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Reequilíbrio de poder no Estado brasileiro: um novo pacto político.

Federalismo de regiões e Executivo dualista

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19/01/2004 às 00:00
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3 Executivo dualista

            Na relação entre os três Poderes, ressalta-se a importância do Poder Executivo em razão dos recursos políticos, técnicos e principalmente financeiro, que são muito fortes, o que lhe permite ter uma intervenção em todo o território nacional. A concentração de poderes no Executivo lhe permite ter superioridade, seja em relação aos demais Poderes da União, como em relação aos demais membros da federação. Esta concentração de poderes, portanto, é responsável pelo desequilíbrio do poder estatal no Brasil.

            O Congresso Nacional sempre deu maioria ao Presidente da República, uma maioria de centro-direita, e isto não permitiu a independência do Congresso Nacional. Além disso, os instrumentos utilizados pelo Presidente da República para assegurar a sua maioria não pertenciam sempre à boa moral política, as relações de clientelismo sempre foi um elemento presente. Podemos dizer que a sociedade política está mais próxima do Estado que da sociedade civil, o que retira uma grande parte da sua legitimidade. O Senado federal não representa fielmente os Estados federados e a Câmara dos deputados também não representa devidamente o povo. O STF raramente cumpre com o seu papel de árbitro entre a União (Executivo) e os Estados federados (Executivo) e entre a presidência da República e o Congresso Nacional, porque os contenciosos constitucionais de grande importância não ocorrem, e a grande parte das suas decisões vai no sentido de reforçar o poder da presidência da República.

            3.1 A força do poder presidencial no Brasil

            Inicialmente apresentaremos o Poder Executivo federal no Brasil. O Executivo é único, o Presidente da República é ao mesmo tempo chefe de Estado e chefe do governo. Neste presidencialismo, o Presidente é eleito diretamente pelo povo, em eleição nacional, a cada 4 anos. O presidente não é politicamente responsável frente ao Parlamento, e este não pode ser disolvido por aquele. O impeachment é um procedimento que está nas mãos do Congresso Nacional, através do qual o Presidente da República pode ser afastado do seu cargo, devido a prática de crime de responsabilidade. No Brasil, como em outros países, a presidência da República é uma instituição muito forte, podemos dizer que ela está na primeira fila, na frente das outras instituições.

            A dicotomia entre o presidencialismo majoritário e excludente, de um lado, e o federalismo consensual e integrador, por outro lado, faz parte da realidade brasileira. O federalismo, ou a descentralização do poder, apareceu como uma alternativa possível à transição democrática na América Latina nos anos 80. No entanto, o presidencialismo constitui um obstáculo ao federalismo, porque o poder é centralizado excessivamente na figura presidencial, tanto no que se refere a distribuição horizontal como vertical do poder.

            De acordo com Paulo BONAVIDES (18), no Brasil sempre houve um Estado muito forte, porque o Estado veio antes da nação e ele fez a independência do país. A existência deste Executivo forte, de acordo com o autor, vem reforçar a tese de que "nunca tivemos um federalismo autêntico e original, nem na doutrina, nem nas instituições...". Também, ao nível dos Estados federados, a mínima autonomia destes últimos é em proveito dos Poderes Executivos. Por último, BONAVIDES (19) assinala que "o Decreto-lei, a tecnocracia, a planificação autoritária e o presidencialismo" são os fatores mais antifederativos no Brasil. Quando BONAVIDES nos fala de Estado forte queremos entender que esteja falando de um Estado autoritário, o que historicamente, no nosso entender, impediu o surgimento de uma sociedade civil fortemente organizada.

            No mesmo sentido, José Afonso da SILVA (20) declara que "a verdade histórica é que no Brasil o presidencialismo deformou-se na prática do federalismo". O presidencialismo e o federalismo deformam-se entre si devido ao contexto sóciopolítico em que se constituíram ao mesmo momento".

            A figura da reeleição do presidente da República foi possibilitada através da alteração da Constituição federal pela Emenda constitucional n. 16, de 04.06.97. É a primeira vez que uma Constituição brasileira prevê a reeleição dos chefes dos Poderes Executivos (Presidente da República, governadores, e prefeitos, e respectivos vices). A reeleição não fazia parte do constitutionalismo latino-americano. Ela foi introduzida nos anos 90, após um fenômeno que Olivier DABÈNE (21) qualifica de contágio. O primeiro país a adotar a nova modalidade foi o Peru em 1993, com a reeleição de Alberto FUJIMORI, quando era Presidente e efetuou um golpe de Estado, fazendo passar uma alteração à Constituição que lhe permitiu a reeleição. Logo após, em 1994, o Presidente Carlos MENEM, da Argentina, impôs uma alteração à Constituição que permitiu a sua reeleição. Por último, em 1997, o Presidente Fernando Henrique CARDOSO, no Brasil, apoiou a proposta parlamentar de alteração à Constituição que autorizou a reeleição dos chefes de Poder Executivo. A experiência da reeleição no caso brasileiro pode demonstrar a inadequação deste novo instrumento que permite ao chefe do Poder Executivo de manter-se no poder. A reeleição, no nosso entender, é associada a dois problemas principais: por um lado os candidatos não disputam em condições de igualdade, porque um dos candidatos exerce o poder com mais possibilidades de visibilidade perante os meios de comunicação social; além disso o fato de ter a máquina pública nas mãos permite ao candidato chefe do Poder Executivo exercer muita influência sobre os eleitores, embora também haja a possibilidade de desgaste por ser governo. Além disso, no caso da reeleição, seria difícil um controle quanto ao uso da máquina pública pelo chefe de Poder Executivo.

            A reforma constitucional expõe a presidência da República a todas as formas de negociações políticas. Por esta razão, a revisão da Constituição que durou 7 mês, de 6 de outubro de 1993 a 31 de maio de 1994, teve como resultado a reforma de 6 dos 245 artigos da Constituição. Depois deste fracasso, o Executivo, que era o principal interessado nas reformas constitucionais, escolheu a via ordinária de alteração da Constituição. Nesta nova fase de mudança da Constituição, pode-se ver claramente as negociações correntemente clientelistas entre o Executivo e os parlamentares, tomados mesmo nas suas individualidades. Nesta última situação, o voto do deputado é dado em troca da liberação de recursos para a base eleitoral do deputado. Além disso, as novas Constituições elaboradas na América Latina nos anos 80, são bem complexas e detalhadas o que torna difícil a sua reforma.

            O Presidente da República dispunha, antes da Constituição de 1988, do poder de legislar através do Decreto-lei. Isto sempre foi um instrumento forte nas mãos do Presidente. O Decreto-lei dos regimes precedentes foi substituído pelas "medidas provisórias" (22). Elas se transformaram em instrumento autoritário nas mãos do Presidente da República. O grande problema das medidas provisórias era a sua sucessiva reedição, sem que o Congresso Nacional pudesse apreciar a matéria. Em 11/09/1999 foi promulgada a Emenda Constitucional n. 32 que limitou a reedição de medidas provisórias por uma única vez. O Presidente da República Fernando Henrique CARDOSO, no poder desde 1994, utilizou abusivamente o instrumento das "medidas provisórias", usando do expediente da reedição. O que significa governar sem a participação do Congresso Nacional.

            A relação entre o Presidente da República e os governadores tem sido geralmente de superioridade do primeiro em relação aos segundos. O Presidente trata os governadores como se eles fossem seus subordinados, não existindo relações de igual para igual. O Presidente da República convida muito raramente os governadores à "visitarem Brasília", e assim mesmo para tratar de assuntos gerais, o que normalmente não tem uma aplicação concreta.

            3.2 Um novo Executivo federal

            O fato de concentrar o poder na figura de um único chefe do Poder Executivo torna muito difícil o bom exercício do poder, porque o Presidente da República possui as atribuições de chefe de Estado e de chefe do governo, e esta situação ainda é agravada pelo fato do Brasil ter uma dimensão continental.

            No referendo constitucional de 21 de abril de 1993, sobre a natureza do regime, o presidencialismo chegou na frente, apesar da abstenção de 25,7% dos eleitores. Para Olivier DABENE (23) "o debate sobre a forma do regime no Brasil é também o reflexo de um sentimento generalizado de descontentamento em relação a personalização do poder e as derivações presidencialista. O parlementarismo é frequentemente apresentado como sendo de natureza a favorecer a consolidação democrática".

            No nosso entender, apesar dos problemas do presidencialismo, o parlementarismo no Brasil não é o regime mais adequado. Este regime teve um grande progresso na Europa, mas a sua adaptação em certas realidades é ainda difícil. No caso brasileiro, no nosso entender, dois obstáculos principais se apresentam: a escolha dos deputados e o regionalismo.

            No que diz respeito a escolha dos deputados, ela não é feita da mesma maneira que nos países desenvolvidos. O Brasil é o país com maior desequilíbrio social no mundo, onde uma minoria concentra a maior parte das riquezas. Os partidos de direita e centro-direita têm sempre a maioria no Parlamento, porque para ser eleito depende-se em grande parte de recursos financeiros. Além disso, grande parte dos eleitores tem um baixo nível de escolaridade, uma parcela está na pobreza, aliado ao fato da ausência de uma cultura democrática ao Brasil. Nestas circunstâncias, o parlamentarismo iria institucionalizar a direita e centro-direita no poder, porque o Brasil não conhece alternância ao poder entre a direita e a esquerda. Além disso, na presidencial as possibilidades para os partidos de centro-esquerda e de esquerda são mais evidentes.

            Desde o início do segundo mandato do Presidente CARDOSO (em janeiro de 1999), políticos próximos a ele começaram a discutir uma proposta de alteração da Constituição para a introdução do parlementarismo, mas isto foi percebido pelos partidos de esquerda como uma tentativa de "golpe", para impedir a esquerda chegar ao poder pela eleição presidencial.

            Quanto ao regionalismo, ele oferece inicialmente um problema de sub-representação de certos Estados na Câmara dos deputados, uma situação que é favorável as Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (as Regiões menos desenvolvidas) e desfavorável as Regiões Sudeste e Sul (as Regiões mais desenvolvidas). Esta sub-representação assegura uma maioria parlamentar às Regiões que são menos povoadas. Devido a esta sub-representação, estas Regiões poderiam impôr de maneira duradoura o chefe de governo, porque os fatos demonstram que elas se reunem sempre quando os seus interesses estão em jogo.

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            Em contrapartida, tentamos apresentar algumas propostas de um modelo que, no nosso entender, é mais adequado à realidade brasileira. O Poder Executivo poderia dividir-se em dois: um chefe de Estado e um chefe do governo. O Chefe de Estado poderia ser eleito diretamente pelo povo, o Primeiro-ministro seria designado livremente e destituido pelo Presidente da República. O cargo de Vice-Presidente da República, existente hoje, poderia ser extinto. O primeiro-ministro poderia ser destituído pela maioria do Parlamento após o primeiro ano de governo, ou em qualquer momento por crime de responsabilidade. O Presidente da República poderia livremente designar um novo chefe de governo. Após um ano do segundo governo, poderia haver a destituição do primeiro-ministro pela maioria do Parlamento. No caso de uma segunda destituição do primeiro-ministro, o Presidente da República teria a seguinte escolha, ou ele aceita que o Parlamento designa o novo primeiro-ministro, ou ele dissolve o Parlamento e convoca novas eleições legislativas. Caso o Presidente da República não puder adquirir a maioria no Parlamento haveria uma nova eleição presidencial.

            Para garantir a governabilidade, a metade dos deputados poderiam ser eleitos segundo a proporção de votos obtidos pelos partidos ou coligações na eleição presidencial, pois pode ocorrer do Presidente ser eleito e ter uma minoria considerável, o que iria afetar o equilíbrio governamental. No caso, os candidatos à presidência da República que não fossem eleitos poderiam ter assegurado cadeiras no Parlamento, sob a condição de que seus partidos ou coligações tivessem obtido o percentual mínimo de votos necessários.

            Neste novo modelo, o chefe de Estado poderia adquirir novos papéis, como realizar conversações com os governos das coletividades territoriais, ser o garantidor do respeito da Constituição e das instituições, e igualmente o garantidor do pacto político e social. O Presidente da República poderia se ocupar com mais atenção das coletividades territoriais e o primeiro-ministro dos partidos políticos, tendo em vista que os partidos políticos são com freqüência acusados de serem responsáveis pelo enfraquecimento do poder dos Estados federados.


Considerações Finais

            Procuramos ao longo deste trabalho fazer uma reflexão a respeito de tema da maior relevância, que é a distribuição do poder estatal, tanto do ponto de vista horizontal, entre os três Poderes da União, como do ponto de vista vertical, entre os membros da Federação.

            Primeiramente abordamos o pacto político, construído de baixo para cima, envolvendo o povo e as coletividades territoriais, indo além da ficção histórica da figura do pacto federativo, como se o Estado brasileiro tivesse se originado a partir da união de Estados soberanos, como foi o caso dos Estados Unidos. Neste novo pacto é importante a noção de subsidiariedade, ficando o poder o mais próximo possível dos interessados.

            O federalismo de regiões é uma tentativa de reestruturar o Estado federal, dando um maior equilíbrio entre os entes federativos. As Regiões iriam assumir papéis que hoje são da União, e teriam uma atuação mais em acordo com as particularidades regionais em um país continental como é o Brasil. Portanto, com as Regiões teríamos um Estado federal com quatro níveis: União, Regiões, Estados e Municípios. As Regiões viriam para fortalecer os Estados e Municípios e não ao contrário.

            Um Poder Executivo dualista é a procura em tornar o Executivo mais racional e eficaz, e ao mesmo tempo possibilitar uma certa responsabilidade política do Executivo frente ao Parlamento. Todavia, este dualismo seria distinto daquele que encontramos no parlamentarismo, pois aqui o governo seria ainda conduzido pelo Presidente da República, através de um primeiro-ministro de sua livre escolha, sem contar inicialmente com o referendo do Parlamento, mas onde o primeiro-ministro teria parcela de responsabilidade junto ao Parlamento. Procuramos então, estabelecer um equilíbrio entre a influência do Presidente da República e do Parlamento sobre a condução do governo. Com isto esperamos assegurar que o Presidente da República, eleito diretamente pelo povo, e com forte legitimidade popular, governe, mas não governe só, concentrando muito poder numa única figura.

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Sobre o autor
Paulo Vargas Groff

Doutor em Direito pela Université de Paris I (Panthéon-Sorbonne),Professor de Direito Constitucional do Curso de Direito da Universidade Luterana do Brasil- ULBRA e Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GROFF, Paulo Vargas. Reequilíbrio de poder no Estado brasileiro: um novo pacto político.: Federalismo de regiões e Executivo dualista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 197, 19 jan. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4746. Acesso em: 19 abr. 2024.

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