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Justiça restaurativa: uma remodelação de justiça criminal

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4. A VÍTIMA, O OFENSOR E A COMUNIDADE

A Justiça Restaurativa supera o modelo retributivo, pois promove a democracia participativa das partes, como um processo de discussão e integração social, buscando a consensualidade. Assim, PINTO diz-se:

“A vítima, o infrator e a comunidade se apropriam de significativa parte do processo decisório, na busca compartilhada de cura e transformação, mediante uma recontextualização construtiva do conflito, numa vivência restauradora. O processo atravessa a superficialidade e mergulha fundo no conflito, enfatizando as subjetividades envolvidas”.

A vítima, por meio de sua inclusão no processo penal, comporta um papel de protagonista da relação processual, ou seja, é o chamado empoderamento da vítima, em que esta tem a oportunidade de ser ouvida pelo ofensor e também pelo mediador, a fim de que ela abandone a tradicional passividade e imobilidade no processo e participe ativamente do processo de construção de alternativas, para se chegar a uma solução.

“O primeiro reconhecimento para a vítima é poder agir em justiça, ser autorizada a denunciar o seu agressor, a acusá-lo. É a ocasião de exteriorizar sua cólera, designando-lhe um objeto e logo de começar a pôr um fim à sua condição de vítima, tanto a injustiça é “desequilíbrio entre a paixão e a ação que se dividem em partes desiguais”” (GARAPON, 2004, p. 289).

Por outro lado, temos a figura do ofensor, que diante do procedimento de comunicação, possibilita que este, através da expressão da vítima, compreenda a prática de sua desaprovação social, e que por sua própria vontade, concorde com os meios de reparação propostos. Nesse âmbito, explica Howard Zehr:

“Eles [os ofensores] precisam ter contestados seus estereótipos e suas racionalizações (...) acerca da vítima e do evento. (...) Precisam desenvolver habilidades profissionais e interpessoais. Geralmente, precisam de assistência emocional. Precisam aprender a canalizar a raiva e a frustração de um jeito mais adequado. Precisam aprender a desenvolver uma autoimagem positiva e saudável. E, frequentemente, precisam de ajuda para lidar com a culpa”.

Por último, deve-se ressaltar a participação da comunidade, que também é afetada pela prática do crime, ainda que não diretamente envolvida.

Potencializa-se a chance de empoderamento da comunidade e de serem identificadas e supridas as suas necessidades, que, dentre elas, estão a adoção de medidas que reforcem a denunciação do crime como um evento socialmente negativo e indesejado. Com isso, enaltecem-se os valores comunitários e, ainda, torna-se viável a adoção de providências que evitem que o fato lesivo se repita8.

As pessoas que integram a essa comunidade são aquelas que convivem com a vítima e também com o ofensor, como seus familiares, amigos e demais pessoas que estão em seu relacionamento pessoal. Sendo que, estão envolvidos também aqueles que frequentam os mesmo lugares que a vítima e o ofensor, como local de trabalho, igreja, vizinhança, restaurantes, podendo afetá-los no sentimento de segurança coletiva.

Assim, nesta dimensão, o crime pode diminuir a qualidade de vida da comunidade e afrouxar os vínculos sociais9.


5. JUSTIÇA RESTAURATIVA NO BRASIL

A Justiça Restaurativa foi introduzida formalmente no país em 2004 pelo Ministério da Justiça, por meio de sua Secretaria da Reforma do Judiciário, com a elaboração do projeto "Promovendo Práticas Restaurativas no Sistema de Justiça Brasileiro" (PNUD/Ministério da Justiça) que se tornou referência para o impulso dos estudos e práticas inspiradas pelo novo modelo de Justiça.

Em funcionamento há cerca de 10 anos no Brasil, tem se expandido pelo país principalmente com a Infância e Juventude, que em conjunto com o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê a alternatividades das práticas:

“A criança e o adolescente gozem de todos os direitos fundamentais inerentes a pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade”.

Em São Paulo, o projeto foi implantado na Vara da Infância e Juventude da Comarca de São Caetano do Sul, em que tem sido utilizada em diversas escolas públicas e privadas, auxiliando na prevenção e no agravamento de conflitos.

No Estado do Rio Grande do Sul, a implantação ocorreu na 3ª Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre para a recuperação de jovens entregues ao caminho do crime, com o auxílio de medidas socioeducativas.

No Distrito Federal, o Programa Justiça Restaurativa foi implantado no Juizado Especial Criminal, sendo utilizada em crimes de pequeno e médio potencial ofensivo, além dos casos de violência doméstica. Na Bahia e no Maranhão, o método tem solucionado os crimes de pequeno potencial ofensivo, sem a necessidade de prosseguir com processos judiciais10.

A esse respeito, Gomes Pinto ressalta:

“Os núcleos de justiça restaurativa deverão atuar em íntima conexão com a rede social de assistência, com apoio dos órgãos governamentais, das empresas e das organizações não governamentais, operando em rede, para encaminhamento de vítimas e infratores para os programas indicados para as medidas acordadas no plano traçado no acordo restaurativo. É perfeitamente possível utilizar as estruturas já existentes e consideradas apropriadas (...)”.

A justiça restaurativa ainda enfrenta certa oposição dentro do sistema atual, porém a necessidade de outras soluções para amenizar o problema com a morosidade do Judiciário, fez com que se instaurasse, não só a Justiça Restaurativa, como também métodos alternativos de resolução de conflitos, a conciliação e a mediação. A justiça restaurativa é uma prática que está buscando um processo de resolução do crime envolvendo a participação maior da vítima e do infrator, prezando pela dignidade de ambas as partes.


Conclusão

A Justiça Restaurativa apresenta-se como um sistema que busca soluções para suprir falhas e ineficiências da Justiça Criminal atual, quanto à preservação de delitos e na recuperação de infratores.

Possui um paradigma mais humano, em que tenta propor uma cultura de paz e de diálogo entre as partes, com o objetivo de aproximação destas, a fim de resolver os conflitos. Ela propõe uma verdadeira troca de lentes, alterando o foco do processo penal, em que podemos estimular a pacificação social e a valorização das partes através de meios alternativos, resgatando o sentimento de segurança.

Envolve, portanto, um conjunto de ações com o objetivo de restaurar o que foi perdido com o dano causado pelo delito e, principalmente, tenta responsabilizar os envolvidos no processo de construção de acordos restauradores, de modo que, o entendimento da vítima, da comunidade e do infrator acerca do fato sirvam de base para a não reprodução do crime11.

Em suma, é necessário uma mudança na legislação penal para que de fato a Justiça Restaurativa seja introduzida no Brasil, podendo mudar a realidade criminal que aqui se encontra com uma justiça menos formal e mais democrática.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AZEVEDO, André Gomma. O Componente Mediação Vítima-Ofensor na Justiça Restaurativa: uma breve apresentação de uma inovação epistemológica na autocomposição penal. In: BASTOS, Márcio Thomaz; LOPES, Carlos; e RENAULT, Sérgio Rabello Tamm (orgs.). Justiça Restaurativa: coletânea de artigos. Brasília: MJ e PNUD, 2005.

CRUZ, Rafaela Alban. Justiça restaurativa: um novo modelo de justiça criminal. Instituto Brasileiro De Ciências Criminais (IBCCRIM).

FERREIRA, Francisco Amado. Justiça Restaurativa: Natureza, Finalidades e Instrumentos. Coimbra: Coimbra editora, 2006.

JÚNIOR, Newton José Araújo. As inovações trazidas pelo Núcleo Especial Criminal (“NECRIM”), sua constitucionalidade e viabilidade como instrumento de política criminal apto a assegurar direitos constitucionais e proporcionar uma tutela mais adequada e efetiva para crimes de menor potencial ofensivo. MONOGRAFIA, Centro Universitário “Antônio Eufrásio De Toledo”, 2014 – Presidente Prudente.

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JUSTIÇA RESTAURATIVA. Centro Universitário “Antônio Eufrásio de Toledo”. ETIC – Encontro de Iniciação Científica, Presidente Prudente. Coautoria de: Francisco BATISTA LEOPOLDO NETO, Luiz Gustavo FABRIS FERREIRA e Matheus Henrique DE PAULA SILVA.

PINTO, Renato Sócrates Gomes. Justiça restaurativa é possível no Brasil? In: SLAKMON, C.; DE VITTO, R.; PINTO, R. (Orgs.). Justiça restaurativa. Brasília: Ministério da Justiça e Programa das Nações Unidas para o desenvolvimento, 2005.

SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e Mediação Penal. O Novo Modelo de Justiça Criminal e de Gestão do Crime. Rio de Janeiro. Editora Lumen Juris, 2007.

SALIBA, Marcelo Gonçalves. Justiça restaurativa como perspectiva para a superação do paradigma punitivo, Faculdade Estadual de Direito do Norte do Pioneiro, Jacarezinho, 2007. Disponível em: <https://uenp.edu.br/index.php/pet/doc_view/1935-marcelo-goncalves-saliba>.

SILVA, KARINA DUARTE ROCHADA. Justiça Restaurativa e sua Aplicação no Brasil. MONOGRAFIA, Faculdade de Direito da Universidade de Brasília, 2007 – Brasília/DF.

SOUZA, Emerson de Carvalho. Justiça Restaurativa: da imposição à mediação penal. MONOGRAFIA, Centro Universitário “Antônio Eufrásio De Toledo”, 2009 – Presidente Prudente.

ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. Trad. Tônia Van Acker. São Paulo: Palas Athena, 2008.

XII SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DEMANDAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA –Justiça restaurativa como instrumento alternativo de responsabilização de adolescentes infratores. Coautoria de: Raquel Cristiane Feistel Pinto e Joice Graciele Nielsson, 2015.


Notas

3 Acesso em: 15 de março de 2016.

4 A resolução se encontra no site do Ministério Público do Estado de São Paulo. Disponível em: <https://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/infanciahome_c/adolescente_em_conflito_com_a_Lei/Legislacao_adolescente/Federal_adolescente/Resolu%C3%A7%C3%A3o%2012%20Conselho%20Economico%20da%20ONU.doc.>. Acesso em: 10 de março de 2016.

5 ZEHR, Howard. Changing Lenses: A New Focus for Crime and Justice, p 170-171.

6 No original: “Instead of defining justice as retribution, we will define justice as restoration. If crime is injury, justice will repair injuries and promote healing.” ZEHR, Howard. Changing Lenses: A New Focus for Crime and Justice.

7 FERREIRA, Francisco Amado – 2006, p.40.

8 SICA, Leonardo. Justiça Restaurativa e Mediação Penal. p. 195.

9 McCOLD, Paul. What is the Role of Community in Restorative Justice Theory and Practice. Como se percebe, “comunidade” no sentido empregado pela Justiça Restaurativa possui acepção concreta e não abstrata, como ocorre com o termo “sociedade”. Assim, a afirmação de que o crime produz uma lesão também àcomunidade, como defendido pela Justiça Restaurativa.

10 Conselho Nacional de Justiça. Acesso em: 20 de março de 2016.

11 XII SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE DEMANDAS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA –Justiça restaurativa como instrumento alternativo de responsabilização de adolescentes infratores. Coautoria de: Raquel Cristiane Feistel Pinto e Joice Graciele Nielsson.

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Sobre os autores
Letícia Achilles Shiguematu

Discente do 3º ano do curso de Direito do Centro Universitário “Antônio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOMISHIMA, Guilherme ; SHIGUEMATU, Letícia Achilles. Justiça restaurativa: uma remodelação de justiça criminal . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4918, 18 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47661. Acesso em: 22 dez. 2024.

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