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Abuso de autoridade militar face à Constituição de 1988

17/01/2004 às 00:00
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A Lei Federal nº 4898, de 09.12.1965, que "regula o Direito de Representação e o processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos casos de abuso de autoridade", por essa lei essa autoridade é aquela que exerce cargo público civil ou militar, senão vejamos, a saber: "Art. 5º Considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração".

Tem-se, segundo essa Lei, a tipificação do crime de abuso de autoridade definida nos artigos 3º e 4º, a saber:

"Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:

a) à liberdade de locomoção;

b) à inviolabilidade do domicílio;

c) ao sigilo da correspondência;

d) à liberdade de consciência e de crença;

e) ao livre exercício do culto religioso;

f) à liberdade de associação;

g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto;

h) ao direito de reunião;

i) à incolumidade física do indivíduo;

j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional. (Incluído pela Lei nº 6.657,de 05/06/79)

Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:

a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;

b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;

c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa;

d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada;

e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei;

f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor;

g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa;

h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal;

i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade. (Incluído pela Lei nº 7.960, de 21/12/89) – sem grifos no original.

Ao autor de abuso de autoridade, de uma das hipóteses previstas nos artigos sobreditos, se aplicará sanção penal e administrativa civil, conforme artigo subscrito, a saber:

Art. 6º O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal.

§ 1º A sanção administrativa será aplicada de acordo com a gravidade do abuso cometido e consistirá em:

a) advertência;

b) repreensão;

c) suspensão do cargo, função ou posto por prazo de cinco a cento e oitenta dias, com perda de vencimentos e vantagens;

d) destituição de função;

e) demissão;

f) demissão, a bem do serviço público.

§ 2º A sanção civil, caso não seja possível fixar o valor do dano, consistirá no pagamento de uma indenização de quinhentos a dez mil cruzeiros.

§ 3º A sanção penal será aplicada de acordo com as regras dos artigos 42 a 56 do Código Penal e consistirá em:

a) multa de cem a cinco mil cruzeiros;

b) detenção por dez dias a seis meses;

c) perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo até três anos.

§ 4º As penas previstas no parágrafo anterior poderão ser aplicadas autônoma ou cumulativamente.

§ 5º Quando o abuso for cometido por agente de autoridade policial, civil ou militar, de qualquer categoria, poderá ser cominada a pena autônoma ou acessória, de não poder o acusado exercer funções de natureza policial ou militar no município da culpa, por prazo de um a cinco anos. – sem grifos no original.

A despeito de o militar ter foro privilegiado ou foro especial porquanto se subsumir à Justiça Castrense, consoante CPPM, em seu Art. 82. "O foro militar é especial, e, exceto nos crimes dolosos contra a vida praticados contra civil, a ele estão sujeitos, em tempo de paz": - vide Dec-Lei nº 1002, de 21 de outubro de 1969, com a redação dada pela Lei nº 9.299/96, mormente quanto aos crimes propriamente militares. Portanto, somente será submetido ao foro comum no caso de crime doloso contra a vida, praticados contra civil, cf. Parágrafo Único, do Art 9º, do Dec-Lei 1001, 21 de outubro de 1969, alterado pela Lei 9299, de 07.08.1996, a saber, in verbis:

"Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz:

I - os crimes de que trata este Código, quando definidos de modo diverso na lei penal comum, ou nela não previstos, qualquer que seja o agente, salvo disposição especial;

II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados:

a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;

b) por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil; (alterado pela Lei 9.299/96) obs.:

d) por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;

e) por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;

f) por militar em situação de atividade ou assemelhado que, embora não estando em serviço, use armamento de propriedade militar ou qualquer material bélico, sob guarda, fiscalização ou administração militar, para a prática de ato ilegal; (revogada pela Lei 9.299/96)

III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:

a) contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;

b) em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;

c) contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;

d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.

Parágrafo único. Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos contra civil, serão da competência da justiça comum. (acrescentado pela Lei 9.299/96) – sem grifos no original.

Entrementes, como se vê, a referida Lei 4898 é de 1965, e, portanto, note-se que bem anterior à Constituição Federal, de 05.10.1988, bem por isso, nesse aspecto, aquela não coaduna ao normativo prescritor do Art 125, §4º, da CF88, ao nosso ver e singelo entender.

"Art. 125 – os Estados organizarão sua Justiça, observados os prncípios estabelecidos nesta Constituição".

"§4º Compete à Justiça Militar estadual processar e julgar os policiais militares e bombeiros militares nos crimes militares definidos em lei, cabendo ao Tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças". – sem grifos no original.

Portanto, se vislumbra aparente eiva de constitucionalidade do citado Art 6º, §5º, verbis: "§5º - Quando o abuso for cometido por agente de autoridade policial, civil ou militar, de qualquer categoria, poderá ser cominada a pena autônoma ou acessória, de não poder o acusado exercer funções de natureza policial ou militar no município da culpa, por prazo de um a cinco anos."

De notar que o legislador se refere à possibilidade (poderá ser cominada...) e não à obrigatoriedade, obviamente que, in casu, há de se respeitar e cumprir ao Art. 125, §4º, c/c o Art 142, §3º, VI e VII, da CF88, dês que tenha sido condenado à pena privativa de liberdade superior a dois e com trânsito em julgado, senão veja-se o Art.142, §º, VI e VII.

"Art. 142. Omissis":

"§3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições" (Parágrafo incluído pela EC nº 18, de 05/02/98):

VI - o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra;

VII - o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no inciso anterior; - sem grifos no original.

Resta claro, portanto, que o caso pode ser elucidado com fulcro nos Art 125, §4º, com combinação conjunta ao Art.142, §3º, VI e VII, haja vista que, a despeito de os incisos do ut retro artigo se referirem aos oficiais, sob a égide da isonomia do caput do Art 5º, todos da CF/88, havendo condenação à pena privativa da liberdade superior a dois anos, desde que haja trânsito julgado, portanto, é imperioso que o castrense seja julgado pelo TJM, para dizer de sua incompatibilidade e indignidade ao exercício do cargo ou da função pública e/ou sobre a perda da patente e do posto, se oficial, e da graduação se praça.

Não sendo despiciendo trazer à colação o teor do Art 125, caput e seu inciso I, da Lei Federal nº 6880/80, que dispõe sobre os Estatutos dos Militares Federais, in verbis:

"Art. 125 – A exclusão a bem da disciplina será aplicada ex officio ao Guarda-Marinha, ao Aspirante-a-oficial ou às praças com estabilidade":

I – quando assim se pronunciar o Conselho Permanente de Justiça, em tempo de paz, ou Tribunal Especial, em tempo de guerra, ou Tribunal Civil após terem sido essas praças condenadas, em sentença transitada em julgado, à pena restritiva de liberdade individual superior a dois anos, ou nos crimes previstos na legislação especial concernente à segurança do estado, a pena de qualquer duração." – sem grifos no original.

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Nesse diapasão, o Art 68 da Lei Estadual nº 5346, de 26 de maio de 1992, modificada pela Lei Estadual nº 5358, de 01 de julho de 1992, que tratam dos estatutos dos castrenses do Estado de Alagoas, estabelece o seguinte, a saber:

"Art. 68 – O licenciamento "ex-officio" do aspirante a oficial e da praça com estabilidade assegurada [1], a bem da disciplina, ocorrerá quando:

I – submetido a Conselho de Disciplina e julgado culpado, assim decidir o Comandante Geral;

II – perder ou haver perdido a nacionalidade brasileira, se aspirante a oficial;

Parágrafo Único. O aspirante a oficial ou a praça com estabilidade assegurada, licenciada a bem da disciplina, só poderá readquirir a situação anterior por decisão do Comandante Geral da polícia Militar, se o licenciamento foi conseqüência de julgamento do Conselho de Disciplina."" [2] – sem grifos no original.

Portanto, o disposto no Art. 6º, §1º, "c", "d", "e" e "f", §3º, "c" e §5º, da Lei 4898/65, somente poderá ser aplicado ao militar e/ou ao castrense estadual se houver a condenação suso citada e transitada em julgado, ou seja, desde que condenado à pena privativa de liberdade superior a dois anos, com trânsito em julgado [3], sendo mister seu julgamento [4] pelo TJM ou TJ, se inexistir aquele; mas não condenado pelo foro comum e sim pelo foro castrense, v.g, por Tribunal de Justiça Militar, ou pelo TJ, inexistindo aquele, passando pelo juízo a quo da Auditoria de Justiça Militar Estadual, nos Estados em que o efetivo castrense seja inferior a 20 mil PM, não olvidando jamais que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal" e de que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com todos os meios e recursos a ela inerentes"(Art. 5º, LIV e LV, respectivamente, da CF88).

Em síntese, não é que seja inconstitucional o Art. 6º, §1º, "c", "d", "e" e "f", §3º, "c" e §5º, mas sua aplicação aos castrenses se condiciona à pena privativa de liberdade superior a dois anos e transitada em julgado, para que o TJ ou TJM, se for o caso, possa confirmar sua destituição de patente ou graduação.

Contrario sensu, vislumbra conflitar-se com o Art 125, §4º, da CF88. Portanto, aparentemente eivado de vícios inconstitucionais, se aplicado pela justiça comum porquanto ser competente [5], para declaração da incompatibilidade, de indignidade e da perda do posto, patente e graduação dos castrenses, apenas e somente só o Tribunal de Justiça Militar, em tempo de paz, ou Especial, em tempo de guerra, e, na falta daquele, o Tribunal de Justiça do Estado membro.

Entendimento sub censura.


Referências bibliográficas

Constituição Federal de 1988, atualizada até a EC nº 36.

Código de Processo Penal Militar – Dec-Lei nº 1002, de 21 de outubro de 1969, atualizado pela Lei Federal nº 9.299.

Código Penal Militar – Dec-Lei nº 1001, de 21 de outubro de 1969, atualizado pela Lei Federal nº 9.299.

Lei 4898 – Lei de abuso de autoridade -, de 09 de dezembro de 1965.

Lei Federal nº 6880/80, que dispõe sobre os Estatutos dos Militares Federais.

Lei Estadual nº 5346, de 26 de maio de 1992, modificada pela Lei Estadual nº 5358, de 01 de julho de 1992, que tratam dos estatutos dos castrenses do Estado de Alagoas.


Notas

01. Pelo Art 30, XII, da Lei Estadual nº 5346, de 26 de maio de 1992, modificada pela Lei Estadual nº 5358, de 01 de julho de 1992, que tratam dos estatutos dos castrenses do Estado de Alagoas, praça com estabilidade assegurada, é aquela com mais de dez anos de efetivo serviço. No entanto, é mister lembrar que o PM ingressa na Corporação, portanto, no serviço público, mediante concurso público e nomeado em cargo de provimento efetivo, bem por isso lhe deveriam ser asseguradas às garantias constitucionais do Art 41, caput e seguintes, da CF88, com a redação dada pela E.C. nº 19, de 04.06.1998. Ou seja, estabilidade assegurada após três anos de efetivo exercício (efetivo serviço).

02. Entrementes, É mister salientar que o licenciamento "ex-officio",a bem da disciplina, somente ocorrerá quando julgado culpado pelo Conselho de Disciplina, conquanto culpado das acusações, julgado pelo Conselho, acarretará, pois, por conseguinte, o dever(ex-officio)do licenciamento a bem da disciplina, sob pena de prevaricação. Contrario sensu, julgado inocente (ou não culpado) das acusações não assiste razão ao licenciamento, de ofício, a bem da disciplina, senão o devido e justo arquivamento do Processo, consoante o disposto no Art. 13, §1º, I, da Lei Estadual nº 4000, de 19 de dezembro de 1978, in verbis:

"Art. 13 - Recebidos os autos do processo, o Comandante Geral, dentro do prazo de 20 (vinte) dias, homologará ou não, o julgamento.

§1º. Em caso de não homologação do julgamento, o Comandante Geral fundamentará, detalhadamente, seu despacho, e determinará:

I - o arquivamento do processo, se não julgar a Praça culpada ou incapaz de permanecer na ativa ou na inatividade;

De notar, do preceito sub examine, que o Cmt Geral tem prazo fatal de até vinte dias, para homologar ou não a decisão do julgamento do Conselho. Portanto, não o homologando, tem o dever de fundamentar, detalhadamente, seu despacho (Em caso de não homologação do julgamento, o Comandante Geral fundamentará, detalhadamente, seu despacho, e determinará), ou seja, motivando e fundamentando seu despacho, sob pena de odiosa nulidade insanável:

03. "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", cf Art. 5º, LVII, da CF88.

04. "Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente", cf Art. 5º, LIII, da CF88.

05. "Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente", cf Art. 5º, LIII, da CF88.

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Sobre o autor
Joilson Gouveia

Bacharel em Direito pela UFAL & Coronel e Transferido para Reserva Remunerada da PMAL.Participou de cursos de Direitos Humanos ministrados pelo Center of Human Rights da ONU e pelo Americas Watch, comendador da Ordem do Mérito Municipalista pela Câmara Municipal de São Paulo. Autor, editor e moderador do Blog D'Artagnan Juris

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVEIA, Joilson. Abuso de autoridade militar face à Constituição de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 195, 17 jan. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4730. Acesso em: 30 abr. 2024.

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