A nova sistemática da pensão por morte ao cônjuge:

Violação à dignidade humana e retrocesso social

Exibindo página 2 de 4
Leia nesta página:

3. O BENEFÍCIO PENSÃO POR MORTE E A MEDIDA PROVISÓRIA (MPV) Nº 664

3.1 – A pensão por morte no R.G.P.S.

Como visto anteriormente, um dos eventos cobertos pela Previdência Social é a morte do segurado, risco social protegido pelo benefício denominado como da pensão por morte previdenciária.

De acordo com José Manuel Almansa Pastor (1977, VOL II, p. 87), o primado da proteção decorrente da pensão é a proteção em face do falecimento e o da sobrevivência. Diz o autor que o falecimento gera gastos com o enterro, sepultamento, e outros ônus decorrente da morte, enquanto a sobrevivência consiste na situação de necessidade em que os dependentes possuíam em relação ao instituidor. Com base no nosso ordenamento jurídico, a pensão por morte nada mais é do que a contraprestação da previdência, garantida ao dependente do segurado. Nas palavras de Marcos de Queiroz Ramalho (2010: p.63), a pensão por morte é um benefício tipicamente familiar voltado ao sustento dos dependentes do segurado.

Possui fonte matriz no artigo 201, inciso I da Constituição federal e é regulamentado pela Lei nº 8.213/1991, em seus artigos 74 usque 79, pelo Decreto nº 3.048/1999, nos seus arts. 105 a 115. No âmbito administrativo, o INSS elaborou a Instrução Normativa INSS PRES 77/2015, que regulamenta a matéria a partir do artigo 364.

O benefício em questão, na prática, destina-se a garantir ao dependente a manutenção da condição econômico-financeira que lhe era proporcionada pelo segurado.

Amado (2012, p. 581), ao analisar o benefício em comento, o define como

[...] benefício previdenciário dos dependentes dos segurados, assim consideradas as pessoas listadas no artigo 16, da Lei nº 8.213/91, devendo a condição de dependente ser aferida no momento do óbito do instituidor, e não em outro marco, pois é com o falecimento que nasce o direito.

A Lei nº 8.213/91, por meio de seu art. 16, com a nova redação dada pela Lei 11.146/2015, divide os dependentes em três castas distintas, em conformidade com os incisos de tal dispositivo, a saber: inciso o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; inciso II: os pais; e o inciso III: o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave.

Cabe salientar que a dependência econômico-financeira para fins previdenciários é flexibilizada em razão de cada uma das classes que a compões. A primeira casta é beneficiada por uma presunção absoluta (jure et de jure) de dependência econômica, não tendo que se falar na possibilidade de se provar em sentido contrário. Nas demais castas, a presunção de dependência deverá ser devidamente comprovada, nos termos do § 4º do citado 16, já que desprovida desta presunção. Isto sem prejuízo da exclusão das classes seguintes em razão da existência de classes anteriores (art. 16, § 1º).

Várias são as hipóteses em que se observa o termo inicial do benefício. De acordo com o art. 74 da Lei n° 8.213/91, alterada pela Lei 13.143/15, apontam-se três momentos distintos a serem considerados: a data do óbito, se o requerimento for realizado até noventa dias depois deste (inciso I)[3]; a data da entrada do requerimento – DER – quando realizado após tal prazo (inciso II); ou, ainda, da decisão judicial, quando o óbito vier a ser declarado por sentença, em caso de morte presumida (inciso III). A competência para prolação desta sentença declaratória é da Justiça Federal, conforme decisão proferida pelo Superior Tribunal no CC nº 20.120 (AMADO, 2012, p. 585).

Até aqui, não há qualquer ofensa ao à vedação ao retrocesso social, tampouco da dignidade da pessoa humana, ao contrário, a Lei 13.143/15 conferiu maior amplitude ao dependente, pois ampliou o conceito de invalidez nos incisos I e III e ampliou o prazo para a apresentação da entrada do requerimento administrativo para delimitar a DIB.

3.2 – A MPV 664

Como será após transcrito, observar-se-á que a edição da MPV nº 664, convertida na lei nº 13.135/15, acarretou profundas alterações no instituto em estudo.

Inicialmente, vale ressaltar que essa Medida Provisória previa uma exigência mínima de carência (número mínimo de contribuições mensais necessárias para que o beneficiário fizesse jus ao benefício) de 24 meses para o gozo do benefício. De acordo com a E.M.I. 00023/2014 MPS MF MP, que justificava a edição da MP, a instituição de carência configurava-se necessária; pois, a ausência de tal requisito permitiria:

[...] que o recolhimento da contribuição, pelos dependentes, em nome do segurado, possa ocorrer, até mesmo, após a morte do segurado, pois o prazo de pagamento da contribuição previdenciária ocorre somente no mês seguinte à competência que deu origem ao fato gerador tributário. [...]

Ocorre que, quando da conversão da MP na citada lei, tal alteração fora extirpada e, desta forma, o benefício continua a ser concedido sem a necessidade do cumprimento de qualquer carência para tanto (nos termos do inc. I, art. 26 da Lei nº 8.213/91).

A partir de 30.12.2014 o dependente indigno não terá mais direito à pensão por morte caso seja condenado à crime doloso[4] de que tenha causado a morte do segurado/instituidor. Assim, no artigo 74, §1º da Lei 8.213/91, regulamentado pelo Memorando Circular conjunto nº 1 DIRBEN/PFE/DIRAT/INSS regulamenta tal procedimento. Vale salientar que o dependente indigno não possui o mesmo conceito de herdeiro indigno previsto no Código Civil, tendo em vista, a especialidade do tema.

Porém, a Lei nº 13.135/15 manteve a alteração inserida pela MPV nº 664, que fixou novos requisitos para que o beneficiário fizesse jus à benesse. Além disso, estabeleceu termo final para o percebimento das prestações pelo cônjuge/companheiro, aniquilando a vitaliciedade que se denotava pela redação anterior do art. 77 da Lei nº 8.213, uma vez que a pensão se extinguia somente com a morte do(a) pensionista.

Alguns comentários desatentos da mídia conceituam esta nova exigência do artigo 77 como carência para o recebimento do benefício. Grosseiro este equívoco. Isto porque o artigo 26, inciso I da LB mantem a dispensa da carência para pensão por morte, e mais: a alínea “b” do inciso V do § 2º do artigo 77 estabelece condições específicas para a manutenção da qualidade de dependente do RGPS no que tange a duração do benefício. 

Com efeito, o novo regramento conferiu ao § 2º do art. 77, nova redação, que passou a vigorar com o inciso V, com o seguinte teor:

Art. 77. A pensão por morte, havendo mais de um pensionista, será rateada entre todos em parte iguais. 

§ 2o. O direito à percepção de cada cota individual cessará:  

V - para cônjuge ou companheiro:

a) se inválido ou com deficiência, pela cessação da invalidez ou pelo afastamento da deficiência, respeitados os períodos mínimos decorrentes da aplicação das alíneas “b” e “c”;

b) em 4 (quatro) meses, se o óbito ocorrer sem que o segurado tenha vertido 18 (dezoito) contribuições mensais ou se o casamento ou a união estável tiverem sido iniciados em menos de 2 (dois) anos antes do óbito do segurado;

c) transcorridos os seguintes períodos, estabelecidos de acordo com a idade do beneficiário na data de óbito do segurado, se o óbito ocorrer depois de vertidas 18 (dezoito) contribuições mensais e pelo menos 2 (dois) anos após o início do casamento ou da união estável:

1) 3 (três) anos, com menos de 21 (vinte e um) anos de idade;

2) 6 (seis) anos, entre 21 (vinte e um) e 26 (vinte e seis) anos de idade;

3) 10 (dez) anos, entre 27 (vinte e sete) e 29 (vinte e nove) anos de idade;

4) 15 (quinze) anos, entre 30 (trinta) e 40 (quarenta) anos de idade;

5) 20 (vinte) anos, entre 41 (quarenta e um) e 43 (quarenta e três) anos de idade;

6) vitalícia, com 44 (quarenta e quatro) ou mais anos de idade.

Assim, o primeiro grande impacto ocasionado pela alteração legislativa foi a criação de requisito consubstanciado na exigência de dezoito contribuições versadas pelo segurado para conferir ao beneficiário o percebimento das prestações por período superior a quatro meses. Veja que não há como caracterizar mencionada exigência como carência, eis que, mesmo sem a implementação desta, há concessão do benefício com caráter temporário. Ainda, observe-se que este benefício com caráter temporário é também concedido ao cônjuge ou companheiro cuja relação conjugal tenha se iniciado há menos dois anos, antes do óbito, mesmo que implementadas as dezoito contribuições.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Seguindo, caso o segurado tenha versado dezoito contribuições mensais, e o relacionamento (marital ou de convivência) tenha se estabelecido há pelo menos dois anos, criou o legislador critério etário para fixar o termo a quo do benefício, exceto nas hipóteses de acidente de trabalho e invalidez para o trabalho do segurado antes de tal lapso de tempo, gerando lesão ao direito da intimidade das pessoas. A justificativa do Poder Público de que a nova regra serve para elidir situações fraudulentas só reafirma de que há uma presunção de má-fé por parte dos dependentes que se casam somente para usufruir da benesse garantida. Não se pode olvidar de que a má-fé deve ser comprovada e não presumida, como fez o legislador ordinário. Assim, caminhou bem o legislador ao prever no § 2º do artigo 74 que perderá o direito à pensão por morte o casamento simulado, fraudulento, ou realizado com o fim exclusivo de constituir o benefício previdenciário.

Portanto, para fins previdenciários, a afinidade familiar e a relação de dependência do cônjuge com o instituidor foi arbitrariamente fixada pela legislação em apenas 2 anos. O legislador instituiu de maneira positivada o lapso temporal pela qual se reconhece a família como núcleo de relação de dependência, contrariando o valor estampado no artigo 226 da Constituição Federal.

Conforme o supracitado dispositivo, possuindo o cônjuge (e para simplificar, daqui por diante, ao ler cônjuge, entenda-se também o companheiro) menos de 21 (vinte e um) anos na data do óbito, terá direito de perceber o benefício pelo prazo de três anos.

Havendo idade compreendida entre 21 (vinte e um) e 26 (vinte e seis) anos, perceberá a benesse pelo prazo de seis anos. Entre os 27 (vinte e sete) e 29 (vinte e nove) anos, pelo prazo de dez anos.

A partir deste marco surgem os problemas da alteração legislativa em questão. Estabeleceu a novel legislação que o cônjuge que possuir, na data do óbito do segurado, entre 30 (trinta) anos de idade e 40 (quarenta) anos, perceberá o benefício pelo prazo de quinze anos. Se com idade compreendida entre os 41 (quarenta e um) aos 43 (quarenta e três) anos, perceberá o benefício pelo prazo de vinte anos. Torna-se vitalícia somente ao cônjuge com idade igual ou superior a 44 (quarenta e quatro) anos.

Veja que o dependente iniciará o recebimento do benefício aos 30 (trinta) anos, estando amparado até os 45 (quarenta e cinco) anos. Se iniciar aos 40 (quarenta), até os 55 (cinquenta e cinco). E se com 43 (quarenta e três) até os 63 (sessenta e três).

De se apontar que, quando os beneficiários-dependentes atingem a idade em que mais necessitam de amparo, em razão de ser acometidos por patologias, por exemplo, encontrar-se-ão completamente desamparados pelo Estado, fato este que, como será demonstrado por meio da análise aqui proposta, afronta direitos constitucionais deste segurado.

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Luiz Pancotti

Advogado em Araçatuba (SP). Consultor jurídico. Professor de Direito das Relações Sociais da UNIMEP. Especialista em Direito Processual – PUC/SP. Mestre em Direitos Difusos e Coletivos – UNIMES/SANTOS. Doutorando em Direito Previdenciário na PUC/SP.

Thiago Medeiros Caron

Pós-graduando (latu sensu) em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Univem, pós-graduado (latu sensu) em Obrigações, Contratos e Mecanismos Processuais pelo Instituto Municipal de Ensino Superior de Assis – IMESA, Unidade de Ensino Fundação Educacional do Município de Assis – FEMA, em parceria com a Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho – UNESP, Campus de Franca-SP, pós-graduado (latu sensu) em penal e processo penal pela UEL – Londrina/PR, graduado em Direito pela UNIP – Campus Assis/SP, Conselheiro de Direitos e Prerrogativas da 11º Região da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos