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Justiça restaurativa: uma remodelação de justiça criminal

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A Justiça Restaurativa um é novo sistema voltado à busca de soluções pacíficas para os conflitos e tensões sociais gerados por violência, infrações ou crimes, através do diálogo entre as partes envolvidas e mediação, como forma de acelerar o julgamento.

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo abordar os principais pontos da Justiça Restaurativa. É um novo sistema voltado à busca de soluções pacíficas para os conflitos e tensões sociais gerados por violência, infrações ou crimes, através do diálogo entre as partes envolvidas e mediação, como forma de acelerar o julgamento dos processos e desafogar o Judiciário. O crime é visto sob um âmbito diferente, não sendo apenas uma conduta típica e ilícita que atenta contra os bens e interesses penalmente tutelados, mas que fere as relações de cidadania na comunidade. O processo é exclusivamente voluntário e relativamente informal. Caracterizado pela sua celeridade, a fim de reparar os danos e promover a inclusão. A introdução e aceitação da Justiça Restaurativa no sistema brasileiro ainda é muito primitiva, apesar das vantagens claramente explícitas que possui em relação ao atual sistema penal, ainda deve ser objeto de estudo, avaliação e fiscalização para a garantia de um serviço eficiente.

Palavras-chave: Restaurativa – Medidas alternativas – Processo dialogado – Mediação – Reparação – Restauração social – Celeridade


1. INTRODUÇÃO

Observa-se a crescente desaprovação da sociedade diante do método tradicional penal – retributivo e punitivo – que não tem demonstrado resultados satisfatórios quanto ao atendimento dos interesses e necessidades das pessoas que se envolvem em práticas delitivas.

Nesse sentido, a reforma do Poder Judiciário tem sido um alvo de grandes discussões, por ser um sistema lento e de altos custos. Tenta-se, assim, a implementação de sistemas alternativos para a administração de conflitos.

Com o escopo de tornar as instituições mais acessíveis e eficazes no oferecimento de soluções alternativas de conflito, a Secretaria de Reforma do Judiciário ligada ao Ministério de Justiça e em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD estão tentando promover a instauração de uma Justiça Restaurativa, mais democrática e participativa.

O ministro Ricardo Lewandowk, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse que: "O CNJ vem trabalhando ativamente na solução alternativa de conflitos. São cem milhões de processos tramitando no Brasil, para apenas 16.5 mil magistrados. Evidentemente, nós estamos diante de uma missão impossível. Então o CNJ tem patrocinado essas formas alternativas de solução de litígios, sobretudo naquilo que se chama direitos disponíveis, direitos patrimoniais, em torno dos quais as partes podem transigir".[3]

Fica evidente que o objetivo é institucionalizar esse modelo restaurativo como uma forma de promover a pacificação social que beneficie não somente o Estado, Poder Judiciário, como também as partes envolvidas nas infrações penais, tanto no polo ativo (ofensor), como no passivo (vítima).

Neste artigo, conseguimos analisar os plúrimos conceitos de Justiça Restaurativa e quais são os seus objetivos e princípios norteadores, para que se apresente como um modelo de justiça mais eficaz e célere, com novas práticas e ideias visando mudar a concepção de justiça estritamente punitiva, bem como melhorar a prestação jurisdicional, com a possibilidade de se chegar a um plano reparatório e uma forma de reeducação e inclusão social.


2. BREVE HISTÓRICO

Não poderíamos deixar de atentar para a evolução histórica do instituto em questão. As raízes da Justiça Restaurativa encontram-se principalmente no cenário internacional. Países como Canadá e Nova Zelândia contribuíram expressamente na criação desse novo sistema que vem se destacando no âmbito jurídico penal brasileiro. Como prova disso podemos apontar em nosso ordenamento o advento das leis 9099/95 (Juizados Especiais Criminais) e 9714/98 que, em suas positivações, representam grandes passos em direção à resolução de conflitos.

Tal influência se justifica pelo fato de a Justiça Restaurativa ser, basilarmente propagadora da paz social e adepta ao abolicionismo penal.

2.1 Nova Zelândia

Considera-se a Nova Zelândia como primeiro país a se valer das práticas restaurativas. O surgimento da via alternativa de resolução de conflitos se deu em razão da atenuante desigualdade existente entre membros da população de Maori e a população branca europeia quando sujeitos ao encarceramento.

Diante dessa situação, criou-se no país em 1989 o “Children, Young, Persons and Their Families Act”. Essa legislação deu 4 possibilidades para a polícia decidir quais caminhos o jovem infrator teria de trilhar para pagar pelo seu ato. O policial poderia: fazer uma advertência oral ou por escrito, realizar o denominado “encaminhamento alternativo” onde um policial pertencente ao departamento da juventude (Youth Aid) irá analisar o relato do ato infracional e se reunir com o jovem e sua família objetivando um eventual planejamento de ação (pedido de desculpas, reparação dos danos causados, doação para instituições de caridade, trabalhos voluntários e entre outras medidas consideradas cabíveis para o fato concreto), organizar uma reunião (Family Group Conference) tento a presença de um facilitador (Youth Justice Cordinator) para reger o processo de conversação entre o jovem, vítima, suas famílias, apoiadores e uma autoridade policial ou encaminhar o jovem para o Tribunal de Jovens que, ainda assim, poderá pedir a realização de uma Family Group Conference. Nesses casos o policial possui discricionariedade para decidir qual das medidas irá aplicar e, para isso, ele irá analisar o caso concreto em aspectos como gravidade da infração e antecedentes do autor. Em se tratando d homicídio o caso será, obrigatoriamente, remetido ao Tribunal de Jovens (SICA, 2007, pg. 82).

O “Children, Young, Persons and Their Families Act” trouxe bons resultados para a população neozelandesa. Estudos indicaram que aqueles submetidos a esse sistema de mediação passaram a apresentar um percentual de reincidência menor do que daqueles encaminhados ao Tribunal. Isso fez com que o avanço da Justiça restaurativa na Nova Zelândia fosse ainda mais incentivado passando a englobar também os adultos. (SICA, 2007, pg. 83).

No mesmo sentido, relevantes são os dizeres de Leonardo Sica, 2007, pg. 83-84:

“A experiência no âmbito juvenil estimulou a adoção de práticas restaurativas também no sistema de justiça adulto. Em 1995, foram implementados três projetos pilotos: o Projeto Turnaround, o Projeto Te Whanau Awhina e o Community Accountability Programme. O último deles segue o modelo das FGC, ao passo que os dois primeiros apresentam algumas peculiaridades. No Projeto Turnaround, cujo público é composto essencialmente de brancos de origem européia, o encaminhamento para a realização do encontro restaurativo é realizado pelo magistrado, no primeiro comparecimento do infrator perante o tribunal. No Projeto Te Whanau Awhina, direcionado à população maori, a participação do acusado não interrompe, necessariamente a continuidade do procedimento formal, nem exclui a eventual aplicação de sanções adicionais. Ademais, a presença pessoal da vítima é rara, eis que se costuma, conforme a tradição maori, considerar como vítimas a família do próprio infrator e a sua comunidade. São objeto desses três programas crimes como roubo, ameaça, homicídio culposo na direção de veículo automotor, direção sob efeito de álcool, dano, furto e invasão de domicílio (MAXWELL, 2005, pp. 286-7).”

2.2 Canadá

O Canadá também merece destaque na evolução da Justiça Restaurativa. Considera-se que o no país ocorreram também passos primordiais que colaboraram para o incentivo do sistema de reconciliação entre vítima e criminoso. O processo teve surgimento em 1974 na cidade de Kitcher, localizada na província de Ontário (SICA, 2007, pg. 93).

“Conta-se que dois jovens foram condenados pela depredação de algumas propriedades na região e que, ao saber do ocorrido, um grupo vinculado à corrente cristã menonita, que discutia à época alternativas à prisão, sugeriu ao juiz do caso que fosse realizado um encontro entre os jovens e suas vítimas. O juiz acatou a sugestão e determinou na sentença a realização do encontro, que resultou na reparação dos danos sofridos pelas vítimas (ZEHR, 1995, pp.158-159). A partir do exemplo oferecido por essa experiência, estruturou-se o primeiro programa de mediação do país (SICA, 2007, p. 97).

2.3 Itália

Fazendo uma análise geral, é de se notar que os projetos da moderna justiça restaurativa têm suas origens em tribunais de menores. De acordo com o estudo de George H. Mead, isso se deve ao fato de na justiça penal dos adultos predominar o sentimento de hostilidade e na justiça juvenil verifica-se a intenção da comunidade em “consertar” o jovem infrator visando a sua reeducação (SICA, 2007, pg. 84).

Em razão do art. 112 da Constituição italiana, a justiça restaurativa encontra óbice institucional que dificulta a progressão da mediação penal na Itália. Entretanto, ainda encontramos projetos de mediação penal no país desde a metade da década de 90. Em 1996 criou-se o chamado “Ufficio per la Mediazionedi Milano”, um escritório de mediação localizado em Milão e idealizado por juristas, psicólogos com o apoio do Tribunal de Menores e outras instituições responsáveis pela justiça juvenil (SICA, 2007, pg.83).

Assim, de primeiro momento o magistrado encaminhará o caso ao Ufficio la Mediazone. Para isso deverá constar a prévia responsabilidade do jovem juntamente com seu consentimento e dos responsáveis. A partir disso o mediador, com posse do caso, irá analisar a viabilidade da mediação. Fara contato com a vítima e o agressor para os quais irá explanar do que tange a justiça por mediação, incluindo consequências de cada um dentro do procedimento. Após isso, o resultado será encaminhado ao juiz que possui discricionariedade em considerar ou não a mediação dentro do processo que, em caso positivo, poderá ser arquivado (SICA, 2007, pg.86).

2.4 Alemanha

As técnicas atinentes à Justiça Restaurativa têm início na Alemanha a partir da década de 80. O Congresso da Associação Alemã de Assistência na Prova (Deutsche Bewährumgshilfe) deu, em 1983, origem ao chamado Grupo de Trabalho Conciliação Autor-Vítima (Arbeitskreis Täter-Opfer-Ausyleich) que, em 1986, passou a organizar reuniões com o intuito de formular o plano de mediação entre vítima e agressor. Posteriormente, em 1992, com o auxílio da justiça federal, a Associação Alemã de Assistência na Prova criou o TOA-Servicebüro que passaria a cuidar especialmente das práticas conciliadoras. Além da criação desses órgãos, fizeram parte do primeiro momento de constituição da Justiça Restaurativa Alemã, o XIX Congresso Alemão de Tribunais de Jovens e o LV Congresso Alemão de Juristas. Os debates e discussões proferidos nesses eventos ampliaram ainda mais a carga de incentivo às práticas de conciliação (SICA, 2007, pg. 87).

A posteriori, surgem os primeiros projetos de implantação da Justiça Restarativa. O primeiro foi o Täler-Opfer-Ausgleich (Conciliação Vítima-Ofensor) na cidade de Braunschweig em 1985, implementado na instância de jovens (Jugendgerichtshilfe). Essa Assistência Judicial doJovem analisava o perfil do infrator, circunstâncias do fato, a aplicação da sanção, objetivando a reeducação do jovem. (SICA, 2007, pg 88).

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Após o projeto em Braunschweig, passaram a surgir outros posteriores como: Handschlay (Aperto de Mãos), o Diewoage (A Balança) realizado em Colônia e o Ausgleich (Conciliação) nas cidades de Munique e Landshut.

Os esforços para a mudança da legislação começaram a surgir em meados dos anos 90, a partir dessas alterações a mediação passou a ter efeitos jurídicos-penais. Surgiram, como por exemplo, a Lei de Reforma da Lei dos Tribunais de Jovens e a Lei para o descongestionamento da Administração da Justiça. (SICA, 2007, pg.89).

2.5 França

Diferencia-se a forma de difusão da justiça restaurativa na França em relação aos outros países. Magistrados procuradores, em meados da década de 80, incentivaram a criação de programas denominados de “justiça de proximidade” onde se aplicava a mediação penal em regiões tidas como mais problemáticas. Essa mediação foi posteriormente regulamentada na lei 93 – 2 de 1993. Em seu dispositivo, no artigo 41, permitiu-se aos procuradores da República que se valessem da mediação caso a considerassem um meio eficaz e cabível para a reparação do dano, a pacificação entre vítima e agressor e reinserção do mesmo na sociedade (SICA, 2007, pg. 90).

A mediação penal na França estruturou-se em dois eixos: mediação delegada (médiation deleguée) e mediação retida (médiation retenue). Em ambos casos temos o envio feito pelo procurador, a diferença ocorre quando na delegada há a atuação das entidades paralegais, como por exemplo a Aide Information aux Victimes – AIV, que cuidarão da proteção do ofendido e, na retida temos os casos tratados pelo próprio Judiciário como, por exemplo, as Casas de Justiça e do Direito (Maisons de Justice et du Droit) surgidas em Paris em 1990 e regulamentadas na lei 98-1163/98 (SICA, 2007, pg. 91).

Pertinente são alguns dados colhidos por Leonardo Sica, 2007, pg. 92 em sua obra:

“Nas Maisons de Justice e du Droit, primeiro instrumento da “justiça de aproximação” na França, o tempo médio de um processo de mediação é de 34 dias, podendo chegar até os 137 dias. Os crimes orientados à mediação são diversos: violência física (36,49% dos casos), família (14,85%), danos (14,39%), violência moral (10, 91%), furto (8,43%), fraudes (5,68%). O “sucesso” da mediação, verificado quando as partes manifestam satisfação em relação ao conflito, chega ao índice de 62,6% (FAGET, 2000, p. 80-84). Nos crimes patrimoniais verifica-se a proporção mais alta de acordos, a revelar o rumo equivocado do sistema penal, que descarrega a maior carga do poder punitivo sobre esses crimes.”

Ademais, tivemos também o surgimento de um plano mais informal denominado Boutique de Dtroit. O projeto, com essência comunitária, se estruturou em um distrito considerado problemático em parceria com advogados. Os casos podiam ser levados por meio dos juízos ou até mesmo pelas próprias partes conflitantes e os mediadores possuíam liberdade para decidir qual plano de mediação iria adotar.


3. JUSTIÇA RESTAURATIVA: UM NOVO PARADIGMA DE MEDIAÇÃO PENAL

A justiça restaurativa se apresenta como uma alternativa ao tradicional modelo penal, bem como um instrumento de promoção da paz social e de respeito à dignidade da pessoa humana, objetivando a diminuição das principais falhas e ineficiências da Justiça Criminal.

Utiliza-se da aplicação de métodos alternativos, menos incisivos, porém priorizando a eficiência, uma vez que a pena privativa de liberdade, embora necessária, vem demonstrando um habitual fracasso, do mesmo modo que, as penas restritivas de direitos têm perdido a credibilidade, se mostrou ineficaz na recuperação dos indivíduos.

Deste modo, Leonardo Sica dispõe que:

“(...) O fato é que não houve a preocupação em se construir um discurso teórico próprio às penas e às medidas alternativas. Toda sua elaboração restringiu-se na crítica à prisão e na constatação das mazelas do cárcere. A insuficiência é evidente. Além disso, o problema pode ser outro: de nada adianta pensar em penas e medidas alternativas ao castigo prisional dentro de um paradigma exclusivamente punitivo-retributivo, no qual, pela própria natureza dos mecanismos existentes (basicamente a pena), acabará sempre prevalecendo a resposta de força, impulsionada por fatores externos ao sistema. Esse quadro suscita o inevitável questionamento: a finalidade das penas e medidas alternativas é apenas impedir o encarceramento? Trata-se do “fracasso” das alternativas ou de sua impossível convivência com a política criminal reacionária e encarceradora?” (2007, p.09).

Dessa maneira, o autor observa que o sistema penal brasileiro é injusto e arcaico. Certo é que esse novo método busca analisar o sistema atual de forma crítica, a partir de questões quanto a sua legitimidade e pontos de crise e saturação.

3.1 Conceito

Não há um conceito plenamente padronizado pela doutrina, pelo contrário, há uma pluralidade de conceitos, por ser um sistema que ainda está se aperfeiçoando diante da sociedade.

Entretanto, a doutrina concorda no entendimento de que a Justiça Restaurativa é uma remodelação do Direito Penal. Um sistema que visa solucionar os conflitos de forma pacífica, de maneira que o infrator e a vítima busquem a resolução do problema por meio de diálogo e intervenção de terceiros, membros da comunidade.

Nesse sentido, Marcelo Gonçalves Saliba, em sua obra “Justiça Restaurativa e Paradigma Punitivo”, conceitua o sistema como:

“Processo de soberania e democracia participativa numa justiça penal e social inclusiva, perante o diálogo das partes envolvidas no conflito e comunidade, para melhor solução que o caso requer, analisando-o em suas peculiaridades e resolvendo-o em acordo com a vítima, o desviante e a comunidade, numa concepção de direitos humanos extensíveis a todos, em respeito ao multiculturalismo”.

Em 2002, por meio de seu Conselho Econômico e Social, a ONU editou a Resolucao de 2002/12[4] que trouxe uma terminologia de Justiça Restaurativa:

1. Programa de Justiça Restaurativa significa qualquer programa que use processos restaurativos e objetive atingir resultados restaurativos.

2. Processo restaurativo significa qualquer processo no qual a vítima e o ofensor, e, quando apropriado, quaisquer outros indivíduos ou membros da comunidade afetados por um crime, participam ativamente na resolução das questões oriundas do crime, geralmente com a ajuda de um facilitador. Os processos restaurativos podem incluir a mediação, a conciliação, a reunião familiar ou comunitária (conferencing) e círculos decisórios (sentencing circles).

3. Resultado restaurativo significa um acordo construído no processo restaurativo. Resultados restaurativos incluem respostas e programas tais como reparação, restituição e serviço comunitário, objetivando atender as necessidades individuais e coletivas e responsabilidades das partes, bem assim promover a reintegração da vítima e do ofensor.

Por derradeiro, é imprescindível destacar a conceituação de Pedro Scuro Neto, por ser um dos pioneiros no estudo da justiça restaurativa:

“(...) “fazer justiça” do ponto de vista restaurativo significa dar resposta sistemática às infrações e a suas consequências, enfatizando a cura das feridas sofridas pela sensibilidade, pela dignidade ou reputação, destacando a dor, a mágoa, o dano, a ofensa, o agravo causados pelo malfeito, contando para isso com a participação de todos os envolvidos (vítima, infrator, comunidade) na resolução dos problemas (conflitos) criados por determinados incidentes. Práticas de justiça com objetivos restaurativos identificam os males infligidos e influem na sua reparação, envolvendo as pessoas e transformando suas atitudes e perspectivas em relação convencional com sistema de Justiça, significando, assim, trabalhar para restaurar, reconstituir, reconstruir; de sorte que todos os envolvidos e afetados por um crime ou infração devem ter, se quiserem, a oportunidade de participar do processo restaurativo, sendo papel do poder público é preservar a ordem social, assim como à comunidade cabe a construção e manutenção de uma ordem social justa”.

É certo que todos os conceitos estão focados em uma mesma sustentação, a de que justiça restaurativa é definida como a busca de medidas alternativas para a resolução de questões criminais relativas à reparação dos danos oriundos do delito ou para a “cura” da situação danosa, em face do sistema tradicional penal, que este se demonstra ineficiente e deslegitimo.

3.2 Objetivo

A justiça restaurativa tem como objetivo a mudança de percepção da sociedade diante do delito. Visa alterar o procedimento de lidar com o crime, a fim de que seja um instrumento de inclusão e capacitação das partes.

Leva-se em conta a alteração de valores que fundamentam o sistema penal para o anseio de reconciliação, reparação e restauração social, ou seja, a recuperação da vítima e a transformação de comportamento do ofensor, trazendo um aspecto de segurança, não só para aqueles que foram lesados, como também para a sociedade.

Segundo Zehr, enxergamos o crime de modo distorcido, pois antes do crime ser considerado um fato típico, antijurídico e culpável, ele atenta contra a vivência da vítima, do ofensor, e inclusive da sociedade. Por isso, para compreender a justiça restaurativa é necessário “trocar as lentes”, visto que “o crime é uma violação de pessoas e relacionamentos”, ou seja, “ele cria a obrigação de corrigir os erros. A justiça envolve a vítima, o ofensor e a comunidade na busca de soluções que promovem reparação, reconciliação e segurança” [5]

Do mesmo autor, ainda se pode extrair:

“Um objetivo mais realista para o nosso estágio seria o de visões alternativas fundamentadas em princípios e experiências, e que possam guiar nossa busca de soluções à crise atual. Podemos adotar uma lente diferente, mesmo que ainda não seja um paradigma plenamente desenvolvido”.

A metodologia da justiça restaurativa é a promoção de um diálogo entre as partes envolvidas no conflito, de maneira que encontrem a solução do conflito, recuperando os danos causando pelo delito.

3.3 Características

Segundo a doutrina, a Justiça Restaurativa apresenta algumas características indispensáveis para a sua aplicabilidade e eficácia: “processo dialogado”, “participação das partes” e “acordos restauradores”.

O diálogo é uma fase importante para que a igualdade entre as parte se restaure, com o objetivo de extravasar os sentimentos da vítima e do ofensor, a fim de encontrar respostas para reparar os danos causados. A participação das partes estimula a interação dessas, dando a oportunidade para dialogarem e, se possível, chegarem a um acordo.

Através dos acordos restauradores, encontram-se respostas para que a pretensão da vítima seja satisfeita e, ao mesmo tempo, garantir a responsabilização do acusado por seus atos praticados. O objetivo não se concentra somente no acusado ser punido, mas sim em sua reeducação, para que possa integrar à sociedade novamente.

Esses são os alicerces da Justiça Restaurativa, que em respeito ao princípio da dignidade da pessoa, busca encontrar medidas alternativas não degradantes à condição humana, para “oportunizar e encorajar as pessoas envolvidas a dialogarem e a chegarem a um acordo, como sujeitos centrais do processo, sendo ela, a Justiça, avaliada segundo sua capacidade de fazer com que as responsabilidades pelo cometimento do delito sejam assumidas, as necessidades oriundas da ofensa sejam satisfatoriamente atendidas e a cura, ou seja, um resultado individual e socialmente terapêutico seja alcançado” (PINTO, 2006).

Desse modo, extraem-se os valores advindos do sistema: a reparação, a reintegração e a inclusão. A justiça restaurativa promove mecanismos céleres para obter o encontro das partes envolvidas no conflito, em conjunto com a sociedade, para a reparação do dano e a reintegração social do ofensor, isto é, dá auxílio para a inclusão deste na comunidade. No mesmo sentido: “ao invés de se definir justiça como retribuição, nós definiremos justiça com restauração. Se o crime é dano, a justiça irá reparar os danos e promover a reparação[6]”.

3.4 Princípios

Há uma série de princípios típicos que devem ser observados, por serem os norteadores da Justiça Restaurativa.

3.4.1 Voluntarismo

O voluntarismo traduz-se pela cooperação da vítima, do ofensor e da sociedade através de uma vontade livre e esclarecida sobre os seus direitos. O comparecimento voluntário das partes demonstra que estão dispostas à resolução do conflito de forma amigável, possibilitando a reintegração da relação.

A vontade das partes é tratada como o objeto principal da relação, sendo que se utiliza da mediação para decidir qual a melhor solução a se tomar diante do conflito.

Desse modo, a figura do mediador é importante para que a vítima e o ofensor consigam chegar a um acordo em seus encontros, sendo que este deve auxiliar as partes na construção de medidas alternativas, mas não podendo impor decisão a elas e se manter imparcial.

3.4.2 Consensualidade

As partes, através da mediação, alcançam uma solução consensual que se sintam satisfeitas. Nasce um acordo com condições benéficas para ambas as partes, fixando regras de conduta que devem ser respeitadas.

O acordo deverá mostrar-se:

a) Equilibrado, ou seja, ter benefícios proporcionais para ambas as partes;

b) Pormenorizado, significa que deverá definir claramente quem o fará, de que modo o fará, quando fará, durante quanto tempo fará, em que condições e com que garantias;

c) Reduzido a escrito e assinado pelas partes e pelo mediador;

d) Renunciante do recurso a outros meios – adversativos ou não –, desde que se prefigurem direitos disponíveis e o acordo firmado entre as partes se mostre pontualmente cumprido.

Por este princípio, a Justiça Restaurativa aposta num entendimento de que a celebração do acordo promove a reparação, a reabilitação e a orientação do relacionamento futuro entre as partes que lhe permitem apaziguar os efeitos do crime.

3.4.3 Confidencialidade

Por este princípio, as partes podem depositar a total confiança de que o conteúdo da mediação será restrito somente a eles e aos mediadores, ou seja, estão circunscritos em sigilo, para que de forma aberta, consigam alcançar um acordo sem constrangimento, evitando eventual receio em medir o que dizem para prejuízo posterior.

O processo de mediação baseia-se no princípio da oralidade, em que as declarações devem ser feitas de forma oral, sendo por escrito apenas o contrato de mediação feito no início e o acordo entre as partes.

De acordo com FERREIRA:

“É importante que se valorize a confiança e a fé negocial entre as partes, tranquilizando-as quanto à possibilidade de uma eventual utilização das suas declarações noutras sedes. Libertamo-las, por conseguinte, de possíveis constrangimentos tanto no momento de adesão à iniciativa como ao longo da sua participação no evento pacificador. Pelas mesmas razões, a publicidade ao longo do processo de mediação deve, em princípio, ser excluída, devendo o evento decorrer à porta fechada”.

3.4.4 Complementaridade

A justiça restaurativa vem para complementar o sistema atual, de forma que nada impede que eles funcionem em simultâneo e em satisfação dos interesses públicos e privados[7], à medida que complementaria o processo, na tentativa de aproximação das partes e reestabelecimento da relação antes da prática do ato infracional.

Ela não evitará a instauração de um processo criminal, porém demonstra diversos benefícios para as partes. Para o ofensor, em reparar extrajudicialmente a vítima, além de conseguir uma redução de pena, condição suspensiva do processo ou extinção da punibilidade, já para a vítima, as vantagens não são só econômica, como também social, moral e psicológica.

3.4.5. Celeridade

A justiça restaurativa caracteriza-se por ser um procedimento mais célere e eficaz, devido à oralidade e a simplicidade dos seus atos e formas, sendo que as partes é que tenderão a controlar o tempo de duração, dependendo das peculiaridades de cada caso, que mesmo que dure por tempo maior para a conclusão de acordo, ainda assim, não será tão demorado quanto o Judiciário.

3.4.6 Economia de custos

Além de ser um instrumento mais célere, a utilização da justiça restaurativa reduz os custos tanto para as partes envolvidas, como também para o Estado, que move a máquina do Judiciário de forma lenta e com custos elevados.

3.4.7 Disciplina

Através deste princípio, as partes ao optarem em participar do procedimento restaurativo, estarão sujeitas as regras deste, como obediência as regras sociais. Alcança todos os indivíduos envolvidos, desde as partes que se comprometem e se responsabilizam no instrumento de mediação, até os terceiros mediadores, no sentindo de estar sujeitos a certa disciplina para a condução do processo restaurativo.

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Sobre os autores
Letícia Achilles Shiguematu

Discente do 3º ano do curso de Direito do Centro Universitário “Antônio Eufrásio de Toledo” de Presidente Prudente.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TOMISHIMA, Guilherme ; SHIGUEMATU, Letícia Achilles. Justiça restaurativa: uma remodelação de justiça criminal . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4918, 18 dez. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47661. Acesso em: 20 abr. 2024.

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