complementar nº 56/87, onde a legislação municipal extrapolou a legislação complementar que regula o ISSQN e dispõe que a base de cálculo deva ser o preço do serviço, que representa como já foi citado o faturamento das agenciadoras, ou seja, apenas uma parte da nota fatura que é englobada ao patrimônio das empresas agenciadoras de mão-de-obra temporária, e não a fatura em sua totalidade, como quer o legislador municipal.


G. DOS VÍCIOS DE INCONSTITUCIONALIDADE:

Neste tópico se evidenciará a inconstitucionalidade referente à incidência do ISSQN como um todo. Assim, far-se-á menção tanto quanto a necessidade de Lei Complementar para solucionar conflitos de competência tributária, como também a questão da exorbitante atuação do ente municipal ao ferir os Princípios Constitucionais Tributários.

Assim sendo, deslinda-se.

G.1. DA NECESSIDADE DE LEI COMPLEMENTAR PARA SOLUCIONAR CONFLITOS DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA:

No tópico anterior fora descrito que a ilegalidade acerca da legislação municipal consubstância a exação que as empresas agenciadoras de mão-de-obra temporária estão sendo submetidas, pois é exposta de forma clara no § 1º do art. 115 do CTM do Recife.

A partir desta ilegalidade vê-se que o legislador municipal atuou também de forma inconstitucional, posto que não poderia de forma alguma estabelecer por via de Lei Municipal (art. 115, § 1°, do CTM do Recife) limites de atuação que não foram previstos no Decreto-lei nº 406/68, tendo em vista que o referido decreto atua na esfera federal e porta-se imediatamente de forma superior, com relação a hierarquia, cabendo as limitações quanto a esfera de atuação, apenas a Lei Complementar, onde esta acepção é assegurada constitucionalmente através do disposto no art. 146 na Carta Magna de 1988, como está abaixo transcrito:

"Art. 146. Cabe à lei complementar:

I-dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

II-regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

III-estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária especialmente sobre:

a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;" (grifos nossos)

Portanto, a inconstitucionalidade aqui posta está clara, através da transcrição deste dispositivo, configurando mais um motivo para que se contenha de forma expressa a atuação do Município, pois este está agindo em desconformidade com os preceitos assegurados pela Lei Maior.

Diante disso, é notória a inconstitucionalidade e a ilegalidade disposta no art. 115, § 1º, do CTM do Recife, a que o Município está submetendo as agenciadoras de mão-de-obra temporária.

G.2. NO MOMENTO DA EXAÇÃO O IMPETRADO ATUA INCONSTITUCIONALMENTE POR NÃO LEVAR EM CONSIDERAÇÃO OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS:

Quanto a atuação do fisco municipal pode-se ver que a inconstitucionalidade já foi posta desde o momento da edição e vigência do supratranscrito dispositivo da lei municipal. Assim, conseqüentemente, esta cobrança também põe-se de forma inconstitucional dada a exação que as empresas agenciadoras de mão-de-obra temporária estão sendo submetidas ferir também os Princípios da Capacidade Contributiva (Art. 145, §1º, CF/88), da Isonomia (Art. 150,II, CTN) e da Vedação ao Confisco (art. 150, IV, CF/88).

No concernente ao Princípio da Capacidade Contributiva (Art. 145, §1º, CF/88), o contribuinte deve ter condições econômicas de contribuir, e o valor monetário por este desprendido deve estar adequado a sua situação econômica, e neste caso também, encontrando-se tal valor condicionado a prestação do serviço, deve então, a tributação referente ao mesmo, ser estipulada na base do que está sendo satisfeito, ou seja, o preço do serviço, o que não ocorre de pronto.

Ademais, fere assim, além do Princípio já citado, o Princípio da Isonomia Tributária (Art. 150,II, c/c 5º, I da CF/88), haja vista que o Município está destoando o direcionamento da exigibilidade do tributo, tratando erroneamente e desigualmente as agenciadoras, posto que estas possuem regulamentação peculiar própria - Lei n.º 6.019, de 03 de janeiro de 1974 e o Decreto n.º 73.841, de 13 de março de 1974 - o que a difere dos demais tipos de prestadoras de serviços, sendo exigido dela uma tributação como se fosse tercerizadora de mão-de-obra e não agenciadora de mão-de-obra temporária, como esta verdadeiramente é.

Diante disso, a mencionada desigualdade acarreta exacerbação no momento da cobrança do ISSQN, ferindo assim igualmente o Princípio da Vedação ao Confisco (art. 150, IV, CF/88). Tendo em vista que a exigência do dito imposto está pondo-se com intuito confiscatório, chegando em certos casos, as empresas ao invés de ter crédito passar a ter débito, o que não é possível, nem tão pouco permitido. Posto que, o Princípio em causa proíbe a incidência de tributos com intento confiscatório, o qual essecialmente tem nesta proibição o meio de inibir a exacerbada atuação do ente tributante.

Por assim dizer, o Município ao exceder a cobrança do dito imposto, afronta literalmente a capacidade de contribuir que é inerente ao contribuinte, estando esta demonstrada a partir do desenvolvimento das atividades desempenhadas pelas mencionadas empresas, como fulcra o disposto no Relatório do Exmo. Sr. Ministro Luiz Fux, relator do julgamento do Recurso Especial nº 411.580, datado de 16.12.2002, abaixo transcrito:

" É inquestionável que o serviço prestado pela recorrente tem a natureza de ''agenciamento'', modalidade cuja remuneração usual é a comissão ou taxa de corretagem. Há inseparável correlação entre esses institutos: remuneração e remuneração do serviço, indicando a lógica decorrência que relaciona comissão do serviço.

No agenciamento, há uma intermediação, hipótese em que o agenciador atua como ''ponto de encontro'' entre as partes. Cabe a ele funcionando como ''ponto de encontro'' entre as partes. Cabe a ele, funcionando como uma espécie de corretor, aproximar o interessado em obter determinado bem ou serviço ao fornecedor do bem ou serviço desejado. O interessado, quando procura o agenciador, quer adquirir duas valias distintas e bem definidas:

a) do fornecedor, deseja um determinado bem ou serviço; e

b) do agenciador, deseja que ele localize o fornecedor do bem ou serviço.

Cada valia por ele adquirida, é paga de forma distinta. No caso em exame, ao trabalhador que lhe fornece labor de que necessita, há o pagamento de uma remuneração equivalente ao salário pago a trabalhadores similares da mesma empresa. Ao agenciador, o que se paga é uma comissão por haver encontrado e disponibilizado o trabalhador desejado.

O que se entende é que o venerando acórdão deveria ter reconhecido essa diferença e decretar que o preço do serviço do agenciador é a comissão que ele recebe, nada mais do que ela." (Grifos nossos)

Desta feita, observa-se que várias são as atividades prestadas pelas agenciadoras de mão-de-obra temporária, contudo sua remuneração pela prestação de serviços (comissão), se fixa apenas no serviço prestado pelas referidas empresas, que engloba todas as funções por ela desempenhadas.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Ocorre que, como já é sabido, o Município está exigindo o ISSQN incidente tanto sobre a comissão/taxa de agenciamento das empresas quanto sobre os rendimentos auferidos pelos trabalhadores e seus encargos sociais, que lhes são integralmente repassados. Tal fato vem a descaracterizar o imposto e sua base de cálculo, posto que como já fora dito " a base de cálculo do imposto é o preço do serviço", e como neste caso a inobservância desta regra é explícita e o que gera é a demasia na cobrança de imposto, fazendo com que tais empresas encontrem-se impossibilitadas de fazer sua entrega (pagamento), uma vez que o mesmo passa a ser creditado de forma exacerbada, estando portanto, o princípio da capacidade contributiva expressamente violado.

Sendo assim, a capacidade de contribuir, que é inerente ao contribuinte, apresenta-se na situação em comento de forma difusa, posto que os tributos deveriam ser cobrados de acordo com as condições econômicas do contribuinte.

Não se pode, contudo, confundir a capacidade econômica com a capacidade contributiva, porém em algumas situações estas apresentam-se intimamente ligadas.

Qualquer pessoa física ou jurídica é dotada de capacidade econômica, pois esta corresponde a faculdade que cada um tem de administrar e empregar seus recursos financeiros, enquanto que só é dotado de capacidade contributiva o contribuinte, que se supõe sujeito objetivo da relação jurídica-tributária que o impõe ao ônus fiscal. Todavia, muitas vezes o contribuinte encontra-se circundado de capacidade contributiva, mas não de capacidade econômica ex.: "mendigo" que recebe como herança uma casa, nela vive, não tendo condições de pagar o IPTU.

No exemplo citado o "mendigo" encontra-se enquadrado como contribuinte do IPTU, porém não possui recursos econômicos de contribuir, tornando-se automaticamente um sonegador. Além de que o sentido expresso na Carta Magna é que o ato tributário compreende depreendimento econômico por parte do contribuinte e quando este não o faz pode estar sujeito a ato fiscal.

No concernente as empresas agenciadoras este depreendimento deve ser computado a partir dos serviços sobre os quais elas estão determinadas, dando a elas tratamento isonômico, igualando-as as demais agenciadoras de mão-de-obra temporária e não enquadrando-as como uma tercerizadora de mão-de-obra, já que o serviço por estas prestado não caracteriza tercerização, mas sim a real prestação de serviços de agenciamento.

Ademais, através da supracitada prestação é que as empresas agenciadoras de mão-de-obra temporária recebem sua remuneração, não podendo o ISSQN vir a incidir sobre valores monetários que apenas tramitam sob sua responsabilidade, posto que estes não são considerados como valores agregados a sua carga patrimonial e sim excessos a que as referidas empresas encontram-se submetidas, os quais são automaticamente transferidos aos terceiros-trabalhadores temporários.

Devido a essa explicíta exacerbação vê-se a clara violação do Princípio da Capacidade Contributiva que está atrelado tanto ao Princípio da Isonomia Tributária, tratando iguais (empresas agenciadoras - agenciadora de mão-de-obra temporária) como desiguais (empresas agenciadoras – tercerizadora de mão-de-obra), quanto ao poder confiscatório do Estado, que é taxativamente vedado na Constituição Federal de 1988 no artigo 150, IV. Pois o efeito que se vê supracitado atua em forma de cadeia, onde o primeiro conduz ao segundo, e consequentemente, ao terceiro.

Minunciosamente falando, tem-se que a exação imposta as empresas em questão representa o quanto o Município está extrapolando seus poderes atuando, como o caso em voga, de forma confiscatória.

Acontece que, no momento em que as agenciadoras cumprem a obrigação a que estão sendo submetidas, qual seja, pagar imposto excessivo, o Município ao ver-se respaldado pelo § 1º do art. 115 do CTM, entende estar atuando em conformidade com a Lei Maior.

Contudo, como já foi visto, este parágrafo contraria flagrantemente a idéia de preço do serviço que vem demonstrada no art. 9º do DL nº 406/68, assim, no momento em que o Município excede-se na cobrança, porta-se de forma inconstitucional. Tendo em vista que descumpre os princípios da capacidade contributiva, e o da isonomia tributária.

Conseqüentemente, a ilegalidade e a inconstitucionalide real da cobrança, dão direito premente de restituição por parte das empresas agenciadoras de mão-de-obra temporária ofendidas, lesadas, extorquidas por ato excessivo do ente municipal.

Assuntos relacionados
Sobre as autoras
Cinthia Filizola

Consultora Jurídica do Escritório Audiplan – Advocacia de Empresas Manuel Cavalcante & Rita Cavalcante S/C

Paula Vilela

Consultora Jurídica do Escritório Audiplan – Advocacia de Empresas Manuel Cavalcante & Rita Cavalcante S/C

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FILIZOLA, Cinthia ; VILELA, Paula. Imposto sobre Serviços que incide sobre as empresas que agenciam mão-de-obra temporária exigido com intento confiscatório.: Esta atitude é lícita?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 181, 3 jan. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4630. Acesso em: 14 dez. 2025.

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos