A prova testemunhal consiste em uma reprodução oral do que se encontra na memória daqueles que, estranhos à lide, presenciaram ou tiveram notícias dos fatos que originaram a ação.
Por sua vez, o artigo 405, § 3º, inciso III, do Código de Processo Civil de 1973, preceitua que podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas e suspeitas.
A doutrina diverge muito a respeito da testemunha. Para Mittermaier “A testemunha é a ‘prostituta das provas’”. Para Bentham, ao revés, "as testemunhas são os olhos e os ouvidos da Justiça”. Já Pincherli entende que as testemunhas “são muitas vezes, olhos que não vêem e ouvidos que não escutam’” (PRATA, Marcelo Rodrigues. A Prova Testemunhal no Processo Civil e no Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2005, p. 31).
Apesar dos divergentes posicionamentos doutrinários, a prova testemunhal é preponderante e de grande relevância na Justiça do Trabalho. Por conta disso, várias controvérsias perduram quanto à prova testemunhal. Entre as inúmeras controvérsias está a questão da testemunha que litiga contra o mesmo empregador contra qual ela ajuizou outra demanda, surgindo, então, o embate na doutrina e na jurisprudência em torno da suspeição da testemunha por suposta troca de favores.
A CLT não disciplina a questão, ficando ao arbítrio da doutrina e da jurisprudência as diretrizes principais para solução do problema. Por sua vez, a própria doutrina diverge a respeito do tema.
O saudoso Valentin Carrion, defende a suspeição por troca de favores quando a testemunha litiga contra o mesmo empregador:
“A testemunha que está em litígio contra a mesma empresa deve ser equiparada ao inimigo capital da parte; o embate litigioso é mau ambiente para a prudência e isenção de ânimo que se exigem da testemunha; entender de outra forma é estimular as partes é permuta imoral de vantagens em falsidades testemunhas mútuas, mesmo sobre fatos verdadeiros; extremamente fácil: ‘reclamante de hoje, testemunha de amanhã’. É ingênuo o argumento contrário de que o litigante deve ser aceito como testemunha (e não como informante) porque tem direito de ação; se assim fosse, a suspeição da esposa para depor contrariaria o direito de casar. O impedimento não é à ação, mas à credibilidade. Também não se trata de violação ao princípio constitucional do direito de defesa; a CF admite os meios lícitos mas não atribui força probante ao incapaz, impedido ou suspeito”. (CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 30ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 630).
Todavia, há quem defenda que o fato de a testemunha mover uma ação em face do mesmo empregador não se caracteriza suspeição, por conta do direito constitucional de ação, contido no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal. Defensor desta corrente, o Desembargador Décio Sebastião Daidone entende que:
“As pessoas que litigam contra o mesmo ex-empregador de seu colega, em cujo processo foi chamado a depor, não estarão impedidas ou suspeitas, pois o direito de ação, constitucionalmente garantido, não pode servir de entrave para o cumprimento de uma obrigação e dever de cidadão, principalmente quando se compromissar com a verdade, sob as penas da lei, a menos que esteja evidente o interesse de um e de outro em se protegerem reciprocamente. Caso contrário, basta um empregador dispensar todos os seus empregados para que estivesse a salvo de qualquer prova testemunhal contrária aos seus interesses, pois todos estariam litigando contra ele, em processo distintos”. (DAIDONE, Décio Sebastião. Direito Processual do Trabalho: Ponto a Ponto. 2ª Edição. São Paulo: LTr, 2001, p. 216).
O Tribunal Superior do Trabalho tentou amenizar a discussão, por meio da Súmula 357 aduzindo "Não torna suspeita a testemunha o simples fato de estar litigando ou de ter litigado contra o mesmo empregador.".
Quanto ao entendimento jurisprudencial, destaca-se que o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior do Trabalho têm acolhido a alegação de suspeição da testemunha que litiga contra o empregador na hipótese de constatação de "troca de favores", a exemplo dos precedentes: STF-RE-220329/MT, TST-RR-779678/01 e TST-RR-520685/98.
Ainda, o TST, no julgamento do AIRR nº 364401720065170121 decidiu que a testemunha que litiga contra o mesmo empregador não é considerada suspeita. Todavia, a aplicação da Súmula 357 do TST tem sido mitigada quando há troca de favores entre a parte e a testemunha, de modo que uma depõe a favor da outra em ações movidas contra o mesmo empregador e com idênticos objetos. Não se trata, portanto, de suspeição simplesmente pelo fato de litigar contra o mesmo empregador, mas de haver idêntico objeto, com a gravidade de estar configurada a troca de favores mediante testemunhas que depõem uma em favor da outra, restando afastada a incidência do verbete sumulado.
Neste contexto, o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, nos autos do Processo nº 00021106020125020263, decidiu que:
“Confirmado que a testemunha do reclamante tinha ação contra a reclamada e que o reclamante foi testemunha dela naquele processo, fica caracterizado o interesse no litígio o que autoriza o deferimento da contradita oposta pela outra parte. Este entendimento não viola o direito de defesa e apenas garante que a prova testemunhal seja formada por pessoas isentas e neutras. É evidente que o depoente não teria a necessária isenção de ânimo para depor em processo movido por quem foi sua testemunha."
Ainda, para o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, é suspeita a testemunha que se beneficiou do depoimento do reclamante em sua própria reclamatória, pois nesse caso há, no mínimo, um sentimento de gratidão com aquele que depôs em seu favor, a afastar a aplicação da Súmula 357 do TST, que reconhece o direito subjetivo de ação mas não acoberta a troca de favores (Processo RO 15688/00. Relator Juiz Rogério Valle Ferreira. Publicado em 03.02.2001).
Por sua vez, o Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região vem firmando seu entendimento com base no exposto na Súmula 357 do TST, não aceitando a contradita por troca de favores, conforme trecho do Acórdão lavrado nos autos do processo nº 0007350-08.2011.5.12.0030, de relatoria do Juiz Reinaldo Branco de Moraes, publicado em 29.05.2015:
“Considerando o entendimento consolidado do Tribunal Superior do Trabalho exposto na Súmula n. 357 e a interpretação dessa extraída no sentido que "Pedidos semelhantes e até mesmo o fato de terem figurado como testemunhas recíprocas não revelam, por si, interesse na solução do litígio" ou mesmo "troca de favores", revela-se aconselhável adotar aquele posicionamento a fim de prevenir eventual nulidade por cerceamento na produção da prova, sem prejuízo da valoração da prova por ocasião do julgamento da causa, conforme o convencimento motivado do julgador.”
Como se pode notar, a questão envolvendo a suspeição por troca de favores está longe de ser pacificada. Embora com posicionamentos controvertidos a respeito da suspeição por troca de favores, ou não, deve ficar claro que a testemunha que simplesmente propõe ação contra o mesmo empregador não deve ser declarada suspeita por suposta troca de favores. Diferente da testemunha que propõe ação com objeto idêntico, porque nesta hipótese é notório o interesse jurídico da testemunha em obter êxito com a procedência da ação.
Não se trata de má-fé da testemunha, mas apenas de interesse jurídico na causa, o que por si só descaracteriza o seu depoimento, pois inexistente a isenção de ânimo.
A denominada troca de favores, em que a testemunha de um processo é a parte autora em outro, com a plena intenção de beneficiar-se do depoimento em seu favor, é circunstância apta a descaracterizar a isenção de ânimo de que deve dispor a testemunha, em afronta ao disposto na Súmula 357 do TST, evidenciando-se a suspeição da testemunha.
Segundo o ensinamento de Marcelo Rodrigues Prata “ao juiz, sem embargos, não lhe é facultada a ingenuidade. Ele deve perquirir se há identidade de objeto e de causa de pedir entre a reclamação da testemunha e da parte. Isso se verificando, haverá de ser ainda mais circunspecto ao analisar o depoimento. Visto que poderá existir um real interesse na causa por parte do depoente”. (PRATA, Marcelo Rodrigues. A Prova Testemunhal no Processo Civil e Trabalhista. São Paulo: LTr, 2005, p. 213).
Dessa feita, o direito constitucional de ação não deve ser declarado absoluto pelo Julgador, mas, sim, relativizado perante o caso concreto, uma vez que se deparando o Julgador com a contradita da testemunha deve apreciá-la e valorá-la caso a caso, concluindo pela existência de prova inequívoca de troca de favores. Ausente tal prova, não há que se falar em suspeição.