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Regime disciplinar diferenciado:

análise de sua inconstitucionalidade frente aos direitos fundamentais e a disposições internacionais

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07/02/2016 às 11:38
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IV. O recrudescimento do regime como obstáculo à ressocialização do preso.

O RDD significa um agravamento qualitativo à pena privativa de liberdade, aumentando o sofrimento imposto aos presos, através de um regime de super-reclusão, que representa a maxipunibilidade do Estado. Na redação da Lei 10.792/2003, a prevalência do sentimento de que não basta “apenas” prender, é preciso fazer com que o preso sofra mais, como se esta fosse uma maneira de evitar que este entre em contato com o ambiente extra-carcerário, garantir a segurança interna do presídio ou mesmo de impedir a corrupção interna no ambiente carcerário. Essa visão, que parece predominar no senso comum, é usada para tentar justificar a aplicação do RDD, pressionando às autoridades a serem a favor da implementação de um regime carcerário cada vez mais severo.

Percebe-se, entretanto, que o entendimento distorce a função ressocializadora da pena, tratando o preso como um “verdadeiro inimigo”, segundo a doutrina de JAKOBS. A condenação, em uma clara substituição do Direito Penal de fato pelo Direito Penal de autor, passa a ser encarada como uma punição à determinada classe de autores e não ao fato em si. Assim, não importa o que se faz ou omite, mas quem pratica o crime doloso ou a falta e grave, quem representa risco para a ordem e segurança do estabelecimento penal ou da sociedade ou quem é suspeito de envolvimento em organizações criminosas, quadrilhas ou bando. A adoção do RDD viola o princípio da igualdade, na medida em que representa um tratamento diferenciado a certo tipo de autor de delito, classificando os presos em “cidadãos” e “inimigos”.

 Na contramão da noção de reintegração social que inspirou a Lei de Execução Penal, o Regime Disciplinar Diferenciado aumenta a punição com a ressignificação da disciplina e da segurança. A violação teleológica constitucional da pena é latente, deixando a mesma de ser utilizada como instrumento ressocializador, para representar a força do Estado.

Trata-se, portanto, evidentemente, de uma política criminal equivocada, que resulta na reprodução e multiplicação da violência. Vejamos o que ensinam PAVARINI E GIAMBERARDININO (Teoria da Pena e Execução Penal, 2011, p. 344):

não é necessária uma intensificação tão significativa da produção de sofrimento humano para a consecução dos fins propostos, vinculados à segurança e à ordem internas e atingíveis mediante a utilização de recursos tecnológicos e o combate interno à corrupção. Não é o recrudescimento do regime de cumprimento da pena que vai preservar a segurança da população e do sistema carcerário, mas, principalmente, o combate à corrupção dentro das prisões, que é a maior ameaça à sociedade.           

Nesse sentido, o Regime Disciplinar Diferenciado, como forma de punição de presos por faltas cometidas durante a execução da pena, deve ser repensado, a fim de que o Estado não incorpore, sob o pretexto da legalidade, medidas de caráter nitidamente inconstitucional, tendo em vista os ditames da própria Carta Magna e a tendência internacional de proteção ao direitos humanos e de garantia aos direitos dos presos, com forte influência de medidas ressocializadoras.


Conclusão

Conclui-se que o RDD não é a forma adequada para conter a violência existente nas prisões, pois representa uma sobrepena cruel e degradante, ferindo a dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.

Não é razoável desconsiderar os direitos constitucionalmente assegurados aos infratores em nome da “segurança social”. A repressão ao crime deve ocorrer dentro dos limites da lei. Submeter os presos a condições degradantes não acabará com a violência urbana, não tornará os condenados pessoas melhores, nem garantirá segurança à sociedade. Ao contrário, esse regime apenas contribui para a marginalização dos presos, reduzindo ao máximo a possibilidade de ressocialização dos mesmos e obstaculizando as formas de progressão de regime.


Referências

BRITO, Alexis Couto de. Execuçao penal. 2 ed. Sao Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. BUSATO, Paulo César. “Regime disciplinar diferenciado como produto de um direito pena do inimigo”. In: CARVALHO, Salo de (org,). Crítica à Execução Penal, 2ª ed. ver, ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007.

FREIRE, Cristiane Russomano. O REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO: NOTAS CRÍTICAS À REFORMA DO SISTEMA PUNITIVO BRASILEIRO. In: CARVALHO, Salo de. CRÍTICA À EXECUÇÃO PENAL. 2ª ed. ver, ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007.

MOURA. Notas sobre a Inconstitucionalidade da Lei 10.792/2003, que criou o Regime Disciplinar Diferenciado. Em: CARVALHO, Salo de. CRÍTICA À EXECUÇÃO PENAL. 2ª ed. ver, ampl. e atual. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007.

PAVARINI, Massimo & GIAMBERARDINO. Teoria da Pena e Execução Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues, curso de Direito Processual Penal, 4ª ed. rev. ampl. e atual. Ed. Jus Podivm: Bahia, 2010.

ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no direito penal. Tradução de Seérgio Lamarão – Rio de Janeiro: Revan, 2007, 3ª edição dezembro de 2011.

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Sobre a autora
Natalia de Rosalmeida

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSALMEIDA, Natalia. Regime disciplinar diferenciado:: análise de sua inconstitucionalidade frente aos direitos fundamentais e a disposições internacionais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4603, 7 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46325. Acesso em: 22 nov. 2024.

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