Os Ministros do Supremo Tribunal Federal acreditam, ou ao menos parecem acreditar que, promulgada a Constituição, ocorreu, parafraseando Roland Barthes, a morte do constituinte.
Como aponta Barthes, foi com o fim da Idade Media que se iniciou a supervalorização do individuo. E isso se deu tanto nas artes quanto na politica. Nesta, o cúmulo do individualismo moderno foi o Absolutismo, preconizado na famosa frase “o Estado sou Eu”. Acredito que estamos perto de chegar a um cúmulo parecido, mas desta vez não na politica propriamente dita, mas sim no direito, não faltando pouco para que o STF diga “o Leitor”, ou “o Constituinte sou Eu”.
“Há um lugar em que essa multiplicidade se reúne”, disse o escritor de “A morte do Autor”, referindo-se as “escritas múltiplas” que se faz de um texto, e continua, “e esse lugar não é o autor, como se tem dito aqui, é o leitor”. Por ventura não é o que tem dito, implícita e explicitamente, Ministros do STF?
O que se pode entender de declarações como “entendo que não existe a Constituição de 1988. Existe a Constituição do Brasil aqui e agora, constantemente sendo reproduzida”? Não menciono o nome de quem proferiu a pérola aqui transcrita por já estar ele morto, perdão, aposentado.
Quão curiosa é a afirmação de Barthes, quando disse “a vida nunca faz mais do que imitar o livro, e esse livro não é ele próprio senão um tecido de signos, imitação perdida, infinitamente recuada”, se comparada a o que se lê no paragrafo acima!
Agora, há algum perigo nisso? E, havendo, qual seria?
Voltemos a Barthes – “Dar um autor a um texto é impor a esse texto um mecanismo de segurança, e dota-lo de um significado último, é fechar a escrita”. Substituindo, por analogia, a palavra escrita por interpretação, deduzimos que, matando o Autor, a interpretação torna-se aberta, portanto sujeita a tantas modificações quantas forem os intérpretes.
Mas – felizmente ou não – não há tantos intérpretes assim – são apelas 11, apesar de que sua decisão final será uma só. Ou seja, a Constituição, enquanto livro a ser lido pelos Leitores Supremos, se vê reduzida a uma imitação perdida, infinitamente recuada por seu Guardião, e sujeita às mutações tidas por ele convenientes.
Matando o Autor, como dito, se desfaz o mecanismo de segurança que ao texto lhe era imposto. Mas, em se tratando da Constituição, não seria essa segurança a segurança jurídica? Posto que o “pai” do texto está “morto”, a Constituição passa aos cuidados de seu Guardião, e a segurança dela – e a nossa – dele passa a depender também.
Pode objetivar-se que Roland Barthes não é jurista, que suas reflexões não se referem ao texto jurídico, que não é sua “intenção” que suas observações sejam aplicadas a textos jurídicos. Entretanto, queira-se ou não, o STF é o Leitor Supremo, e está atuando como tal.