O consórcio: uma modalidade de cooperação mercantil

22/02/2016 às 18:51
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A expressão consórcio é de uso corrente e exprime sempre a ideia (conforme à etimologia) de uma união para um fim comum. É certo que o consórcio não visa criar qualquer nova pessoa jurídica e seguramente não é essa a vontade dos associados.

SUMÁRIO

 

Introdução 2. Dos contratos: generalidades 3. Conceito de consórcio mercantil 4. Sujeitos do contrato de consórcio 5. Forma do contrato 6. Consórcio e sociedade 7. Formação do consórcio 8 Modalidades de consórcio 8.1 Consórcios externos 8.2 Consórcios internos 9. Falta de autonomia institucional do consórcio 10. Participação nos lucros 11. Conclusão 12. Referências 13. Bibliografia

 

Introdução

Nos dias que correm, a complexidade das relações empresarias leva a que os agentes comunguem esforços para a obtenção de resultados comuns.

Uma das modalidades por excelência para quem não quer criar uma pessoa jurídica nova mas quer se associar a outro no sentido de participar numa actividade em partilha de recursos para atingir um objectivo comum, o consórcio é o meio mais adequado.

Em Moçambique uma das áreas de negócios que recorre largamente à figura do consórcio é a da construção civil e obras públicas; sendo frequente que várias empresas se unam para realizarem coordenadamente (e para, previamente, apresentarem propostas a concurso) uma empreitada, a figura contratual hoje talvez mais usada para realizar tais uniões é a do consórcio1.

Muitas vezes não fica claro se o contrato de consórcio, concebido com um contrato mercantil, não se distingue do próprio contrato de sociedade. Quando se fala de contrato de sociedade tem-se em conta o tripé estatuído no artigo 980. Do C. Civil: (i) a contribuição dos sócios, (ii) o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, e (iii) a repartição de lucros. A partida estes elementos encontramo-los também no contrato de consórcio.

O objectivo desta apresentação é pois analisar os traços identitários do contrato de consórcio no sentido de apurar se tratar-se-á o consórcio de um contrato de sociedade transvertido ou antes de um contrato entre sociedades.

Esta discussão é de importância capital no nosso país, atento as consequências que amiúde advém para as partes envolvidas nas relações contratuais e no domínio da assunção das responsabilidades em relação a terceiros.

Assim, e tendo em conta o âmbito da presente apresentação, optou-se por fazer uma abordagem descritiva sobre a legislação e doutrina de interesse, sem contudo, pretender longas exegeses de um tema importante no domínio mercantil.

A análise focar-se-á na conceptualização do que seja o consórcio em contraposição a sociedade, tendo em conta os seus elementos caracterizadores. Deste modo, apreciaremos a fundo os sujeitos do contrato, formas do contrato e modalidades do contrato.

Por uma questão de metodologia expositiva, o trabalho é apresentado de modo contínuo observando a enumeração correspondente.

 

2. Dos contratos: generalidades

Sempre que duas ou mais pessoas se vinculam concomitantemente em direitos e obrigações temos um contrato. Para que haja um contrato2 é preciso que haja:

-  licitude do objecto

-  capacidade das partes

-  observância de forma

A licitude do objecto tem a ver com o que a lei permite, ou seja o que não é proibido (artigo 280.º do C. Civil).

A capacidade das partes decorre de um princípio fundamental de direito. Os sujeitos das relações jurídicas tanto podem ser pessoas físicas ou jurídicas, com capacidade para se vincular. Neste sentido, decorre que a capacidade em direito divide-se em capacidade de gozo (a susceptibilidade para ser titular de direitos subjectivos) e a capacidade de exercício (a aptidão para exercer direitos e contrair obrigações sem assistência nem representação de terceiros).

A forma é o conjunto de sinais através dos quais manifesta-se o consentimento das partes na celebração do contrato. Para alguns tipos contratuais a lei exige uma forma específica de celebração. O principio, porém, é a liberdade de forma como expressão máxima da autonomia da vontade (artigo 219.º do C. Civil).

Diz-se assim contrato3 “o acordo vinculativo assente sobre duas ou mais declarações de vontade (oferta ou proposta, de um lado; aceitação, do outro), contrapostas mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma composição unitária de interesses”. Quando esse contrato resulta em certas características, ganhando unicidade e se exprimindo de forma orgânica, temos uma sociedade. As sociedades, em princípio, quando obedecem às obrigações de formalização e registo, têm personalidade jurídica e passam a ser sujeitos de direitos e obrigações.

Entre o contrato que não é ainda sociedade e a sociedade constituída temos um tipo de acordo híbrido. Esse acordo é o consórcio.

 

3. Conceito de consórcio mercantil

O termo consórcio deriva do latim consortium significando parceria, associação ou sociedade e deriva de consors, parceiro, formada por con (junto), e sores (destino), significando proprietário de meios ou parceiro. É a combinação, associação, reunião ou comunidade de bens designando aquele que participa, que partilha, companheiro.4

Entre as fontes normativas a considerar no estudo do consórcio encontra-se no essencial o C. Comercial, aprovado pelo Decreto n.º 2/2005, de 27 de Dezembro.

O Título II do Livro III dos contratos e obrigações mercantis estabelece no Capítulo IX o contrato de consórcio.

            É o artigo 613.º do C. comercial que dá a definição legal do consórcio:

“O consórcio é o contrato pelo qual duas ou mais pessoas, singulares ou colectivas, que exerçam uma actividade económica se obrigam reciprocamente, de forma concertada, a realizar certa actividade ou efectuar certa contribuição com o fim de prosseguir qualquer dos seguintes objectos:

a)    realização de actos materiais ou jurídicos, preparatórios quer de um determinado empreendimento quer de uma actividade contínua;

b)  execução de determinado empreendimento;

c)    fornecimento a terceiros de bens, iguais ou complementares entre si, produzidos por cada um dos membros do consórcio;

d)  pesquisa ou exploração de recursos naturais;

e)     produção de bens repartíveis, em espécie, entre os membros do consórcio.”

Desta definição avulta o entendimento de que o consórcio refere-se a um contrato de cooperação. Ele é, segundo Milton Vieira da Silva5, baseado na múltipla cooperação, e funciona na medida em que todos os participantes cumpram sua parcela de obrigação, desta forma, ele congrega pessoas diferentes em torno de objectivos comuns.

O consórcio é adequado a consubstanciar os acordos de cooperação entre empresas que na gíria internacional dos negócios são designados por unincorporated joint ventures6.

Importa determinar se os objectivos elencados no artigo supra tem carácter taxativo ou exemplificativo.

A enumeração é taxativa7. A parte final do n.º 1 do artigo 613.º do C. Comercial assim o indica literalmente. Nem seria aceitável que o legislador fornecesse uma enumeração exemplificativa sem indicar alguma espécie de critério genérico que servisse de guia orientador para as hipóteses não contempladas.

A razão da taxatividade consiste em ter o legislador entendido que a estrutura jurídica que oferece aos interessados no contrato de consórcio é apenas adequada, e por isso só deve ser utilizada quando ocorrerem as circunstâncias subjacentes à enumeração legal: o carácter preparatório, o carácter determinado ou momentâneo, a possibilidade de reunião de bens produzidos pelos contraentes e a possibilidade de repartição em espécie dos bens produzidos.

 

4. Sujeitos do contrato de consórcio

Sujeitos de contrato de consórcio são duas pessoas ou mais pessoas, singulares ou colectivas, que exercem uma actividade económica.

Dois é o número mínimo de sujeitos. O que não se aceita é um contrato de consórcio unipessoal, não havendo, neste aspecto, qualquer semelhança com o contrato de sociedade.

Não estabelece a lei nenhumas restrições quanto às actividades económicas exercidas pelos sujeitos, as quais podem ser de qualquer natureza ou espécie, tanto em si mesmas como relativamente umas às outras, não sendo exigível nem igualdade nem sequer conexão.

Irrelevantes são também as diferenças de dimensão das empresas. Pequenas, médias, grandes empresas podem celebrar estes contratos com outras de igual ou diferente dimensão.

A personalidade colectiva é referida genericamente e a única limitação resulta da actividade económica a exercer pela pessoa colectiva. Desde que esta exerça uma actividade económica não há distinções a fazer. As empresas públicas, por exemplo, podem ser sujeitos de contratos de consórcio ou com outras empresas públicas ou com entidades privadas.

 

5. Forma do contrato

Em regra o contrato de consórcio está sujeito apenas a forma escrita (artigo 614.º, n.º 1 do C. Comercial). Esse “apenas” é na verdade desnecessário sendo que explica-se somente por contraposição à hipótese excepcional prevista na parte final do dispositivo citado. O contrato de consórcio celebrado sob a forma oral é nulo.

Excepcionalmente, a validade do contrato de consórcio depende da celebração por escritura pública se entre os membros do consórcio houver transmissão de imóveis, nos termos gerais dos negócios jurídicos para este tipo de bens.

O n.º2 do artigo 614.º do C. Comercial aplica o princípio da conservação do negócio jurídico8, procurando evitar a nulidade total resultante da falta de escritura pública. Por força do artigo 292.º do C. Civil, a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada; a falta de escritura pública não determina a nulidade total do contrato se se mostrar que este teria sido celebrado mesmo sem a transmissão de bens imóveis determinante da necessidade de escritura pública, transmissão essa que nesse caso não se efectua. Além disso o contrato de consórcio pode ser válido, não obstante a falta de escritura pública se for possível, nos termos do artigo 293.º do C. Civil, operar a conversão da transmissão dos bens imóveis numa simples atribuição de uso desses bens. Neste caso, não há uma conversão de contrato de consórcio em contrato de tipo ou conteúdo diferente, mas apenas a conversão de parte do conteúdo dele.

 

6. Consórcio e sociedade

As diferenças entre o contrato de consórcio e de sociedade começam logo no conceito. O consórcio é feito por quem quer juntar esforços colectivos, mas não quer se tornar sócio.

Em relação aos efeitos legais também são distintos. Se nas sociedades o grupo constituído ganha uma identidade, no consórcio tal não acontece. O n.º 2 do artigo 613.º do C. Comercial é claro “O consórcio não tem personalidade jurídica”.

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Uma vez que o consórcio é um contrato, embora não seja de sociedade, vale a pena escalpelizar os elementos constitutivos do contrato de sociedade.

Desde logo o artigo 980.º do C. Civil define o contrato de sociedade como “aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa actividade”.

São três os requisitos do contrato de sociedade, a saber: a contribuição dos sócios, o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, e a repartição de lucros.

Por seu turno, assente nos artigos 100.º do C. Comercial se dois ou mais indivíduos , por qualquer meio, criarem a falsa aparência de que existe entre eles um contrato de sociedade responderão solidária e ilimitadamente pelas obrigações contraídas nesses termos.

A sociedade comercial adquire personalidade jurídica a partir da data do respectivo acto constitutivo (artigo 86.º do C. Comercial).

Da conjugação dos artigos 86.º e 100.º do C. Comercial sai o entendimento de que as sociedades podem existir, ainda que não registadas. O resultado, contudo, da falta de registo é a responsabilidade solidária entre os sócios.

O contrato de consórcio não está sujeito a qualquer tipo de registo. Não dando o consórcio lugar a uma nova entidade jurídica, não há qualquer razão que imponha o registo do contrato.

As características do contrato de sociedade referidas no artigo 980.º do C. Civil também ocorrem no consórcio.

Definido acima o contrato de consórcio é, porém, fácil distingui-lo do contrato de sociedade. As suas causas são diferentes. No contrato de sociedade, o exercício em comum de uma actividade com o fim de repartição dos lucros. No contrato de consórcio, a disciplina mediante uma organização comum de uma mesma actividade económica ou de actividades económicas comuns, exercida por dois ou mais empresários autónomos. Os consorciados não exercem em comum, mas sim individualmente, as suas actividades. A organização comum destina-se a conseguir, não uma repartição de lucros, mas uma vantagem consistente relativamente a cada um sofrer as mesmas restrições.

Outra diferença fundamental entre consórcio e sociedade é que aquele é celebrado visando a consecução de um determinado empreendimento ou a contratação com terceiro. Já na sociedade, os objectivos empresariais são amplos e duradoiros daí ela ser constituída, em princípio, por tempo indeterminado (artigo 96. do C. Comercial). No consórcio, o prazo de vigência será limitado pelo termo ou pelo término do empreendimento ou da contratação com terceiro (artigo 630. do C. Comercial).

Assim, sabendo-se que no consórcio não há intenção de criar uma sociedade, para que não se confunda com uma é necessário e fundamental a forma escrita, que pode ser meramente particular, salvo se outra for exigida pela natureza dos bens com que os membros entram para o consórcio (artigo 614, n.º 1 do C. Comercial). A falta de escritura pública só produz nulidade se for aplicável a parte final do artigo 292.º do C. Civil e não for possível aplicar o artigo 293.º do C. Civil.

Nas sociedades formais, que são regidas por documentos escritos e previstos em lei, a responsabilidade dos sócios é distinta da responsabilidade da sociedade. Nas informais, aquelas que não foram devidamente constituídas, a responsabilidade dos sócios é solidária e ilimitada em respeito às responsabilidades da sociedade.

Realmente, o que torna irregular a sociedade é a ausência de registo dos seus actos constitutivos, em razão do que não adquire ela personalidade jurídica. Consequentemente, os sócios se tornam responsáveis e solidários pelas obrigações sociais.

Em suma, a distinção principal entre o contrato de sociedade e de consórcio reside em haver no primeiro o exercício em comum de uma actividade e no segundo haver exercício individual mas concertado de actividades. Todas as outras diferenças entre os dois contratos reconduzem-se a esta, como seus corolários ou pressupostos.

 

7. Formação do consórcio

Assente no princípio de que o consórcio é um contrato de quem quer, de forma concertada, realizar certa actividade ou efectuar certa contribuição para um objectivo comum entende-se que o consórcio é formado para acumular meios para a prossecução de um fim comum (consórcio operacional), ou para somar recursos para contratarem com terceiros a execução de determinados serviços, obras, ou concessões (consórcio instrumental)9.

O consórcio decorre de um contrato celebrado entre duas ou mais sociedades com actividades em comum e complementares em vista a juntar esforços para a realização de determinado empreendimento, conforme o artigo 613.º, n.º 1 do C. Comercial.

O consórcio de que trata o C. Comercial tem carácter mercantil.

Nesse sentido, o consórcio não tem como finalidade constituir uma nova pessoa jurídica. A sua duração tende a ser sempre curta, determinada, coincidente sempre com o término de sua finalidade específica. A personalidade jurídica das contraentes jamais se confunde com o consórcio, pois o fim daquelas é muito mais abrangente e que possuem tempo de duração longo ou indeterminado.

Formam os consórcios, centros autónomos de relações jurídicas entre as consorciadas, tendo cada uma delas função diversa e identificada quanto aos meios, recursos e aptidões.

Também característica do consórcio é a sua autonomia administrativa.

O seu poder de agir se faz em nome das sociedades que o compõem. A sua autonomia se caracteriza pelo instrumento de mandato, decorrente do próprio contrato. Ocorre o mandato para que o consórcio possa exercer a sua capacidade negocial junto a terceiros.

A função do consórcio é permitir a colaboração empresarial em determinadas actividades sem que as consorciadas percam a sua personalidade jurídica ou assumam legalmente solidariedade pelas suas obrigações referentes ao consórcio. Sendo assim, o instituto do consórcio dá condições para que as consorciadas, em determinadas tarefas, participem apenas somando recursos técnicos e/ou financeiros, apenas temporariamente.

 

8. Modalidades de consórcio

Os consórcios podem ser classificados em externos ou internos.

 

8.1. Consórcios externos

Externos são aqueles que admitem o fornecimento de bens e serviços directamente a terceiros por cada um dos membros do consórcio (artigo 620.º do C. Comercial).

A lei impõe que nesta modalidade consorcial, deve a sociedade, por extenso ou em forma abreviada CE, fazer identificar-se como tal (artigo 622.º do C. Comercial).

Entre os membros do consórcio não se presume a solidariedade activa ou passiva. Vigora o princípio da não solidariedade na responsabilidade (artigo 624.º, n.º 2 do C. Comercial).

O consórcio não cria uma nova personalidade jurídica. Embora não dê origem a uma nova pessoa jurídica, as relações que os consórcios externos criam recomendam que eles sejam dotados de algum grau de organicidade. A lei prevê, assim, que, no caso de consórcio externo, um dos membros seja designado “chefe de consórcio” (artigo 624.º, n.º 1 do C. Comercial). Assim, quando alguém assina pelo consórcio o faz porque tem permissão contratual para tanto. Quando a organização actua em consórcio é responsável somente pelos seus actos e pelas obrigações que assumiu face aos outros consorciados.

Assim, por exemplo, se a obrigação de uma das consorciadas é captar recursos para aplicar no projecto que motivou o consórcio e, a de outra consorciada é executar o projecto, o financiador pode exigir de quem captou a aplicação dos recursos no projecto, mas não a execução dele, que somente pode ser exigida relativamente a quem se obrigou no consórcio a executar o projecto.

A doutrina classifica ainda entre consórcio aberto e fechado.

Aberto é aquele que admite a entrada de uma nova sociedade que queira fazer parte do consórcio no decorrer do prazo de sua duração.

É no contrato consorcial que devem estar claramente as hipóteses de ingresso e dos requisitos, de carácter objectivo e subjectivo, que a sociedade ingressante deverá preencher e se submeter. Inexistindo algum desses quesitos, ocorrerá o veto da entrada.

De outro modo, só com concordância unânime de todos os membros do consórcio haverá lugar à admissão de novo consorciado (artigo 626.º, n.º 1 do C. Comercial).

 

8.2 Consórcios internos

O consórcio interno é, nos termos do artigo 628.º do C. Comercial, aferido quando:

a)   as actividades ou os bens são prestados ou fornecidos a um dos membros do consórcio e só este estabelece relações com terceiros;

b)  as actividades ou os bens são prestados ou fornecidos directamente a terceiros por cada um dos membros do consórcio, sem expressa invocação dessa qualidade.

 

9. Falta de autonomia institucional do consórcio

Já dissemos que o consórcio não cria uma nova pessoa jurídica. O consórcio não tem património próprio, nem rendimentos próprios; os "seus" proveitos e custos são, na verdade, proveitos e custos dos seus membros. Traduzido na óptica contabilística, significa isto que os consórcios "não emitem facturas", são os seus membros individualmente que o fazem.

 

10. Participação nos lucros

Tratando-se de entidades empresariais que cooperam para a prática de uma actividade ou serviço, o lucro é o fim último.

Os lucros resultantes das actividades do consórcio são, de acordo com os artigos 623.º e 629.º do C. Comercial, considerados dos seus membros e devem ser repartidos de acordo com o estatuído no contrato de consórcio. No silêncio do contrato, a repartição deverá seguir a proporção de cada consorciado no empreendimento.

Uma vez que o contrato pode não originar lucros, mas é susceptível a perdas, a lei acautela a participação de cada contraente nas perdas até ao limite da sua contribuição (artigo 629.º, n.º 3 do C. Comercial).

 

11. Conclusão

O consórcio é um meio de se organizar iniciativas orgânicas entre sociedades, sem que se estabeleça entre elas outro vínculo social. É especialmente adequado aos projectos, para captar e aplicar recursos sem que esses se confundam com os recursos e actividades próprias e distintas de cada organização. O incremento na capacidade negocial de quem compõe um consórcio é sempre um factor importante para a implementação de projectos frente a terceiros, deixando os componentes mais competitivos.

Ainda que o consórcio seja constituído por pessoas jurídicas do tipo sociedade para o exercício em comum de certa actividade ou serviço e estatuindo repartir lucros, não se pode confundir o contrato de consórcio com o de sociedade.

No consórcio as empresas unem-se de um fim comum, mas cada uma conserva a sua personalidade jurídica. Terminado o serviço o consórcio se extingue ou se dissolve. As sociedades, por seu turno, são constituídas em princípio ad aeternum.

A expressão consórcio é de uso corrente e exprime sempre a ideia (conforme à etimologia) de uma união para um fim comum. É certo que o consórcio não visa criar qualquer nova pessoa jurídica e seguramente não é essa a vontade dos associados.

Visa o consórcio a cooperação entre parceiros para a obtenção de determinado fim sendo que a comunhão de esforços é o apanágio do contrato. Dessa característica decorre que não há no contrato de consórcio um lucro ou uma perda comum a partilhar pelos contraentes. Cada um destes retira do contrato uma vantagem própria e directa ou sofre directamente uma perda. Os resultados da actividade própria pertencem a quem a exerce. A colaboração a todos se obrigam; a forma concertada do exercício de actividades destina-se a favorecer as actividades de cada um, não a fundi-las.

No final do dia o interesse das partes é no domínio da liberdade contratual comungar esforços para a prossecução do mesmo fim, sem fazer nascer uma terceira pessoa jurídica

 

12. Referências:

1 Num momento em que o país tem estado a descobrir recursos de subsolo, várias parcerias entre entidades nacionais e entre estas e estrangeiras tem concertadamente realizado actividades ou efectuado contribuições com o fim de explorar esses recursos. Vid., a propósito, http://www.jornaldenegocios.pt/empresas/detalhe/consorcio_da_galp_energia_faz_nova_descoberta_de_gas_na tural_em_mocambique.html, consultado em 22 de Novembro de 2013.

2  O contrato tem todos os elementos e requisitos próprios de um acto jurídico, nomeadamente elementos pessoais, reais e formais.

3  Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 6ª ed. p. 219.

4       In http://revistadireito.com/direito-comercial/contrato-consorcio-mercantil/, consultado em 23 de Novembro de 2013.

5   Inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor entre os consorciados. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 64, abr. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3904> Consultado em 23 de Novembro de 2013.

6     As joint ventures são muitas vezes formalizadas por meio da constituição de uma sociedade e da celebração simultânea de um acordo parassocial regulador de aspectos que, por um motivo ou outro, não é possível ou conveniente tomar como objecto do contrato de sociedade.

7   Sobre esta matéria, leia-se com mais propriedade Raul ventura, Primeiras Notas Sobre o Contrato de Consórcio, in http://www.estig.ipbeja.pt/ consultado em 23 de Novembro de 2013.

8 Esta matéria vem reproduzida do expendido por Raul Ventura, op. cit., in http://www.estig.ipbeja.pt/ consultado em 23 de Novembro de 2013.

9 In SABAGE, Fabrício Muniz. Grupo de sociedades e consórcios. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 53, 1 jan. 2002.  Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/2518>. Consultado em 25 de Novembro de 2013.

 

13. Bibliografia

BASTOS, Rodrigues, Código Civil, Almedina, Coimbra, 1996

       LIMA, Fernando Pires e VARELA, João de Matos Antunes, Vol. II, Código Civil Anotado, Almedina, Coimbra, 1968

SATURNINO, Eduardo, Colectânea de Legislação Comercial, CFJJ, Maputo, 2006

VARELA, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, Vol. VI, Almedina, Coimbra, 1996

VASCONCELOS, Paulo Alves de Sousa, O Contrato de Consórcio, Coimbra, Coimbra Editora, 1999 (n.º 36 da colecção Studia Iuridica do BFDUC)

 

Internet:

 

http://www.jornaldenegocios.pt/empresas/detalhe/consorcio_da_galp_energia_faz_nova_ descoberta_de_gas_natural_em_mocambique.html, consultado em 22 de Novembro de 2013.

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3904, consultado em 23 de Novembro de 2013.

http://www.estig.ipbeja.pt/ consultado em 23 de Novembro de 2013.

http://jus.com.br/artigos/2518, consultado em 25 de Novembro de 2013.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Sobre o autor
Carlos Pedro Mondlane

- Juiz de Direito em Maputo (Moçambique);- Formador no Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ); - Membro do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ);- Membro da Associação Moçambicana de Juízes (AMJ); - Promotor de Direitos Humanos;- Mestre em Direito Empresarial pela Universidade Católica de Moçambique - Licenciado em Direito pela Universidade Eduardo MondlaneAutor de:- Lei de Promoção e Protecção dos Direitos da Criança, Anotada e Comentada- Código de Processo Civil, Anotado e Comentado- Colectânea dos 15 Anos da Lei de Terras: Venda de Terra em Moçambique: Mito ou Realidade?- Manual Prático dos Direitos Humanos (no prelo)

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