Absurdo da cobrança pelo inteiro teor das normas técnicas

07/02/2016 às 21:38
Leia nesta página:

Discute-se brevemente sobre a força normativa dos atos publicados pela ABNT e sua cobrança. O impedimento ao acesso do inteiro teor de suas "normas técnicas" caracterizaria, segundo nossas conclusões, violação ao princípio da publicidade, dentre outros.

Ninguém pode se escusar ao cumprimento da lei, sob a alegação de desconhece-la. Este é um princípio do Estado de Direito que visa assegurar harmonia social e o cumprimento efetivo das normas. Para que aludido princípio constitua uma garantia democrática, parte-se do pressuposto de ter sido oportunizado ao povo o acesso ao conteúdo das leis, mediante a sua ampla publicidade.

Não se está referindo aqui apenas às leis aprovadas pelos parlamentos. A referência é a todo e qualquer ato normativo que defina procedimentos, afetando obrigações e direitos.

No contexto atual, como se sabe, o conhecimento real das normas é algo nitidamente falacioso. A ideia de que todos conhecem as normas vigentes tornou-se utópica, mormente quando o ordenamento jurídico é integrado por mais de 17 tipos de atos normativos, como, por exemplo, portarias, resoluções, NRs, NBRs, etc.

Nas áreas do Direito Ambiental, Tributário, dentre outros, ninguém mais acredita deter o conhecimento de todas as normas, mesmo que opere suas atividades amparado em softwares (ou coisa que o valha), que atualize as informações diariamente.

Além das inúmeras normas publicadas em diários e sites na internet, há algo ainda mais inquietante e, a nosso sentir, absurdo, que é o acesso obrigatoriamente oneroso às normas técnicas brasileiras (NBRs) editadas pela ABNT.

Em outras palavras, para se ter conhecimento do inteiro teor de normas técnicas, o cidadão deve previamente pagar para obter cópia de seu conteúdo. Trata-se de algo inconcebível à luz do princípio da inescusabilidade do conhecimento das leis, da publicidade e da função estatal de legislar. Isso porque, se ninguém pode alegar o desconhecimento de uma lei, deve-se assegurar, no mínimo, a sua publicidade e o acesso ao seu conteúdo.

As normas técnicas brasileiras (NBRs) apresentam hoje relevante função para o sistema jurídico, integrando leis e atos regulamentares. Em determinadas situações, a desobediência às suas regras ocasiona ao autor da conduta a responsabilização pessoal pelos danos causados, além de obstar o ingresso do produto no mercado.

As referências às NBRs são feitas, por exemplo, no Código de Defesa do Consumidor (lei nº 8.078/92) , na Lei de Licitações (lei nº 8.666/93), Resoluções do CONATRAN, dentre outras, influenciando em garantias como a livre iniciativa e concorrência.

À época da defesa de nossa dissertação de Mestrado junto a Faculdade de Direito da UFMG, já apontávamos violação à Constituição de 1988 com referência à essa matéria. À medida que o acesso às normas técnicas somente é franqueado àqueles que suportem o preço cobrado pela entidade que as editar, pergunta-se: existe publicidade formal ou material em leis integradas pelas NBrs? A toda evidência, não se pode conferir eficácia a uma norma sem que o seu conteúdo tenha sido integralmente publicado e tenha sido permitido o acesso ao seu teor.

Ninguém questiona a competência ou defende a gratuidade dos serviços e estudos elaborados pela entidade que edite as normas técnicas. Todavia, os ônus hão de ser suportados diretamente pelo Estado, que detém o domínio da função normativa. Suportados os ônus pelo Estado, publicado e franqueado o acesso ao seu conteúdo, bem como respeitados os demais requisitos materiais e formais, perfeitamente possível que integrem a ordem jurídica. Enquanto isso não ocorrer, muitos podem e devem ser os questionamentos sobre a validade de sua força normativa.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Frederico Aburachid

Advogado. Mestre em Direito pela UFMG e Sustentabilidade socioeconomica ambiental pela UFOP. Posgraduação lato sensu em Direito Ambiental. Atuação no Direito Público, notadamente em Direito Administrativo, Ambiental, Constitucional, Urbanístico e Tributário. Presidente do Conselho de Assuntos Metropolitanos e Municipais do Sistema FIEMG.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos