A jurisprudência na jurisdição civil

07/03/2016 às 20:57
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O artigo trata da divergência jurisprudencial, dos instrumentos de uniformização da jurisprudência e da aplicação dos precedentes, abordando os dispositivos do Código de Processo Civil de 2015.

Nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (art. 5º, inc. XXXV) cabe ao Poder Judiciário o monopólio da função jurisdicional, na medida em que a lei não pode excluir da sua apreciação lesão ou ameaça a direito. Portanto, a solução dos conflitos entre as partes é submetida ao judiciário para a efetiva prestação jurisdicional pelo Estado, ressalvados os casos legais de solução alternativa de conflitos, como a arbitragem (Lei nº 9.307/96).

O juiz cumpre a função jurisdicional com a prolação da decisão que põe termo ao litígio, podendo resolver ou não o mérito da demanda. No segundo caso opera-se a coisa julgada que torna imutável os efeitos da decisão (art. 502 do CPC). A sentença e o acórdão (art. 204 do CPC) devem conter o relatório, os fundamentos e o dispositivo, sendo que somente a parte dispositiva faz coisa julgada. Os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença e a verdade dos fatos estabelecida como fundamento da sentença, não fazem coisa julgada (art. 504 do CPC).

Por parte dispositiva da decisão deve se entender tudo quanto o julgador haja considerado e decidido acerca do pedido formulado na demanda e não apenas a frase final da decisão. Os motivos não fazem coisa julgada, mas são importantes para se compreender o significado e alcance do dispositivo da decisão.

Como a função jurisdicional é prestada pelos juízes em todo o território nacional, surgem os diversos entendimentos sobre os assuntos colocados para decisão na justiça, podendo ser de forma uniforme ou divergente. Com o crescente acesso ao judiciário o volume de serviço prestado é aumentado, exigindo dos julgadores a uniformização dos entendimentos proferidos, principalmente nas demandas que contém a mesma matéria de direito. Trata-se do dever de coerência na aplicação das normas jurídicas como garantia aos jurisdicionados da realização da justiça.

Portanto, a divergência jurisprudencial é normal num sistema em que há pluralidade de órgãos judicantes que tem que decidir iguais questões de direito, podendo ocorrer que num mesmo contexto histórico e cultural, a mesma regra jurídica seja aplicada de forma diferente pelos tribunais. Ocorre que a divergência de entendimentos acerca da mesma regra pode comprometer a unidade e a certeza do direito, o que gera a necessidade de uniformização jurisprudencial. Aliás, o dissídio jurisprudencial é uma das hipóteses de cabimento do recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça, que ocorre quando a decisão recorrida proferida pelos Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça dos Estados, em causas decididas em única ou última instância, der a Lei Federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro Tribunal (art. 105, inc. III, al. c da CF e art. 1.029, § 1º e 2º do CPC).

Além do Recurso Especial, são instrumentos de uniformização da jurisprudência: I) os embargos de divergência em recurso extraordinário ou especial e nos processos de competência originária do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça (arts. 1.043 e 1.044 do CPC); II) o incidente de resolução de demandas repetitivas para os casos de repetição de processos que contenham controvérsia sobre a questão de direito e representem risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica (arts. 976 a 987 do CPC); III) a reclamação para preservar a competência do Tribunal, para garantir a autoridade das decisões do Tribunal, do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade, a observância de súmulas com efeito vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência (arts. 988 a 993 do CPC); IV) o incidente de assunção de competência para os casos em que o julgamento de recurso, remessa necessária ou processos de competência originária do Tribunal envolver relevante questão de direito com repercussão social (art. 947 do CPC); V) o recurso especial e extraordinário repetitivos para julgamento de casos repetitivos que tem como objeto questão de direito material ou processual (art. 928, inc. II, 1.036 a 1.041 do CPC); VI) as súmulas de jurisprudência para efeito persuasivo e preventivo geral em face de divergências verificadas (art. 926, § 2º, 927, inc. II, III e V, 932, inc. IV, al. a, inc. V, al. a, 1.035, § 3º, inc. I do CPC); VII) as súmulas vinculantes do STF (art. 103-A da CF) e as decisões proferidas em ação direta de inconstitucionalidade e na ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, § 2º da CF).

O Código de Processo Civil de 73, no artigo 476 a 479, tratava do incidente de uniformização da jurisprudência nos casos de dissídio jurisprudencial verificável nos julgamentos dos Tribunais. O referido incidente veio em substituição ao recurso de revista do Código de Processo Civil de 39. Como visto no parágrafo anterior, o Código atual instituiu outros sistemas para uniformizar a jurisprudência, não contemplando o incidente de uniformização da jurisprudência. O incidente de deslocamento de competência do § 1º do artigo 555 do CPC/73 encontra correspondente na assunção de competência do artigo 947 do CPC/2015.

No Código de Processo Civil existe norma dispondo sobre o dever dos Tribunais de uniformizar a sua jurisprudência, de modo a mantê-la estável, íntegra e coerente (art. 926 caput), dando publicidade aos seus precedentes, preferencialmente por meio digital (internet), organizados por questão jurídica decidida (§ 5º do art. 927 do CPC). O objetivo é o de identificar quais julgados devem ter força de precedentes obrigatórios, qual a parte do julgado que possui a função persuasiva ou vinculativa (súmulas vinculantes e decisões em Adin e Adcon do STF), e quais as hipóteses de mitigação ou superação do precedente.

Na lição de ORLANDO GOMES, jurisprudência é o conjunto de decisões dos tribunais sobre as matérias de sua competência ou uma série de julgados similares sobre a mesma matéria (Introdução ao direito civil. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002, pág. 46). É necessário que o conjunto de decisões expresse a posição dominante nos tribunais, de forma reiterada e constante. O precedente para dar origem à jurisprudência deve ser uniforme e constante, não podendo ser representado por um grupo de decisões isoladas.

A jurisprudência que se torna firme, pacífica e uniforme pode dar origem a súmula que é editada pelos Tribunais para estabilizar a aplicação de determinada norma jurídica, em decorrência do crescente volume de serviços. Como ensina ARRUDA ALVIM, “a súmula se constitui num método e num instrumento de trabalho acentuadamente incorporados ao sistema brasileiro, já há mais de duas décadas” (A arguição de relevância no recurso extraordinário. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1988, pág. 34).

Para RODOLFO DE CAMARGO MANCUSO, e emissão das súmulas pelos Tribunais visam a consecução de três utilidades básicas: a) a outorga de tratamento judicial isonômico a casos substancialmente semelhantes, com isso se alcançando uma justiça de boa qualidade; b) melhor gerenciamento da excessiva carga de processos nos Tribunais, possibilitando o agrupamento das ações pela afinidade da questão jurídica debatida, de sorte que todas possam receber análoga solução, de acordo com o enunciado da súmula; c) redução do tempo de duração dos processos, na medida em que a existência de súmula sobre a matéria litigiosa torna razoavelmente previsível o resultado da demanda (Divergência jurisprudencial e súmula vinculante. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999, pág. 320).

Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante. Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação (§ 1º e 2º do art. 926 do CPC).

Conforme ensina HUMBERTO THEODORO JÚNIOR, “a Súmula não tem força de lei para os casos futuros, mas funciona, de acordo com o Regimento Interno do Tribunal, como instrumento de dinamização dos julgamentos e valioso veículo de uniformização jurisprudencial, como tem evidenciado a prática do Supremo Tribunal Federal” (Curso de direito processual civil. 39ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, pág. 558).

Obviamente que as súmulas podem ser revistas ou canceladas pelo próprio Tribunal, em decorrência da modificação do texto legislativo que deu origem ao entendimento consolidado, ou até mesmo pela mudança na jurisprudência que originou a súmula. Isto porque, a súmula espelha a jurisprudência pacificada a respeito de um texto legal, sendo dotada, normalmente, da vida que esse texto tenha. Modificado o texto, ipso facto, a súmula deve ser cancelada, salvo se a modificação em nada afetar o conteúdo da súmula, pois muitos dos enunciados das súmulas contêm um quid a mais além da interpretação do direito posto, transcendendo do texto legal (ARRUDA ALVIM, Arguição de relevância no recurso extraordinário, 1988, pág. 34/35).

Neste sentido, dispõe o § 2º, 3º e 4º, do artigo 927 do Código de Processo Civil que a alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para a rediscussão da tese, que na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos demais Tribunais ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica, e que a modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou de tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia.

As súmulas tem, em regra, efeito apenas persuasivo, como as alterações promovidas pela Lei nº 9.756/98, que modificou a redação do artigo 557 do Código de Processo Civil de 73 para autorizar o relator a negar seguimento a recurso interposto de decisão fundamentada em súmula do respectivo Tribunal, do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, bem como para dar provimento a recurso interposto de decisão proferida em desrespeito a entendimento sumulado pelo respectivo Tribunal, pelo STF e pelo STJ. A regra do caput do artigo 557 do CPC/73 é mantida na alínea a, do inciso IV, do artigo 932 do Código de Processo Civil.

O artigo 927 do Código de Processo Civil é explicito sobre a necessidade de observância pelos juízes das decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade, dos enunciados de súmula vinculante; dos acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, dos enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional, da orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

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A súmula não vincula, tanto que se uma decisão tiver dado à norma jurídica interpretação divergente da consubstanciada na súmula, haverá apenas divergência jurisprudencial a ser corrigida em sede recursal. Prova disto é que o § 3º, do inciso I, do artigo 1.035 do Código de Processo Civil, dispõe que haverá repercussão geral sempre que o recurso extraordinário impugne decisão que contrarie súmula ou jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal.

Entretanto, com as alterações promovidas pela Emenda Constitucional nº 45/2004, foi criada a súmula com efeito vinculante a ser editada pelo Supremo Tribunal Federal (art. 103-A da CF), e as decisões definitivas de mérito proferidas pelo STF em sede de controle concreto de constitucionalidade (Adin e Adcon), passaram a ter efeito vinculante. O regimento interno do Supremo Tribunal Federal trata da súmula vinculante nos artigos 354-A a 354-G.

Com a Emenda Constitucional nº 45/2004, foi introduzido o artigo 103-A na Constituição da República Federativa de 1988, para autorizar o Supremo Tribunal Federal a editar súmula com efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

A súmula vinculante terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

O ato administrativo ou a decisão judicial que contrariar a súmula vinculante aplicável ou que indevidamente a aplicar, ensejará a propositura de reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.

Também com a Emenda Constitucional nº 45/2004, as decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas ações declaratórias de constitucionalidade passaram a ter eficácia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (art. 102, § 2º da CF).

Para garantir a observância de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade e a observância de enunciado de súmula vinculante caberá reclamação pela parte interessada ou pelo Ministério Público (art. 988, inc. III e IV do CPC). Trata-se de hipótese de aplicação indevida da tese jurídica ou sua não aplicação nos casos em que seja cabível, quando não demonstrada a distinção ou a superação do precedente. É cabível até o trânsito em julgado da decisão impugnada na reclamação. Sendo julgada procedente, a decisão exorbitante será cassada ou será adotada medida adequada para a solução da controvérsia.

Além da jurisprudência consolidada nas súmulas, também passam a ter efeito persuasivo o acórdão proferido em sede de recurso especial repetitivo e recurso extraordinário repetitivo (art. 932, inciso V, alíneas a, b e c, e 1.036 do CPC/2015), e o entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 976, 985 e 986 do CPC/2015). Para os fins do Código de Processo Civil, considera-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em incidente de demandas repetitivas, em Recurso Especial e Extraordinário repetitivos, que tem por objeto questão de direito material ou processual (art. 982 do CPC).

O procedimento do recurso especial repetitivo e do recurso extraordinário repetitivo está previsto nos artigos 1.036 a 1.041 do Código de Processo Civil, e é cabível quando houver multiplicidade de recursos especiais e extraordinários com fundamento em idêntica questão de direito. São selecionados 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, pelo presidente ou vice-presidente do Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, para encaminhamento ao Superior Tribunal de Justiça ou para o Supremo Tribunal Federal, suspendendo-se todos os processos individuais ou coletivos que tenham como fundamento a mesma questão de direito a ser resolvida pelos Tribunais Superiores. A escolha dos recursos não obsta que o relator no Superior Tribunal de Justiça ou no Supremo Tribunal Federal selecione outros recursos representativos da controvérsia.

É incabível o incidente de resolução de demandas repetitivas quando um dos tribunais superiores, no âmbito de sua respectiva competência, já tiver afetado recurso para definição de tese sobre questão de direito material ou processual repetitiva (§ 4º do art. 976 do CPC).

A parte que teve o curso do seu processo suspenso em decisão proferida em recursos representativos de controvérsia encaminhados para julgamento no Superior Tribunal de Justiça ou no Supremo Tribunal Federal poderá demonstrar que são distintas as questões a serem decididas no seu processo daquelas a serem resolvidas no recurso especial repetitivo ou extraordinário repetitivo (§ 9º do art. 1.037 do CPC).

 Conforme ensina LEONARDO CARNEIRO DA CUNHA “o tema dos recursos repetitivos imiscui-se com a técnica de aplicação dos precedentes. Firmado um precedente, este há de ser seguido nos casos similares ou que se identifiquem com a mesma tese estabelecida. Na verdade, o que deve ser seguido por decisões posteriores é exatamente a ratiodecidendi da decisão, de sorte que se pode dizer que o conceito de ratiodecidendi constitui a chave da doutrina do precedente.

Se o caso posterior for diverso daquele retratado no precedente, estará descerrado o caminho para que o órgão jurisdicional afirme não haver precedente, pois se trata de novo caso, ainda não examinado. Haveria, então, um distinguishing, a afastar a aplicação do precedente. O precedente pode, enfim, ser afastado, se o novo caso que se apresenta contém uma particularidade que merece novo tratamento ou solução diversa. Eis o distinguishing.

Por outro lado, se a ratiodecidendi estabelece uma norma que, com o tempo, torna-se superada ou obsoleta, impõe-se deixar de seguir o precedente e alterar o conteúdo da ratiodecidendi, caracterizando o chamado overruled. O poder reconhecido a uma Corte de se afastar de um precedente, não distinguível, é chamado de overruling” (recursos repetitivos. Disponível em: www.leonardocarneirodacunha.com.br/artigos/recursos-repetitivos, acesso em: 07/03/2016).

A ratiodecidendi do acórdão paradigma publicado pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal em sede de recurso especial repetitivo ou recurso extraordinário repetitivo, é a interpretação e a aplicação da lei federal ou da Constituição Federal dada pelos tribunais superiores, tendo em conta que o âmbito de discussão no recurso especial e no recurso extraordinário se limita ao controle, aplicação e interpretação de lei federal e de dispositivo da Constituição Federal. Não se discute, portanto, matéria de fato ou apreciação de prova realizada pelo tribunal de origem.

Esses dois recursos “são chamados de recursos de fundamentação vinculada. É que só permitem a discussão de certas situações, e, assim, possuem âmbito restrito. O cabimento dessas espécies recursais exige a presença, na decisão recorrida, de alguma controvérsia a respeito da aplicação ou da interpretação de lei federal ou de dispositivo da Constituição Federal. Sem que se tenha presente uma dessas questões, fica o interessado impedido de socorrer-se da via destes recursos” (LUIZ GUILHERME MARINONI E SÉRGIO CRUZ ARENHART, Curso de processo civil, volume 2: processo de conhecimento. 6ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, pág. 560).

O relator do recurso especial repetitivo e extraordinário repetitivo poderá solicitar ou admitir manifestação de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na controvérsia, considerando a relevância da matéria e consoante dispuser o regimento interno; fixar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria, com a finalidade de instruir o procedimento; e requisitar informações aos tribunais inferiores a respeito da controvérsia e, cumprida a diligência, intimará o Ministério Público para manifestar-se (art. 1.038 do CPC).

Decididos os recursos encaminhados ao tribunal superior, os órgãos colegiados declararão prejudicados os demais recursos versando sobre idêntica controvérsia ou os decidirão aplicando a tese firmada. Negada a existência de repercussão geral no recurso extraordinário repetitivo, serão considerados automaticamente inadmitidos os recursos extraordinários cujo processamento tenha sido sobrestado (art. 1.039 do CPC).

Publicado o acórdão paradigma pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal: I - o presidente ou o vice-presidente do tribunal de origem negará seguimento aos recursos especiais ou extraordinários sobrestados na origem, se o acórdão recorrido coincidir com a orientação do tribunal superior; II - o órgão que proferiu o acórdão recorrido, na origem, reexaminará o processo de competência originária, a remessa necessária ou o recurso anteriormente julgado, se o acórdão recorrido contrariar a orientação do tribunal superior; III - os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior; IV - se os recursos versarem sobre questão relativa a prestação de serviço público objeto de concessão, permissão ou autorização, o resultado do julgamento será comunicado ao órgão, ao ente ou à agência reguladora competente para fiscalização da efetiva aplicação, por parte dos entes sujeitos a regulação, da tese adotada (art. 1.040 do CPC).

Caso o tribunal de origem não adote o precedente firmado pelos tribunais superiores em sede de recurso especial ou extraordinário repetitivos, mantendo o acórdão divergente, o recurso especial ou extraordinário, anteriormente suspensos, deverão ser remetidos ao Superior Tribunal de Justiça ou ao Supremo Tribunal Federal (art. 1.041 caput do CPC).

Não havendo afetação de recurso especial ou extraordinário representativos de controvérsia para o Superior Tribunal de Justiça ou Supremo Tribunal Federal, para decidir idêntica questão de direito, será cabível a instauração do incidente de resolução de demandas repetitivas, para os casos em que se verifique a existência de efetiva repetição de processos que versem sobre a mesma questão de direito e represente risco de ofensa à isonomia e a segurança jurídica, nos termos dos inciso I e II do artigo 976 do Código de Processo Civil. Estes são os pressupostos para a admissibilidade do incidente (§ 3º e 4º do art. 976 do CPC), que deve ser dirigido ao presidente do tribunal pelo juiz ou relator mediante ofício, pelas partes e pelo Ministério Público ou Defensoria Pública mediante petição, com os documentos que demonstrem a existência dos pressupostos do incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 977 do CPC).

O regimento interno dos tribunais é que disporá sobre o órgão competente para julgar o incidente e de fixar a tese jurídica, bem como julgar o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária que deu origem ao incidente.

Admitido o incidente o relator determinará a suspensão dos processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a mesma questão de direito; poderá requisitar informações aos órgãos em cujo juízo tramita o processo que originou o incidente e determinará a intimação do Ministério Público para se manifestar (art. 982 do CPC). Durante a suspensão o pedido de tutela de urgência deverá ser requerido no juízo do processo suspenso e não no juízo do incidente.

O § 3º do artigo 982 do Código de Processo Civil prevê a possibilidade das partes e do Ministério Público ou da Defensoria Pública requerer ao tribunal competente para conhecer do recurso especial ou extraordinário, a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem sobre idêntica questão de direito. No artigo 983 do Código de Processo Civil está prevista a possibilidade de manifestação de pessoas, órgãos e entidades interessadas na resolução da controvérsia.

O acórdão proferido no incidente deverá abranger a análise de todos os fundamentos suscitados concernentes a tese jurídica discutida (§ 2º do art. 984 do CPC). Julgado o incidente a tese jurídica adotada será aplicada a todos os processos individuais e coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal e aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar na jurisdição do tribunal (art. 985 do CPC). A inobservância da tese jurídica firmada no incidente enseja a possibilidade de propositura de reclamação (art. 985, § 1º e art. 988, inc. IV).

O § 2º do artigo 985 do Código de Processo Civil, dispõe que se o incidente tiver por objeto questão relativa a prestação de serviço público fornecido por concessionárias, permissionárias ou mediante autorização, o resultado do julgamento deverá ser comunicado ao órgão, ao ente ou a agência reguladora competente para fiscalização da aplicação do precedente formado no incidente de resolução de demandas repetitivas. A razão de ser do referido parágrafo é que o maior volume de demandas repetidas envolve justamente a prestação de serviços públicos prestados por pessoas jurídicas de direito privado que mediante contrato administrativo tiveram a delegação por parte do poder público para a prestação de determinado serviço. Incumbe as agências o poder de regular e fiscalizar a forma como está sendo prestado o serviço público, motivo pelo qual é comunicada da tese jurídica adotada no incidente de resolução de demanda repetitiva que terá aplicação na jurisdição do tribunal que a editou.

Caberá recurso especial e extraordinário do julgamento do mérito do incidente, devendo a tese decidida pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal ser aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito (art. 987 do CPC).

Como visto, tanto o incidente de resolução de demandas repetitivas como o recurso especial repetitivo e o recurso extraordinário repetitivo guardam semelhanças entre si, como o fato de se destinarem a resolução de idênticas questões de direito, ao prazo de 1 (um) ano para o julgamento com preferência sobre os demais feitos, ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus (art. 980 e art. 1.037 § 4º do CPC), a suspensão dos processos pendentes, e a elaboração do precedente que deverá ser observado no julgamento das demandas que versem sobre a mesma questão de direito.

Diferentemente, o incidente de assunção de competência do artigo 947 do Código de Processo Civil, é admissível quando o julgamento de recurso, de remessa necessária ou de processo de competência originária envolver relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição de múltiplos processos. Será proposto pelo relator, pela parte, pelo Ministério Público ou pela Defensoria Pública, que o recurso, a remessa necessária ou o processo de competência originária seja julgado pelo órgão colegiado que o regimento interno do tribunal indicar.

O acórdão proferido no incidente de assunção de competência vinculará todos os juízes e órgãos fracionários do tribunal, sendo cabível a propositura de reclamação para garantir a observância de precedente formulado em incidente de assunção de competência (art. 988, inc. IV).

Os pressupostos para a admissibilidade do incidente de assunção de competência são a existência de recurso, remessa necessária ou processo de competência originária a ser julgado, e a demonstração de que envolve relevante questão de direito com ampla repercussão social, que são conceitos abertos que demandam análise no caso concreto pelo tribunal. Os legitimados são o relator do recurso, da remessa necessária ou do processo de competência originária, qualquer das partes e o Ministério Público e a Defensoria Pública.

O incidente tem como objetivo uniformizar o entendimento sobre questão de direito, solucionando e prevenindo divergências na interpretação e na aplicação da mesma norma ou princípio jurídico entre as Câmaras ou as Turmas do tribunal.

 O parágrafo 1º do artigo 489 do Código de Processo Civil dispõe que não se considera fundamentada a decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; que empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; que invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; que não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; que limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; que deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Deste modo, o precedente ou enunciado de súmula não afeta a tarefa do juiz de interpretar e aplicar a norma jurídica aos fatos aduzidos na demanda, sendo nula por ausência de fundamentação a decisão que não explicar a razão pela qual o entendimento jurisprudencial persuasivo se aplica ou não ao litígio a ser julgado. Inclusive é permitido ao julgador afastar a aplicação do procedente ou enunciado de súmula quando não se ajusta ao caso concreto (distinção ou distinguishing), ou quando demonstrar que a jurisprudência que os embasaram está superada, não condizendo mais com a justiça do momento (superação ou overrruling).

Nota-se que os dispositivos legais do Código de Processo Civil introduzem técnicas da aplicação, superação e mitigação dos precedentes semelhantes ao do Common law, em razão da crescente força persuasiva da jurisprudência dos Tribunais acarretada pela sobrecarga judiciária. Nos casos de demandas repetitivas e reiteradas a tarefa do juiz consiste essencialmente em enquadrar ao caso concreto determinado precedente, de modo fundamentado.

JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA destaca o “notável crescimento, nos últimos tempos, entre os juristas da chamada família “romano-germânica”, o interesse pelos ordenamentos anglo-saxônicos. O fenômeno, em si, merece irrestritos louvores, independentemente do fato de que suas razões, em boa parte, guardam evidentíssima relação com a conjuntura político-econômica de hoje. Como é natural, ele vem-se estendendo ao campo do processo, onde não raro se exterioriza em sugestões de reforma” (Notas sobre alguns aspectos do processo (civil e penal) nos países anglo-saxônicos in Temas de direito processual: sétima série. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 155).

Portanto, deve o juiz analisar se as questões fáticas do litígio colocado para seu julgamento são as mesmas da decisão que gerou o precedente, e, em caso negativo demonstrar a real distinção entre os dois, decidindo pela inaplicabilidade do precedente; se não for este o caso, mas se o tribunal estiver convencido sem qualquer dúvida razoável de que a decisão contida no precedente está superada, deve retirar-lhe a qualidade de precedente (JORGE AMAURI MAIA NUNES, Segurança jurídica e súmula vinculante. São Paulo: Saraiva, 2010, pág. 127).

Para melhor aplicação dos precedentes e enunciados de súmula deve se voltar ao que foi dito anteriormente sobre a coisa julgada, para entender que os pronunciamentos e opiniões do juiz, contidos na motivação da decisão que gerou o precedente, não tem força vinculante. Apenas a parte dispositiva da decisão, que contém as questões decididas (art. 503 do CPC), é que terá a força vinculante.

A obrigatoriedade da adequada fundamentação na decisão judicial para a aplicabilidade ou inaplicabilidade do precedente ou enunciado de súmula, se justifica inclusive para assegurar o direito de recorrer do jurisdicionado, que deve conhecer as razões que levaram o julgador a embasar a sua decisão no precedente ou a afastar a sua aplicação.

Diante do exposto, a jurisprudência tem exercido fundamental papel para a prestação jurisdicional dentro de um prazo razoável, com eficiência na aplicação da justiça, garantindo a certeza e a segurança na aplicação do direito. Na aplicação dos precedentes os julgadores devem analisar de modo fundamentado a existência ou não de distinção ou superação, bem como a ratiodecidendi do precedente que tem a força persuasiva para os demais julgados que versem sobre idênticas questões. De modo algum a força persuasiva dos precedentes afasta a tarefa do magistrado de interpretar e aplicar o direito ao caso concreto, servindo apenas como um instrumento para a solução mais rápida de litígios repetidos, aliviando a carga judiciária sem afetar a eficiência da prestação jurisdicional.

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Sobre o autor
Raphael Funchal Carneiro

Advogado formado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, pós graduado em direito tributário

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