O objetivo geral deste trabalho é demonstrar a natureza jurídica híbrida da responsabilidade da Administradora de Cartões de Crédito frente aos consumidores/usuários, principalmente aspectos relacionados a ordem desta, ou seja, os casos em que se aplica a teoria objetiva, independente de culpa ou dolo, bem como a aplicação da ordem subjetiva, pendente, portanto, da prova por parte do usuário do cartão de crédito que a Administradora agiu com imprudência, negligência ou imperícia nas suas relações com o mesmo, da qual advierem litígios, contrapondo-se a teoria dominante que tais relações se sujeitam apenas a teoria objetiva.
A responsabilidade civil em todos os seus aspectos (reconhecimento, espécies, indenização, critérios de quantificação e valores), tem sido um dos temas de maior controvérsia no meio jurídico atualmente, tanto em países que se utilizam do sistema denominado Romano Germânico, caso do Brasil, como naqueles que fazem parte da Commom Law.
Nas últimas décadas, o aumento das injustiças sociais e a maior conscientização da população em relação aos seus direitos acarretaram uma explosão de demandas judiciais. Em consequência, os pedidos de reparação pelos danos de natureza moral cresceram na mesma proporção.
Hoje em dia, em grande parte predominam nos foros as chamadas questões de massa, isto é, ações de consumo e indenizatórias por atos ilícitos. As questões envolvendo cartões de crédito não fogem disso.
A propósito, as decisões judiciais nem sempre são uniformes em relação a natureza jurídica das obrigações envolvendo consumidores e empresas de cartões de crédito, mormente quanto a natureza destas responsabilidades, se são de natureza objetiva ou subjetiva.
Isto implica no momento de reconhecimento dos danos causados aos consumidores, os critérios para julgamento quantificação de valores, o que tem provocado muitas críticas diante da insegurança jurídica gerada.
Apropriadas ao problema proposto são as palavras do Ministro Sidnei Beneti, presidente da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça Brasileiro, quando declarou, na matéria divulgada pelo site da Corte Superior, ser o dano moral “uma das questões mais difíceis do Direito brasileiro atual. Não é cálculo matemático. Impossível afastar um certo subjetivismo.”
Aprofundando a problemática, o tema relacionado ao uso de cartões de crédito é um tema atual, e muito perto de todos nós, pois a pessoas utilizam-se de cartões de crédito diariamente, gerando relações jurídicas com as mais variadas nuances.
A maioria dos países possuem legislação geral acerca da responsabilidade civil, incluindo ai a responsabilidade civil das administradoras de cartões de crédito frente aos usuários, não havendo entretanto, estudo pormenorizado se esta responsabilidade é de natureza objetiva ou subjetiva.
Outra problemática atual, é a inexistência de critérios objetivos para verificação e valoração desta responsabilidade, restando o critério subjetivo de magistrados brasileiros que fixam esta de acordo com entendimento próprio.
Pelos nosso estudos questiona-se: Um sistema híbrido, aplicando a teoria objetiva/subjetiva, dependendo o caso concreto, seria o mais adequado para delimitar a natureza da responsabilidade jurídica das Administradoras frente aos usuários, assim como os casos de exclusão desta responsabilidade?
Por certo que a adoção de um criterio segundo o caso concreto, sem uma fixação prévia da natureza jurídica desta obrigação, trará mais segurança jurídica para as empresas do setor, assim como ao usuário acerca de suas responsabilidades no uso do cartão de crédito, o qual também terá de suportar os encargos em diversas situações, como uso indevido, perda de documentos e outras situações com as quais concorreu.
Quando se analisa a legislação e o conjunto de decisões de diversos países a respeito do tema, verifica-se que não existe um consenso razoável para delimitação da natureza jurídica desta responsabilidade, assim como os casos de exclusão, sendo que o Brasil e muitos outros países carecem da adoção de criterios jurídicos para uniformização desta questão.
O presente artigo demonstra frente ao modelo jurídico de responsabilidade civil adotado no Brasil, que não necessariamente precisa-se adotar um critério fixo, imutável e prévio afim de se verificar a responsabilidade da Administradora de Cartões de Crédito frente aos usuários, cabendo a aplicação de um sistema híbrido, objetivo/subjetivo, dependendo o caso concreto, bem como afastar premissas equivocadas acerca do tema.
Hodiernamente, existem muitas decisões judiciais equivocadas sobre o tema, principalmente a confusão que se dá no julgamento de demandas envolvendo responsabilidade civil, na qual os Magistrados imprimem caráter punitivo, fazendo esta parte da condenação, imprimindo caráter inibitório a condenação, fixando indenização decorrente de responsabilidade civil tendo por base o faturamento da empresa, caráter educativo, quando na realidade o que deveria ser verificado seria o alcance do dano experimentado pelo usuário de cartão de crédito.
Trata-se de um equívoco, pois a sanção nao faz parte do direito civil, o qual busca somente a compensação financeira pelo ilícito, sendo que qualquer caráter punitivo deve se dar na área do direito penal. Este entendimento equivocado tem predominado em Tribunais Brasileiros.
Em regra aplica-se no Brasil a teoría objetiva na verificação da responsabilidade civil das Administradoras de Cartões de Crédito, [1] com a inversão indiscriminada do ônus da prova em todos os casos, aplicando-se literalmente o Código de Defesa do Consumidor, sem uma análise caso a caso.
Estas relações estão inseridas no Código Civil na parte pertinente as obrigações, assim como no Código de Defesa do Consumidor, aplicando-se as regras de Processo Civil para dirimir as questões em Juízo.
O consumidor utiliza-se de diversos mecanismos frente as administradoras, sempre fundamentando-se na responsabilidade objetiva. Dentre as principais ações do consumidor frente as Administradoras, a ação declaratória, ensinava Celso Agricola Barbi,[2] é o divisor de águas que tem por escopo colocar termo a incerteza, mediante discussão da relação jurídica, ou de fato, por meio da sentença final. Admita se a hipótese do negócio principal desfeito e a Administradora, ou eventualmente o banco querendo exigir do titular da obrigação.
Também a ação de prestação de contas é um importante instrumento a disposição do consumidor, afim de que este aclare sua situação perante a Administradora, que na visão de Antônio Carlos Marcato,[3] se desenvolve em dupla fase, a primeira de se verificar a obrigação quanto a pretensão, eis que pode revelar quem é o devedor e quanto monta o débito. Uma vez resolvida a questão dessa materia de prestação de contas, dá-se inicio a segunda fase, oportunidade na qual as contas serão prestadas, em forma mercantil, com apuração de saldo favorável ou não ao autor.
A despeito de constarem eventualmente cláusulas desprovidas de eficacia jurídica, nulas ou anuláveis, cabe ao consumidor a revisão de cláusulas e condições do contrato, que neste caso poderia ter calibre individual ou coletivo com efeito erga omnes na hipótese de beneficiar um número indeterminado de asociados ao sistema, o que na lição de Rodolfo Camargo Mancuso,[4] se daría em virtude de possuirem homogéneos intercambios na disciplina do cartão de crédito.
No tocante a resolução, resilição e rescisão, que são causas supervenientes de extinção contratual,[5] tais mecanismos jurídicos terão todos seus aspectos abordados com os devidos esclarecimentos para deslinde do tema.
As decisões judiciais também seguem a tendencia de responsabilidade objetiva das administradoras, não obstante existam varias vertentes, corroborando o objetivo desta tese, a qual enfatiza a aplicação de um sistema híbrido.
Em todos os casos acima expostos, predomina a aplicação da responsabilidade objetiva, com a inversão total do ônus da prova, em detrimento das empresas do setor.
Isto em última análise, acaba prejudicando o sistema como um todo, tornando o crédito mais caro aos consumidores.
BIBLIOGRAFIA
-Abrão, Carlos Henrique. Cartões de Crédito e Débito. Editora Juarez de Oliveira. São Paulo.2005.
-Barbi, Celso Agrícola. Ação Declaratória Principal e Incidental – 7ª edição – Forense – Rio de Janeiro – 1996.
-Fentanes, Juan Eduardo (1999) “Tarjeta de Crédito”. Facultad de Derecho, Universidad de Buenos Aires. Buenos Aires.
-Glanz – Contratos Eletrônicos – In Revista de Direito Bancário do mercado de Capitais e da Arbitragem – 7 – ano 3 – janeiro/março – 2000 – Revista dos Tribunais – São Paulo.
Gomes, Orlando. Contratos. 26ª Edição, atualização e notas de Humberto Theodoro Junior. Ed. Forense.Rio de Janeiro.2007.
-Hübner, M.M. (1998). Guia para elaboração de monografias e projetos de dissertação de mestrado e doutorado. São Paulo: Editora Pioneira e Editora Mackenzie.
-Jasper, Margaret C. Credit Cards and the Law. 3rd edition. Oxford University Press. Oxford.UK. 2007.
-João Batista Lopes – A prova no Direito Processual Civil – Editora Revista dos Tribunais – São Paulo – 1999.
-Júnior, Ronaldo Porto Macedo. Cartões de Crédito. Venda à Vista. In Revista de Direito do Consumidor – 09-janeiro/março 1994.
-Leal-Arcas, Rafael. International Trade and Investment Law. Multilateral, Regional and Bilateral Governance. 2011.Edward Elgar. Cheltenham, UK.
-Mancuso, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos – 4ª edição – Revista dos Tribunais – São Paulo – 1997.
-Marcato, Antonio Carlos. Procedimentos Especiais – Revista dos Tribunais – 3ª edição – São Paulo – 1990.
-Marques, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor – 3ª Ed. – Editora Revista dos Tribunais – São Paulo, 1999.
-Oliveira, Celso Marcelo de. Cartão de Crédito – Editora LZN – Campinas – São Paulo – 2003.
-Marques, Cláudia Lima. Benjamin, Antônio Herman. Miragem, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª Ed. Editora Revista dos Tribunais, 2010.
-Nunes, Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2 ª Edição reformulada. Editora Saraiva, 2005.
-Pederiva, João Henrique. O Direito do Consumidor, O Sistema Financeiro e os Cartões de Crédito. In Revista de informação Legislativa. Brasilia ano 39 – n. 153 – janeiro/março – 2002.
[1]{C} João Batista Lopes – A prova no Direito Processual Civil – Editora Revista dos Tribunais – São Paulo – 1999.
[2]{C} -Barbi, Celso Agrícola. Ação Declaratória Principal e Incidental – 7ª edição – Forense – Rio de Janeiro – 1996.
[3] Marcato, Antonio Carlos. Procedimentos Especiais – Revista dos Tribunais – 3ª edição – São Paulo – 1990.
[4]{C} Mancuso, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos – 4ª edição – Revista dos Tribunais – São Paulo – 1997.
[5]{C} Gomes, Orlando. Contratos – Forense – Rio de Janeiro – 1984.