Poluição genética e zona de exclusão
Uma preocupação angustiante, digna de um filme de terror, concerne a uma eventual poluição genética causada pelas plantas transgênicas. Reiteradas alegações de que os organismos geneticamente modificados não oferecem riscos para à saúde e ao meio ambiente carecem de maiores dados convincentes de comprovação científica cabal. Igualmente, não se tem nenhum conhecimento de estudos de planejamento de medidas preventivas ou saneadoras para o caso de eventuais acidentes ecológicos. O que existe de concreto são apenas recomendações de áreas de refúgio ou áreas de escape biológico com plantas convencionais em determinada porcentagem (no caso do milho, 20% da área total de cultivo e de 50% da área total, quando em região algodoeira que use o Bt) como método de gerenciamento de resistência de insetos ao milho Bt. No caso da soja transgênica recomenda-se basicamente a rotação de culturas e a não repetição da mesma cultura por certo número de safras para evitar o surgimento de plantas resistentes ao herbicida. Quanto ao efeito do herbicida a preocupação maior não se refere ao eventual surgimento de superervas daninhas, mas a distúrbios na atividade microbiana do solo, do subsolo e do lençol freático, em conseqüência das maciças aplicações localizadas e pela gradativa contaminação da natureza pela dispersão no ar atmosférico das moléculas dos pesticidas. Como o caráter secativo do agrotóxico exige pulverização em volume significativo, uma parcela ínfima do produto evapora e suas moléculas acabam sendo difundidas no ar atmosférico. Uma região de agricultura intensiva que faça uso freqüente de pesticidas diversos (herbicidas, fungicidas, inseticidas) acaba provocando uma lenta e contínua disseminação insinuante de ínfimos átomos desses princípios ativos no ar, afetando toda a cobertura vegetal, lagos, rios e nascentes, que por sua vez contaminam todo o lençol freático. É bom lembrar que as pulverizações concentram-se em certo período do ano com sucessivas aplicações por um grande número de produtores em uma dada região agrícola. Essa sistemática de procedimentos, reunindo dosagem do produto, intensidade de aplicação e tempo de exposição (período), somada a pesadas adubações químicas constitui séria preocupação ambiental, principalmente, quando se observa um alto nível de ignorância e negligência nas pesquisas de micro e meso-fauna e flora aquática-de uma região agrícola. Sabe-se pouca coisa de algas, líquens, protozoários, moluscos, crustáceos, peixes, fungos e bactérias que vivem em meio aquático nos rios, nascentes, lagos e lençol freático. A aqücultura no Brasil é insignificante e praticamente desconhecida. O efeito secativo do glifosato pode não se manifestar claramente em algas, líquens e micro plantas aquáticas, mas, seguramente, serão afetados de alguma forma. Sucessivas aplicações em longos períodos, com resíduos depositando nos solos, subsolos, lençol freático e nas nascentes vão culminar em interferir no metabolismo desses seres, afetando a cadeia de vida em condições hidrogeológicas adversas. A preocupação não é com a parte visível ou conhecida das pesquisas agronômicas dos efeitos dos herbicidas, mas com relação com a parte desconhecida e não avaliada. Não se quer saber apenas da ponta do iceberg mas conhecê-lo integralmente, em toda a sua extensão e profundidade.
Os restos de cultura do transgênico Bacillus thurisgiensis, por incorporarem no seu germoplasma a propriedade inseticida, devem acarretar influencias perturbadoras no ecossistema do solo, principalmente, da microflora e microfauna. Na natureza, plantas e microorganismos convivem em círculos estreitos de correlações, simbioses e antagonismos em uma rica cadeia de energias vitais, onde cada espécie vegetal dispõe de um grupo específico de relações microbianas e capacidade de desempenhar funções únicas na natureza. É por isso que a agricultura orgânica tenta imitar a natureza, plantando diversas espécies em uma mesma área, de tal forma que haja um equilíbrio dinâmico no ecossistema particular, gerando relações de sinergismos, simbioses e antagonismos (plantas fixadoras de nitrogênio, bacteriostáticas, fungistáticas, insetífugas, etc.). Assim, qualquer movimento incremental de herbicidas e de outros defensivos agrícolas torna-se altamente inquietante não só para a sustentabilidade da agricultura, mas para a qualidade da água, fonte de vida saudável do país. A afirmação de que a soja transgênica diminui o uso de herbicidas é falaciosa, porque o seu cultivo só se viabiliza com doses significativamente superior ao empregado em culturas convencionais; o Brasil tem, invariavelmente, o problema da soca nas culturas pós-verão e nos plantios sucessivos em área irrigadas que exigem outros herbicidas além do Roundup; os agricultores praticam a rotação de culturas e plantios diretos que exigem o tratamento de culturas anteriores com aplicação de herbicidas diferentes, uma necessariamente diferente do Roundup. Não é a alegada diminuição de aplicações de herbicidas em uma única safra de soja que interessa, mas a efetiva quantidade em um ano agrícola com ciclo completo de rotações programadas. Assim, sem levar em conta a média de um período de safras, nada garante que a quantidade e o número de aplicações de herbicidas será reduzidos
O grande e assustador perigo dos transgênicos reside na possibilidade de poluição genética, com a dispersão indiscriminada de genes engenheirados na natureza. Plantas nativas sexualmente compatíveis com as transgênicas (milho, arroz, algodão, etc.) constituem uma ameaça real no Brasil, um país muito rico em diversidade vegetal, que sustenta e mobiliza uma miríade de agentes polinizadores (abelhas, vespas, besouros, borboletas, pássaros, mangavas, etc.) com atuação em extensas áreas. Qualquer cruzamento indesejável no Brasil é certeza absoluta de gigantescos problemas por mais que as empresas de biotecnologia digam que não há perigos ao meio ambiente. A natureza é cheia de surpresas, de detalhes e adaptações imprevisíveis, talvez, por que os ingredientes básicos que fazem humanos, chimpanzés e plantas superiores são praticamente os mesmos. O homem compartilha mais de 98% de seus genes com os chimpanzés, possui o mesmo número de genes que o milho, e tem, inclusive, cerca de 230 genes do seu genoma originários de bactérias, segundo o seqüenciamento do genoma realizado recentemente. Isto mostra que o homem é parte íntima da teia de vida da Terra e que todos os seres vivos compartilham uma linguagem biológica comum. Apenas alguns poucos genes diferenciam uma espécie de outra e a maneira como eles se combinam é que dão o toque da diferença de seres. No homem, dos cerca dos 30 mil e 40 mil genes, apenas 1%, é exclusivamente humano. E é da interação desses genes com o ambiente que resulta a inteligência e a complexidade do ser humano. Se existe toda essa similitude entre espécies diferentes de seres vivos imagine a diferença entre os da mesma espécie. No homem, a diferença de DNA de humano para humano é de apenas 0,1%. Dito de outra forma, 99,9% dos genes do genoma humano são iguais, fato que detona o conceito de superioridade racial. Essa característica deve repetir em proporções semelhantes com as plantas de uma mesma espécie ou em grupos de uma mesma família. Dessa forma, uma base genômica compartilhada com todos os seres vivos, rica diversidade de plantas da mesma família e de espécies, rica diversidade de agentes polinizadores, um ecossistema tropical com clima próprio à permanente reprodução de insetos, e agricultura no ano todo graças à irrigação, nível de luminosidade e temperatura, exigem cuidados redobrados de biossegurança na questão da poluição genética de transgênicos. O perigo é real, existe e já deu demonstração de gravidade, como o caso do milho starlink nos Estados Unidos, autorizado somente para ração animal. Sementes plantadas em menos de 1% dos campos de milhos acabaram contaminando milhares de hectares e misturando-se nas colheitas de várias regiões do país. A limpeza e descontaminação genética exigiu cerca de um bilhão de dólares nos seis últimos meses, segundo fontes da imprensa mundial, e vai, seguramente, custar expressivos montantes financeiros além de demandar anos, provavelmente décadas, de exaustivos trabalhos. Por esses acidentes de percurso, propositais ou probabilísticos, pensa-se em delimitar zonas de exclusão de transgênicos para assegurar com uma margem confiável de segurança, uma área livre de plantas geneticamente modificadas, com vistas à proteção de ecossistemas estratégicos para futuras gerações, garantindo a integridade genética original de espécies selecionadas. Os argumentos para a definição dessas zonas de exclusão são vários: preservação de direito de terceiros, a exemplo de cursos de água, da poluição atmosférica, da poluição sonora, da contaminação de solos e de rios; direito à crença e à fé na natureza e na vida natural; dever de participar da luta de sustentabilidade e viabilidade ecológica do Planeta; direito à vida e convivência de todos os seres vivos do Planeta, mesmo pragas e ervas daninhas, não cabendo a ninguém o poder de decretar as suas extinções; direito à liberdade de ser e poder continuar produtor natural; e, direito de não querer ser "produtor passivo" de transgênicos causado pela poluição genética de terceiros. As zonas de exclusão de transgênicos deverão ter um cinturão ou arco de interdição formal e efetivo de plantio de todo e qualquer organismo geneticamente modificado. Esse cinturão de proibição de organismo geneticamente modificado será estabelecido em função dos riscos de contaminação e proximidade de lavouras, agentes polinizadores e outros fenômenos bióticos e abióticos de dispersão de pólens e plantas na natureza.
f) Resistências de pragas e moléstias e vida útil das espécies cultivadas:
A resistência de pragas e moléstias a tratamentos químicos na natureza é uma eterna luta de ataque e defesa, uma briga infindável do bem contra o mal. Essa luta ou precisamente guerra biológica sem tréguas é travada diuturnamente, sutilmente, em todos os lugares onde há vida, envolvendo plantas, animais e humanos, em confronto com infinitos inimigos, muitos invisíveis e altamente letais. A cada arma aprimorada na forma de remédios, vacinas, antibióticos, bactericidas, agroquímicos e defensivos de múltiplos espectros, surge uma resposta, no início lenta e exangue, mas poderosa e avassaladora com o passar do tempo. A história da medicina e da agropecuária mostra fartos exemplos de evolução adaptativa dos inimigos biológicos do homem, das plantas e dos animais. No caso de pragas e moléstias em plantas, recomendam-se sempre tratamentos preventivos, de modo a não criar condições ideais de proliferações nefastas dos diferentes patógenos, sejam vírus, bactérias, fungos, insetos ou nematóides. Na agricultura moderna, o enfoque de produção não é voltado à doença ou à praga que eventualmente possam assolar as culturas. A estratégia de planejamento de uma lavoura ou criação visa a saúde e a qualidade do produto no âmbito de uma ação deliberada de sustentabilidade ambiental no longo prazo. Rotação de culturas, plantio direto, cobertura morta, drenagem do terreno, exposição a ventos e luminosidade, uso racional de equipamentos e insumos, controle integrado de pragas e moléstias, tratamentos de restos de cultura, planejamentos de talhões e vias de acesso, programação de culturas e épocas de plantio, são rotinas de todo agricultor politicamente e ecologicamente correto. O objetivo do agricultor moderno consciente não se resume unicamente ao produto comercial e ao lucro, mas à capacidade de ser produtivo como produtor rural ao longo do tempo, de modo a assegurar produtividade, qualidade e bem-estar com a sua atividade. Passa a ser um gerente perspicaz de um patrimônio vivo, dinâmico e delicado que é a sua terra, o seu ganha-pão, o seu lugar sagrado de trabalho e redenção social. O agricultor, hoje, é um homem consciente e atuante no desenvolvimento de multifuncionalidade da agricultura.
E o que o transgênico tem a ver com essa tal de multifuncionalidade da agricultura? Ao fato de se introduzir um gene estranho de ação letal contra pragas de lavoura está se imaginando que a planta estará, doravante, definitivamente protegida de ataques causadores de prejuízos para a agricultura. A planta passa a ser auto-imune a seus inimigos e desenvolve-se sem a necessidade de protetores ou aplicações de defensivos químicos convencionais. Muitos dirão maravilhas e imaginarão a gratidão eterna da natureza pela não aplicação de defensivos. Mas, a própria planta é um defensivo agrícola (só que incorporado ao gemoplasma de uma planta) que pode influenciar, na sua recomposição e reciclagem, o frágil equilíbrio de atividades metabólicas de microorganismos do solo e subsolo. Na realidade, a estratégia de planta-inseticida na agricultura é uma concepção congenitamente kamikase, por encerrar uma fragilidade intrínseca de origem. Uma fragilidade que se encontra no fato de ser uma planta-inseticida variedade ou cultivar comercial aperfeiçoada ou melhorada para alcançar determinados objetivos e que vai permanecer como tal, sem sofrer alterações significativas ao longo do tempo de cultivo. Lembre-se que para ser variedade ou cultivar com registro no Ministério da Agricultura ela tem que atender, simultaneamente, a critérios de distinção, homogeneidade e estabilidade (o famoso DHE - distinta, homogênea e estável das sementes). Isto significa que a planta com Bt, sendo DHE, vai permanecer sem grandes alterações agronômicas enquanto os seus inimigos vão continuar se combinando e recombinando geneticamente e freneticamente com vistas a superar o fator letal. A superação dessa barreira é uma mera questão de tempo, como sempre foi e sempre será (sem ser fatalista ou determinista), porque esse é o processo de adaptação e evolução das espécies desde que o mundo é mundo. Achar que a planta Bt vai permanecer sendo planta-inseticida é muita presunção e falta de coerência e consistência com a lógica evolutiva dos microorganismos na natureza. Ainda, é preciso esclarecer que nenhuma variedade de grão comercial é eterna, de longa duração. Ela tem vida útil comercial que depende não só de sua resposta agronômica no campo (vigorosa, produtiva, resistente a pragas e a doenças, resistente a estresses hídricos, etc.), mas de estratégias de empresas sementeiras capazes de lançar novidades como se faz em qualquer ramo de negócios. No caso da soja, as variedades mais antigas, na fase de penetração e consolidação dos cerrados da década de 1980 como a Doko e a Cristalina, embora ainda empregadas em algumas regiões, são insignificantes em relação ao que existe de mais recente, ajustadas às novas situações de mercado e às condições de resistências a doenças e pragas igualmente recentes. Com a lei de cultivar acirrando a concorrência no setor é de se estimar uma vida útil de variedades comerciais de sementes em torno de 5 a 8 anos, em média. Nessas condições, se as próprias variedades têm uma vida útil determinada pelo mercado é lógico alterar, do ponto de vista da sustentabilidade ambiental, toda uma estrutura biológica da planta (caráter inseticida no germoplasma) para algo que é essencialmente temporário e descartável, apesar de todo o potencial de distúrbios à microflora e à microfauna de solos, subsolos e recursos hídricos?