Neoconstitucionalismo e dirigismo

A imposição dos direitos sociais via judiciário

23/02/2016 às 16:30
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Este artigo visa demonstrar as semelhanças entre o Neoconstitucionalismo e o Dirigismo Constitucional. Demonstrando como ambos supervalorizam os direitos sociais e buscam concretizá-los via Poder Judiciário, ignorando para tanto o método democrático.

1) INTRODUÇÃO

O presente artigo tem como objetivo tratar sobre as semelhanças entre o neoconstitucionalismo e o dirigismo constitucional, principalmente no que tange a visão das duas correntes a respeito dos direitos fundamentais e da transformação da sociedade. Assim, esse trabalho visa fazer um balanço sobre essas características do novo direito constitucional, conceituando ambos e analisando o que possuem em comum. Ou seja, será feito uma análise da principal característica dessa nova ideia de direito constitucional (defesa de direitos fundamentais) e como ela se encontra com o dirigismo constitucional, quando busca revolucionar a sociedade através do direito.

2) CONCEITO DE NEOCONSTITUCIONALISMO

Como bem exposto pelo professor Gilmar Ferreira Mendes “é possível falar em um momento de constitucionalismo que se caracteriza pela superação da supremacia do Parlamento”[1]. Mas o neoconstitucionalismo não é apenas isso, “ao juiz constitucional incumbiria atalhar abusos, cometidos por ação ou omissão do legislativo”[2].

Jorge Octávio Lavocat Galvão também conceituou o neoconstitucionalismo. O autor explica que:

Nessa corrente de pensamento, o Poder Judiciário apresenta-se como importante veículo de transformação da sociedade, principalmente em questões que, a mercê de sua importância, não são abordadas pelo processo majoritário por falta de mobilização política apta a ensejar um amplo debate nacional a respeito do tema.[3]

O que fica claro é que dentre os conceitos apresentados há dois pontos em comum: I- mudança na visão da função do direito constitucional e; II- tentativa de corrigir o processo político (nos dois primeiros conceitos).

3) MARCOS DO NOVO DIREITO CONSTITUCIONAL

3.1) Marco histórico

O que marca a história desse novo direito constitucional na Europa continental é o constitucionalismo do pós-guerra, principalmente na Alemanha e na Itália. Nacionalmente temos como marca a constituição cidadã (1988), que simboliza o processo de redemocratização do país. Como semelhança entre os dois momentos históricos para autores como Barroso temos os processos de redemocratização, após os regimes nazi-facistas (1922-1945) no caso da Europa, e o regime militar no Brasil (1964-1985)[4].

3.2) Marco Filosófico

Do ponto de vista filosófico, a marca do neoconstitucionalismo é o pos-positivismo. Esta nova corrente nas palavras de Luís Roberto Barroso “busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas”[5].

Os autores simpatizantes dessa escola, entendem que o positivismo não é capaz de responder aos anseios da sociedade, tanto que todos aqueles que prezam por uma maior formalidade seriam taxados pejorativamente de positivistas.

3.3) Marco teórico

Seguindo a linha de Luís Roberto Barroso, temos como marco teórico: a) “força normativa da constituição”; b) “a expansão da jurisdição constitucional”; c) “o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional”[6].

4) O NEOCONSTITUCIONALISMO E A VALORAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais são divididos em três gerações: I- na primeira geração os direitos mais valorizados seriam as liberdades públicas; II- na segunda seriam os direitos sociais aqueles com maior protagonismo; III- na última fase haveria uma supervalorização de valores como os direitos de solidariedade.[7]

Como já foi explicado, um dos principais temas que a doutrina neoconstitucionalista valoriza são os direitos fundamentais. Luís Roberto Barroso defende que o marco filosófico do neoconstitucionalismo (pós-positivismo) seria “o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade da pessoa humana”[8].

Segundo o neoconstitucionalismo a proteção aos direitos fundamentais é de suma importância. Porém, esta posição não é nova, visto que no constitucionalismo moderno tais direitos já possuíam posição de destaque.[9]

5) O QUE É O DIRIGISMO CONSTITUCIONAL

Uma constituição dirigente seria

A Constituição que estabeleceria um plano para dirigir uma evolução política. Ao contrário da Constituição-balanço que refletiria o presente (o ser), a Constituição-programa anunciaria um ideal a ser concretizado. Esta Constituição-dirigente se caracterizaria em consequência de normas programáticas [...].[10]

Em síntese nessa corrente constitucional a Carta Magna tem por tarefa estabelecer um guia para que seja possível seguindo-o realizar uma evolução política, que acabaria por desembocar em um Estado socialista[11].

6)SEMELHANÇAS ENTRE DIRIGISMO E NEOCONSTITUCIONALISMO

O neoconstitucionalismo defende que a principal função do Direito é a concretização de direitos fundamentais. Essa é a sua semelhança com o constitucionalismo dirigente, o que foi observado por Jorge Octávio Lavocat Galvão ao expor que “enquanto pretensão apresenta-se como um discurso totalizante, sendo um descendente direto do constitucionalismo dirigente, cujo objetivo era preparar a transição para o socialismo”[12].

Este é o aspecto onde esses dois pensamentos constitucionais se tocam, trata-se do ideal de superproteger os direitos fundamentais de cunho social. Isto pode ser lido nas lições de Amélia Campos Rossi:

As constituições, não possuem mais apenas o objetivo de repartir os poderes do Estado e distribuir competência própria dos órgãos deste, mas, principalmente, de estabelecer direitos fundamentais, e, por meio destes, uma ordem de valores justiça que exigirá postura ativa dos órgãos estatais e de toda a sociedade no sentido da sua realização, especialmente quando se tratem de direitos prestacionais de cunho social.[13]

Outro ponto em que dirigismo e o novo direito constitucional se tocam é ao defender um maior protagonismo do poder judiciário na sociedade. O neoconstitucionalismo opta por uma maior judicialização da vida em sociedade, esquecendo a via política para a tomada de decisões[14]. Já a constituição dirigente (o dirigismo) utiliza de normas programáticas e mecanismos como a inconstitucionalidade por omissão (ADO) para se alcançar um determinado fim.

7) CONCLUSÕES

É possível concluir que o neoconstitucionalismo tem por semelhança com o dirigismo constitucional a tentativa de transformar a sociedade e maior defesa dos direitos fundamentais, principalmente os direitos sociais.

A Constituição em vigor no parágrafo único do artigo primeiro estipula que: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Logo fica claro que o constituinte originário não deu poder para que o Judiciário optasse por revolucionar a sociedade.

Em relação aos direitos fundamentais ambas as correntes apoiam a temática. O neoconstitucionalismo é tratado por alguns como o início da valoração de tais direitos, mas direitos fundamentais como a propriedade e a liberdade já eram a preocupação das revoluções americana (1776) e francesa (1789).

O argumente de que no neoconstitucionalismo os direitos fundamentais teriam uma maior preponderância também não parece proceder. Autores do porte de Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Dimitri Dimoulis e Gilmar Mendes explicam em suas obras que outros direitos importantes, como é o caso das liberdades negativas, adquiriram grande importância após revoluções liberais do fim do século XVIII.

Não vivemos no neoconstitucionalismo uma valoração dos direitos fundamentais como um todo, mas sim uma maior valoração dos direitos sociais apenas. A defesa excessiva e até irresponsável dos direitos de segunda geração, atrelado a visão de que o judiciário deve transformar a sociedade, pode levar a decisões judiciais sem base constitucional e por indivíduos sem nenhuma legitimidade para tal. Ou seja, trata-se de uma usurpação das decisões por via política (do método democrático) para uma imposição via judiciário de pautas sociais pseudo-progressistas.

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BIBLIOGRAFIA

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito: O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil, 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7547>.

 

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

 

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 38. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

 

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Notas sobre o direito constitucional pós-moderno, em particular sobre certo neoconstitucionalismo à brasileira, 2009. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/4141>.

 

GALVÃO, Jorge Octávio Lavocat. O Neoconstitucionalismo e o Fim do Estado de Direito. São Paulo: Saraiva, 2014.

 

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

 

ROSSI, Amélia Sampaio. NeoConstitucionalismo e direitos fundamentais introdução. Constitucionalismo contemporâneo x positivismo jurídico. A realização dos direitos fundamentais sob a perspectiva neoconstitucionalista. IUS GENTIUM, v. 6, n. 4, p. 222-243, 2013.

 

   

 


[1] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 53.

[2] MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 54.

[3] GALVÃO, Jorge Octávio Lavocat. O Neoconstitucionalismo e o Fim do Estado de Direito. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 74.

[4] BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito: O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil, 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7547>. Acesso em:23 fev. 2016.

[5] BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito: O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil, 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7547>. Acesso em:23 fev. 2016.

[6] BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito: O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil, 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7547>. Acesso em:23 fev. 2016.

[7] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 24.

[8] BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito: O triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil, 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7547>. Acesso em:23 fev. 2016.

[9] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Notas sobre o direito constitucional pós-moderno, em particular sobre certo neoconstitucionalismo à brasileira, 2009. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/4141>. Acesso em:23 fev. 2016.

[10] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 38. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 40.

[11] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 38. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 41.

[12] GALVÃO, Jorge Octávio Lavocat. O Neoconstitucionalismo e o Fim do Estado de Direito. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 311.

[13] ROSSI, Amélia Sampaio. Neoconstitucionalismo e direitos fundamentais introdução. Constitucionalismo contemporâneo x positivismo jurídico. A realização dos direitos fundamentais sob a perspectiva neoconstitucionalista. IUS GENTIUM, v. 6, n. 4, p. 222-243, 2013.

[14] GALVÃO, Jorge Octávio Lavocat. O Neoconstitucionalismo e o Fim do Estado de Direito. São Paulo: Saraiva, 2014, p. 168.

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Sobre o autor
Heron José Castro

Graduando em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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