1. Introdução 2. Os órgãos das sociedades comerciais. Classificação 2.1 Os órgãos sociais 2.2 Classificação dos órgãos 2.2.1 Critério de número de titulares 2.2.2 Critério das funções dos órgãos 3. Deliberações sociais 3.1 Generalidades 3.2 Conceito jurídico 4. O Voto 5. Processo deliberativo 5.1 Convocação e funcionamento 5.2 Formas de deliberação 5.2.1 Deliberações tomadas em Assembleia-geral convocada e deliberações tomadas em assembleia universal 5.2.2 Deliberações unânimes por escrito 6. A natureza jurídica das deliberações sociais 7. Conclusão 8. Referências 9. Bibliografia
1. Introdução
Para quem estuda as Deliberações Sociais, um dos temas de interesse é, sem dúvidas, a “Definição e Natureza Jurídica das Deliberações Sociais”.
Trata-se de uma apresentação preambular para o que se pretende, uma vez que qualquer discussão em torno desta matéria passa por se ter bem precisados os conceitos da figura em apreço e a sua natureza jurídica.
A verdade é que a manifestação interna e externa de qualquer sociedade é feita, em última análise, na sequência de deliberações tomadas pelos sócios.
As deliberações sociais, no seu conteudo, podem ser afectadas pelo voto, ou em violação flagrante da lei ou dos estatutos, ou ainda pelo exercício abusivo do voto que, deixando de ser usado para o fim destinado, provoca situações concretas em que, contrariando o interesse social, a sociedade ou um ou mais sócios sofrem um dano injusto ou ilegal. Tratando-se de situações ostensivamente injustas ou ilegais, o direito não pode consenti-las, justificando-se por isso necessidade de conceber e atribuir os instrumentos normativos para melhor acautelar os interesses em crise.
Sem ser precisamente este o objecto da apresentação que segue, é importante, ainda assim, ter os conceitos rigorosamente aprendidos. E é assim que nos propomos dissertar em torno do que são as diliberações sociais e a sua natureza jurídica, em atenção ao interesse social prosseguido.
Assim, e tendo em conta o âmbito da presente apresentação, optou-se por fazer uma abordagem eminentemente descritiva assente nas leis e na doutrina de interesse. Deste modo, a análise a realizar procurará em primeiro lugar incidir na legislação e doutrina em causa e transmitir, muitas das vezes, o ponto de vista do autor. E sempre que possível e adequadamente far-se-á o enquadramento legal necessário à sua cabal compreensão.
Depois, finalizando, retiraremos as conclusões mais significativas que decorrem dos conteudos propostos, destacando, desde já, que o conceito da deliberação social faz apelo aberto
à participação aberta dos sócios na vida da sociedade atentos aos princípios da boa fé, ao dever de lealdade e ao princípio da igualdade de tratamento dos sócios.
Por uma questão de metodologia expositiva, o trabalho é apresentado de modo contínuo observando a enumeração correspondente.
2. Os órgãos das sociedades comerciais. Classificação
2.1 Os órgãos sociais
Os órgãos sociais de uma sociedade constituem as entidades ou núcleos de atribuição de poderes que integram a organização interna da sociedade e através dos quais ela forma, manifesta e exerce a sua vontade de pessoa jurídica. Mas, segundo Pedro Maia1, vigora aqui o princípio da tipicidade: os órgãos com poderes deliberativos e força vinculativa são apenas aqueles que a lei prevê e no âmbito das respectivas competências.
São estes os órgãos sociais previstos no nosso ordenamento jurídico (artigo 127.º, n.º 1 do Código Comercial), através dos quais as soaciedades comerciais formam e manifestam a sua vontade: (i) a assembleia-geral; (ii) a administração; e (iii) o conselho Fiscal ou Fiscal único.
2.2 Classificação dos órgãos
Há vários tipos de órgãos classificáveis, segundo dois critérios:
2.2.1 Critério de número de titulares
- Órgãos singulares: composto por um só titular;
- Órgãos plurais ou colectivos: composto por dois ou mais titulares (assembleias,
conselhos, etc.).
2.2.2 Critério das funções dos órgãos
- Deliberativos: são órgãos que formam a vontade da sociedade, aprovando directrizes fundamentais que deverão ser acatadas pelos outros órgãos;
- De administração (também chamados executivos ou directivos): são os que praticam os actos materiais ou jurídicos de execução da vontade da sociedade.
- De fiscalização ou de controlo: são os que verificam a conformidade da actividade dos outros órgãos com a lei e os estatutos, denunciando as irregularidades que descubram.
Os órgãos sociais reconduzem-se a pessoas ou grupos de pessoas que são os titulares dos órgãos (art. 127.º, n.º 2 do Código Comercial).
Nos órgãos plurais, podem ainda distinguir-se quanto ao modo de funcionamento:
a) Sistema disjuntivo: quando cada um dos vários titulares pode exercer isolada e independentemente, por si só, as funções dos órgãos.
b) Sistema colegial ou conjuntivo: quando os diversos titulares devem agir colectivamente, segundo a regra da maioria ou até por unanimidade.
3. Deliberações sociais
3.1 Generalidades
O quotidiano de uma sociedade é marcado por decisões tomadas pelos seus administradores, pelo conselho, ou, dependendo da matéria a ser tratada, pelos próprios sócios. Independentemente da via pela qual se obtém a decisão, esta passará a ter influência no desenvolvimento da sociedade, trazendo reflexos às suas actividades habituais. A estas decisões, especialmente àquelas tomadas directamente pelos sócios, e principalmente em reunião ou assembleia, dá-se o nome de deliberações sociais.
Etimologicamente, a palavra deliberar, que deriva do latim (libra, æ = balança), exprime a ideia de ponderar, sopesar2. Certamente, a acepção literal do termo não é suficiente para determinar o seu significado jurídico, o qual não se limita a apenas ponderar aspectos relevantes de uma sociedade.
3.2 Conceito jurídico
Em sentido jurídico, a deliberação é decisão tomada pelos membros 3 que fazem parte de uma determinada sociedade. Na doutrina brasileira, nas palavras de Alfredo de Assis Gonçalves Neto4, “a deliberação tomada pela sociedade, por exemplo, é o resultado do somatório das vontades individuais de seus sócios, da mesma forma que o ato praticado pela sociedade, por intermédio da pessoa natural de qualquer de seus sócios é ato dela e não dele, que simplesmente atua como se fosse a própria sociedade”.
Em Portugal, segundo Pedro Maia5, “o conjunto dos sócios – órgão comum a todos os tipos de sociedade comercial – decide mediante deliberação”. Ainda assim, o mesmo autor afirma que asdeliberações assim consideradas não são somente aquelas tomadas em assembleia ou reunião desócios, e que “por ser assim, o Código também apelida de deliberações aquelas decisões tomadassem reunião de sócios, como é o caso das “deliberações unânimes por escrito e das deliberaçõespor voto escrito. Ponto é que, mais uma vez o dizemos, se trate de decisões imputáveis aoconjunto dos sócios, ou seja, ao órgão colectividade dos sócios”.
Para Pinto Furtado6, “a deliberação é reportada a um ente colectivo, cumprindo deste modoidentificá-la, numa primeira aproximação, como constituindo uma declaração colectiva.”
Carlos Olavo7 situa-se na mesma linha conceptual, pois para si “as deliberações sociaisconsistem no resultado da vontade dos titulares dos órgãos da pessoa colectiva, em termos deserem a esta normativamente imputáveis”, são, portanto, a materialização da vontade de umasociedade, não só a nível interno, mas também perante terceiros. Além disso, segundo o mesmoautor, essa vontade forma-se através de declarações singulares dos sócios, expressas pelos seusvotos, tomando a deliberação um determinado sentido, que representa a posição unitária dasociedade. No fundo, como também sintetiza Pedro Maia, as deliberações são “por um lado, actos dos sócios, por outro são actos da sociedade.”
Essa declaração colectiva é frequentemente definida pela doutrina como uma declaração devontade, que é certamente a definição mais corrente do termo, porém não a única.
A deliberação social pode ser compreendida, portanto, como uma decisão internamente tomadapela sociedade, que pretende estabelecer directrizes, regras de conduta, determinar, alterar oucorroborar actos praticados pela própria sociedade, pelo que deverá ser externada para que possasurtir os efeitos desejados. Neste sentido, “como a pessoa jurídica não tem existência física quelhe permita agir no mundo exterior, é preciso que sirva de pessoas naturais para produzir aexteriorização dos seus actos e manifestações”8. Não obstante a existência do administrador, aíse insere a necessidade da presença dos sócios, determinando as directrizes a serem adoptadaspor esta pessoa jurídica da qual fazem parte. De toda forma, os sócios agem como peças quecompõem a estrutura societária, pelo que é perfeitamente admissível que o direito construa uma vontade colegial tendo por sujeito efectivo o próprio ente colectivo em cujo seio se gerou atravésde um processo para o efeito estabelecido.
Percebe-se que, para que esta vontade, tida como colegial, porém da própria sociedade, sejaválida perante o mundo exterior, é essencial que os sócios a manifestem e concretizem. Fundamental é, portanto, a participação dos sócios nos procedimentos deliberativos, queculminam na expressão da vontade da sociedade como um todo.
A legislação nacional estabelece a obrigatoriedade da participação dos sócios na deliberação dedeterminadas matérias, pelo que para estas não é suficiente apenas a decisão do órgão administrador da sociedade. Conforme Pedro Maia9, “não se pretende sustentar que os sóciosdetêm todos os poderes sociais, mas apenas que as mais importantes e decisivas matérias na vidada sociedade foram, em regra, inscritas na sua esfera de competência”, pelo que se transfere aossócios o dever de determinar a posição a ser adoptada frente a determinadas situações previstasna legislação ou nos actos societários da sociedade.
4. O Voto
Estabelece o artigo 104.º, n.º 1, al. b) do Código Comercial que todo o sócio tem direito aparticipar nas deliberações de sócios, sem prejuízo das restrições previstas na lei. Daqui decorreque as deliberações das assembleias gerais são tomadas por votos dos sócios que nelasparticipam, e que assim vem consagrado o direito de voto como direito corporativo geralinderrogável e, em princípio, irrenunciável que lhes atribui o dispositivo em apreço.
Segundo Pupo Correia10 , o voto em si próprio constitui uma manifestação ou declaração devontade do sócio, que se conjuga com outras declarações de vontade homólogas para a formaçãode um acto colectivo: a deliberação social.
Quando concebemos os fundamentos subjacentes ao exercício do direito de voto pelos associados, pensamos num exercício autónomo e fruto de uma vontade delimitadora dosentimento que o titular do direito de voto terá no momento do seu exercício efectivo. O vototransparece uma vontade autónoma e intrínseca, que irá contribuir para a formação de uma vontade colectiva, a designada deliberação.
É extremamente relevante a participação directa dos sócios no processo de tomada de decisõesda sociedade. Por participação directa deve-se compreender a participação da pessoa do sócio, enão apenas sua actuação por meio de procuração, o que possibilita que outro sócio, ou umrepresentante legal, aja em nome do outorgante e possa manifestar a sua vontade, mesmo nãoestando ele presente.
Um dos principais motivos pelos quais se afirma que a participação da pessoa do sócio é importante diz respeito à doutrina de Pedro Maia de que “as deliberações vinculam todos ossócios, ainda que ausentes ou dissidentes”. Assim, por mais que o sócio não compareça a umaassembleia de sócios pessoalmente, todas as decisões tomadas vincularão este sócio, de formaque ele também será responsável pelas consequências advindas da deliberação tomada. Destaforma, preenchidos todos os requisitos legais de convocação e quorum de deliberação, nenhumsócio poderá se eximir da responsabilidade decorrente de actos aprovados em assembleia alegando que não participou do processo deliberativo que autorizou a prática de tais actos pela sociedade.
As deliberações devem ser tomadas nos limites da lei e do contrato social. Pedro Maia diz que “as deliberações que infrinjam o contrato ou a lei tornam ilimitada a responsabilidade dos que a aprovaram”. Isso significa que os sócios não podem tomar qualquer decisão que contrarie as previsões legais ou o disposto no contrato social, sob pena de responderem até mesmo com seus próprios bens, caso o património da sociedade não seja suficiente, por qualquer prejuízo causado em virtude da deliberação que aprovaram.
5. Processo deliberativo
A Assembleia-geral é o órgão supremo das sociedades, que tem poderes inclusive para modificar os estatutos, verificados certos pressupostos. Todavia, é um órgão deliberativo, competindo as funções executivas e de representação externa ao órgão da administração. Pode ainda reunir extraordinariamente sempre que seja convocada por quem de direito para deliberar sobre matérias da sua competência e que constem da respectiva convocatória.
Apesar de a deliberação ser, em princípio e normalmente, um acto colegial, pode ocorrer que o órgão se encontre episodicamente reduzido a uma só pessoa. Segundo Pupo Correia11, “nem por isso a declaração da vontade por ela emitida deixará de ser havida como uma deliberação social, se os demais pressupostos da sua existência estiverem reunidos.”
As deliberações sociais, com efeito, resultam de um processo formativo que exige como pressuposto que a assembleia tenha sido regularmente convocada e tenha funcionado regularmente.
5.1 Convocação e funcionamento
A convocatória deve conter obrigatoriamente as menções referidas no art. 134.º do Código Comercial.
A ordem do dia deve mencionar claramente o assunto sobre o qual se vai deliberar (art. 134.º, n.º 1, al. d) do Código Comercial).
A Assembleia-geral poderá no entanto deliberar sobre questões incidentais, que decorre directamente da ordem de trabalhos, como é o caso da destituição e da acção de responsabilidadecontra os administradores (art. 132.º, n.º 2 do Código Comercial).
A Assembleia-geral deve reunir-se na sede social, salvo se quem convocou a Assembleia-geral escolher outro local, dentro da área da sede, por falta de condições adequadas das instalações dasociedade (art. 134.º, n.º 3 do Código Comercial).
5.2 Formas de deliberação
É certo que o conjunto dos sócios – órgãos comuns a todos os tipos de sociedade comercial – decide mediante “deliberação”.
O Código Comercialercial também apelida de deliberação aquelas decisões tomadas sem reunião de sócios, como é o caso das “deliberações unânimes por escrito” (art. 128.º, n.º 4 do Código Comercialercial).
5.2.1 Deliberações tomadas em Assembleia-geral convocada e deliberações tomadas em
assembleia universal
As deliberações tomadas em Assembleia-geral convocada têm um ponto em comum com aquelas tomadas em assembleia universal: ambas resultam de uma reunião de sócios. Mas distinguem-seumas das outras quanto a um aspecto do seu procedimento: ao invés das primeiras, as segundassão adoptadas numa assembleia que não foi procedida de um acto de convocação dirigido a todosos sócios, mas que todos estiveram presentes e, além disso, em que todos manifestaram vontadede que a assembleia se constituísse e deliberasse sobre determinado assento (art. 128.º, n.º 4 do Código Comercial).
Só ocorre uma assembleia universal mediante a verificação cumulativa de três pressupostos:
1) Presença de todos os sócios;
2) Assentimento de todos os sócios em que a assembleia se constitua;
3) Vontade também unânime de que a assembleia a constituir delibere sobre determinado
assunto.
Uma vez constituída validamente a assembleia universal, esta se rege pelos mesmos preceitos legais e contratuais relativos ao funcionamento das Assembleias-gerais convocadas.
5.2.2 Deliberações unânimes por escrito
Estas, não são adoptadas em assembleia dos sócios. A derrogação ao chamado “método de assembleia” justifica-se aqui com a desnecessidade ou inutilidade de tal método quando ossócios tenham uma opinião unânime.
Os sócios não podem votar quando relativamente à matéria de deliberação se encontrem numa situação de conflito de interesses com a sociedade (art. 131.º do Código Comercial).
As deliberações sociais seja qual for o modo como foram tomadas, têm de ser vertidas para um documento escrito sob pena de não poderem ser provadas (art. 147.º Código Comercial) – a acta.
6. A natureza jurídica das deliberações sociais
Quando se fala da natureza jurídica das deliberações sociais fala-se da natureza jurídica do interesse subjacente ao acto da deliberação, ou seja, do interesse social.
Acerca desta matéria, observam-se duas principais correntes, das quais a doutrina portuguesa possui o maior número de adeptos. A primeira qualifica a deliberação como um negócio jurídico da sociedade, e a segunda considera a deliberação como uma categoria sui generis, porcompreender aspectos peculiares que a excluem de qualquer outra forma de classificação.
Pupo Correia12 distingue ente teorias institucionais e teorias contratualistas. As teorias institucionais colocam a sede do interesse social no próprio ente societário, como empresa ou pessoa colectiva, ou instituição, abstraindo, por conseguinte, das relações individuais dos sócios;a esta luz, o voto apareceria não como um dever subjectivo e sim como o poder dever dos sócios dirigido à formação da vontade da sociedade. Por seu turno, as teorias contratualistas têm em conta o interesse comum dos sócios enquanto tais. O voto constitui um direito subjectivoatribuído a cada um dos sócios como meio para exprimirem o seu ponto de vista acerca do interesse comum e, desse modo, contribuírem para a formação e identificação do interesse social.
A ideia de que o negócio jurídico “deliberação social” é próprio da sociedade, porém formado pela declaração de vontade de seus sócios é comummente aceite13, sendo que a partir dessa classificação restringe-se apenas ao instituto da deliberação em si, tratando os votos que a integram como “declarações de vontade dos sócios”
A este propósito, a moderna doutrina brasileira tem estado a desenvolver uma tese nova,passando a tratar as deliberações sociais como uma categoria sui generis. Neste sentido, LuísBrito Correia14 informa que “as deliberações sociais podem, pois, ser negócios jurídicos oumeras declarações negociais (componentes de outros negócios jurídicos) singulares (eunilaterais) ou plurilaterais. No entanto têm uma natureza sui generis, constituindo uma categoriaprópria, que a distingue tanto dos (demais) negócios jurídicos unilaterais, como dos (demais)negócios jurídicos plurilaterais”.
O principal argumento utilizado para desconstruir as afirmações utilizadas pela corrente do negócio jurídico decorre directamente do facto de que as deliberações sociais não compreendemapenas declarações de vontade, podendo também representar declarações de ciência ousentimento, conforme já analisado. Partindo-se do pressuposto de que a manifestação de vontadeé requisito essencial à formação de um negócio jurídico e que ela não está necessariamentepresente nas declarações de ciência ou sentimento expressas pela sociedade, “a qualificação da deliberação da sociedade como um negócio jurídico ficará logo prejudicada, evidentemente,quanto à que não integre uma declaração de vontade.” Em suma, as deliberações sociais devemser compreendidas como uma categoria sui generis apta a produzir efeitos. Ela deve, assim, ser entendida como a declaração juridicamente imputável a uma pessoa colectiva ou, globalmente, aum grupo não dotado de personalidade jurídica, formada mediante o concurso dos sujeitos de direito que os compõem e moldada pela fusão das declarações individuais por eles emitidas(votos) que, no mínimo, integrem o núcleo mais numeroso de declarações de sentido idêntico validamente exprimidas.
Em qualquer dos casos, em atenção ao postulado no nosso regime jurídico, destas posições,somos de que o direito do voto apresenta-se sempre como um direito subjectivo dos sócios, com especial destaque e enfoque para o poder da vontade do sócio no seu exercício. Aliás, assente na definição de Gomes da Silva, citado por Pupo Correia, sobre o que é o direito subjectivo vemosque este consiste na afectação jurídica de um bem à realização de um ou mais fins de pessoas individualmente consideradas. O direito do voto deve ser considerado como um direito subjectivo, podendo mais especificadamente identificar-se no conceito de direito potestativo. No âmbito do direito de voto potestativo conferido ao sócio, este poderá decidir atendendo a uma opção dúplice, ou seja, tem a possibilidade de votar ou não, tal como, no que concerne a escolha da direcção a prosseguir pela emissão do seu voto, da forma que melhor lhe parecer.
Esta é, de resto, a posição com a qual mais nos identificamos. A ser assim, o direito de voto deverá estar na parte aplicável disciplinado pelos arts. 217.º e segs. do C. Civil, quanto aosrequisitos dos negócios jurídicos, designadamente a liberdade de celebração e de estipulação. Ainda assim, é certo, as deliberações sociais são dotadas de características singulares, próprias,que as distinguem dos típicos negócios jurídicos, tal como regulados no Código Civil, e isto “porque na deliberação social não há partes”, não há interesses contraditórios, mas sim umsentido único, obtido por votação. Tal como qualquer declaração jurídica tendente à produção de determinados efeitos, a de liberação está sujeita a um complexo processo formativo, no qual se descortinam vários elementos, sujeitos e vontades.
7. Conclusão
Embora se afigure pacífico na doutrina a definição do que sejam as deliberações sociais, já o mesmo não se diz da aferição da sua natureza júridica.
Na falta de melhor doutrina nacional e com o inevitável recurso às discussões travadas no direito comparado, nomeadamente no direito português e no direito brasileiro, cujos traços identitários com o nosso são deveras evidentes, há, ainda assim, uma dissonância muito grande entre os principais tratadistas quando o assunto é indicar a natureza jurídica desta figura.
Os brasileiros com um enfoque ligado a um mundo desenvolvido, atento ao mercado dos futuros– em que a percepção ou o “sentir” dos sócios sobre a viabilidade de certo negócio pode terminara sua volição na declaração de vontade – estatuem as deliberações sociais como um negócio jurídico suis generis.
Ainda assim, dúvidas nos assistem sobre a colocação brasileira. Não nos parece que a representação das declarações de ciência ou sentimento, conforme expendido na doutrinabrasileira, vá só por si descaraterizar o que seja um negócio jurídico. Em última análise, qualquernegócio jurídico tem insíto em si uma declaração de vontade que é determinada nas mais das vezes por alguma ciência ou sentimento do declarante.
Mais acertada é, a nossa ver, a teoria expendida por Pupo Correia de definir a natureza jurídica das deliberações sociais como um um negócio jurídico. Se as deliberações sociais consistem noresultado da vontade dos titulares dos órgãos da pessoa colectiva, em termos de serem a estanormativamente imputáveis, são, portanto, a materialização da vontade de uma sociedade, não só a nível interno, mas também perante terceiros. Além disso, essa vontade forma-se através de declarações singulares dos sócios, expressas pelos seus votos, tomando a deliberação um determinado sentido, que representa a posição unitária da sociedade.
No fundo, como bem sintetiza Pedro de Vasconcelos, as deliberações são “por um lado, actos dos sócios, por outro são actos da sociedade”. Desta forma, as deliberações sociais são dotadas de características singulares, próprias, que as distingue dos típicos negócios jurídicos, tal comoregulados no Código Civil, e isto “porque na deliberação social não há partes”, não há interesses contraditórios, mas sim um sentido único, obtido por votação.
8. Referências:
1 Apud. Coutinho de Abreu, Estudo de Direito das Sociedades, 5ª edição, Coimbra, Almedina, 2002, p. 171.
2 Neste sentido, Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, 27ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2006, p. 425.
3 Sobre o tema, Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Estudo de Direito das Sociedades, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2002, p. 171, admite que a deliberação possa decorrer da declaração de vontade de um sócio apenas, afastando-se da doutrina que entende não haver deliberação em decisões tomadas por apenas um sócio.
4 Alfredo de Assis Gonçalves Neto, Lições de Direito Societário: regime vigente e inovações do novo Código Civil, 2ª edição, Editora Juarez de Oliveira, São Paulo, 2004, p 27.
5 Apud. Coutinho de Abreu, Estudo de Direito das Sociedades, op. cit., pp. 171-172.
6 Pinto Furtado, Curso de Direito das Sociedades, Almedina, Coimbra, 2001, p. 392.
7 in Impugnação Das Deliberações Sociais, Colectânea de Jurisprudência, Ano XIII, 1988, tomo III, Coimbra, 1988, p. 21
8 Alfredo de Assis Gonçalves Neto, Lições de Direito Societário: regime vigente e inovações do novo Código Civil, op. cit., p. 27
9 In Coutinho de Abreu, Estudo de Direito das Sociedades, op. cit., p. 172
10 In Direito Comercial, 6ª edição, Ediforum, Lisboa, 1999, p. 561
11 In Direito Comercial, op. cit., p. 561.
12 In Direito Comercial, op. Cit., p. 560.
13 Para Coutinho de Abreu: as deliberações são em regra, negócios jurídicos: actos constituídos por uma ou mais declarações de vontade: os votos. No mesmo sentido, Pedro Maia sustenta a ideia de que “a deliberação é um negócio jurídico da sociedade, e não dos sócios” e os votos constituem declarações de vontade dos sócios.
14 Direito Comercial, 3º vol., AAFDL, 1992, p. 117
9. Bibliografia
ABREU, Jorge Coutinho de, Estudo de Direito das Sociedades, 5ª edição, Coimbra, Almedina,2002
CORREIA, Luis Brito, Direito Comercial, 3º vol., AAFDL, Lisboa, 1992
CORREIA, Miguel Pupo, Direito Comercial, 6ª edição, Ediforum, Lisboa, 1999
MAIA, Pedro, Impugnação Das Deliberações Sociais, Colectânea de Jurisprudência, Ano XIII, 1988, tomo III, Coimbra, 1988
NETO, Alfredo de Assis Gonçalves, Lições de Direito Societário: regime vigente e inovações donovo Código Civil, 2ª edição, Editora Juarez de Oliveira, São Paulo, 2004
Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, 27ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2006
SAMO, Saturnino, Colectânea de Direito Comercial, CFJJ, Maputo, 2005