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Súmula 122 do Superior Tribunal de Justiça e competência para o julgamento de contravenções penais:

uma análise à luz da jurisprudência dos Tribunais Superiores

01/02/2004 às 00:00
Leia nesta página:

Como sabido, a Justiça Federal não possui competência para o julgamento de contravenções penais, ainda que cometidas em desfavor de bens ou serviços da União ou de seus entes (autarquias, fundações e empresas públicas federais) [1].

Tal conclusão decorre do disposto no inciso IV do artigo 109 da Constituição da República:

"Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

(...)

IV – os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral."

Confirmando este entendimento, expediu o Egrégio Superior Tribunal de Justiça a Súmula n. 38, a teor da qual compete à Justiça Estadual o processo e julgamento das contravenções, ainda que cometidas em detrimento de bens da União.

A questão se torna mais complexa quando surge conexão entre contravenção penal e crime da alçada da Justiça Federal, face à ocorrência de potencial conflito normativo.

A regra consagrada pelos tribunais, como não poderia deixar de ser, é que, havendo conexão de crimes de competência da Justiça Estadual e da Justiça Federal, prevalece a competência desta. Súmula 122 do Superior Tribunal de Justiça:

"Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do artigo 78, II, ‘a’, do CPP (2)."

Questiona-se como fica solucionada a questão se uma das infrações conexas for contravenção penal, subtraída da competência do Judiciário Federal por força do art. 109, IV, da Lei Fundamental.

O Superior Tribunal de Justiça [3] enfrentou a situação, por mais de uma oportunidade, tendo decisões num e noutro sentido, conforme a seguir veremos.

No julgamento do Conflito de Competência 12.351/RJ, relatado pelo Ministro Jesus Costa Lima, decidiu a Corte pela impossibilidade de prorrogação da competência do Juízo Federal, impondo-se a separação de processos. In verbis, a ementa:

"CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA. CRIME E CONTRAVENÇÃO. FATOS DIVERSOS. I – Compete à Justiça Federal processar e julgar crime de descaminho e à Justiça do Estado a contravenção penal – art. 109, IV, da Constituição. II – As denúncias oferecidas pelos representantes do Ministério Público Federal e Estadual não guardam identidade absoluta quanto aos fatos descritos. Além disso, somente se prorroga competência para Juízo que possui competência para julgar as causas. III – A súmula 52 do extinto Tribunal Federal de Recursos declarava competente a Justiça Federal para processar e julgar crimes conexos de competência federal e estadual. IV – Conflito não-conhecido." (STJ – CC 12.351/RJ, Rel. Min. Jesus Costa Lima, julgado a 04/05/95).

Na mesma linha de orientação:

"PROCESSUAL PENAL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. CRIME E CONTRAVENÇÃO. DESMEMBRAMENTO. CONEXÃO. I – As contravenções, mesmo que praticadas em detrimento de interesses da União são apreciadas na Justiça Estadual (Súmula n. 38 – STJ). II. Na hipótese de conexão ou continência, prevalece a regra constitucional (art. 109, inciso IV), indicando a necessidade do desmembramento. Conflito julgado procedente." (STJ – CC 20.454, Rel. Min. Félix Fischer, julgado a 13/12/1999).

Também o Tribunal Regional Federal da Quarta Região já teve oportunidade de encampar esta tese, como podemos ver do seguinte julgado:

"PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. LIBERDADE PROVISÓRIA. INTELIGÊNCIA DO ART. 594 DO CPP. CONTRAVENÇÃO PENAL. INCOMPETÊNCIA RATIONE MATERIAE DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. O art. 594 do CPP-41 não vulnera o princípio da presunção de inocência. Além de relativa tal presunção, a Constituição Federal não presume a inocência do acusado de infração penal; diz apenas que ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória’ (art. 5, inc. 57) e ‘ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança’ (art. 5, inc. 66). Ou seja, admite a prisão provisória, salvo quando a lei possibilitar a liberdade provisória, com ou sem fiança. E o art. 594 constitui a norma a que se refere o texto constitucional, na medida em que impõe a segregação do condenado que não seja primário e apresentar maus antecedentes. As regras constitucionais citadas apenas impedem a inscrição do nome do réu no rol dos culpados, o início da execução da pena, e a produção de outros efeitos da condenação antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. 2. Ainda que presente a conexão com crime para o qual a Justiça Federal seja competente, as contravenções devem ser processadas e julgadas pela Justiça Estadual, tendo em vista que o art. 109, inciso 4 da CF-88 expressamente as exclui do âmbito da competência daquela Justiça." Grifo meu. (TRF – 4ª Região – Processo n. 9704436998, julgado a 28/08/1997).

Mais recentemente, contudo, alterou o Superior Tribunal seu posicionamento [4], adotando critério ampliativo da alçada federal, sem acerto:

"CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CONTRAVENÇÃO PENAL. CONEXÃO COM CRIME FEDERAL. SÚMULA 122/STJ. 1 – Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não se aplicando a regra do art. 78, ‘a’, do CPP. 2. Conflito de competência conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da Vara de Imperatriz – MA, o suscitado." (STJ – CC 24.215/MA, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado a 08/09/1999).

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Ao que consta, o Supremo Tribunal Federal ainda não teve oportunidade de manifestar-se sobre a matéria.

Firmamos posição no sentido da impossibilidade de prorrogar-se a competência da Justiça Federal para julgar contravenções, ainda que cometidas em conexão com crime federal, diante dos taxativos termos da vedação constitucional.

Como sabido, a competência da Justiça Federal é taxativamente definida pela Constituição, não podendo ser objeto de ampliação sequer por lei. Isto se coaduna com o critério utilizado pelo legislador constituinte para atribuição de competência aos órgãos judiciários, reservando ao Judiciário Estadual as competências não atribuídas expressamente às Justiças da União (Trabalho, Eleitoral, Militar e Federal, a primeira destituída de atribuições de caráter criminal).

Não é outro, aliás, o entendimento do Supremo Tribunal Federal:

"HABEAS CORPUS - CRIME DE USO DE DOCUMENTO FALSO EM AÇÃO CAUTELAR PROMOVIDA PERANTE A JUSTIÇA FEDERAL COMUM - SERVIÇO DE ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA MANTIDO PELA UNIÃO - OFENSA POTENCIAL - HIPÓTESE EM QUE SE CONFIGURA A COMPETÊNCIA PENAL DA JUSTIÇA FEDERAL COMUM (CF, ART. 109, IV) - RECURSO IMPROVIDO. - A competência penal da Justiça Federal comum - que possui extração constitucional - reveste-se de caráter absoluto, está sujeita a regime de direito estrito e apenas deixa de incidir naquelas hipóteses taxativamente indicadas no texto da própria Carta Política: (a) nos crimes eleitorais, (b) nos crimes militares e (c) nas contravenções penais em geral(..)" Grifo meu. (STF – HC n. 79.331, Rel. Min. Celso de Mello, j. a 24/08/1999).

No STJ:

"A competência da Justiça Federal, fixada na Constituição, somente pode ser ampliada ou reduzida por emenda constitucional, contra ela não prevalecendo dispositivo legal hierarquicamente inferior." (RSTJ 92/157).

Tal posição mantém coerência com a lógica do sistema normativo-constitucional, consistente em atribuir à Justiça Federal o processo e julgamento de causas dotadas de maior relevância e repercussão, ao menos em hipótese.

Tenha-se ainda em conta a impossibilidade de prorrogação para Juízo incompetente, em tese, para o julgamento. Juiz absolutamente incompetente nunca se legitima para a causa, ainda que haja conexão, continência ou mesmo acordo expresso entre os interessados. No caso em tela, se discute competência ratione materiae, absoluta, pois.

Desta forma, havendo conexão entre contravenção e crime de competência federal, não incide a Súmula 122 do STJ, impondo-se a separação de Processos, com base no art. 79 do Código de Processo Penal, de sorte a ser a contravenção julgada pela Justiça do Estado, e o crime pelo Judiciário Federal.


Notas

01. Tratando-se de crime cometido em detrimento de sociedade de economia mista a competência é da Justiça Estadual.

02. Idêntico teor possuía a Súmula 52 do Tribunal Federal de Recursos.

03. Constituição Federal: "Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I – processar e julgar originariamente: (...)d) os conflitos de competência entre quaisquer tribunais, ressalvado o disposto no art. 102, I, ‘o’, bem como entre tribunal e juízes a ele não vinculados e entre juízes vinculados a tribunais diversos."

04. Tratava-se de processo versando sobre o crime de apropriação indébita, cometido contra ente federal, e contravenção penal de transporte irregular de madeira.

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Sobre o autor
Alexandre Piccoli

acadêmico de Direito em Porto Alegre (RS)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PICCOLI, Alexandre. Súmula 122 do Superior Tribunal de Justiça e competência para o julgamento de contravenções penais:: uma análise à luz da jurisprudência dos Tribunais Superiores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 210, 1 fev. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4708. Acesso em: 23 dez. 2024.

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