Artigo Destaque dos editores

O princípio da insignificância e lesões corporais leves sob a ótica funcionalista

Exibindo página 1 de 3
09/01/2004 às 00:00
Leia nesta página:

Ao contrário do que suscitam alguns, as formas descriminalizantes e despenalizantes não geram impunidades, mas sim refletem a verdadeira garantia da função do Direito Penal (como ultima ratio), uma função de proteção.

Sumário:1.- Introdução; 2.- As teorias Funcionalistas do Direito Penal; 2.1- Uma nova releitura da tipicidade para o Sistema Funcionalista; 3. - Do princípio da insignificância e lesões leves; 3.1 – Fundamentos e finalidade; 3.2 – Teorias a respeito do princípio da insignificância; 3.3 – Críticas ao princípio da insignificância; 3.4 - Das lesões leves; 3.4.1 – Classificação das lesões leves; 3.4.2 – lesões leves: crime de menor potencial ofensivo; 4. – Conclusão; 5.- Bibliografia.


1. Introdução:

"O caminho correto só pode ser deixar as decisões valorativas político-criminais introduzirem-se no sistema do Direito Penal" (ROXIN,p.20, 2000).

Esta frase pronunciada por um dos juristas mais importantes das últimas décadas dá um adeus ao Finalismo e inicia uma modificação na estrutura científico-penal em todos os cantos do mundo.

Analisando a distância que o Finalismo estabeleceu entre o Direito Penal Material (in abstrato) e a Política Criminal (in concreto) por formas ontológicas de atribuição de valores, que muito deixou a desejar, o Funcionalismo vem detectar a real função do Direito Penal dentro de um Estado Democrático de Direito. As teorizações e fundamentações do sistema sancionatório, prevenção geral e especial, perderam-se em meio ao caos e não conseguiram atingir os objetivos pretendidos por estarem resignados à abstrações penais estritamente normativas, o que atribuía ao agente o resultado puro e simples sem a verificação do conteúdo do Injusto Penal, sem a verificação da própria culpabilidade e da possibilidade do agente controlar os processos causais dos quais derivaram o resultado.

A atribuição do fato ao agente acabou ficando destinado apenas à tipificação penal, valorada ontologicamente (tipo penal) e distante da realidade social em que o delito está inserido.

A prevenção geral concentrou toda a atenção do Sistema Penal, passando o Legislativo a promulgar leis de maneira quase que ilimitada com o aumento exagerado das penas, o que refletiu na falibilidade do sistema penitenciário.

Ao contrário do que suscitam alguns, as formas descriminalizantes e despenalizantes não geram impunidades, mas sim refletem a verdadeira garantia da função do Direito Penal (como ultima ratio), uma função de proteção.

As descriminalizantes e as despenalizantes são instrumentos de interpretação restritiva fundados na própria concepção material do tipo penal, por intermédio do qual é possível alcançar, pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do pensamento sistemático, a proposição político-criminal da necessidade de descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não atingem de forma relevante os bens jurídicos protegidos pelo Direito Penal (MAÑAS,p.97, 1993).

O desvalor do evento deve ser considerado de acordo com a importância dos vários bens jurídicos protegidos penalmente e da intensidade da ofensa ocorrida.

Pautados por Princípios Constitucionais e Penais, os instrumentos descriminalizantes, ou melhor, princípios próprios que possibilitam uma reestruturação do sistema penal, pretendem retirar de certas condutas o caráter de criminosos e não o caráter de ilicitude. O legislador não pode prever em que grau e em que intensidade devem tais ações merecer, in concreto, o castigo, cabendo essa atribuição da reprovabilidade aos aplicadores do direito, sempre orientado pelo Direito que, longe de ser meramente normativo, é fruto do próprio comportamento humano.

Dentro desta concepção é que se pretende desenvolver este trabalho e levantar tais discussões bastantes polêmicas, para que se possa chegar a conclusões e apontar soluções viáveis para a questão da incriminação em lesões leves.

Crê-se necessário uma breve apresentação dos sistemas científicos penais, com relação à dogmática, que fundamentaram e fundamentam o Direito Penal contribuindo para sua evolução, assim será possível a apreciação com mais precisão das descriminalizantes e despenalizantes do sistema penal com relação às lesões corporais leves.


2. As Teorias Funcionalistas do Direito Penal:

Após todas estas considerações históricas, voltam-se os olhos para a atualidade. O que é o tão falado funconalismo? Em primeiro lugar, para ficar bem esclarecido, não há um funcionalismo, mas diversas formas de pensá-lo e interpretá-lo. É uma teoria que apareceu por volta dos anos sessenta do século passado, na Europa, com o propósito de repensar o sistema do Direito Penal principalmente através de métodos valorativos, referindo-se a determinados valores (como fazia o sistema causal - valorativo), mas agora direcionando o sistema jurídico-penal às funções que deve desempenhar no plano social através dos fins de prevenção geral e especial da pena dentro de determinado ''grupo de casos''.

A pedra angular do Direito Penal para o funcionalismo deixa de ser a Ação passando a ser a Atribuição desta ao agente. Os defensores deste movimento, apesar de muitas diferenças, estão plenamente de acordo que a construção do sistema jurídico penal não deve vincular-se a dados ontológicos (ação, causalidade, estruturas lógico - reais, entre outros), mas sim orientar-se exclusivamente pelos fins do direito penal.

Essa orientação para os fins do Direito Penal, ou seja, para a própria pena, fez com que várias formas de se reestruturar a aplicação do Direito Penal, ou seja, a aplicação da política criminal, fossem pensadas e discutidas; uma dessas formas foi a observância do Princípio da Insignificância.

A Teoria Funcionalista retoma todos os avanços do neokantismo como a construção teleológica (método de interpretação sociológica dos fatos) de conceitos, a materialização das categorias do delito veio a acrescentar a todos eles uma ordem valorativa: são fornecidos pela missão constitucional do direito penal, que é proteger bens jurídicos através da prevenção geral ou especial. [1]

Essa missão constitucional faz com que os conceitos do Direito Penal Material sejam funcionalizados, ou seja, capazes de desempenhar um papel dentro do sistema de forma acertada e valorada, visando conseqüências adequadas e justas. A função dos elementos do Direito Penal deve expressar uma finalidade dentro da política criminal o que apresenta talvez o grande avanço deste movimento penal: a aproximação inegável e indispensável entre o Direito Penal Material, Processual e a Política Criminal, refletindo os resultados daquele.

O problema maior que os funcionalistas pretendem solucionar, ao contrário dos finalistas para os quais o problema central estava na ação inserida em uma estrutura lógico-real da finalidade, vai muito além de apenas jurídico-normativo: quando se mostra necessária e legítima a pena por um delito doloso? É essa tensão entre liberdade versus proteção que permeia o sistema como um todo.

O funcionalismo possui sua base sólida no direito penal como ultima ratio, não se esquecendo que a intervenção do direito penal deve, além de ser eficaz, mostrar-se legítima, o que exige o respeito aos princípios constitucionais penais, como o da subsidiariedade, fragmentariedade e da culpabilidade.

A teoria dos fins da pena, adquire, portanto valor basilar no sistema funcional. Se o delito é o conjunto de pressupostos da pena, devem ser estes construídos tendo em vista sua conseqüência, e os fins desta. A pena retributiva é rechaçada, em nome de uma pena puramente preventiva, que visa a proteger bens jurídicos ou operando efeitos sobre a generalidade da população (prevenção geral), ou sobe o autor do delito (prevenção especial). Mas enquanto as concepções tradicionais da prevenção geral visavam, primeiramente, intimidar potenciais criminosos (prevenção geral de intimidação, ou prevenção geral negativa), hoje ressaltam-se, em primeiro lugar, os efeitos da pena sobre a população respeitadora do direito, que tem sua confiança na vigência fática das normas e dos bens jurídicos reafirmada (prevenção geral de integração, ou prevenção geral positiva). Ao lado desta finalidade, principal legitimadora da pena, surge também a prevenção especial, que é aquela que atua sobre a pessoa do delinqüente, para ressocializá-lo (prevenção especial positiva) ou, pelo menos, impedir que cometa novos delitos enquanto segregado (prevenção especial negativa). [2]

Com a perfeita observação em nota supra, fica esclarecida a maneira como o movimento funcionalista pretende valorar os elementos do delito para que tenham estes efeitos justos e adequados diretamente na aplicação da pena.

A Teoria Funcionalista possui três vertentes: 1. Teoria funcional-racional teleológica; 2. Teoria funcional sistêmica da ação (considerada uma teoria extremada); e 3. Teoria analítica da linguagem. Estas duas últimas vêm sofrendo inúmeras críticas por parte da doutrina mundial, o que é evidente por serem teorias inovadoras. É difícil dizer que se seguirá uma corrente exata, pois como um novo movimento que vem ganhando cada vez mais espaço, não apenas na doutrina como também para fundamentação prática, não se pode incorrer em erro absurdo de achar que apenas uma idéia é a chave mágica para as soluções do direito penal.

A vertente do movimento funcionalista que mais interessa para os estudos aqui propostos é a Teoria Funcional Racional Teleológica, ficando as outras duas vertentes mais direcionadas para a questão da Imputação Objetiva como forma de valoração, empírica do fato delituoso, visando uma despenalização de condutas que não podem ser atribuídas ao agente por inúmeros fatores concorrentes.

A teoria funcional racional-teleológica da ação foi desenvolvida no final da década de sessenta do século XX pelo mestre Claus Roxin, tendo como discípulos, pouco mais tarde, pensadores como Jüngem Wolter, Achenbach, Berd Schünemann, Wolfang Chöne, etc. A principal característica do funcionalismo racional-teleológico é a sua totalidade político-criminal.

O método adotado pela teoria funcional é o racional-teleológico, ou seja, relaciona todos os elementos da teoria do delito frente a juízos de valor político-criminal. Roxin dá uma nova interpretação ao famoso dogma lisztiano: "O Direito Penal é a barreira intransponível da Política Criminal". Política Criminal e Direito Penal deve integrar-se, trabalhar juntos, sendo este muito mais ''a forma, através da qual as valorações político-criminais podem ser transferidas para o modo da vigência jurídica'' [3]. O método racional está adstrito ao sentido social global do combate a criminalidade_ função social do Direito Penal. A sistematização entrelaça o Ordenamento Jurídico como um todo; os elementos gerais do conceito de crime são sistematizados na teoria do delito, desempenhando um papel essencial na garantia da segurança jurídica.

O juízo de valor político-criminal tem por base as funções do Direito Penal, não abandonando a questão das Garantias tão bem defendidas pelo mestre Ferrajoli; tais funções orientam-se pela missão constitucional que acima foi comentada exercendo uma indispensável proteção de bens jurídicos essenciais e os fins da pena de prevenção geral e especial positiva.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

O trabalho dogmático, para os funcionalistas, é identificar que valoração político-criminal subjaz a cada conceito da teoria do delito, e funcionalizá-lo, construí-lo e desenvolve-lo de modo que atenda a função da melhor forma possível.

As modificações que Roxin traz para a teoria do delito são muitas, primeiro cabe ao tipo a função de apontar o bem jurídico protegido através da conduta e remetendo-a para o conhecimento da norma, é a ilicitude incumbida de solucionar os conflitos sociais e a culpabilidade (denominada por ele de responsabilidade) é quem diz quando um comportamento ilícito merece ou não ser apenado, por razões de prevenção geral ou especial. [4]

Roxin compreende ação como sendo a manifestação da personalidade (teoria personal da ação), ou seja, a concretização das expressões anímico-psíquicas do agente. Esta definição separa com clareza a conduta do resultado, tornando uma independente da outra, o que o Finalismo não conseguia explicar.

Mas o grande mérito de Roxin não está em estipular um conceito preciso para ação, o que o próprio mestre reconhece não ter conseguido, uma vez que este conceito torna-se insuficiente quanto à função de ligação quando explica os comportamentos omissivos. [5] Todo o seu mérito está em substituir as difusas valorações neokantistas por valorações especificamente político-criminais, superando o relativismo valorativo. Assim, passa a construir cada conceito à luz da função político-criminal, as construções jurídicas devem ser guiadas por determinados valores e finalidades.

A pergunta que os leitores devem estar se fazendo é de onde serão retirados tais valores sobre os quais se edificará o sistema? E a resposta é simples, os valores e as finalidades serão fornecidos pela política criminal.

A política criminal de um Estado Social e Democrático de Direito adscreve ao Direito Penal uma função de tutela subsidiária de bens jurídicos, através da prevenção geral e especial, sempre com respeito absoluto aos direitos e garantias constitucionalmente assegurados.

A referência à realidade (matéria jurídica) que o Funcionalismo resgata da teoria social da ação, exclui uma abordagem exclusivamente normativa. Concretiza a norma através do que Roxin denominou de grupos de casos:

As decisões valorativas fundamentais estão expressas e positivadas nas constituições, e é dentro desses limites que a política criminal atuará, concretizando-as, racionalizando-as, levando em conta o conhecimento empírico, refletindo sobre alternativas mais eficazes e menos gravosas para a realização destes fins básicos. (...). A proposta funcional não acabaria por erigir o intérprete em legislador? O legislador, por mais que deseje, não consegue regular todos os casos possíveis, que a prática dia após dia apresenta aos olhos do intérprete. Assim, por mais que a Constituição apresente uma série de princípios básicos, e a lei penal, uma extensa concretização destes princípios, em normas e regras um tanto claras, sempre restam zonas de indeterminação, em que mais de uma opinião aparece como defensável. É nesta zona de indeterminação que a política criminal pode atuar: ela atua, definindo qual das opiniões meramente defensáveis deve ser tida como a opinião correta. A política criminal que o intérprete deve realizar atua, portanto, nos espaços abertos pela Constituição e pelo legislador. Ao intérprete é defeso ultrapassar esses limites, sob pena de erigir-se legislador, o que terá conseqüências desastrosas para o princípio da legalidade e para o Estado de Direito. [6]

Quando o legislador estabelece o tipo penal de uma determinada conduta que expressa uma norma social permissiva ou proibitiva, o faz de maneira genérica e abstrata. Muitas vezes acaba englobando condutas que devido seu grau de danosidade não deveriam ser consideradas socialmente relevantes, pois não acarretam grande modificação social, ou seja, estão dentro de um risco permitido socialmente. É dentro desse quadro que está a atribuição da conduta ao agente, se tal conduta, manifestação da personalidade do agente, embora tipificada de maneira objetiva e dessa forma podendo ser atribuída ao agente, não satisfazer a necessidade e idoneidade da própria aplicação da pena culminada no tipo por não ser legítima, ou seja, não ser necessária tanto para a sociedade quanto para o agente (em nada resultando de ressocializador ou preventivo aos entes sociais) pode a pena do tipo penal objetivo ser substituída por uma forma de sanção mais adequada, ditada por valorações político-criminais.

A conduta pode ser muitas vezes típica, mas não ilícita, pois está inserida dentro de um risco social aceito (permitido), o que não possibilita a atribuição da pena ao agente da conduta. E é aqui que entra a Política Criminal como ciência conjunta ao Direito Penal, aquela estipulará a proporcionalidade entre pena e conduta na medida em que este dirá a possibilidade de atribuir ou não tal conduta (de acordo com o exposto no tipo objetivo e sempre visando o que se pretende realmente tutelar, ou seja, qual bem jurídico que se está protegendo).

Nesta perspectiva busca-se a solução de conflitos de modo mais socialmente correto e flexível; não se pode tratar o conflito penal dentro de uma estrutura "coisificada" (expressão brilhante de Paulo Queiroz, in Introdução Crítica do Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2001) como, por exemplo, quando se esta diante da punibilidade do agente que, no ilícito (atividade proibida) erra de qualquer forma ou desiste de uma tentativa, tem-se um problema de natureza puramente político-criminal. Em suma, Roxin:

O caminho correto só pode ser deixar as decisões valorativas político-criminais introduzirem-se no sistema do direito penal, de tal forma que a fundamentação legal, a clareza e previsibilidade, as interações harmônicas e as conseqüências detalhadas deste sistema não fiquem a dever nada à versão formal-positivista de proveniência lisztiana. Do contrário, de que serve a solução de um problema jurídico, que apesar de sua linda clareza e uniformidade é político-criminalmente errada?" · (8)

Primeiramente deve-se enfrentar o problema valorativo orientando-se por considerações político-criminais, com independência de construções conceituais, resolvê-los autonomamente, para só depois, numa segunda etapa, utilizar os resultados obtidos por dedução lógico-dogmática. Uma solução diretamente valorativa do problema não fere de modo algum a Segurança Jurídica, o próprio princípio nullum crimen torna-se um significativo instrumento de regulação social.

A tarefa da lei não pode se esgotar apenas nessa função de garantia; é de extrema urgência a composição de uma unidade dialética com a submissão ao direito e adequação aos fins político-criminais. Uma ordem jurídica sem justiça social não é um Estado de Direito Material e, tampouco, pode utilizar-se de denominação Estado Social um Estado planejador e providencialista que não acolha as garantias de liberdade do Estado de Direito.

2.1 Uma nova releitura da Tipicidade para o Sistema Funcionalista:

A partir do momento que se pretende falar do Princípio da Insignificância é extremamente necessário voltar às vistas para o velho conceito de Tipicidade.

Antes a tipicidade comportava uma carga metafísica, ôntica, o que acarretava grande dificuldade de se vislumbrar a verdadeira função da norma. A tipicidade tinha, para o Finalismo, a missão de ditar a conduta proibida ou permissiva, ou seja, tinha a função de realizar o princípio nullum crimen sine lege, o que gerou um enorme vazio no próprio conteúdo normativo, sendo, muitas vezes, o tipo confundido com a própria norma.

Observando que o Direito deve ser estruturado por juízos de valores sociais, culturais, dialéticos, etc., como teorizava o neokantismo, o Funcionalismo Racional - Teleológico, percebeu que a missão do tipo penal era não apenas apontar uma conduta, mas sim direcioná-la para uma norma agora completada por um juízo axiológico ditado pelas próprias necessidades sociais. Esta norma valorada comporta uma verdadeira função de proteção a um bem jurídico essencial para o convívio em sociedade.

A mudança de perspectiva da missão do tipo penal possibilitou uma verdadeira revolução quanto à interpretação de seus elementos. O princípio da legalidade deixa de ser compreendido em sentido estrito para ser analisado como uma razão de garantia, um limite da descrição típica, uma verdadeira limitação do delito. Possibilitou ainda, a identificação do bem jurídico penalmente protegido, a indicação da ilicitude do comportamento, mesmo que esta não seja mais compreendida como elemento do tipo penal, e, político-criminalmente, exerceu uma função pedagógica (preventivo geral), uma motivação do comportamento humano de acordo com o comando normativo.

O Funcionalismo trouxe para o tipo penal o próprio fato material. Assim, foi possível a verificação de uma tipicidade material tão importante quanto a tipicidade formal, senão até mais importante por suportar a idéia de danosidade social.

A tipicidade formal é a mera descrição abstrata da conduta que contraria a norma jurídico - penal proibitiva ou preceptiva; ou seja, a descrição pura e simples da conduta proibida ou permitida pelo legislador. Já a tipicidade material é a verificação da lesão ou exposição a perigo de um bem jurídico essencial e, ainda, se esta lesão ou exposição provoca ou não uma danosidade social. A materialidade do tipo é formada pela própria descrição formal mais a danosidade social.

Os elementos do delito típico que podem estar contidos no tipo penal serão:

1. Os Descritivos:

Objetivos: apreendidos pela utilização dos sentidos sensoriais, divididos em

a)Bem Jurídico

b)Conduta

c)Resultado

d)Atribuição

e)Sujeitos da Conduta _ ativo e passivo

f)Objeto Material (aquele que por meio do qual o bem jurídico será lesionado ou exposto à perigo em determinados delitos

Circunstanciais: uma delimitação da conduta pelo legislador em determinados tipos:

a)tempo

b)lugar

c)meio [9]

d)modo

e)comportamentos da vítima ( risco permitido)

1.Normativos: pressupõe um juízo de valor:

a)Jurídico

b)Cultural

c)Estimativos

d)Referidos à ilicitude ( que antecipa o juízo de ilicitude)

2.Pessoais:

a)Dolo: psicológico e intelectual;

b)Culpa Strictu Sensu: normativo.

3.Subjetivos: ligação agente - fato

a)delitos de intenção: fim especial de agir _ dolo específico;

b)delitos de tendência: tendência subjetiva_ ex: estupro;

c)motivação de agir: características especiais (relacionados ao modo de agir).

Estes são os elementos do delito típico. Outra grande inovação na teoria da tipicidade que o Funcionalismo apontou foi a caracterização da conduta como não ilícita, mas que poderá vir a ser, dependendo da análise conjunta do tipo com a categoria do ilícito. A tipicidade passa a ser um juízo provisório de ilicitude.

Na análise da tipicidade verifica-se a necessidade de um juízo de adequação do fato concreto à previsão legal, não pode ser um mero juízo lógico-formal de subsunção do fato concreto ao tipo abstratamente previsto. É algo mais, é já sistema da criminalidade objetiva da danosidade e da perigosidade social ou um atuar. [10]

A ilicitude desprende-se da tipicidade, ficando adstrita à oposição à ordem jurídico como um todo, comportando ainda, um juízo não permitido ou não imposto.

A ilicitude, da mesma forma que a tipicidade, recebe uma forma material que é a averiguação da necessidade da danosidade social relevante para a sua configuração. A ilicitude formal esgota-se na antinormatividade, oposição ao ordenamento jurídico como um todo.

A ilicitude material encontra-se na própria tipicidade, uma vez que é necessária para a fundamentar a própria questão material da tipicidade. E isso se dá por que por traz da conduta típica encontra-se um juízo de valor axiológico na norma, protetora do bem jurídico essencial.

Assim, o Princípio da Insignificância é uma forma excludente da tipicidade impedindo a configuração do Injusto Penal, o que impossibilita a aplicação de qualquer sanção.

Uma observação de grande importância e que, talvez, venha a confundir os aplicadores do Direito é a aproximação entre o princípio da insignificância e o princípio da irrelevância penal do fato. Ambos são princípios que atuam político-criminalmente para a averiguação da necessidade de se chamar para a esfera do Direito Penal a solução de determinados conflitos sociais relevantes juridicamente.

O princípio da irrelevância penal do fato diverge em conteúdo e essência do princípio da insignificância, pois, ao contrário deste, atua como despenalizante, afastando a punibilidade da conduta. Dessa forma, não atua na exclusão da tipicidade, mas na (des)necessidade da aplicação da pena, ou seja, a conduta é típica, embora a culpabilidade possa afastar a aplicação da pena.

Como ensina Luiz Flávio Gomes, às vezes o desvalor do resultado não permite a aplicação da insignificância, mas acham-se presentes todos os requisitos da irrelevância penal do fato (agora a pena torna-se desnecessária) [11], neste contexto, o juiz leva em consideração as circunstâncias judiciais previstas no artigo 59, do Código Penal, fixará a pena conforme seja suficiente e necessária para a prevenção e reprovação do delito. A dispensa da aplicação da pena não chega a afastar o seu aspecto preventivo geral.

O que interessa para o princípio da insignificância é o fato objetivo praticado e não as tendências ou inclinações subjetivas do autor. Não existe uma regra abstrata entre a diferenciação entre estes dois princípios, somente no caso concreto é que isso se torna possível.

O Direito Penal tem uma sistemática que não pode ser desrespeitada, primeiramente, deve-se analisar se a conduta está inserida em um fato típico formal e materialmente punível, se não houver tal possibilidade não há que se cogitar da análise da ilicitude e da culpabilidade, bastando, para tanto, a falta de tipicidade material e a insuficiência da tipicidade formal para impedir atuação do Direito Penal.

A teoria geral do delito estruturou fundamentalmente o sistema do delito sobre três categorias básicas conhecida como sistema tripartido de Von Liszt/ Beling/ Radbruch. Ante tal sistema o delito é um ato típico, ilícito e culpável, sendo, por tanto, seus elementos a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade (para o Sistema Funcionalista a ilicitude está inserida no Injusto Penal, juntamente com a tipicidade). [12]

Confirma a sistematização do Direito Penal Vinicius de Toledo Piza Peluso concluindo, com relação à aplicação do princípio da insignificância que,

O juiz criminal, ao analisar uma conduta sob a ótica do princípio da insignificância, e chegando à conclusão de que o ato praticado está abarcado pelas características objetivas deste princípio dentre eles a própria necessidade de uma tipicidade material (grito nosso), vai considerar o fato como atípico, pois, como acima exposto, o princípio incide como excludente da tipicidade. Atuando, dessa maneira, ou seja, considerando o fato atípico, não pode o juiz utilizar-se de conteúdos específicos dos outros dois elementos estruturais do conceito de crime (ilicitude, culpabilidade), pois não estaria, portanto, obedecendo a ordenação sistemática, o caráter seqüencial do sistema, a própria ordem estrutural do método analítico e do conceito, a lógica da anteposição e da subordinação, subvertendo, assim, todo o esforço garantístico da construção da teoria geral do delito, implicando na insegurança jurídica. [13]

Para a aplicação do princípio da insignificância não se tem como analisar o conteúdo da culpabilidade do agente se a conduta não foi sequer típica. Determinado que o fato é atípico, pouco importa, para o deslinde da questão, a personalidade do réu (artigo 59,CP), inclusive porque, no momento da tipicidade, o Direito Penal é um direito do fato e não do autor [14], sendo, assim,indevida qualquer análise da personalidade do acusado quando se tratar do princípio da insignificância.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Cláudia Fernandes dos Santos

bacharel em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Cláudia Fernandes. O princípio da insignificância e lesões corporais leves sob a ótica funcionalista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 187, 9 jan. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4707. Acesso em: 28 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos