Avaliação da aplicação dos direitos humanos no Sistema Penitenciário do Estado do Ceará

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O presente trabalho mostra um pouco da realidade do sistema carcerário, começando com uma breve síntese da origem pena e do sistema carcerário até chegar na realidade atual do sistema.

Introdução

A pena consiste no meio em que o Estado se utiliza para punir o indivíduo que pratica um delito, além de ser um objeto de punição consiste também em um meio de ressocialização, um meio de devolver para a sociedade um indivíduo melhor. A lei de execução penal prevê os direitos e deveres dos presos.

Um dos grandes problemas no qual a sociedade se depara hoje é a superlotação dos sistema carcerário, pois com um sistema superlotado, submetendo os detentos a condições sub humanas, faz com que aumente a violência dentro e fora das casas de detenção, aumente o número de reincidentes e isso diminui a sensação de segurança por parte da população notícia veiculada no Congresso em Foco em 2014

O não cumprimento do objetivo principal de ressocializar se dá ao déficit do número de vagas dentro do sistema, a população carcerária cresce em grandes proporções, até mais que a população e o Estado não tem conseguido acompanhar esse crescimento, fazendo com que as poucas celas que existem acabem ficando muito lotadas não tendo como garantir aos presos as mínimas condições de higiene, notocia veiculada no G1 em 24 de junho de 2015

Devido aos altos índices apontados pelo Depen e com o intuito de fazer com que a pena realmente cumpra sua função principal o CNJ vem desenvolvendo meios como os mutirões, audiências de custodia, para que o processo possa funcionar de forma mais célere, garantindo ao réu direitos como livramento condicional, pondo em liberdade os que já cumpriram pena e ainda estão presos e propondo meios de melhoramento do sistema, para que assim os detentos possam cumprir a pena de forma digna.

O sistema prisional

A pena é algo que surgiu e evoluiu junto a humanidade, desde os primórdios o povo possuía um modo de punir a quem causasse danos a um bem jurídico tutelado, para Cleber Masson (2012) conceitua-se pena como:

“Privação ou restrição de determinados bens jurídicos do condenado, aplicada pelo Estado em decorrência do cometimento de uma infração penal, com as finalidades de castigar seu responsável, readapta-lo ao convívio em comunidade e, mediante a intimidação endereçada à sociedade, evitar a prática de novos crimes ou contravenções penais”. 

Para Foucault (1999) no decorrer da história jurídica a pena de dividiu em quatro fases, a primeira foi o suplício, nessa fase havia a presença do carrasco, o soberano era quem condenava o réu, os apenados eram torturados até a morte com muita crueldade, essa punição era feita em público, para servir de exemplo para que outras pessoas não cometessem o mesmo crime, ocorre que com o passar do tempo se chegou à conclusão de que esse tipo de pena custava caro para Estado e o povo passou a defender os apenados e a se colocar contra tanta crueldade.

Em seguida surge a punição, onde os infratores eram acorrentados em celas públicas e eram colocados para trabalhar forçadamente, pois, o trabalho forçado era um meio de colocar o detento para refletir pelo ato praticado e era público para que passassem pela humilhação de que todos o vissem cumprindo a pena. A disciplina surge como meio de individualização dos corpos, a prisão era utilizada como punição pela maioria dos crimes praticados, a disciplina era um meio de fazer com que o indivíduo se molde a sociedade.

 E por último surge a prisão como parte do sistema penitenciário, a prisão já é considerado por Foucault (1999) como sistema mais completo, onde além do indivíduo ser punido individualmente, na proporção do ato por ele praticado, como também havia um aparato do que é necessário para garantir assistência aos presos.

No direito penal os meios de punição surgem primeiramente com a Vingança Divina, pois, para o povo a lei tinha uma origem divina, infringir a lei era um desrespeito aos deuses. Em seguida, com o aumento dos povos, surgiu a Vingança Privada, onde o ofendido era quem se vingava do agressor, a vítima fazia “justiça pelas próprias mãos”, e em decorrência dessa vingança havia uma grande desproporção entre o delito praticado e a pena imposta, e para evitar uma dizimação dos povos foi criado a Lei de Talião, foi a lei que primeiro trouxe a proporção entre o delito e a pena. Para Beccaria (2008) “Para não ser um ato de violência contra o cidadão, a pena deve ser, de modo essencial, publica, pronta, necessária, a menor das penas aplicáveis nas circunstancias dadas, proporcionada ao delito e determinada pela lei”.

 Por último, com a evolução da sociedade o Estado trouxe para si o poder-dever de punir, surgindo assim a Vingança Publica, o Estado age em nome da coletividade, proporcionando um julgamento imparcial e justo para o acusado. Para Beccaria (2008) “o interesse geral não é apenas que se cometam poucos crimes, mas ainda que os crimes mais prejudiciais à sociedade sejam os menos comuns. Os meios de que se utiliza a legislação para impedir os crimes devem, portanto, ser mais fortes à proporção que o crime é mais contrário ao bem público e pode tornar-se mais frequente. Deve, portanto, haver uma proporção entre os crimes e as penas”.  

Já no Brasil, quando os portugueses por aqui desembarcaram se depararam com os índios e entre eles a imposição da pena já existia, entre eles já existia um distinção entre condutas corretas e erradas e para algumas condutas a punição era a morte. Quando os portugueses chegaram aqui em 1500 trouxeram com eles a primeira legislação que começou a vigorar neste país, as Ordenações Afonsinas, trazidas de Portugal. Estas não passaram muito tempo em vigor serviram apenas como base para criação das Ordenações Manuelinas, ambas não obtiveram êxito na pratica, pois cada donatário era quem ditava suas regras Roberto Porto (2008).

Em 1603 entrou em vigor no Brasil o Código Filipino, conhecido por prevê penas cruéis, cuja aplicação dependia da classe social do acusado e também por tornar proibido a pratica de muitos atos. Nesse código estavam previstas as penas de morte e de tortura, para alguns crimes não havia individualização da pena, fazendo com que os descendentes do acusado perpetuassem a fama do ato por ele praticado.

Após o início do Período Imperial, no ano de 1830 foi criado o Código Criminal, com ele foi extinto as penas infamantes e a pena de morte passou a ser uma pena menos utilizada, como também foi nesse código que foi criado a pena privativa de liberdade, regularizado as penas de trabalho e a prisão simples. Ainda nesse período se tornou extinta a pena de morte.

Em 1890 surgiu um novo Código Penal, abolindo a pena de morte, prevendo penas mais brandas e originando o sistema carcerário de caráter corretivo, com o objetivo de ressocializar o detento.

Sendo o código de 1890, substituído em 1940 o novo Código Penal, posteriormente revogado pelo Código Penal de 1969, caracterizado por trazer novas modalidade de pena como a privativa de liberdade, restritivas de direitos e a multa.

            Em 1850 foi criada a primeira casa de detenção no Brasil, conhecida como Casa de Correição da Corte. O meio de ressocialização utilizado era o trabalho obrigatório durante o dia e a noite o encarceramento solitário. O trabalho não consistia em um meio de punição, e sim uma forma de ressocializar, pois, trabalhando o preso ocupava a mente e esgotava suas forças, a maioria dos detentos eram negros, pobres e os que ali aguardavam julgamento.

            Com o passar do tempo, em decorrência da necessidade de locais para cumprimento de pena foram criadas novas casas de detenção e mesmo tentando suprir a falta de vagas, por volta de 1956 já se falava em superlotação como relata Roberto Porto (2008) em seu livro Crime Organizado e o Sistema Prisional:

“Inaugurada em 1956 como a finalidade essencial de abrigar presos à espera de julgamento, passou logo após a sua criação a acolher, também, presos condenados. Com capacidade para abrigar 3.250 presos, a Casa de Detenção de São Paulo chegou a hospedar mais de 8.000 homens, recorde mundial de detentos em um único estabelecimento”.

                A superlotação dos presidio é um grande problema para os dias atuais, pois submeter os detentos a condições sub-humanas, compartilhando celas com muitos outros detentos, não traz nenhum benefício a este e muito menos a sociedade, pois, dessa forma não há possibilidade de ressocialização como também fica impossível garantir a esses presos os direitos previstos na Declaração Universal dos Direitos humanos e na Lei de execução penal.

            Esse desrespeito aos direitos humanos fere o art. 1º, III e o art. 5º, III, ambos da Constituição Federal que preceitua que:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituem-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III- a dignidade da pessoa humana

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

            O déficit do sistema prisional acontece em decorrência do rápido crescimento da população carcerária, segundo dados do Depen (2013), só no período de 1990 a 2012 a população carcerária cresceu 511%, enquanto que a população de habitantes teve um aumento de apenas 30%.   

            Em 2014, o Brasil estava com uma população prisional de 607.731 detentos, ocupando o 4º lugar no ranking dos países com maior população carcerária, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, Tailândia e Rússia. Em 2015 essa população já aumentou para 615.933, e atualmente possui um déficit de 244 mil vagas segundo notícia veiculada no site UOL, em 24 de junho de 2015.

            O estado do Ceará é considerado um dos estados do país com o pior sistema carcerário, o ultimo senso realizado e publicado pelo Depen (2013) foi em 2014 e mostrou que havia uma população carcerária de 19.245 e um sistema com capacidade para 11.264.

            Segundo estatísticas feitas pelo Ministério da Justiça, na proporção que a população carcerária está crescendo, em 2075 um em cada dez brasileiros estará preso, por isso é necessário medidas que reduzam essa crescimento, porque se não, em alguns anos a população carcerária vai chegar a um número exorbitante e o Estado continuará não dando conta dessa quantidade de detentos.

            Essa grande quantidade de detentos tem por consequência a formação de facções e a criação de um Código Penal dos presos dentro das penitenciarias, se tornou comum o uso de celulares e drogas. O código penal dos presos se sobressai ao Código Penal Brasileiro, os presos possuem normas de conduta dentro do sistema carcerário e prevê penas cruéis para aqueles descumprem as regras, desrespeitando o devido processo legal. Esse tipo de punição imposta pelos outros presidiários, além de ferir o devido processo legal, fere também o art. 5º XLIX da Constituição Federal, Art. 5º, XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”

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            O sistema penitenciário cearense tem sido considerado um dos piores do país por não possuir meio de ressocializar, pois apresentam celas sujas, um ambiente insalubre onde não é disponibilizado nem meios higiene básica para o detento, causando a proliferação de doenças contagiosas Aderaldo Ribeiro de Queiroz Júnior (2014)

            A lei 7.210 de 11 de julho de 1984, conhecida como Lei de Execução Penal, traz em seu art. 41 o rol dos direitos inerentes a todos os presos, direito esses criados com o intuito de garantir o mínimo de dignidade.

Art. 41 - Constituem direitos do preso:

I - alimentação suficiente e vestuário;

II - atribuição de trabalho e sua remuneração;

III - Previdência Social;

IV - constituição de pecúlio;

V - proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação;

VI - exercício das atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas anteriores, desde que compatíveis com a execução da pena;

VII - assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa;

VIII - proteção contra qualquer forma de sensacionalismo;

IX - entrevista pessoal e reservada com o advogado;

X - visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados;

XI - chamamento nominal;

XII - igualdade de tratamento salvo quanto às exigências da individualização da pena;

XIII - audiência especial com o diretor do estabelecimento;

XIV - representação e petição a qualquer autoridade, em defesa de direito;

XV - contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes.

XVI – atestado de pena a cumprir, emitido anualmente, sob pena da responsabilidade da autoridade judiciária competente. 

Porém devido ao déficit de vagas dentro do sistema carcerário, falta estrutura e de contratação de profissionais que prestem serviços e ao alto índice de reincidência fica quase impossível garantir esses direitos.

Segundo Fernando Ribeiro (2011) em seu artigo publicado no Diário do Nordeste, no estado do Ceará a cada dez presos que são colocados de volta a rua, sete cometem algum crime e retornam ao cárcere.

A lei também prevê que os presos devem ser encarcerados separadamente em celas com 6m², mais na realidade encontramos celas com um número exorbitante de presos, que se revezam para dormir no chão, pois pela quantidade de presos e como espaço é pequeno não cabe todos deitados por isso alguns amarram seus corpos as grades para poder dormir, e em algumas casas de detenção nem colchões são disponibilizados.

Na maioria dos centros de detenção as celas não são suficientes, a higiene é precária, muitas vezes não são disponibilizados aos presos produtos para higiene pessoal, em muitos centro não há enfermarias, ambulatórios, médicos, enfermeiros, dentista, como também não tem como os presos poderem trabalhar ou estudar e quando se trata de presídios femininos falta muita assistência as detentas que estão em período gestacional ou com filhos recém nascidos, falta assistências medica para as crianças e creches Depem (2013)..

Além disso, devido a superlotação, é muito comum acontecerem rebeliões, fugas e brigas entre rivais quase que diariamente, submetendo as pessoas que ali trabalham e os visitantes a um grande risco diário.

Como também devido ao grande número de pessoas, principalmente parentes que visitam os detentos, fica muito difícil fazer uma revista rigoroso e por isso muitas vezes os detentos acabam tendo contato com aparelhos de celular, armas brancas e droga ilícitas, o que aumenta ainda mais a violência dentro das celas, pois além de os presos terem acesso as armas como faca e facões, eles ainda conseguem fazer objetos perfurantes com pedaços de ferro das grades.

Aos cidadãos presos é preciso se garantir o mínimo dos direitos, para que assim ele viva de forma digna e para que possa ser realmente ressocializado, devido à falta de assistência é que o sistema deve superlotar cada vez mais, pois o índice de reincidência aumenta junto.

Um sistema penitenciário que não propõe aos presos a ressocialização não é bom para o Estado e nem para a sociedade. O Estado de Ceará gasta uma média de R$ 1.200,00 (um mil e duzentos reais) para manutenção de cada preso e ainda assim não cumpre a função principal da pena que é ressocializar Aderaldo Ribeiro de Queiroz Júnior (2014).. Para a sociedade falta a sensação de segurança, pois, com o alto índice de delitos praticados cresce também a sensação de violência e insegurança.

Devido a esse alto número da população carcerária o Conselho Nacional de Justiça tem atuado com o intuito de reduzir esse número, organizando mutirões para acelerar o julgamento de presos que aguardam julgamento, revisar processos para que seja colocado em liberdade os presos que já cumpriram o tempo da pena e para conceder os benefícios do livramento condicional e do sursis para aqueles que já possuem direito a esses benefícios.

O último mutirão realizado do Estado do Ceará foi realizado em 2013, o relatório do mutirão foi aprovado em 2014, após a realização foram feitas as seguintes recomendações: construção de unidade prisionais, melhoria na gestão das varas e das varas criminais, concurso público para contratação de novos defensores públicos e agentes penitenciários, melhoria na adequação da revista dos visitantes dos apenados.

O mutirão realizado chegou ao fim com 15.486 processos cadastrados e finalizados. Foram analisados 8.916 processos de presos condenados, sendo concedido 942 benefícios de progressão de regime e livramento condicional. Quanto a extinção da pena privativa de liberdade foram concedidos 109 benefícios, e quanto aos presos provisórios 6570 processos foram analisados o que proporcionou 1304 solturas.

Com essas recomendações feitas pelo mutirão se objetiva proporcionar um sistema eficiente, que garanta aos presos condições dignas para cumprir a pena a eles impostas, fazendo com que a ressocialização realmente aconteça, diminuindo os índices de violência e de ressocialização, construindo assim um sociedade mais civilizada, sem receio de que seus bens juridicamente tutelados sejam atingidos a qualquer momento. Um sistema prisional bem organizado proporciona a ressocialização e faz com que o Estado economize.

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Sobre as autoras
Jessica Maria

Ensino Médio Completo. Ensino Superior Incompleto - Bacharelando em Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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