Aborto de microcéfalos

22/03/2016 às 15:03

Resumo:


  • O ordenamento jurídico brasileiro não permite a interrupção da gravidez de feto com microcefalia.

  • A decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF 54 (aborto de anencéfalos) foi baseada na ausência de vida do feto anencéfalo, o que não se aplica à microcefalia.

  • A microcefalia é uma condição em que a vida está presente e merece proteção legal, sendo inaceitável sob a perspectiva da eugenia e discriminação.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Aborda a questão do aborto de microcéfalos tomando por base julgamentos anteriores do Supremo Tribunal Federal (ADPF 54) ao enfrentar a questão do aborto de feto anencefálico.

No ordenamento jurídico brasileiro não encontra fundamento algum a permissividade da interrupção da gravidez de feto com microcefalia. A hipótese em apreço é completamente contrária a todos os valores sociais e direitos fundamentais sob os quais se pautou o constituinte de 1988 na elaboração da Magna Carta. De forma que, se levantada a questão perante a Suprema Corte, esta como guardiã maior do texto constitucional, não terá outra possibilidade senão a de rechaçar a hipótese.

A fundamentação dos ministros do Supremo Tribunal Federal ao apreciar a questão cerne da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 54 (aborto de anencéfalos), concentrou-se na evidência da ausência de vida do feto anencéfalo ou na sua impossibilidade de gerar uma vida viável, que nas palavras do  Dr. Thomaz Rafael Gollop, citado no Voto do Min. Marco Aurélio (relator da ADPF 54) se traduz da seguinte forma:

“No eletroencéfalo dos portadores da anamolia, há uma linha isoelétrica, como no caso de um paciente com morte cerebral. Assim, concluiu o especialista, “isto é a morte cerebral, rigorosamente igual. O anencéfalo é um morto cerebral, que tem batimento cardíaco e respiração”

Assim, a distinção entre anencéfalo e microcefalia é evidente. Enquanto a primeira não é capaz de gerar vida e pode ser considerada como um feto sem vida, na microcefalia a vida se faz presente e é plenamente capaz de gerar uma pessoa humana apta a  adquirir personalidade jurídica, portanto com a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações, porém com limitações próprias da condição. Some-se ainda, que a pessoa humana dotada da microcefalia é inegavelmente destinatária de toda a proteção do ordenamento constitucional e infraconstitucional que veda a discriminação em qualquer de suas formas.

Ao enfrentar a questão da anencefalia, os ministros do STF afastaram e rechaçaram a assertiva de que a interrupção da gestação do feto anencefálico consubstancia aborto eugênico (que visa ao melhoramente da raça e/ou espécie),  visto que não há vida consubstanciada na ausência de atividade cerebral, fato que pautou e facilitou o enfrentamento da questão pela Suprema Corte na ADPF 54. Ao passo que na microcefalia a questão da eugenia emerge com força tal que não há como ser vencida pela suprema corte ou por uma sociedade que defende a dignidade da pessoa humana e o direito à vida como direitos fundamentais ensejadores do mais alto grau de proteção.

Verifica-se que, além da anencefalia ser incompatível com a vida, e de fato não há como dizer do ponto de vista biológico que a vida se faz presente no feto anencéfalico, afirmação esta que pode ser corroborada pelo critério médico adotado contemporâneamente para aferir a morte de uma pessoa, ou seja, fim da atividade cerebral (morte cerebral). Na microcefalia, por outro lado, é incontestável que a vida se faz presente, e, portanto, é merecedora de toda atenção e proteção do ordenamento jurídico, inclusive enquanto nascituro, talvez uma proteção objetiva antes do nascimento e subjetiva a partir do nascimento com vida, conforme posicionamento de alguns ministros em outras ações correlatas.

Na ADPF 54, verificou-se também que muitos ministros evitaram enfrentar o cerne do tema em seu aspecto direto, qual seja o da necessária ponderação do direito à vida (dignidade humana) com os demais direitos fundamentais, muitas vezes evitando o termo aborto com fundamento na ausência de vida, preferindo os ministros pela adoção do conceito/termo médico da "antecipação terapêutica da gravidez" que esvazia a questão de seu aspecto moral e ético denso, facilitando, assim, o aspecto decisional.

Ocorre que num possível enfrentamento do aborto de feto dotado de microcefalia a questão da eugenia e discriminação viriam à tona com grande e diria até, invencível força, a ponto de tornar impossível qualquer decisão em sentido contrário ao do reconhecimento e proteção do bem jurídico vida presente no feto microcefálico levando a consequente criminalização desta modalidade de aborto (tipicidade da conduta).

Na ADPF 54, verificou-se, também, que os próprios representantes de entidades combatentes da discriminação contra deficientes foram favoráveis a possibilidade do aborto, conforme se extraí das palavras de Cláudia Werneck, representante de escola de inclusão social referida no voto do Min. Marco Aurélio:

“Nas palavras peremptórias da representante da entidade que se dedica a combater discriminação contra deficientes, é impossível constatar discriminação com base na deficiência quando não há expectativa de vida fora do útero”. 

Ocorre que na microcefalia, estas mesmas entidades quando chamadas a se pronunciar na condição de amicus curiae, verão na possibilidade do aborto do feto com microcefalia a ceifa de uma vida viável, por questões discriminatórias da sociedade. Sendo assim, entendimento diverso da criminalização da conduta do aborto não encontrará guarida junto aos setores da sociedade que lutam diuturnamente contra a discriminação.

Desta forma, e com base nesta breve exposição, o aborto do feto dotado de microcefalia não seria possível. Não encontraria fundamentação junto ao STF com base em entendimentos anteriores sob temas correlatos, bem como não encontraria guarida na sociedade que clama por ausência de discriminação de qualquer tipo e em qualquer grau.

Estaríamos claramente diante de um sopesamento entre o direito à vida (dignidade humana) com toda a proteção que o ordenamento confere ao nascituro com outros direitos fundamentais de menor monta (entre eles saúde), sendo inquestionável que, neste caso, o primeiro deve prevalecer com força ímpar sobre todos os demais.

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Artigo com base em análise de jurisprudência STF (ADPF 54). Trabalho de Pós Graduação em Direito Constitucional.

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