Considerações sobre a Reclamação Constitucional e o CPC/2015

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27/03/2016 às 13:50
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Referências:

COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. O novo CPC: breves anotações para advocacia. Brasília: OAB, Conselho Federal, 2016.

DE MELO, Nehemias Domingos (coordenador) Novo CPC Anotado. Comentado. Comparado. Colaboradores: Denise Heuseler, Estefânia Viveiros, German Segre, Gisele Leite, Marcia Cardoso Simões. São Paulo: Editora Rumo Legal, 2015.

FLEXA, Alexandre; MACEDO, Daniel. BASTOS, Fabrício.  Novo Código de Processo Civil. O que é inédito. O que mudou. O que foi suprimido. Salvador: Editora Jus Podivm, 2015.

HARTMANN, Rodolfo Kronemberg. Novo Código de Processo Civil. Comparado e Anotado. Niterói: Impetus, 2015.

LENZA, Pedro. Reclamação constitucional: inconstitucionalidades do Novo CPC.  Disponível em: http://www.conjur.com.br/2015-mar-13/pedro-lenza-inconstitucionalidades-reclamacao-cpc  Acesso em 21.03.2016.

MACEDO, Elaine Harzheim (organizadora). Comentários ao Projeto de Lei n.8.046/2010. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2012.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

MEDINA, José Miguel Garcia. Novo Código de Processo Civil Comentado. Com remissões e notas comparativas ao CPC/1973 São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Código de Processo Civil. Lei 13.105/2015. Inovações. Alterações. Supressões. Comentadas. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2015.

STRECK, Lenio Luiz. Novo CPC terá mecanismos para combater decisionismos e arbitrariedades? Revista Consultor Jurídico, 18.12.2014.

__________________ Comentário ao artigo 926. Comentários ao CPC. São Paulo: Saraiva, 2015.


Nota

[1] A reclamação é uma ação que visa a preservar a competência de tribunal, garantindo a autoridade das decisões de tribunal e garantir a eficácia dos precedentes das Cortes Supremas e da jurisprudência vinculante das Cortes de Justiça.  Teve origem a partir da noção dos implied powers atribuídos ao STF (Teoria dos poderes implícitos). Em 1957, a reclamação fora incorporada ao Regimento Interno do STF, com fulcro na competência que lhe era atribuída pela Constituição de 1946. Posteriormente, os dispositivos do Regimento Interno que estabeleciam a disciplina processual dos feitos de competência do STF passaram a ter força de lei conferida pela CF de 1967, até que, com o advento da CF/1988, a reclamação passou finalmente a ter o status constitucional, ao vir expressamente prevista dentro da competência originária do STF.

Trata-se de medida jurisdicional e não meramente medida administrativa pois pode alterar decisões tomadas em processo jurisdicional e ainda pode produzir coisa julgada. Quanto sua natureza jurídica, predomina em doutrina que se trata de uma ação propriamente dita (Pontes de Miranda), apesar de ser inexistente o consenso sobre o tema, conforme se vê do voto do Ministro Celso Mello: "A reclamação, qualquer que seja a qualificação que se lhe dê - ação (Pontes de Miranda), "Comentários ao CPC, tomo V/384, Forense), recurso ou sucedâneo recursal (Moacyr Amaral Santos, RTJ 56/546-548; Alcides Mendonça Lima, "O Poder Judiciário e a Nova Constituição", p.80, 1989, Aide), remédio incomum (Orosimbo Nonato apud Cordeiro de Mello, "O processo no STF", vol.1/280), incidente processual (Moniz de Aragão, "A Correição Parcial", "Manual de Direito Processual Civil, volume 3, 2ªparte, p.199, item n. 653, 9ª ed., 1987, Saraiva) ou medida processual de caráter excepcional (Ministro Djaci Falcão, RTJ 112/518-522) configura modernamente, instrumento de extração constitucional inobstante a origem pretoriana de sua criação (RTJ 112/504)[...]In: STF Recl. 336, rel. Ministro Celso de Mello (19.12.1990).

[2] A competência do STJ fora atribuída em três níveis, a saber: originária, recursal ordinária e recursal especial. São competências enumeradas taxativamente pelo texto constitucional, que só podem ser ampliadas através de Emenda Constitucional.

[3] O instituto da reclamação possui dupla função de ordem político-jurídica consistente na preservação da competência e na garantia da autoridade das decisões do STF e STJ. Sua finalidade não é antecipar julgados e nem atalhar julgamentos ou fazer sucumbir decisões sem que se atenha à legislação processual específica qualquer discussão ou litígio a ser solucionado juridicamente, razão pela qual se exige, para seu cabimento, a analogia absoluta entre a decisão-paradigma supostamente descumprida e a situação na qual se alegue o seu descumprimento. (Vide Recl. 6.609/SP, Rel. Ministra Cármen Lúcia (23.09.2008).

[4] Admite-se, assim, de acordo com o CPC/2015, reclamação contra decisão que não observe precedente oriundo de julgamento de recurso especial repetitivo (não admitindo reclamação, anteriormente ao CPC/2015, por ausência de previsão legal, cf. STJ, AgRg na Recl. 14.527/RJ, rel. Min. Assussete Magalhães, 1.ª Seção, j. 10.12.2014). Antes do CPC/2015, entendia-se que a previsão de reclamação em regimento interno de Tribunal feriria a Constituição, exigindo sua previsão em lei; admitia-se, contudo, que se dispusesse a respeito em Constituição estadual, por se tratar de manifestação do direito de petição, não violando, por essa razão, o art. 22, I, da CF (a respeito, cf. os seguintes julgados do Plenário do STF: RE 405.031, rel. Min. Marco Aurélio, j. 15.10.2008; ADIn 2.212, rel. Min. Ellen Gracie, j. 02.10.2003; ADIn 2.480, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 02.04.2007). A discussão resta esvaziada, no contexto do CPC/2015, já que prevê o cabimento de reclamação para quaisquer tribunais (cf. § 1.º do art. 988 do CPC/2015).

[5] O STJ possui competência originária para processar e julgar nos crimes de corresponsabilidade, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal; nos crimes comuns e de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do DF, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e DF, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da união que oficiem perante tribunais. Esta competência exerce a vis atractiva atraindo o processo do corréu.

[6] O procedimento utilizado está consagrado no RISTF, nos artigos 156 ao 162, na Lei 8.038/1990 e nos artigos 988 ao artigo 1.008 do CPC/2015.

[7] A cognição secundum eventum probationis. Como todos os writs constitucionais que visam à viabilização do controle do exercício do poder do Estado (como o habeas corpus, o habeas data e o mandado de segurança), a reclamação tem o seu procedimento limitado em termos probatórios à prova documental, conforme o art. 988, §2º do CPC/2015. Conclui-se que a cognição e o debate que são suportados na reclamação estão vinculados à prova documental. Portanto, somente as afirmações que possam ser demonstradas por prova documental é que poderão ser examinadas no processo. Nenhuma outra espécie de prova pode ser admitida.

[8] Além dos poderes arrolados no artigo 989 do CPC/2015, pode o relator indeferir a petição inicial, quando o autor narrar como causa de pedir se diversa daquelas constantes do art. 988 do CPC/2015, quando o direito alegado depender de prova diversa da documental para sua comprovação ou quando a petição exordial contiver quaisquer vícios que acarretem seu indeferimento - ou julgar improcedente liminarmente o pedido de reclamação (art. 332 CPC/2015). Antes de indeferi-la, em sendo o caso, o juiz viabilizará o direito à emenda à petição inicial, tudo à luz do princípio da primazia do julgamento do mérito (art. 321 do CPC/2015).

[9] O relator ao despachar o que deve ser preferencialmente o mesmo da demanda principal, ex vi o art. 989 do CPC/2015 requisitará informações à autoridade no prazo de dez dias e, ordenará a suspensão dos processos e determinará a citação do beneficiário da decisão impugnada, que terá o prazo de quinze dias para apresentar a resposta.  Adiante, o art. 990 do CPC/2015 aduz que qualquer interessado poderá impugnar o pedido apresentado.

[10] Cabe agravo interno contra a decisão monocrática que não admita a reclamação (art. 1.021 do CPC/2015). Na vigência do CPC/1973, o STJ admitiu mandado de segurança contra decisão de ministro relator que indeferiu, liminarmente, o processamento de reclamação ajuizada com base na Resolução STJ 12/2009, por considerá-la intempestiva, já que, no caso, entendia-se não caber agravo regimental (STJ, MS 16.180/DF, rel. Min. Castro Meira, Corte Especial, j. 05.10.2011). Admitida a reclamação, serão requisitadas informações à autoridade responsável pelo ato impugnado e citado o beneficiário da decisão impugnada, para que apresente sua contestação (cf. art. 989, I e III, do CPC/2015). Admite-se a concessão de tutela provisória, de urgência ou de evidência (cf. art. 294 do CPC/2015), a fim de se suspender o processo ou o ato impugnado (e não apenas para “evitar dano irreparável”, como afirma o art. 989, II, in fine, do CPC/2015). 

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[11] José Carlos Baptista Puoli apud Coêlho esclarece que quanto ao processamento do pedido, o CPC determina que a exordial deva ser instruída com prova documental e, se possível, será distribuída ao relator do processo principal. O quarto parágrafo ainda esclarece que a reclamação pode ter cabimento não apenas em caso de indevida aplicação da tese jurídica firmada em julgamento anterior, como também em casos de sua não aplicação aos casos que a ela correspondam. E, tamanha liberalidade na utilização de tal ação autônoma causa grande preocupação decorrente da possibilidade de, aos Tribunais Superiores, serem endereçadas inúmeras demandas deste tipo por conta de decisões de instâncias inferiores que não fossem compatíveis com precedentes do STF/ STJ.

[12] O beneficiário da decisão impugnada deverá ser regularmente citado para apresentar a sua contestação no prazo de quinze dias. Tal defesa está restrita obviamente ao objeto da reclamação: quando poderá alegar motivos que levam tanto à inadmissibilidade como à improcedência da reclamação. Obviamente o reclamante tem direito a oferecer réplica, com aplicação analógica do art. 351 do CPC/2015.

[13] Julgada procedente a reclamação, a sentença será, em regra, constitutiva e mandamental: será anulado o ato administrativo ou a decisão judicial e se ordenará que outro ato seja praticado ou que outra decisão seja proferida, no lugar da anulada, ou se ordenará que se faça ou se deixe de fazer algo (art. 992 do CPC/2015).

Nesse sentido, o art. 64-B da Lei 9.784/1999 (na redação da Lei 11.417/2006) estabelece que, “acolhida pelo Supremo Tribunal Federal a reclamação fundada em violação de enunciado da súmula vinculante, dar-se-á ciência à autoridade prolatora e ao órgão competente para o julgamento do recurso, que deverão adequar as futuras decisões administrativas em casos semelhantes, sob pena de responsabilização pessoal nas esferas cível, administrativa e penal”. Pode suceder que nada haja a anular, como no caso em que a reclamação é utilizada contra omissão (exemplo: admitiu-se reclamação contra demora injustificada no cumprimento de acórdão proferido pelo STJ transitado em julgado há vários anos, cf. STJ, 3.ª Seção, Recl 1.723/PB, rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 11.06.2008). Nesse caso, a decisão terá apenas natureza mandamental.

[14] Por medida adequada, tendo em vista o sistema de atipicidade da técnica executiva adotada pelo CPC/2015, a decisão de procedência prolatada no processo da reclamação pode ser cumprida por qualquer medida que se mestre adequada: ou seja, que seja hábil a promover o fim a que se destina a decisão, conforme o art. 991 do CPC/2015. Prevalece a regra do meio idôneo com a menor restrição possível, analogicamente, o art. 805 do CPC/2015.

[15] O MP como não é parte, terá vista aos autos por derradeiro. Em sendo o caso, portanto, terá vista dos autos após a réplica do reclamante. E, se houver impugnação por qualquer interessado, dela também terá vista o MP antes do julgamento da reclamação.

[16] A inadmissibilidade ou o julgamento do recurso interposto contra a decisão proferida pelo órgão reclamado não prejudica a reclamação. Significando, em primeiro lugar, que é possível atacar uma decisão simultaneamente por meio de recurso e por meio da ação de reclamação. Em segundo lugar, que a reclamação é autônoma em relação ao recurso, ou seja, esta sobrevive e não perde seu objeto por força da inadmissibilidade ou do julgamento do recurso.

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Sobre a autora
Gisele Leite

Gisele Leite, professora universitária há quatro décadas. Mestre e Doutora em Direito. Mestre em Filosofia. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Possui 29 obras jurídicas publicadas. Articulista e colunista dos sites e das revistas jurídicas como Jurid, Portal Investidura, Lex Magister, Revista Síntese, Revista Jures, JusBrasil e Jus.com.br, Editora Plenum e Ucho.Info.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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