Muito se tem falado sobre as alterações que o instituto da família vem sofrendo, principalmente nesses últimos 20 anos. Neste breve artigo abordarei este tema apresentando a evolução deste instituto sob o prisma sociológico, jurídico e psicológico, por meio dos seguintes questionamentos: “Como os principais doutrinadores conceituam família?”; “De fato qual a importância, relevância, da família para a sociedade?”; “Por fim essas mudanças representam o fim da família?”.
Acredita-se que o termo “família” é derivado do latim “famulus”, que significa “escravo doméstico”. Termo este criado na Roma Antiga para designar um novo grupo social que surgiu entre as tribos latinas, ao serem introduzidas à agricultura e à escravidão legalizada. Para alguns estudiosos, a família seria um sistema social uno, composto por um grupo de indivíduos, cada um com papéis atribuídos, e, embora diferenciados, consubstanciam o funcionamento do sistema como um todo.
Para o antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, a família nasce a partir do momento em que haja casamento, passando, portanto, a haver cônjuges e filhos nascidos da união destes. Os seus membros, que se mantêm unidos por laços legais, econômicos e religiosos, respeitam uma rede de proibições e privilégios sexuais e encontram-se vinculados por sentimentos psicológicos, como o amor, o afeto e o respeito.
Assim, mesmo com as mudanças de concepção da família, é inegável que em todo momento da história este grupo de pessoas constitui célula básica de toda e qualquer sociedade. Embora nos pareça simples conceituar família, vez que todos já possuem uma visão clara e definições de vários juristas, a matéria não é tão simples como parece.
Como podemos observar por um grande período de nossa história, prevaleceu o entendimento do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss. Ou seja, somente era considerado família o grupo de pessoas formado a partir do casamento entre um homem e uma mulher. No Brasil, não foi muito diferente a definição, em nossas Constituições, de família, a partir da ideia do casamento, ora civil, ora religioso. A ideia de família no direito brasileiro sempre foi a constituição de pais e filhos unidos a partir de um casamento regulado e regulamentado pelo Estado.
Em 1988, a Constituição da República do Brasil realizou grande avanço e contribuição à sociedade e ao ramo do Direito de Família, ao definir em seu artigo 226 as seguintes palavras:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
- 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
- 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
- 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
- 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
- 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
- 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.
- 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
- 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. (grifo nosso)
Esta Constituição, além das diversas contribuições que trouxe à sociedade brasileira, aborda e traz à tona mais uma alteração de grande importância, ela amplia o conceito de família. Passou, então, a escutar as alterações e anseios da sociedade. Alguns dos nossos principais doutrinadores assim conceituam o instituto da família da seguinte maneira:
“De acordo com Caio Mário (2007; p. 19), família em sentido genérico e biológico é o conjunto de pessoas que descendem de tronco ancestral comum; em senso estrito, a família se restringe ao grupo formado pelos pais e filhos; e em sentido universal é considerada a célula social por excelência.”.
No que concerne à família, Silvio Rodrigues (2004; p. 4) num conceito mais amplo, diz ser a família a formação por todas aquelas pessoas ligadas por vínculo de sangue, ou seja, todas aquelas pessoas provindas de um tronco ancestral comum, o que inclui, dentro da órbita da família, todos os parentes consanguíneos. Num sentido mais estrito, constitui a família o conjunto de pessoas compreendido pelos pais e sua prole.
Já Maria Helena Diniz (2007; p. 9) discorre sobre família no sentido amplo como todos os indivíduos que estiverem ligados pelo vínculo da consanguinidade ou da afinidade, chegando a incluir estranhos. No sentido restrito, é o conjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio e da filiação, ou seja, unicamente os cônjuges e a prole.
Segundo Paulo Nader (2006; p.3), família consiste em “uma instituição social, composta por mais de uma pessoa física, que se irmanam no propósito de desenvolver, entre si, a solidariedade nos planos assistencial e da convivência ou simplesmente descendem uma da outra ou de um tronco comum”.
Sintetizando a conceituação desse instituto, Silvio Venosa (2005, p.18) assevera que a Família, em um conceito amplo, “é o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar”, e, em conceito restrito, “compreende somente o núcleo formado por pais e filhos que vivem sob o pátrio poder”.
O doutrinador Rodrigo da Cunha Pereira desenvolve a ideia de que é necessário ampliar a visão do conceito para bem abordar a disciplina direito de família e entender as suas complexidades. O que ele pretende demonstrar é que a família ultrapassa o modelo de casamento como o conhecemos. Sua proposta parte do princípio de pensarmos o direito de família não somente quanto à legislação em si, mas a sua interação com a sociedade, ou seja, a vida política, social e a formação psicológica das pessoas.
A partir da leitura de suas ideias podemos concluir que há uma sinergia entre a família e a sociedade, uma vez que ambas influenciam-se mutuamente. Nos dias atuais, podemos verificar conjuntos de pessoas sem vínculo biológico nenhum sendo considerados família, pois está cada vez mais valorizado o vínculo socioafetivo entre os indivíduos.