Artigo Destaque dos editores

Aspectos de hermenêutica jurídica sob as luzes do positivismo e do pós-positivismo

Exibindo página 2 de 2
16/02/2016 às 08:13
Leia nesta página:

Distinções entre as formas hermenêuticas

Outro exemplo de grande amplitude para a aplicação diversa da hermenêutica jurídica ocorre quanto à Constituição norte-americana, que se trata de uma constituição totalmente de tipo aberta, programática e aderente ao sistema da common law. Por esta razão, cada um dos seus Estados federados tem ampla liberdade para interpretar os seus preceitos, assim temos, por exemplo, quanto à tutela da vida dos seus cidadãos: enquanto alguns estados federados daquele país proíbem a pena capital, outros interpretam que a Constituição lhes concedeu a liberalidade de impor tal sanção.

Vale dizer que em que pese ser apenas uma mesma unidade federativa, a interpretação dos preceitos constitucionais é complexa e diversa, tendo em vista a programaticidade daquele diploma normativo.

No sistema do common law, naquilo que é tratado por lei, denota-se o evidente caminho do legislador para consubstanciar programas e diretrizes para atuação futura dos órgãos estatais, o que deixa latente a intenção do criador do Direito de permitir a evolução dos fatos sociais e jurídicos, bem como a criação permanente de novas fontes do Direito que regulamentarão aquela norma, bem como darão ensejo à novas formas de interpretação.

Quanto à prática, o problema que corriqueiramente aflige o exegeta no sistema da civil law, é a limitação da interpretação do direito pela extensão do pedido contido na ação. Destarte, o intérprete, que dispõe em suas mãos todo o arsenal de possibilidades alternativas para a aplicação do direito mencionado acima, para interpretar na vida concreta é vítima das amarras insertas pelos limites da demanda, que nem sempre alcançam o melhor direito possível a ser aplicável ao caso sob exame, bem como, em vista da jurisdição ater-se aos limites expressos no pedido, não permite ao hermeneuta aplicar os princípios de justiça que melhor se adequariam à hipótese, pois o Magistrado não é criador do direito, mas sim o seu intérprete.

A aplicação do direito, no caso concreto do sistema da civil law, atende portanto, não a livre interpretação do julgador, mas a interpretação do julgador limitado à extensão dos pedidos da parte.

Sabe-se, todavia, que em função do princípio de freios e contrapesos, os Tribunais agem em tarefas judicantes, administrativas e legislativas lato sensu, principalmente no que tange aos Tribunais Superiores, hábeis para formularem Súmulas de jurisprudência e Súmulas vinculantes que, ao nosso ver, é espécie normativa, pois ato administrativo que vincula efetivamente o julgador de instâncias inferiores, adstrito quanto a interpretação do direito.


Conclusão

A liberdade que caracteriza o Direito tem como base o poder de interpretação autônoma da norma e do ordenamento jurídico em si pelo exegeta, seja ele magistrado ou doutrinador. É isto que torna o Direito vivo e dinâmico, bem como é esta característica que permite a evolução da ciência jurídica.

Observadas as características, indaga-se qual seria o melhor sistema jurídico, o da common law ou o da civil law? A resposta é de difícil elaboração, porém constata-se, com certo grau de facilidade, que o sistema da common law é mais elástico em relação ao da civil law e, por se embasar em precedentes, tem maior adaptabilidade às mudanças do enredo social.

A civil law, por seu turno, por se preocupar, em sua formação, com os desmandos dos déspotas absolutistas, que mudavam as regras de conduta por sua liberalidade e discricionariedade, procurou calcar os seus subsídios na burocracia da lei, em que determinou, para a sua alteração, formalidades como quórum mínimo para aprovação ou alteração de certas matérias, motivo pelo qual se denota o seu engessamento em relação à volatividade das formas hermenêuticas da common law.

O juiz criativo de ambos os sistemas jurídicos pode dar mais peso à equidade no caso concreto para se buscar a justiça. O conceito de Justiça, extraído da Filosofia, mormente da Axiologia, é amplo e depende muito do viés aplicado.

O inconveniente que surge da presença da criatividade quanto a aplicação do Direito é a amenização da segurança jurídica. A segurança jurídica é estabelecida quando há um claro paradigma de comportamento ou de fatos jurídicos; alterados os fatos jurídicos, a segurança jurídica se estremece, porque passa a existir a demanda pela mudança na forma de se aplicar a norma, mesmo que positiva no sistema.

Vê-se a alteração deste paradigma pelo fenômeno da mutação constitucional, em que ocorre com a mudança da interpretação de uma norma, sem que esta norma seja alterada quanto ao seu conteúdo material, quando surgem evoluções do contexto social.

O bom intérprete do direito, portanto, é aquele sensível às mudanças de comportamento das pessoas e da forma de contratar, equilibrado entre aplicar a norma posta e ser criativo quando necessário, assim como é aquele agente capaz de ser prudente em certos casos e dinâmico em outros. É aquele que sabe interpretar o fato social e jurídico e atribuir-lhe o melhor direito, de acordo com todas as limitações de atuação que foram expostas neste ensaio.


Notas:

ULPIANUS, Eneo Domitius. Foi um jurista e prefeito pretoriano romano, na gestão do imperador Alexandre Severo. O trecho latino em destaque está no Digesto, 1.1.10.1

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Maria Helena Diniz leciona que este brocardo não tem qualquer aplicação no mundo jurídico, pois todo preceito precisa ser interpretado. Disponível em http://www.aasp.org.br/aasp/servicos/revista_advogado/revista67/maria_diniz.asp Acesso em 31/01/2016

HUME, David. História da Inglaterra: da invasão de Julio Cesar à Revolução de 1688. 1.ed. São Paulo: Editora Unesp, 2015, pp. 70-81

MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito Romano, Vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2002, pp. 99-106

MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Barão de. O Espírito das Leis; apresentação: Renato Janine Ribeiro; tradução: Cristina Murachco. - São Paulo: Martins Fontes, 1996.

CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Tradução de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. - Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor. 1993, reimpressão 1999, pp. 90-97

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Baptista Machado. 6. Ed. – São Paulo: Martins Fontes, 1998.

STRECK, Lênio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise: uma explicação hermenêutica da construção do Direito. 1. Ed. – Porto Alegre: Livraria do Advogado. 1999.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16. Ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 178-184

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 20. Ed. São Paulo: Forense, 2011, p. 56

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Kaue da Cruz Oliveira

Assistente judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Especialista em Direito do Trabalho (UNIFIEO), em Direito Processual Civil (FACON) e em Direito de Família e Sucessões (UCAM). Pós-graduando em Direito Civil Patrimonial (EPM).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Kaue Cruz. Aspectos de hermenêutica jurídica sob as luzes do positivismo e do pós-positivismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4612, 16 fev. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46421. Acesso em: 4 mai. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos