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Meio ambiente e poluição

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23/01/2004 às 00:00
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8. A responsabilidade Penal

As leis penais, quando inobservadas, invocam a tipificação delituosa da conduta ilícita. Assim, a responsabilidade criminal como espécie, induz à constatação da autoria do crime, sua materialidade e culpabilidade do agente, importando na ampla defesa prevista em sede constitucional, pois, caso reconhecidos tais elementos necessários à configuração do delito, surgirá a imposição de sanção desprovida de cunho patrimonial, eis que a responsabilidade penal não exclui a civil. [18]

Destarte, a responsabilidade penal surge quando em virtude de conduta omissiva ou comissiva o agente poluidor violar uma norma de direito penal, consubstanciando a prática de crime ou contravenção penal.

A previsão, no ordenamento jurídico brasileiro, referente à atribuição da responsabilidade penal deflui da própria Constituição, a qual estabelece que "as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados" (art. 225, §3º).

Com a entrada em vigor da Lei 9.605, de 13/02/98 (Lei dos Crimes Ambientais), os crimes contra o meio ambiente e as infrações administrativas ambientais passaram a ter uma tutela específica. Contudo, nem todos os atos lesivos à natureza foram abrangidos pela nova lei, e alguns dispositivos do Código Penal, da Lei de contravenções Penais e do Código Florestal permanecem em vigor.

De qualquer forma, a Lei dos Crimes Ambientais representou um avanço expressivo, uma vez que sistematizou as infrações penais ao meio ambiente, antes previstas em um emaranhado de leis, revogando muitos dispositivos, reforçando algumas penalidades existentes, impondo mais agilidade ao julgamento dos crimes prevendo o rito sumário com a aplicação da lei das pequenas causas (Lei 9.099/95), além de introduzir inúmeras inovações, tais como a aplicação de penas alternativas como norma geral para as pessoas físicas criminosas, a responsabilidade penal das pessoas jurídicas e a desconsideração da personalidade jurídica.

É importante ressaltar que o artigo que previa a responsabilidade objetiva criminal foi vetado, mas a responsabilidade objetiva na esfera civil continua em vigor por força do art.14, §1º, da Lei 6.938/81, que trata da Política Nacional do Meio Ambiente e pelo fato da presente lei tratar apenas de ilícitos penais e administrativos contra o ambiente.

O art. 5º, vetado pelo Presidente da República, possuía o seguinte texto: "Sem prejuízo do disposto nesta lei, o agente, independentemente da existência de culpa, é obrigado a indenizar ou reparar o dano por ele causado ao meio ambiente e a terceiros afetados por seus atos".

Como comentamos anteriormente, a Lei 9.605/98 introduziu as penas restritivas de direitos, as quais foram criadas como uma solução alternativa à prisão. De acordo com o art. 8º, as penas restritivas de direito correspondem à prestação de serviços à comunidade ou à entidade ambiental; interdição temporária de direitos; cassação de autorização ou licença concedidas pela autoridade competente; suspensão parcial ou total de atividades; prestação pecuniária; recolhimento domiciliar. Elas são autônomas e substituem as penas privativas de liberdade no caso de crime culposo ou se a pena privativa de liberdade for inferior a quatro anos, ou se a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, os motivos e as circunstâncias do crime o justificarem.

Outra novidade digna de nota é a responsabilização criminal das pessoas jurídicas. Assim estabelece o art. 3º da Lei 9.605/98: "As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta lei...".

É importante lembrar que, evidentemente, apenas podem ser aplicadas às pessoas jurídicas sanções como a multa, a pena restritiva de direitos e a prestação de serviços à comunidade. Para a prestação de serviços à comunidade foram previstos; o custeio de programas e projetos ambientais, a execução de obras de recuperação de obras degradadas, a manutenção de espaços públicos e contribuições a entidades ambientais ou culturais públicas.

A dita pena restritiva de direitos, por sua vez, poderá importar em suspensão parcial ou total das atividades (se não estiverem obedecendo a dispositivos legais ou regulamentares, referentes à proteção ambiental), interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade (se estiver em funcionamento sem a devida autorização, em desacordo com a mesma ou violando dispositivo legal ou regulamentar), ou na proibição de contratar com o Poder Público ou de obtenção de subsídios, subvenções ou doações, pelo prazo máximo de 10 anos.

8.1.Os crimes de poluição

O uso de recursos naturais pode afetar o meio ambiente (e os próprios recursos com os seus elementos que são) seja pelo perigo que da utilização de per se decorre, seja pela redução significativa dos recursos, ou ainda pela degradação que pode causar ao meio ambiente. Tais reflexos, pela relevância deles decorrentes, podem também receber preocupação do direito penal, de modo a dar margem à tipificação como crimes de determinadas condutas consistentes na utilização de recursos naturais. [19]

Tendo em vista que o conceito de poluição no âmbito penal é mais restrito do que no âmbito cível, devemos observar que somente pode constituir crime a conduta incriminada. A norma tipificadora da reserva legal, no caso, vem a ser o art. 54 da Lei dos crimes contra o meio ambiente que dá nota da ilicitude penal à conduta degradadora ao meio ambiente.

Nestes termos, o art. 54 cuida do crime de causar poluição de qualquer natureza, em níveis que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora (reclusão de 1 a 4 anos e multa). Se for culposo, a pena é de detenção de 6 meses a 1 ano e multa.

Nos crimes dolosos referentes à poluição, as penas serão aumentadas, de 1/6 a 1/3, se resultar em dano irreversível à flora ou meio ambiente em geral, de 1/3 à ½, se resultar em lesão corporal grave de alguém, do dobro, se provocar a morte de alguém.

O agente será punido com pena de reclusão de 1 a 5 anos se o delito tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana, causar poluição atmosférica que provoque a retirada, mesmo que temporária, dos habitantes da área atingida ou cause danos diretos à população, causar poluição hídrica que torne necessária à interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade, dificultar ou impedir o uso público das praias pelo lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências legais ou regulamentares. Também sofre a mesma sanção quem deixar de adotar medidas de precaução impostas pela autoridade, em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível.


9. A responsabilidade administrativa

Analisando este tema, observamos que a responsabilidade administrativa resulta do poder disciplinar do Estado. Assim sendo, se for constatada alguma violação aos princípios administrativos básicos, seja pelo administrado, seja pelo servidor público, passível estará o infrator à imputação de sanção de natureza administrativa que poderá implicar em multa, advertência, suspensão de benefícios, etc.

Com base no princípio de que as diferentes espécies de responsabilidade são autônomas, a punição administrativa não depende da instauração de processo civil ou criminal contra o responsável pela mesma falta, nem obriga a Administração a aguardar que os processos daquelas naturezas, caso tenham sido instaurados, transitem em julgado.

Segundo o professor Manoel Carpena Amorim, é fundamental "saber separar o ato punitivo do Estado, o qual pune o ilícito penal como meio de defesa da sociedade, do ato punitivo da Administração Pública, o qual se fundamenta no ilícito administrativo, servindo como instrumento de autotutela da própria Administração. Decorre daí, o fato da sanção administrativa ser imposta por todo e qualquer Órgão da Administração que for competente para tanto. Porém a pena criminal é de competência legislativa privativa da União, somente, podendo ser aplicada pelo judiciário." [20]

Todas as entidades estatais dispõem de poder de polícia referente à matéria que lhes cabe regular. A que interessa ao nosso estudo no momento é o poder de polícia administrativa, o qual corresponde ao poder que a Administração Pública exerce sobre todas as atividades e bens que afetam ou possam afetar a coletividade. Para esse policiamento há competências exclusivas e concorrentes das três esferas estatais, dada a descentralização político-administrativa decorrente do nosso sistema constitucional.

Uma vez que cabe às três unidades proteger o meio ambiente, também lhes incumbe fazer valer as providências de sua alçada, condicionando e restringindo o uso e gozo de bens, atividades e direitos em benefício da qualidade de vida da coletividade, aplicando as sanções pertinentes nos casos de desrespeito as leis vigentes.

9.1. Atos administrativos punitivos e as infrações administrativas ambientais

O professor Hely Lopes Meirelles trata com propriedade deste tema, segundo ele "os atos administrativos punitivos são os que contêm uma sanção imposta pela Administração àqueles que infringem disposições legais, regulamentares ou ordinatórias dos bens ou serviços públicos. Visam a punir e reprimir as infrações administrativas ou conduta irregular dos servidores ou dos particulares perante Administração Pública. (...) Os atos administrativos punitivos, como facilmente se percebe, podem ser de atuação interna e externa. Internamente, cabe à Administração punir disciplinarmente seus servidores e corrigir os serviços defeituosos através de sanções estatutárias; externamente, incumbe-lhe velar pela correta observância das normas administrativas. Em ambos os casos as infrações ensejam punição, após a apuração da falta em processo administrativo regular ou pelos meio sumários facultados ao Poder Público". [21]

Desta forma, se ficar configurada a responsabilidade do agente pelo dano ambiental, o mesmo estará sujeito à imputação de uma medida punitiva correspondente à gravidade da infração cometida. O artigo 70 da Lei de Crimes ambientais define a infração administrativa ambiental como toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, proteção e recuperação do meio ambiente.

O Decreto 3.179, de 21 de setembro de 1999 especifica as sanções aplicáveis às condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Apresenta em seu art. 2º o rol das medidas punitivas impostas aos agentes que desrespeitam as normas ambientais e infligem danos ao meio ambiente, bem como, fixa em seu art. 41, os valores das multas referentes à poluição e às outras infrações ambientais, os quais podem alcançar a cifra de R$ 50 milhões (cinqüenta milhões de reais).

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10. Alguns aspectos da prevenção e reparação ambientais

Longe de ser uma atitude considerada louvável, a preservação do meio ambiente é um dever instituído pela constituição. Desta forma, o art. 225, caput estabelece que: "Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial a sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações".

Para assegurar o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado a todos, a Constituição incumbiu ao Poder Público o dever de preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País, criar Unidades de Conservação da Natureza (lei 9.985/2000); exigir, em conformidade à lei 8.974/1995, para instalação da obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental; controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos ou substâncias que importem em risco ao meio ambiente; promover a educação ambiental, proteger a fauna e flora.

Desta forma, atendendo às orientações legislativas, os órgãos públicos desenvolvem inúmeros projetos visando à prevenção, principalmente aqueles ligados à educação ambiental e à fiscalização. Vale ressaltar que existem dispositivos infraconstitucionais que obrigam o Poder Público efetuar o controle preventivo da poluição do meio ambiente (ex: monitoramento da qualidade do ar).

Além desses meios de atuação do poder Publico, a Constituição impõe condutas preservacionistas a quantos possam direta ou indiretamente gerar danos ao meio ambiente. Assim, aquele que explorar recursos naturais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. Prioriza-se a atuação preventiva, embora não se deixe de impor medidas repressivas, ao exigir a recuperação do meio ambiente degradado por atividades regulares, e especialmente ao sujeitar as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente a sanções penais e administrativas, sem prejuízo da obrigação de reparar os danos causados.

Paralelamente à atuação administrativa do Poder público, devemos considerar a importância da participação da população neste processo. O cidadão é, igualmente, responsável pela manutenção da sadia qualidade de vida na sociedade, devendo para tanto concorrer para a preservação ambiental, adotando práticas como a seleção do seu lixo para reciclagem, o tratamento de seu esgoto doméstico, entre outras.

Juridicamente, registramos a existência de ações preventivas ambientais, que podem ser utilizadas para impedir que o poluidor pratique determinado ato ou o impeça de continuar executando sua atividade sem o devido controle, ou mesmo o obrigue a adotar medidas no sentido de tornar segura sua atuação.

No caso do acidente ecológico na Baía de Guanabara, ocorrido no ano de 2000, por exemplo, o Município do Rio de Janeiro por intermédio de sua Procuradoria impetrou ação cautelar preparatória de ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, com intuito de obter uma medida liminar para ordenar a Petrobrás a tomar todas e quaisquer medidas que fossem necessárias para assegurar a proteção do meio ambiente na Cidade do Rio de Janeiro. Tal medida se fez necessária tendo em vista a demora da empresa na colocação das bóias de contenção. O objetivo primordial desta ação era evitar a propagação de óleo sobre as praias oceânicas, uma vez que as situadas na Baía de Guanabara já haviam sido, em muito, afetadas.

O dever de reparar, por sua vez, também constitui uma obrigação estipulada na CF/88. A responsabilidade por danos ao meio ambiente pela poluição é objetiva, e vincula a todos os poluidores. A composição do prejuízo ambiental poderá ser feita através de indenização em dinheiro e/ou de medida que promova o retorno ao status quo ante, como por exemplo, o plantio de determinado número de mudas para restaurar área degradada. Importante lembrar que, devido à impossibilidade da distribuição da indenização entre todos os componentes da comunidade atingida, os valores apurados em função do dano ambiental serão revertidos para um fundo específico sobre o qual estudaremos em seguida.

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Sobre o autor
Fabiano Pereira dos Santos

advogado no Rio de Janeiro (RJ), editor do site "Mundo Jurídico"

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Fabiano Pereira. Meio ambiente e poluição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 201, 23 jan. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4753. Acesso em: 25 abr. 2024.

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