A fidelidade partidária é tema que enseja diversos debates, tanto na classe política, quanto entre os estudiosos do direito, da ciência política, e no âmbito do poder judiciário.
Como salienta Vera Maria Nunes Michels[1], no Brasil não há candidatura avulsa e a filiação partidária é condição de elegibilidade, ainda mais porque o princípio da soberania popular exercido pelo voto de cada eleitor atrai o dever de fidelidade ao partido político pelo qual se elegeu e especialmente aos eleitores que o sufragaram.
Há quem sustente que mesmo havendo desvirtuamento do mandato e fraude a essência da representação, o constitucionalismo brasileiro não contempla expressamente na sistemática sobre a perda de mandato parlamentar a hipótese de infidelidade partidária como hipótese de perda antecipada de mandato.[2]
Na ausência de legislação que estabelecesse regras relativas à fidelidade partidária, o Tribunal Superior Eleitoral, levando em conta o que já havia decidido o Supremo Tribunal Federal, editou a Resolução nº 22.610/07 que disciplina o processo de perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa e o de justificação de desfiliação partidária ao mandatário que pretenda pedir a declaração da existência de justa causa para a desfiliação partidária.
Com a edição da Resolução ficou reconhecido que “o mandato eletivo pertence ao partido político e, destarte, a troca de legenda após o pleito, sem uma justificativa plausível, é considerada infidelidade partidária” que sujeita o infrator ao perdimento do mandato.[3]
A Lei nº 13.165/15 acrescentou à Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/95) o art. 22-A que positivou a hipótese de perda do mandato eletivo em razão da desfiliação, sem justa causa, do partido político pelo qual foi eleito. Já o parágrafo único do art. 22-A estabeleceu as três hipóteses de justa causa, i) a mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; ii) a grave discriminação política pessoal e; iii) a mudança de partido político efetuada durante o período de 30 dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente.
Com efeito, nas Eleições 2016 a mudança de partido político por parte dos detentores de mandato eletivo poderá ocorrer desde o dia 3 de março até o dia 1º de abril.
Atente-se que a redação do inciso III do art. 22-A estabelece que a “mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente”. Deste modo, a expressão “ao término do mandato vigente” diz respeito à “mudança de partido”; ou seja, a justa causa ocorre com a mudança de partido político por parte do parlamentar em fim de mandato, para concorrer à eleição, desde que efetuada durante o período de 30 dias que antecede o prazo de filiação.
Portanto, conclui-se que a mudança de partido político por parte de deputados estaduais, distritais e federais não estaria alcançada pelo discrímen legal, ainda que efetuada no prazo de 30 dias e com vistas à participação no pleito vindouro, uma vez que aqueles mandatos não estão no término, ou seja, não chegaram ao seu último ano, como pretendeu dizer a norma.
NOTAS
[1] MICHELS, Vera Maria Nunes. Direito Eleitoral: atualizado com a reforma eleitoral da Lei 12.034/09, que modificou a lei eleitoral, a lei dos partidos políticos e o Código Eleitoral. 7. ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 35.
[2] CALIMAN, Auro Augusto. Mandato Parlamentar: aquisição e perda antecipada. São Paulo: Atlas, 2005, p. 53.
[3] ALMEIDA, Roberto Moreira de. Curso de Direito Eleitoral. 7. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Editora JusPodivm, 2013, p. 185.