Artigo Destaque dos editores

Direito penal do inimigo

Exibindo página 3 de 4
Leia nesta página:

OSAMA BIN LADEn[43], OUTRO O INIMIGO DOS ESTADOS UNIDOS

Osama bin Mohammed bin Awad bin Laden, mais conhecido como Osama Bin Laden  teria sido o fundador e chefe maior da “temível” organização terrorista al-Qaeda, à qual os EUA atribuem vários atentados terroristas contra alvos civis e militares dos Estados Unidos, dentre os quais os ataques de 11 de setembro de 2001 às torres Gêmeas do World Trade Center em Nova York, que resultou em milhares de mortes.

Bin Laden teria organizado e coordenado ataques às embaixadas dos EUA no Quênia e na Tanzânia, em 1998, e ao navio de guerra USS Cole, em 2000, o que o teria tornado o terrorista mais procurado pelos Estados Unidos. Foi acusado ainda pelos EUA de ser o mentor intelectual, organizador e coordenador dos ataques às torres Gêmeas do World Trade Center em Nova York, que ocorreu em 11 de Setembro 2001.

Nesta data, Bin Laden teria determinado e coordenado o sequestro de três aviões, dos quais dois acabaram sendo lançados contra as torres gêmeas em Nova York e o terceiro que foi arremessado contra o Pentágono, em Washington, DC.

O ataque terrorista teria provocando a morte imediata de aproximadamente 2.754 pessoas, oriundas de 90 países distintos[44].

Osama teria elogiado os ataques, mas negou a autoria das ordens, ainda assim foi cassado como um animal sanguinário pelas forças militares americanas e aliadas que invadiram o Afeganistão na famosa “guerra contra o terror” idealizada pelo governo de George Bush naquele mesmo ano de 2001.

Bush afirmava ter provas concretas de que Bin Laden teria comandado os ataques terroristas, o que serviu de suporte à invasão criminosa realizada contra a nação Afegã, contudo os EUA jamais exibiram tais elementos de prova, como narra a história.

Ainda assim a caçada humana continuava gerando milhares e milhares de mortes inocentes de civis de pessoas do Afeganistão e da região, que continuava e continua invadida até bem pouco tempo. Bush chegou a oferecer 50 milhões de dólares por informações concretas a cerca do esconderijo de Osama Bin Laden.

Acreditava-se que estaria escondido em algum lugar da fronteira montanhosa entre o Afeganistão e o Paquistão. O jornal francês L'Est Republicain de 23 de setembro de 2006, baseado em informações não confirmadas do serviço secreto francês, chegou a afirmar que Bin Laden teria morrido de tifo durante o mês de agosto de 2006. Em 8 de setembro de 2007, no entanto, um novo vídeo de 30 minutos de duração foi divulgado, demonstrando que Bin Laden estava vivo e bem de saúde. Neste vídeo ele aparece, pela primeira vez, com a barba tingida. O governo dos Estados Unidos oferecia a recompensa de 25 milhões de dólares a quem desse informações relevantes da localização do terrorista.  Em 13 de julho de 2007, a recompensa foi dobrada para US$ 50 milhões.[45]

Todavia, somente em 2 de maio de 2011 a imprensa norteamericana divulgou a morte de Osama Bin Laden, que teria sido capturado e morto em um esconderijo nos arredores de Abbottabad durante uma operação secreta realizada por forças da Joint Special Operations Command em conjunção com a CIA, sem qualquer submissão a julgamento.

Tratou-se verdadeiramente de uma execução sumária determinada pelas forças aliadas, sem sequer dar o direito de defesa ao suposto terrorista comandante do 11 de setembro.

Assim agindo os americanos desrespeitaram todas as normas do processo penal internacional, coisificando o perseguido que acabou privado dos direitos mínimos insculpidos nos diplomas humanitários internacionais.

Com estes poucos exemplos percebe-se que não há um critério para a eleição do inimigo do direito, o que acaba acontecendo de acordo com as tendências ou escolhas dos detentores temporários do poder sem qualquer sistema racional para tanto, o que acaba sendo verdadeiramente perigoso para aquele que se pretende intitular Estado Democrático de Direito.


ESBOÇOS FILOSÓFICOS DO INIMIGO DO DIREITO

Conforme o pensamento de Güther Jakobs[46], foram em especial os contratualistas que deram suporte doutrinário e dogmático à ideia de que o delito nega o direito e de que a pena nega o delito (e seu autor), reafirmando o direito, e que o transgressor da norma deve ser extirpado do meio social.

Em correspondência com isso, afirma Rousseau que qualquer “malfeitor” que ataque o “direito social” deixa de ser “membro” do Estado, posto que se encontra em guerra com este, como demonstra a pena pronunciada contra o malfeitor. A consequência diz assim: “ao culpado se lhe faz morrer mais como inimigo que como cidadão. De modo similar, argumenta Fichte: “quem abandona o contrato cidadão em um ponto em que no contrato se contava com sua prudência, seja de modo voluntário ou por imprevisão, em sentido estrito perde todos os seus direitos como cidadão e como ser humano, e passa a um estado de ausência completa de direitos”.

No pensamento de Jean-Jacques Rousseau[47], todo aquele que viola a lei está em guerra contra os demais, posto que nega o sistema de normas, pelo que deve ser tratado como animal, sem qualquer direito subjetivo.

Quanto mais todo malfeitor insulta o direito social, torna-se por seus crimes rebelde e traidor da Pátria, de que cessa de ser membro por violar suas leis e à qual até faz guerra; a conservação do Estado não compatível então com a sua, deve um dos dois morrer, e é mais como inimigo que se condena à morte que como cidadão. Os processos e a sentença são as provas e declaração de que ele violou o trato social, e já não é por conseguinte membro do Estado; ora, como ele assim se reconheceu, quando mais não fosse pela sua estada, cumpre ser isolado dele, ou pelo exílio como infrator do pacto, ou com a morte como inimigo público; que tal inimigo não é uma pessoa moral, mas um homem, e eis quando o direito da guerra é matar o vencido”    

Já em Fichte, apud Jakobs[48]  a simples violação da norma penal com a prática de delitos menores não seria suficiente para a morte civil do cidadão, como regra, o que seria possível, entretanto, no caso de homicídio doloso, que denomina “assassinato intencional e premeditado”, caso em que a privação de direitos seria extrema e absoluta.

Jakobs parece não compartilhar com o pensamento desses dois autores em sua integralidade. Para o autor, que se alia a Hobbes, por duas razões, a princípio, o ordenamento deveria conservar resguardados os direitos do cidadão delinquente, mantendo-o dentro do direito. A uma, o criminoso teria o direito de se reconciliar com a sociedade tornando a observar o sistema normativo, devendo ipso facto, resguardar seu status de cidadão. A duas, o delinquente não pode “despedir-se” da sociedade a seu livre alvitre, vez que possui o dever de reparar o dano por si provocado, para o que deve manter seu status de pessoa, já que não se afigura possível direito e obrigação para quem não seja pessoa.  Ora, se ao criminoso bastasse o cometimento de qualquer delito para deixar de ser pessoa, com isto seria ele duplamente beneficiado, já que enriqueceria ilicitamente e não se poderia obrigá-lo a reparar o dano por estar alijado de personalidade.

Hobbes tinha consciência desta situação. Nominalmente, é (também) um teórico do contrato social, mas materialmente é, preferentemente um filósofo das instituições. Seu contrato de submissão – junto a qual aparece em igualdade de direito (!), a submissão por meio da violência – não se deve entender tanto como um contrato, mas como uma metáfora de que os (futuros) cidadãos não perturbem o Estado em seu processo de auto-organização. De maneira plenamente coerente com isso, Hobbes, em princípio mantém o delinquente, em sua função de cidadão: o cidadão não pode eliminar, por si mesmo o seu status. Entretanto, a situação é distinta quando se trata de uma rebelião, isto é, de alta traição: “Pois a natureza deste crime está na rescisão da submissão, o que significa uma recaída no estado de natureza... E aqueles que incorrem em tal delito não são castigados como súditos, mas como inimigos”.[49]      


CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL DO INIMIGO

São características do direito penal do inimigo a antecipação da punibilidade com a tipificação de atos preparatórios, a criação de tipo de mera conduta e de perigo abstrato, a desproporcionalidade das penas, o surgimento das chamadas “leis de luta” ou “de combate”, a restrição de garantias penais e processuais.

1.  Antecipação da punibilidade com a tipificação de atos preparatórios.

Ordenamentos que antecipam a punibilidade, tipificando massivamente o que seria considerado mero ato preparatório estão adotando o direito penal do inimigo. Sabe-se que, conforme o pensamento majoritário, o iter criminis (caminho do crime) é formado pela cogitação, preparação, execução, consumação e em alguns delitos o exaurimento. Na maioria dos países a cogitação e a preparação são impuníveis, porque o direito penal se preocupa com condutas. Toda a teoria do crime é desenvolvida secularmente no entorno da conduta, de modo que o pensar não pode constituir crime, nem fato punível.

O delinquente resolve praticar o crime. Mas os romanos já diziam que ninguém pode ser punido pelo simples pensamento (cogitationis poenam nem patitur). Uma pitoresca frase italiana adverte: pensiero non paga gabella (o pensamento não paga imposto) (Garcia, Instituioçôes, vol. I, p. 230) O direito penal, fundado na existência de um fato típico, ilícito e culpável, rejeita a incriminação da vontade. Somente os regimes autoritários persegue o pensamento e as convicções humanas.[50]

A cogitação é o surgimento e a racionalização da ideia do crime, é o pensar o idealizar o crime. Nesta fase não há exteriorização de conduta. Tudo se dá na mente daquele que pensa. Se o direito penal pune condutas não pode a norma pretender punir o que se passa na cabeça do sujeito.

A preparação, apesar de ser o primeiro momento exterior ao pensar do agente,  também impunível porque está fora do início de execução. Assim, aquele que compra uma faca ou uma corda em uma loja não pode ser punido, nem aquele que vende a faca ou a corda (Roxin).   Segundo Dotti, os atos preparatórios constituem atividades materiais ou morais de organização prévia dos meios ou instrumentos para o cometimento do crime. Tanto pode ser a aquisição ou municiamento da arma para o homicídio, como a atitude de atrair a vítima para determinado local a fim de ser atacada.[51]

 Em regra, os atos preparatórios não são puníveis se o crime não chega a ser tentado. Mas a doutrina positivista pretende a punição deles como medida de prevenção do crime.

Existe no Brasil tipos penais que, fugindo a regra, punem atos preparatórios numa verdadeira adoção do direito penal do inimigo, como ocorre com a formação de quadrilha ou bando, o porte de arma, etc.

 No entanto, algumas vezes, o legislador transforma esses atos em tipos penais especiais, fugindo à regra geral, como ocorre com “petrechos para falsificação de moedas” (art. 291); “atribuir-se falsamente autoridade para celebrar casamento” (art. 238), que seria apenas a preparação da simulação de casamento (art. 239)[52]

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

2.  Criação de tipo de mera conduta

No crime material o tipo penal incriminador descreve a conduta e o resultado, exigindo a realização deste para a consumação, como ocorre com o homicídio. No crime formal, o tipo descreve a conduta e o resultado, não exigindo a realização deste para a consumação, como ocorre com a ameaça e a injúria. Já no crime de mera conduta o tipo incriminado descreve apenas a conduta do agente, sem se preocupar com o resultado. É o que se dá com a desobediência e a violação de domicílio, casos em que a simples conduta, por si só, é suficiente para a consumação.

Segundo a doutrina, a proliferação de crimes de mera conduta são característicos de países autoritários que adotam o direito penal do inimigo como seu instrumento norteador.

3. Criação de tipos de perigo abstrato

O crime de perigo abstrato ou de perigo presumido é aquele em que se consuma com a simples criação de perigo para o bem jurídico tutelado sem produzir um dano efetivo. O perigo abstrato é presumido juris et de jure, não precisa ser comprovado, posto que a norma penal incriminadora se contenta com a simples prática da conduta que pressupõe perigosa.

No Brasil há vários crimes de perigo abstrato, como na Lei de Drogas, no Estatuto do Desarmamento, na lei de crimes ambientais, etc.

4.  Desproporcionalidade das penas

Essa característica do direito penal do inimigo, muito presente entre nós, consiste na cominação de penas em abstrato muito desproporcionais à gravidade do fato. Como exemplo pode-se indicar o delito de importação de medicamento se registro na ANVISA, constante do § 1º -B, do art. 273, do Código Penal, que coimina pena mínima de 10 (dez) anos de reclusão, enquanto o homicídio simples prevê pena mínima de 6 (seis) anos.

5. Surgimento das chamadas “leis de luta” ou “de combate

São leis criadas para o enfrentamento da “onda de criminalidade”, visando endurecer o sistema na busca de maior segurança pública. O perigo criado ou fomentado pela mídia acaba gerando pânico nas pessoas, que vão às ruas na busca de soluções criminógenas para frear as condutas desviantes.

Há exemplos no Brasil das leis de luta, como a Lei Glória Perez (L. 8.930/94) que modificou o art. 1º da Lei de Crimes Hediondos (L. 8.072/90) para introduzir o homicídio qualificado (art. 121, § 2º, CP) como tal. Outro exemplo seria a Lei de Combate à Organização Criminosa (L. 9.034/95). Recentemente, com os fortes manifestos populares que tomaram as ruas e praças do país em busca de maior ética na política e na administração pública, foi aprovado no Senado Federal em 26/06/2013, por unanimidade, o projeto de lei (PL 204/2011) do Senador Pedro Taques que transforma os crimes de corrupção ativa e passiva em crime hediondo, elevando as penas e reduzindo os benefícios penais dos infratores praticantes de tais delitos. 

6. Restrição de garantias penais e processuais

As garantias penais e processuais penais são um escudo contra o arbítrio do poder punitivo estatal. Muitas delas são previstas entre os artigos 4º e 8º, dentro do capítulo dos direitos civis e políticos, do pacto de San José da Costa Rica aprovado entre nós pelo Decreto 678/92. No Brasil, estão previstos como cláusulas pétreas no art. 5º da CRFB.

A jurisprudência consolidou a suma das garantias penais e processuais penais no HC 94.016/SP, relatado pelo Ministro Celso Melo e julgado no Supremo Tribunal Federal em 16/09/2008, in verbis

HC 94016: "HABEAS CORPUS" (...) A ESSENCIALIDADE DO POSTULADO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, QUE SE QUALIFICA COMO REQUISITO LEGITIMADOR DA PRÓPRIA "PERSECUTIO CRIMINIS". - O exame da cláusula referente ao "due process of law" permite nela identificar alguns elementos essenciais à sua configuração como expressiva garantia de ordem constitucional, destacando-se, dentre eles, por sua inquestionável importância, as seguintes prerrogativas: (a) direito ao processo (garantia de acesso ao Poder Judiciário); (b) direito à citação e ao conhecimento prévio do teor da acusação; (c) direito a um julgamento público e célere, sem dilações indevidas; (d) direito ao contraditório e à plenitude de defesa (direito à autodefesa e à defesa técnica); (e) direito de não ser processado e julgado com base em leis "ex post facto"; (f) direito à igualdade entre as partes; (g) direito de não ser processado com fundamento em provas revestidas de ilicitude; (h) direito ao benefício da gratuidade; (i) direito à observância do princípio do juiz natural; (j) direito ao silêncio (privilégio contra a auto-incriminação); (l) direito à prova; e (m) direito de presença e de "participação ativa" nos atos de interrogatório judicial dos demais litisconsortes penais passivos, quando existentes. - O direito do réu à observância, pelo Estado, da garantia pertinente ao "due process of law", além de traduzir expressão concreta do direito de defesa, também encontra suporte legitimador em convenções internacionais que proclamam a essencialidade dessa franquia processual, que compõe o próprio estatuto constitucional do direito de defesa, enquanto complexo de princípios e de normas que amparam qualquer acusado em sede de persecução criminal, mesmo que se trate de réu estrangeiro, sem domicílio em território brasileiro, aqui processado por suposta prática de delitos a ele atribuídos. (...) (grifei)

A redução ou supressão de tais garantias em nosso sistema deveria ser tida por impossível já que alçadas a condição de cláusulas pétreas.

Mas é visto no mundo uma longa série de abusos contra os direitos humanos que são cometidos sob a ótica de um direito penal do inimigo ou de um direito penal do terror, como a total ausência de garantias penais processuais dos presos de Guantánamo. A morte do brasileiro Jean Chales de Meneses[53], confundido com terrorista em Londres, Inglaterra em 22/07/2005, pós 11 de setembro, sem qualquer possibilidade de defesa.

Quando se suprime garantias penais e processuais na busca de segurança pública adentra-se aquilo que se pode chamar de um direito penal de terceira velocidade, narrado por Jesús-María Silva Sánchez, e execrado pela maioria da doutrina.

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Rovilson Marques de Carvalho Júnior

Graduado em Administração de Empresas pela FAI - Faculdade de Administração e Informática de Santa Rita do Sapucaí (1996) e em Direito pela FDSM - Faculdade de Direito do Sul de Minas (2001). É pósgraduado em Direito Público pela PUC/MG - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e na mesma área pela ANAMAGES - Associação Nacional dos Magistrados Estaduais. Pósgraduado em Direito Penal e Processo Penal pela Escola Paulista de Direito - EPD, aprovado com nota máxima em todas as matérias. Cursa Pósgraduação lato sensu em Direito Penal e Processo Penal na PUC/SP. É Advogado Criminalista com especialidade no Tribunal do Júri. Atua na área Civil e Administrativa - Escritório de Advocacia Rovilson Carvalho.Foi membro do grupo de pesquisa em Direito Penal "Razão Crítica e Justiça Penal" da FDSM, coordenado pelo Prof. Pós-Doutor Edson Vieira da Silva Filho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO JÚNIOR, Rovilson Marques ; ALVES, Daniel Limongi Alvarenga. Direito penal do inimigo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4918, 18 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47653. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos