Capa da publicação Prescrição e responsabilidade civil do poder público
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O prazo prescricional das ações de responsabilidade civil em face do poder público

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O STJ firmou o entendimento de que o prazo prescricional de cinco anos previsto no art. 1o. do Decreto 20.910/32 deve ser ser aplicado à ação indenizatória ajuizada contra a Fazenda Pública, em razão do princípio da especialidade.

1. Introdução

O presente trabalho tem como finalidade analisar a definição do prazo de prescrição das demandas ressarcitórias contra a Fazenda Pública, examinando a divergência entre as previsões contidas no Decreto n. 20.910/32 e no art. 206, §3º, inciso V do Código Civil de 2002, os quais fixam o prazo de prescrição em 5 (cinco) e 3 (três) anos, respectivamente, observando o entendimento da melhor doutrina e analisando a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

A relevância do tema escolhido reside no intenso debate verificado na doutrina e nos tribunais pátrios acerca da divergência da definição do prazo de prescrição das ações de Responsabilidade Civil em face da Fazenda Pública, sendo, até mesmo, definida a questão através de recente decisão do Superior Tribunal de Justiça – STJ, consolidada sob o regime de recursos repetitivos firmada no julgamento do Recurso Especial (Resp) 1.251.993/PR, colaborando o tribunal da cidadania com o princípio da Segurança Jurídica ao uniformizar sua jurisprudência.

Em razão disso, exploramos o tema objetivando responder ao seguinte questionamento: a) qual o prazo prescricional aplicável às demandas de responsabilidade civil ajuizadas em face da Fazenda Pública.


2. Prescrição. Noções Introdutórias

O presente trabalho pretende examinar o instituto da prescrição observado sob a ótica do Estado em juízo e tentar distinguir, nesse passo, em que situações os prazos prescricionais contra a Fazenda Pública variam de 05 (cinco) para 03 (três) anos.

Urge, portanto, antes de averiguarmos o cerne da questão sob análise, expor breves comentários sobre o instituto da prescrição.

Outrora, a doutrina pátria brasileira compreendia a prescrição como sendo a perda ou extinção do direito de ação.

No entanto, o atual Código Civil adotou a tese da prescrição como perda da pretensão, divergente do entendimento antigo de que tratava o instituto como um direito público subjetivo abstrato de ação.

Sobre a referida distinção tratada pelas doutrinas antiga e moderna no que tange a pretensão e a ação, ensina o professor Leonardo José Carneiro da Cunha (2010, p. 71):

O direito subjetivo, a partir de quando passa a ser exigível, dá origem à pretensão. De fato, a partir da exigibilidade do direito, surge ao seu titular o poder de exigir do obrigado a realização do direito, caracterizando a pretensão. Tal exigência, contudo, não comporta qualquer ação, de modo que o ao exercer pretensão o sujeito não age contra ninguém; apenas exige a realização do direto, limitando-se a aguardar a satisfaça por parte do destinatário.

Enquanto exercício da pretensão faz supor que o devedor, premido, atenda ao seu dever jurídico, a ação, uma vez exercida, consiste na prática de atos materiais voltados contra o sujeito passivo, independentemente do seu comportamento. Em outras palavras, no exercício da pretensão, o titular do direito apenas exige seu cumprimento, aguardando o correlato atendimento pelo obrigado. Já na ação, não há tal atitude passiva de espera do cumprimento, despontando, isto sim, a prática de atos conducentes à realização ou concretização do direito.

Nesse sentido, infringido um direito, nasce para o seu titular uma pretensão, que pode ser extinta pela prescrição, consoante dispõe o art. 189 do Código Civil de 2002, in verbis:

Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.

A prescrição, segundo Bevilaqua (2007, p. 401-402), tem como finalidade a necessidade de estabilidade das relações jurídicas, considerando-se uma pena ao titular do direito que permanecer inerte:

A prescrição é uma regra de ordem, de harmonia e de paz, imposta pela necessidade de certeza nas relações jurídicas: finis solicitudinis ac periculi litium, exclamou Cícero. Tolhe o impulso intempestivo do direito negligente, para permitir que se expandam as forças sociais, que lhe vieram a ocupar o lugar vago. E nem se pode alegar que há nisso uma injustiça contra o titular do direito, porque, em primeiro lugar, ele teve tempo de fazer efetivo o seu direito, e, por outro, é natural que o seu interesse, que ele foi o primeiro a desprezar, sucumba diante do interesse mais forte da paz social.

Conceituando com extrema qualidade o instituto da prescrição, colacionamos as lições de Flávio Tartuce (2011, p. 244-245):

Desse modo, se o titular permanecer inerte, tem como pena a perda da pretensão que teria por via judicial. Repise-se que a prescrição constitui um benefício a favor do devedor, pela aplicação da regra de que o direito não socorre aqueles que dormem, diante da necessidade do mínimo de segurança jurídica nas relações negociais.

Por fim, importa esclarecer que Prescrição e Decadência não se confundem. Primeiramente, porque a decadência consiste na perda de um direito em decorrência da ausência do seu exercício. Segundo, os prazos decadenciais tem vínculo com os direitos potestativos, ao passo que os lapsos prescricionais decorrem de direitos subjetivos patrimoniais e relativos.

2.1. O Prazo Prescricional das Ações de Responsabilidade Civil em face do Poder Público. Breves Considerações

Pretende-se debater a respeito da reparação civil nas quais a parte demanda contra o ente fazendário, com vistas a obter alguma espécie de ressarcimento por um dano ocasionalmente sucedido.

O trabalho proposto tem como finalidade expor o entendimento da doutrina e da jurisprudência acerca do prazo prescricional das Ações de Responsabilidade Civil em face do Poder Público. Nessa seara, portanto, o objeto da celeuma consiste em saber qual o prazo de prescrição aplicável às ações que veiculem pretensões ressarcitórias.

A questão relativa ao prazo prescricional em face da Administração Pública nas demandas indenizatórias merece extremos cuidados. Senão, vejamos.

O artigo 1º do Decreto n. 20.910, de 06 de janeiro de 1932, delibera que as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Pública, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originaram:

Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

Percebe-se que o decreto estabelece o prazo de 5 (cinco) anos para qualquer ação contra a Fazenda Pública, federal, estadual ou municipal, qualquer que seja a sua natureza, dentre elas a ação condenatória em face do Estado. Em meio às ações condenatórias, despontam aquelas em que se pleiteia a condenação da Administração ao pagamento de indenização em decorrência de sua responsabilidade pelo fato danoso.

Entretanto, o mesmo Decreto n. 20.910/1932 ordena a aplicação de prazos menores acaso existentes no ordenamento jurídico, com fulcro no art. 10, abaixo destacado:

Art. 10. O disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de menor prazo, constantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas às mesmas regras.

A demanda de reparação civil contra a Fazenda Pública subordinava-se ao prazo prescricional qüinqüenal. Ocorre, todavia, que o Código Civil de 2002 fixou que o prazo prescricional das pretensões reparatórias, que na vigência do CC-1916 era de 20 anos, passa a ser de apenas 3 (três) anos. Vejamos como dispõe o art. 206, parágrafo §3º, inc. V:

Art. 206. Prescreve:

§ 3º Em três anos:

V - a pretensão de reparação civil;

Logo, a questão central cinge-se em saber se, para os casos em que pleiteada reparação civil em face da Fazenda Pública, deve ser aplicado o prazo prescricional previsto no Decreto nº 20.910/32, ou seja, de cinco anos, ou se o prazo previsto no art. 206, § 3º, do CC/2002, isto é, de três anos.

2.2. A tese doutrinária do prazo prescricional trienal nas demandas de reparação civil em face da Fazenda Pública

A tese do prazo de prescrição trienal nas ações ajuizadas em face da Fazenda Pública é defendida no âmbito doutrinário, dentre outros renomados doutrinadores, por José dos Santos Carvalho Filho e Leonardo José Carneiro da Cunha.

Doutrina favorável à tese sustenta que, com a promulgação do Código Civil de 2002, o prazo prescricional aplicável nas demandas de ressarcimento manifestadas contra a Fazenda Pública deixava de ser de 5 (cinco) anos, para ser de 3 (três) anos, prevalecendo a legislação posterior em face do Decreto 20.910/32.

Enquanto o art. 206, parágrafo 3º, inciso V do Código Civil enaltece que prescreve em três anos a pretensão da reparação civil, ao passo que o art. 1º do Decreto nº. 20.910/32 dispõe “as dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza [...]” prescrevem em cinco anos.

Mesmo que, a priori, os princípios básicos da hermenêutica guiem para a conclusão de que prevalece, no caso, a aplicação da lei especial sobre a lei geral, tem-se, entrementes, que o conflito das normas encontra expressa solução diante do art. 10 do Decreto 20.910/32, cujo estabelece que o “disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de menor prazo, constantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas às mesmas regras”.

Como se observa, o legislador estatuiu a prescrição de cinco anos em benefício das Pessoas Jurídicas de Direito Público e, com o manifesto objetivo de favorecer os entes públicos, estipulou que, no caso da eventual existência de prazo prescricional menor a incidir em situações específicas, o prazo quinquenal seria afastado neste particular. É exatamente essa a situação em apreço, daí porque se revela legítima a incidência na espécie do prazo prescricional de três anos, fruto do advento do Código Civil de 2002.

A tese ora tratada utiliza o argumento através de interpretação teleológica do ato normativo consubstanciado no Decreto nº 20.910/1932. Para a referida doutrina, o prazo quinquenal do decreto supracitado emanou com a finalidade de beneficiar a Fazenda Pública, estipulando que, no caso da eventual existência de prazo prescricional menor a incidir em situações específicas, o prazo quinquenal seria afastado nesse particular, conforme inteligência do art. 10 do referido decreto.

Nesse sentido, em que pese a existência do princípio da especialidade, o próprio legislador no Decreto n. 20.910/32 previu, de maneira expressa, o afastamento do prazo de prescrição de cinco anos no caso da existência de prazo prescricional inferior. A situação em apreço se encaixa exatamente nesse contexto, razão pela qual revela-se legítima a incidência na espécie do prazo prescricional de três anos, corolário do Código Civil de 2002.

Diante da maestria do ensinamento, trago à baila a lição de Leonardo Carneiro da Cunha (2010, p. 88-90):

Significa que a prescrição das pretensões formuladas contra a Fazenda Pública é quinquenal, ressalvados os casos em que a lei estabeleça prazos menores. Na verdade, os prazos prescricionais inferiores a 5 (cinco) anos beneficiam a Fazenda Pública.

Diante disso, a pretensão de reparação civil contra a Fazenda Pública submete-se ao prazo prescricional de 3 (três) anos, e não à prescrição quinquenal. Aplica-se, no particular, o disposto no art. 206, parágrafo 3º, V, do Código Civil de 2002, não somente em razão do que estabelece o art. 10 do Decreto nº 20.910/32, mas também por se tratar de norma posterior. E, como se sabe, a norma posterior, no assunto tratado, revoga a anterior.

O que se percebe, em verdade, é um nítido objetivo de beneficiar a Fazenda Pública. A legislação especial conferiu-lhe um prazo diferenciado de prescrição em seu favor.

Enquanto a legislação geral (Código Civil de 1916) estabelecia um prazo de prescrição de 20 (vinte) anos, a legislação específica (Decreto nº 20.910/32) previa um prazo de prescrição próprio de 5 (cinco) anos para as pretensões contra a Fazenda Pública. Nesse intuito de beneficiá-la, o próprio Decreto nº 20.910/32, em seu art. 10, dispõe que os prazos menores devem favorecê-la.

A legislação geral atual (Código Civil de 2002) passou a prever um prazo de prescrição de 3 (três) anos para as pretensões de reparação civil. Ora, se a finalidade das normas contidas no ordenamento jurídico é conferir um prazo menor à Fazenda Pública, não há razão para o prazo geral - aplicável a todos, indistintamente - ser inferior àquele outorgado às pessoas jurídicas de direito público. A estas deve ser aplicado, ao menos, o mesmo prazo, e não um superior, até mesmo em observância ao disposto no art. 10 do Decreto nº 20.910/32.

Enfim, a pretensão de reparação civil contra a Fazenda Pública sujeita-se ao prazo prescricional de 3 (três) anos, e não à prescrição quinquenal (op cit, p. 85).

Na mesma esteira de entendimento, segue a doutrina de Carvalho Filho (2007, p. 498-499):

O vigente Código Civil, no entanto, introduziu várias alterações na disciplina da prescrição, algumas de inegável importância. Uma delas diz respeito ao prazo genérico da prescrição que passou de vinte (específica para direitos pessoais) para dez anos (art. 205). Outra é a que fixa o prazo de três anos para a prescrição da pretensão de reparação civil. Vale dizer: se alguém sofre dano por ato ilícito de terceiro, deve exercer a pretensão reparatória (ou indenizatória) no prazo de três anos, pena de ficar prescrita e não poder mais ser deflagrada.

Como o texto se refere à reparação civil de forma genérica, será forçoso reconhecer que a redução do prazo beneficiará tanto as pessoas públicas como as de direito privado prestadoras de serviços públicos. Desse modo, ficarão derrogados os diplomas acima no que concerne à reparação civil.

Cumpre nessa matéria recorrer à interpretação normativo-sistemática. Se a ordem jurídica sempre privilegiou a Fazenda Pública, estabelecendo prazo menor de prescrição da pretensão de terceiros contra ela, prazo esse fixado em cinco anos pelo Decreto 20.910/32, raia ao absurdo admitir a manutenção desse mesmo prazo quando a lei civil, que outrora apontava prazo bem superior àquele, reduz significativamente o período prescricional, no caso para três anos (pretensão à reparação civil). Desse modo, se é verdade, de um lado, que não se pode admitir prazo inferior a três anos para a prescrição da pretensão à reparação civil contra a Fazenda, em virtude de inexistência de lei especial em tal direção, não é menos verdadeiro, de outro, que tal prazo não pode ser superior, pena de total inversão do sistema lógico-normativo; no mínimo, é de aplicar-se o novo prazo fixado agora pelo Código Civil.

Interpretação lógica não admite a aplicação, na hipótese, das regras de direito intertemporal sobre lei especial e lei geral, em que aquela prevalece a despeito do advento desta. A prescrição da citada pretensão de terceiros contra as pessoas públicas e as de direito privado prestadoras de serviços públicos passou de quinquenal para trienal.

Doutrina reconhecida no âmbito do direito privado também foi favorável à tese da prescrição trienal. Assim, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2012, p. 747) são firmes no sentido de que:

(...) a ação promovida pelo particular contra a Administração Pública deverá ser ajuizada dentro do prazo previsto na norma jurídica. A matéria está regulada pelo Decreto nº 20.910/32, que fixou um prazo quinquenal menor para a propositura das ações contra as Fazendas federal, estadual e municipal. Em seguida, o Decreto-lei nº 4.597/42 elasteceu a regra para alcançar, também, as autarquias. Não alcançava, contudo, as pessoas jurídicas de direito privado componentes da Administração Pública indireta.

A regra da prescrição quinquenal da pretensão contrária ao Estado foi esquadrinhada quando se encontrava em vigor o Código Civil de 1916, que, por sua vez, estabelecia o prazo de vinte anos para a ação reparatória de danos no direito privado. Com o advento da Lei Civil de 2002, porém, o prazo da pretensão reparatória de danos foi diminuído para três anos, aplicando-se, por igual, às pretensões dirigidas à Fazenda Pública. É que não há justificativa para um tratamento diverso para regulamentar as pretensões reparatórias contra o Estado, devendo se submeter ao prazo trienal - que foi estabelecido em razão da especificidade da pretensão de direito material subjacente. Considere-se, inclusive, que na vigência do Código Civil de 1916 o Estado mereceu prazo diferenciado, não podendo se submeter a um prazo tão elástico (que era de vinte anos). Ora, se, hodiernamente, nem mesmo os particulares podem se submeter a prazos tão alongados, merecendo diminuição para três anos, esta redução haverá de atingir, também, as pretensões ressarcitórias dirigidas à Fazenda Pública.

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Demais disso, mesmo que não seja aplicado o entendimento com base na interpretação normativo-sistemática do Decreto 20.910/32, diante de seu art. 10, como o artigo 206, § 3º, inciso V atual Código Civil estatui ser tão somente de 03 (três) anos o prazo prescricional para as pretensões relativas à reparação civil, fugiria à lógica que a prescrição contra a Administração possuísse prazo superior a este, pena de afronta ao interesse público de proteção ao erário, em aplicação ao Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado. Doutrina respeitável segue tal entendimento, conforme as lições de Hely Lopes (2004, p. 101-102):

Também chamado de princípio da supremacia do interesse público ou da finalidade pública, com o nome de interesse público a Lei 9.784/99 coloca-o como um dos princípios de observância obrigatória pela Administração Pública (cf. art. 2º, caput), correspondendo ao ‘atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competência, salvo autorização em lei’ (art. 2º, parágrafo único, II).

O princípio do interesse público está intimamente ligado ao da finalidade. A primazia do interesse público sobre o privado é inerente à atuação estatal e domina-a, na medida em que a existência do Estado justifica-se pela busca do interesse geral. Em razão dessa inerência, deve ser observado mesmo quando as atividades ou serviços públicos forem delegados aos particulares.

(...)

Como bem ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, o ‘princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é princípio geral de Direito inerente a qualquer sociedade. É a própria condição de sua existência. Assim, não se radica em dispositivo específico algum da Constituição, ainda que inúmeros aludam ou impliquem manifestações concretas dele, como, por exemplo, os princípios da função social da propriedade, da defesa do consumidos ou do meio ambiente (art. 170, III, V e VI), ou tantos outros, Afinal, o princípio em causa é um pressuposto lógico do convívio social’.

A administrativista Odete Medauar (2009, 133) segue o mesmo posicionamento:

A expressão interesse público pode ser associada a bem de toda a coletividade, à percepção geral das exigências da vida na sociedade. Esse princípio vem apresentado tradicionalmente como o fundamento de vários institutos e normas do direito administrativo e, também, de prerrogativas e decisões, por vezes arbitrárias, da Administração Pública. Mas vem sendo matizado pela ideia de que à Administração cabe realizar a ponderação dos interesses presentes numa determinada circunstância, para que não ocorra sacrifício a priori de nenhum interesse; o objetivo dessa função está na busca de compatibilidade ou conciliação dos interesses, com a minimização de sacrifícios.

Nessa toada, o Superior Tribunal de Justiça, através de suas turmas de Direito Público, chegou ao entendimento no sentido da aplicação do prazo prescricional trienal previsto no Código Civil de 2002 nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, conforme julgados a seguir:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. DECRETO Nº 20.910/32. ADVENTO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. REDUÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA TRÊS ANOS.

1. O legislador estatuiu a prescrição de cinco anos em benefício do Fisco e, com o manifesto objetivo de favorecer ainda mais os entes públicos, estipulou que, no caso da eventual existência de prazo prescricional menor a incidir em situações específicas, o prazo quinquenal seria afastado nesse particular. Inteligência do art. 10 do Decreto nº 20.910/32.

2. O prazo prescricional de três anos relativo à pretensão de reparação civil art. 206, § 3º, V, do Código Civil de 2002 prevalece sobre o quinquênio previsto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32.

3. Recurso especial provido.

(REsp 1137354/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/09/2009, DJe 18/09/2009)

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. PRETENSÃO INDENIZATÓRIA. PRAZO PRESCRICIONAL. INCIDÊNCIA, NA ESPÉCIE, DO ART. 206, § 3º, INC. V, DO NOVO CÓDIGO, EM DETRIMENTO DO DECRETO N. 20.910/32.

1. No âmbito desta Corte Superior, pacificou-se o entendimento no sentido de que aplica-se o prazo prescricional de três anos previsto no art. 206, § 3º, inc. V, do Código Civil de 2002, em detrimento ao de cinco anos do art. 1º do Decreto n. 20.910/32, em relação às pretensões de reparação civil contra os entes públicos sempre que assim determinarem a regra de transição e/ou a data da ocorrência do fato danoso. Precedentes.

2. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem consignou que a data do evento danos ocorreu em 9.8.2003. Assim sendo, ocorreu o transcurso do prazo trienal, pois a presente demanda foi proposta em 30.7.2008, o que caracteriza a consumação da prescrição.

3. Recurso especial não provido.

(REsp 1238260/PB, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/04/2011, DJe 05/05/2011)

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. DECRETO 20.910/1932. ADVENTO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. REDUÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL PARA TRÊS ANOS.

1. O legislador estatuiu a prescrição qüinqüenal em benefício do Fisco e, com manifesto objetivo de favorecer ainda mais os entes públicos, estipulou que, no caso de eventual existência de prazo prescricional menor a incidir em situações específicas, o de cinco anos seria afastado nesse particular. Inteligência do art. 10 do Decreto 20.910/1932.

2. O prazo prescricional de três anos relativo à pretensão de reparação civil - art. 206, § 3º, V, do Código Civil de 2002 - prevalece sobre o qüinqüênio previsto no art. 1º do Decreto 20.910/32. Precedentes do STJ.

3. Recurso Especial provido.

(STJ, REsp 1.217.933/RS, Segunda Turma, Min. Herman Benjamin, j. 22/03/2011, p. DJe 25/04/2011). [destaque nosso]

Registre-se, entretanto, que no âmbito do STJ também havia decisões divergentes da tese acima debatida, com decisões da corte superior acolhendo o prazo de cinco anos:

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO. ARTIGO 206, § 3º, V, DO CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE. ARTIGO 1º DO DECRETO Nº 20.910/32. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.

1. O prazo prescricional da pretensão reparatória contra o Estado, seja federal, estadual ou municipal é de cinco anos, nos termos do artigo 1º do Decreto nº 20.910/32. Precedentes, entre eles: EREsp 1081885/RR, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, julgado em 13/12/2010, DJe 01/02/2011.

2. Recurso especial provido.

(STJ, REsp 1.236.599/RR, Segunda Turma, Rel. Min. Castro Meira, j. 08/05/2012, p. DJe 21/05/2012).[destacado]

Mesmo com o forte posicionamento doutrinário, a tese do prazo prescricional de 3 (três) anos em relação às demandas de ressarcimento ajuizadas em face da Fazenda Pública não prevaleceu no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, sendo a controvérsia definida mediante recente decisão do Tribunal da Cidadania, no final do ano de 2012, consolidada sob o regime de recursos repetitivos firmada no julgamento do Recurso Especial (Resp) 1.251.993/PR, preponderando o prazo prescricional de 5 anos, preceituado no Decreto 20.910/32, segundo analisaremos em seguida.

2.3. A Tese do Prazo Prescricional Quinquenal nas demandas de reparação civil em face da Fazenda Pública. Entendimento Prevalente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça

O tema analisado no presente trabalho não estava pacificado, visto que o prazo prescricional nas ações indenizatórias contra a Fazenda Pública é defendida de maneira antagônica nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial. De fato, as Turmas de Direito Público do Superior Tribunal de Justiça divergiam sobre a matéria, porquanto existem julgados de ambos os órgãos julgadores no sentido da aplicação do prazo prescricional qüinqüenal ou trienal - previsto no Código Civil de 2002, nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública.

Em razão disso, a controvérsia foi submetida à Primeira Seção do STJ para ser julgada de acordo com a sistemática do art. 543-C Código de Processo Civil, regulamentada pela Resolução STJ n. 8/2008, qual seja o rito dos Recursos Repetitivos.

Nesse sentido, instado a se manifestar sobre a divergência, o Superior Tribunal de Justiça definiu seu entendimento no sentido de que incide o Decreto n. 20.910/32 no tocante a prescrição nas demandas de reparação civil formuladas em face da Fazenda Pública, configurando-se o prazo prescricional qüinqüenal.

O principal fundamento para a estabilização da tese residiu no entendimento de que o prazo prescricional em tal hipótese regula-se pela natureza especial (Princípio da Especialidade) do Decreto 20.910/32, que regula a prescrição, seja qual for a sua natureza, das pretensões formuladas contra a Fazenda Pública, ao contrário da disposição prevista no Código Civil, norma geral que regula o tema de maneira genérica, a qual não altera o caráter especial da norma, muito menos tendo a possibilidade de determinar a sua revogação.

Registre-se o entendimento do Ministro Relator Mauro Campbell Martins, seguido por unanimidade, de que quando o Código Civil pretende abordar temas de direito público, o mesmo é expresso em seus dispositivos, como no caso do seu art. 43 (“as pessoas jurídicas de direito público), na disposição dos "bens públicos" no art. 99 e a expressão "Fazenda Pública" contida no art. 965, inciso VI do CC/02), além de outros exemplos. No caso do art. 206, § 3º, V, do CC, que trata da prescrição trienal nas ações de responsabilidade civil, inexistiu a previsão expressa de aplicação à Fazenda Pública.

Nesse passo, exibimos a lição de Rui Stoco (2007, p. 207-208):

Segundo dispunha o art. 178, §10, VI, do CC/16, prescrevia em cinco anos qualquer direito contra a Fazenda Pública.

O atual Código Civil em vigor não repetiu essa disposição, restando a indagação acerca do prazo prescricional para o Poder Público.

A omissão foi intencional, pois o Código Civil não rege as relações informadas pelo direito público, entre o administrador e o administrando.

Ademais, ainda que assim não fosse, cabe obtemperar que a lei geral não revoga a legislação especial.

Portanto, a ação de reparação do dano contra a Fazenda Pública, seja a que título for, prescreve em cinco anos. Esse também o entendimento esposado por Misael Montenegro Filho em artigo de doutrina acerca do novo Código Penal

(Responsabilidade civil no novo Código Civil brasileiro. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Renovar, v. 229, p. 122, jul.-set./2002).

E para não deixar qualquer dúvida a respeito, o Dec. 20.910, de 06.01.32, preceitua que as ações contra as pessoas jurídicas de direito público prescrevem em cinco anos. Pôs a lume, assim, o princípio da actio nata.

Não se pode mesmo admitir que os direitos defendidos por particulares sejam imprescritíveis, mormente quando se tem em vista o claro propósito do legislador de editar o Dec. 20.910, de 06.01.32, que foi o de conceder estabilidade às relações entre a Administração e seus administrados e servidores, em prol, inclusive, dos interesses maiores da própria coletividade, independentemente de considerações ligadas a noções de injustiça ou iniquidade da solução legal.

Cabe anotar que o DL 4.597, de 19.08.42, dispõe em seu art. 2º que “O Dec. 20.910/32, que regula a prescrição quinquenal, abrange as dívidas passivas das autarquias, ou entidades e órgãos paraestatais, criados por lei e mantidos mediante impostos, taxas ou qualquer contribuições exigidas em virtude de lei federal, estadual ou municipal, bem como a todo e qualquer direito e ação contra os mesmos”.

Portanto, mesmo com relação à administração indireta do Estado, a prescrição obedece o prazo de cinco anos previsto no Dec. 20.910/32.

Não obstante a previsão específica de prescrição quinquenal para as pessoas jurídicas de direito público constante do vetusto Dec. 20/910/32, estendida para as autarquias e entidades paraestatais pelo DL 4.597/42, o art. 1º-C da Lei 9.494, de 10.09.97, incluído pela MP 2.180-35, de 24.08.2001, assim estabelece: “Art. 1º-C. Prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.”

Resulta claro o objetivo de conceder prazo menor para as pessoas jurídicas de direito privado, quando prestadoras de serviços públicos, de modo a manter simetria com o prazo prescricional previsto para o Poder Público. Essa afirmação é feita considerando que a referida MP 2.180-35/2001 foi editada e convertida em lei quando ainda vigia o Código Civil de 1916, que previa o prazo bem mais alongado no art. 177, ou seja, de 10 anos para as ações pessoais.

Felizmente, contudo, o dinamismo da criação legislativa restou por favorecer as vítimas, nas hipóteses de danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos, pois, assim não fosse, o prazo seria de apenas três anos, conforme dispõe p art. 206, § 3º, V, do CC/2002. Como a Lei 9.494/97 equiparou as pessoas de serviços públicos, ás pessoas jurídicas de direito privado, desde que prestadoras de serviços públicos, às pessoas jurídicas de direito público para efeito de reparação de danos, prevalece para ambas a prescrição quinquenal. Ademais e como não se desconhece, a lei geral posterior não revoga a legislação especial que lhe seja anterior.

O Direito, como se sabe, é um sistema de normas harmonicamente articuladas.

Uma situação não pode ser regida simultaneamente por duas disposições legais que se contraponham. Para solucionar essas hipóteses de conflito de leis, o ordenamento jurídico se serve de três critérios tradicionais: o da hierarquia – pelo qual a lei superior prevalece sobre a inferior -, o cronológico – onde a lei posterior prevalece sobre a anterior – e o da especialização – em que a lei específica prevalece sobre a lei geral.

A doutrina de Lucas Rocha Furtado (2010, p. 1042) segue a mesma trilha de entendimento, abaixo exposta:

O prazo prescricional previsto no Código Civil, art. 206, §3°, para as ações de reparação é de três anos. Essa regra genérica contida no Código não se aplica, todavia, às ações de indenização propostas contra o poder público em razão da vigência de regras especiais sobre o tema.

Nos termos do art. 1°-C, da Lei n° 9.494, de 1997, com a redação dada pela MP n° 2.180, de 2001, o prazo prescricional para a propositura das ações de indenização por danos causados “por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos” é de cinco anos.

A redação do dispositivo acima reitera a regra da prescrição quinquenal fixada pelo Decreto n° 20.910, de 1932. Nos termos deste decreto, as ações judiciais propostas contra o poder público prescrevem em cinco anos. Por força do Decreto n° 4.597, de 1942, esse prazo de cinco anos é aplicável a todas as ações propostas contra as pessoas jurídicas de Direito Público.

A redação do citado art. 1º-C da Lei n° 9.494, de 19997, inova em relação à sistemática fixada pelo decreto de 1932 em razão da extensão dada, fazendo compreender no âmbito da aplicação do prazo prescricional de cinco não apenas a Fazenda Pública (pessoas jurídicas de Direito Público), as quais se submetiam a esse prazo por força dos Decretos nºs 20.910, de 1932, e 4.597, de 1942, mas igualmente as pessoas jurídicas de Direito Privado prestadoras de serviço público.

Por esse lado, prevalece o entendimento majoritário na doutrina no sentido do prazo de prescrição quinquenal para as ações reparatórias contra o Poder Público. Nos dizeres da ilustríssima Maria Sylvia Di Pietro (2011, p. 769) o Decreto 20.932/32 não afeta o CC/2002, pois este disciplina a prescrição incidente nas relações entre particulares, enquanto naquele nas relações que envolvem o Poder Público.

No mesmo sentido, a orientação de Marçal Justen Filho (2010, p. 1296-1299):

A questão da ação de reparação de danos

Como já referido, o art. 206, § 3°, V, do Código Civil fixa em três anos o prazo da prescrição da ação versando pretensão de reparação civil. Essa regra não se aplica às ações que envolvam pretensão de reparação civil dirigida contra a Fazenda Pública.

Assim se passa porque a regra do Código Civil é genérica. A prescrição da ação versando pretensão contra a Fazenda Pública está disciplinada de modo especial no Decreto n. 20.910/32.

O argumento de que o Código Civil disciplina de modo genérico a todas as ações, inclusive aquelas contra a Fazenda Pública, foi rejeitado já na vigência do Código anterior. O Código de 1916 estabelecia que as ações pessoais prescreviam em 20 anos. Lembre-se que essa disposição constava do art. 177, cuja redação foi determinada pela Lei n. 2.437/55. Essa regra geral em nada afetou a disciplina especial que já estava prevista no Decreto n. 20.910/32.

Ou seja, consagrou-se a orientação de que prevalecia a lei anterior especial sobre prescrição em face da Fazenda Pública, a qual determinava o prazo de cinco anos para prescrição das ações. A lei posterior, que fixara o prazo de prescrição de vinte anos para as ações pessoais, foi reputada como norma geral, não apta a afetar a disciplina constante da norma especial.

(...)

Nesse último julgado, o voto do Relator invocou um princípio de proteção à Fazenda Pública, que teria conduzido, no passado, à redução dos prazos prescricionais de ações exercitadas perante ela. Ademais, aludiu ao art. 10 do Decreto n. 20.910/32, que previu que “o disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de menor prazo, constantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas Pás mesmas regras”. Com o maior respeito, os dois argumentos são improcedentes.

Em primeiro lugar, as orientações políticas norteadas à proteção da Fazenda Pública em face dos cidadãos deixaram de ser recepcionadas pela Constituição de 1988. A dita “Constituição Cidadã” é impregnada pelo reconhecimento e proteção aos direitos fundamentais dos cidadãos, inclusive perante o Estado. Justamente por isso, a CF/88 – na esteira de uma longa tradição constitucional – impõe a responsabilidade objetiva da Administração Pública por ações e omissões aptas a acarretar danos a particulares. Em suma, a ordem constitucional brasileira adota principiologia oposta àquela referida no v. acórdão. O regime da responsabilização civil da Administração Pública é muito mais severo do que o reservado para os particulares.

Tanto bastaria para afastar a invocação ao art. 10 do Decreto n. 20.910/32, o qual demanda uma interpretação conforme. Mas há outro argumento, igualmente robusto. O art. 1° do Decreto n. 20.910 veiculou regra especial para a prescrição em face da Fazenda Pública. O art. 10 restringiu-se a determinar que o referido dispositivo não se aplicaria em caso de existência à época de outros prazos mais reduzidos.

Ora, a superveniência do Código Civil não alterou a natureza especial da regra do art. 1º do Dec. N. 20.910. Logo, esse dispositivo continua em vigor. Mas, aplicando a interpretação adotada pelo v. acórdão do STJ para o art. 10 do mesmo diploma, o dito art. 1º perderia a vigência. Assim se passaria porque o art. 1º do Decreto n. 20.910 não seria aplicável em hipóteses alguma. Esse resultado hermenêutico é descabido. Tem de reputar-se que a regra especial do art. 1º do Decreto n. 20.910 apenas perderá a sua vigência em virtude da edição superveniente de uma norma especial que assim o determine expressa ou implicitamente.

Ademais, a consagração da prescrição trienal para as dívidas da Fazenda Pública acabaria gerando efeitos desastrosos, eis que idêntico prazo teria de ser adotado para os seus créditos. Seria um despropósito a existência de prazos distintos para as dívidas e para os créditos da Fazenda. Portanto, a interpretação questionada acabaria conduzindo à redução do prazo prescricional para os créditos fazendários.

O STJ ao firmar a tese diante do regime do art. 543-C do CPC apenas corroborou o posicionamento majoritário perante suas Turmas de direito público:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. INDENIZAÇÃO POR DESVIO DE FUNÇÃO. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. DECRETO N. 20.910/1932. ART. 206, § 3º, DO CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE.

1. Caso em que se discute se o prazo prescricional para o pagamento da indenização por desvio de função seria o trienal previsto no art. 206, § 3º, incisos IV e V, do Código Civil, ou o quinquenal estabelecido no Decreto 20.910/1932.

2. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça firmou-se no sentido de que é quinquenal o prazo prescricional para propositura da ação de qualquer natureza contra a Fazenda Pública, a teor do art. 1° do Decreto n. 20.910/32, afastada a aplicação do Código Civil. Precedentes: AgRg no REsp n. 969.681/AC, Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJe 17/11/2008; AgRg no REsp n. 1.073.796/RJ, Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 1/7/2009; AgRg no Ag 1.230.668/RJ, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, DJe 24/5/2010.

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg no AREsp 69.696/SE, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 21.8.2012)

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. PRAZO PRESCRICIONAL. DECRETO 20.910/32. QUINQUENAL. ACÓRDÃO EMBARGADO EM HARMONIA COM A JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO. DIVERGÊNCIA SUPERADA. SÚMULA 168/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.

1. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o EREsp 1.081.885/RR, consolidou o entendimento no sentido de que o prazo prescricional aplicável às ações de indenização contra a Fazenda Pública é de cinco anos, previsto no Decreto 20.910/32, e não de três anos, por se tratar de norma especial que prevalece sobre a geral.

2. "Não cabem embargos de divergência, quando a jurisprudência do tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão embargado" (Súmula 168/STJ).

3. Agravo regimental não provido.

(AgRg nos EREsp 1.200.764/AC, 1ª Seção, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe de 6.6.2012)

ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. PRESCRIÇÃO. PRAZO. ARTIGO 206, § 3º, V, DO CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE. ARTIGO 1º DO DECRETO Nº 20.910/32. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.

1. O prazo prescricional da pretensão reparatória contra o Estado, seja federal, estadual ou municipal é de cinco anos, nos termos do artigo 1º do Decreto nº 20.910/32. Precedentes, entre eles: EREsp 1081885/RR, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, julgado em 13/12/2010, DJe 01/02/2011.

2. Recurso especial provido.

(REsp 1.236.599/RR, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 21.5.2012)

Como se vê, o Superior Tribunal de Justiça consolidou seu entendimento, através de sua Primeira Seção, de maneira unânime, diante do REsp 1.251.993/PR, submetido ao regime dos recursos repetitivos, de que o prazo prescricional de 5 (cinco) anos previsto no art. 1o. do Decreto 20.910/32 deve ser aplicado à ação indenizatória ajuizada contra a Fazenda Pública seja ela federal, estadual ou municipal, cuja ementa extremamente didática segue abaixo:

ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ARTIGO 543-C DO CPC). RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL (ART. 1º DO DECRETO 20.910/32) X PRAZO TRIENAL (ART. 206, § 3º, V, DO CC). PREVALÊNCIA DA LEI ESPECIAL. ORIENTAÇÃO PACIFICADA NO ÂMBITO DO STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.

1. A controvérsia do presente recurso especial, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC e da Res. STJ n 8/2008, está limitada ao prazo prescricional em ação indenizatória ajuizada contra a Fazenda Pública, em face da aparente antinomia do prazo trienal (art. 206, § 3º, V, do Código Civil) e o prazo quinquenal (art. 1º do Decreto 20.910/32).

2. O tema analisado no presente caso não estava pacificado, visto que o prazo prescricional nas ações indenizatórias contra a Fazenda Pública era defendido de maneira antagônica nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial. Efetivamente, as Turmas de Direito Público desta Corte Superior divergiam sobre o tema, pois existem julgados de ambos os órgãos julgadores no sentido da aplicação do prazo prescricional trienal previsto no Código Civil de 2002 nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública. Nesse sentido, os seguintes precedentes: REsp 1.238.260/PB, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 5.5.2011; REsp 1.217.933/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 25.4.2011; REsp 1.182.973/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 10.2.2011; REsp 1.066.063/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe de 17.11.2008; EREsp 1.066.063/RS, 1ª Seção, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 22/10/2009). A tese do prazo prescricional trienal também é defendida no âmbito doutrinário, dentre outros renomados doutrinadores: José dos Santos Carvalho Filho ("Manual de Direito Administrativo", 24ª Ed., Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2011, págs. 529/530) e Leonardo José Carneiro da Cunha ("A Fazenda Pública em Juízo", 8ª ed, São Paulo: Dialética, 2010, págs. 88/90).

3. Entretanto, não obstante os judiciosos entendimentos apontados, o atual e consolidado entendimento deste Tribunal Superior sobre o tema é no sentido da aplicação do prazo prescricional quinquenal - previsto do Decreto 20.910/32 - nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002.

4. O principal fundamento que autoriza tal afirmação decorre da natureza especial do Decreto 20.910/32, que regula a prescrição, seja qual for a sua natureza, das pretensões formuladas contra a Fazenda Pública, ao contrário da disposição prevista no Código Civil, norma geral que regula o tema de maneira genérica, a qual não altera o caráter especial da legislação, muito menos é capaz de determinar a sua revogação. Sobre o tema: Rui Stoco ("Tratado de Responsabilidade Civil". Editora Revista dos Tribunais, 7ª Ed. - São Paulo, 2007; págs. 207/208) e Lucas Rocha Furtado ("Curso de Direito Administrativo". Editora Fórum, 2ª Ed. - Belo Horizonte, 2010; pág. 1042).

5. A previsão contida no art. 10 do Decreto 20.910/32, por si só, não autoriza a afirmação de que o prazo prescricional nas ações indenizatórias contra a Fazenda Pública foi reduzido pelo Código Civil de 2002, a qual deve ser interpretada pelos critérios histórico e hermenêutico. Nesse sentido: Marçal Justen Filho ("Curso de Direito Administrativo". Editora Saraiva, 5ª Ed. - São Paulo, 2010; págs. 1.296/1.299).

6. Sobre o tema, os recentes julgados desta Corte Superior: AgRg no AREsp 69.696/SE, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 21.8.2012; AgRg nos EREsp 1.200.764/AC, 1ª Seção, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe de 6.6.2012; AgRg no REsp 1.195.013/AP, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 23.5.2012; REsp 1.236.599/RR, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 21.5.2012; AgRg no AREsp 131.894/GO, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 26.4.2012; AgRg no AREsp 34.053/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 21.5.2012; AgRg no AREsp 36.517/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 23.2.2012; EREsp 1.081.885/RR, 1ª Seção, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 1º.2.2011.

7. No caso concreto, a Corte a quo, ao julgar recurso contra sentença que reconheceu prazo trienal em ação indenizatória ajuizada por particular em face do Município, corretamente reformou a sentença para aplicar a prescrição quinquenal prevista no Decreto 20.910/32, em manifesta sintonia com o entendimento desta Corte Superior sobre o tema.

8. Recurso especial não provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008.

(REsp 1251993/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/12/2012, DJe 19/12/2012)

Dessa maneira, o STJ rejeitou a tese de prescrição trienal do CC/02 propagada pela Fazenda Pública, consolidando-se definitivamente em favor da prevalência do prazo quinquenal previsto no Decreto nº. 20.910/32 nas ações indenizatórias ajuizadas em face do Poder Público, pela preponderância do critério da especialidade do Decreto 20.910/32 sobre a norma geral do Código Civil.


3. Conclusão

Considerando-se a divergência doutrinária e jurisprudencial, o Superior Tribunal de Justiça, instado a se manifestar sobre a divergência, definiu sua posição no sentido de que incide o Decreto n. 20.910/32 no tocante a prescrição nas demandas de reparação civil formuladas em face da Fazenda Pública, configurando-se o prazo prescricional qüinqüenal, com base, precipuamente, no entendimento de que o prazo prescricional em tal hipótese regula-se pela natureza especial - Princípio da Especialidade do Decreto 20.910/32, que regula a prescrição, seja qual for a sua natureza, das pretensões formuladas contra a Fazenda Pública, ao contrário da disposição prevista no Código Civil, norma geral que regula o tema de maneira genérica, a qual não altera o caráter especial da norma, muito menos tendo a possibilidade de determinar a sua revogação.

Registre-se que a tese firmada pela Primeira Seção do STJ passa a orientar as demais instâncias da Justiça brasileira em ações que discutem a mesma questão, tendo em vista o julgamento do RESP 1.251.933/PR estar submetido à sistemática dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), por se tratar de recurso representativo da controvérsia, colaborando o tribunal da cidadania com o princípio da Segurança Jurídica ao uniformizar sua jurisprudência.


Referências

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______. Decreto nº. 20.910, de 06 de Janeiro de 1932. Regula a prescrição quinquenal. 15. ed. São Paulo: Rideel, 2012.

______. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Acórdão. REsp 1137354/RJ. Relator Min. Castro Meira, Segunda Turma, DJ 18/09/2009. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 22 novembro 2013.

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______. Superior Tribunal de Justiça (STJ). Acórdão. REsp 1.217.933/RS. Relator Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJ 25/04/2011. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 22 novembro 2013.

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STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007.

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Sobre o autor
Carlos Eduardo Lamboglia Cavalcanti Filho

Advogado da União, membro da Advocacia-Geral da União (AGU). Foi Procurador Autárquico do Estado do Pará. Também aprovado no concurso público para Procurador do Estado do Rio Grande do Norte - PGE/RN. Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza (Unifor). Pós-Graduado em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera Uniderp. Pós-Graduando em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera Uniderp.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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