A morte do constituinte

09/03/2016 às 11:33
Leia nesta página:

Crítica ao ativismo judicial do STF.

Os Ministros do Supremo Tribunal Federal acreditam, ou ao menos parecem acreditar que, promulgada a Constituição, ocorreu, parafraseando Roland Barthes, a morte do constituinte.

Como aponta Barthes, foi com o fim da Idade Media que se iniciou a supervalorização do individuo. E isso se deu tanto nas artes quanto na politica. Nesta, o cúmulo do individualismo moderno foi o Absolutismo, preconizado na famosa frase “o Estado sou Eu”. Acredito que estamos perto de chegar a um cúmulo parecido, mas desta vez não na politica propriamente dita, mas sim no direito, não faltando pouco para que o STF diga “o Leitor”, ou “o Constituinte sou Eu”.

Há um lugar em que essa multiplicidade se reúne”, disse o escritor de “A morte do Autor”, referindo-se as “escritas múltiplas” que se faz de um texto, e continua, “e esse lugar não é o autor, como se tem dito aqui, é o leitor”. Por ventura não é o que tem dito, implícita e explicitamente, Ministros do STF?

O que se pode entender de declarações como “entendo que não existe a Constituição de 1988. Existe a Constituição do Brasil aqui e agora, constantemente sendo reproduzida”? Não menciono o nome de quem proferiu a pérola aqui transcrita por já estar ele morto, perdão, aposentado.

Quão curiosa é a afirmação de Barthes, quando disse “a vida nunca faz mais do que imitar o livro, e esse livro não é ele próprio senão um tecido de signos, imitação perdida, infinitamente recuada”, se comparada a o que se lê no paragrafo acima!

Agora, há algum perigo nisso? E, havendo, qual seria?

Voltemos a Barthes – “Dar um autor a um texto é impor a esse texto um mecanismo de segurança, e dota-lo de um significado último, é fechar a escrita”. Substituindo, por analogia, a palavra escrita por interpretação, deduzimos que, matando o Autor, a interpretação torna-se aberta, portanto sujeita a tantas modificações quantas forem os intérpretes.

Mas – felizmente ou não – não há tantos intérpretes assim – são apelas 11, apesar de que sua decisão final será uma só. Ou seja, a Constituição, enquanto livro a ser lido pelos Leitores Supremos, se vê reduzida a uma imitação perdida, infinitamente recuada por seu Guardião, e sujeita às mutações tidas por ele convenientes.

Matando o Autor, como dito, se desfaz o mecanismo de segurança que ao texto lhe era imposto. Mas, em se tratando da Constituição, não seria essa segurança a segurança jurídica? Posto que o “pai” do texto está “morto”, a Constituição passa aos cuidados de seu Guardião, e a segurança dela – e a nossa – dele passa a depender também.

Pode objetivar-se que Roland Barthes não é jurista, que suas reflexões não se referem ao texto jurídico, que não é sua “intenção” que suas observações sejam aplicadas a textos jurídicos. Entretanto, queira-se ou não, o STF é o Leitor Supremo, e está atuando como tal.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Renan Apolônio

Bacharelando da Faculdade de Direito do Recife (UFPE). Pesquisador de Direito Constitucional, Político e Eleitoral. Estagiário do Ministério Público de Pernambuco.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos