1. UM CASO CONCRETO
Ab initio, parece-nos oportuno trazer a baila um caso concreto, que bem espelha a realidade e os efeitos ora versados. Era uma ação que tramitava perante o Foro da Comarca de Presidente Prudente, na qual me foi solicitada a lavra de parecer, cujas conclusões específicas da causa excluímos neste trabalho readaptado, uma vez que, além de impertinentes e inoportunas, mister se faz guardar-se o respeito à demanda e à jurisdição e, sobretudo, agora temos de observar o Código Civil de 2002.
Tratava-se de ação de natureza condenatória, consubstanciada em acidente de trânsito, deflagrada pelas vítimas que pretendiam compelir a ré a reparar danos de natureza moral, material e estético. Para tanto, atribuíram responsabilidade por fato de terceiro, de vez que os fios telefônicos que estavam sendo instalados pelo empregado soltaram-se do poste a que se prendiam, ocasionando o enlaço no pescoço do condutor, que perdeu o controle da motocicleta, indo ao chão, danificando o móvel, lesando fisicamente o condutor e o carona (autores) e desesperando-os psicologicamente, sendo que o motorista pensou que a lesão grave em seu pescoço seria capaz de matá-lo; imaginou que seria degolado.
Em conclusão, pediram a condenação de: 1) ressarcimento das despesas médicas, em dobro; 2) ressarcimento dos prejuízos causados à motocicleta; 3) custeio de plástica no pescoço do condutor da motocicleta, pois registra marcas eternas; 4) trinta salários mínimos a título de danos moral e estético, indistintamente, ao motorista; 5) trinta salários mínimos, pelas dores física e moral, experimentados pela carona. Pedidos estes que, pelo que se consubstanciavam e tinham por base os artigos 1.538, § 1º e 1.539, ambos da Lei Civil de 1916.
Pois muito bem.
Assim sintetizado, passemos ao estudo do parecer proferido à época, agora adaptado ao Código Civil de 2002, que quase nada altera a essência da dissertação.
Os danos morais e estéticos reclamados tinham por base os artigos 1.538 e 1.539 da Lei Civil. Tanto assim que aduziram na inicial, in litteris: O nosso Código Civil, ainda, determina, nos artigos 1.538 e 1.539, o dever de indenização a vítima das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, sem o prejuízo de lhe pagar a importância da aplicação de uma multa, que poderá ser duplicada se do ferimento resultar aleijão ou deformidade.
Em um mesmo pedido reclamavam a condenação em valor que, pelo contexto, desenha-se dano material, mas o mencionam como dano estético. Noutro, falam em dano moral, mas rotulam de dano estético. Ademais, reclamam dano material, quando em verdade é dano estético.
2. A LESÃO CORPORAL E O "DANO ESTÉTICO"
Não poderíamos falar simplesmente da responsabilização civil pelo dano estético sem deixar de observar an passant a tipificação penal da ofensa à integridade física ou à saúde da pessoa, pois do entrelaçamento de ambos os institutos é que se extraíra a base de uma exegese sistemática mais segura.
O crime de lesão corporal consistente em qualquer ofensa ocasionada por alguém, sem vontade de matar, à integridade física ou saúde (fisiológica ou mental) de outrem. Não se trata, como o nomen juris poderia sugerir prima facie, apenas do mal infligido à inteireza anatômica da pessoa.
Nas palavras do saudoso mestre Nelson Hungria, a "lesão corporal compreende toda e qualquer ofensa ocasionada á normalidade funcional do corpo ou organismo humano, seja do ponto de vista anatômica, seja do posnto de vista fisiológico ou psíquico. Mesmo a desintegração da saúde mental é lesão corporal, pois a inteligência, a vontade ou a memória dizem com a atividade funcional do cérebro, que é um dos mais importantes órgãos do corpo. Não dizem com a atividade funcional do cérebro, que é um dos mais importantes órgãos do corpo. Não dizem com a atividade funcional do cérebro, que é um dos mais importantes órgãos do corpo. Não se concebe uma perturbação mental sem um dano à saúde, e é inconcebível um dano à saúde sem um mal corpóreo ou uma alteração do corpo. Quer como alteração da integridade física, quer como perturbação do equilíbrio funcional do organismo (saúde), a lesão corporal resulta sempre de uma violência exercida sobre a pessoa." (Comentários ao Código Penal. 3ª ed., Rio de Janeiro: Forense, vol. V, p. 327)
No concernente à responsabilidade penal, a lei regente dispôs no segundo capítulo do primeiro titulo da parte especial a tipicidade da conduta ofensiva a integridade corporal a saúde de outrem (CP, art. 129). E o fez sistematicamente, traçando a lesão corporal simples como crime de pequeno potencial ofensivo, a grave ou a gravíssima; além das modalidades preterintencional, privilegiada e culposa. Ademais, fez expressa previsão de causas de aumento e diminuição da pena, e de sua substituição.
O âmago do tipo, consistente em ofender, pode-se verificar por qualquer meio, por ser crime de forma livre, comissiva a omissivamente, cujo dano deve ser juridicamente apreciável. Deveras, como dano à integridade corporal considera-se a alteração, anatômica ou funcional, interna ou externa que lese o corpo, tal qual os ferimentos, cortes, luxações, fraturas, etc. Por ser turno, o dano à saúde compreende a alteração fisiológica, ou psíquica. Logo, a dor fisíca, a crise nervosa, sem comprometimento físico ou mental, não configura lesão corporal, pois é preciso haver dano anatômico ou funcional.
Pune-se criminalmente a lesão que resulta em incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias; perigo de vida; debilidade permanente de membro, sentido ou função, aceleração de parto. Sendo estas, as quatro figuras da lesão corporal grave, querendo significar, respectivamente: a) na incapacidade, o termo ocupacional é considerado sob o prisma funcional e não podendo ser reconhecida só com base nas declarações do ofendido, sem exame médico complementar após o trigésimo dia da ofensa; b) o perigo de vida é a probabilidade, concreta e efetiva, de morte, como conseqüência da lesão a do processo patológico que esta originou; não basta o perigo presumido, sendo indispensável que ele se apresente concretamente. Não é suficiente o simples prognóstico: exige-se diagnóstico e efetivo perigo de vida, que deve ser reconhecido por critérios objetivos comprobatórios do risco real a que fica sujeita a vítima, mesmo que por pouco tempo; c) debilidade é a redução da capacidade funcional, sendo permanente aquela cuja cessação não se prevê, que não muda com o tempo, embora há quem se contente com a debilidade duradoura, que não perpétua (membros são os braços e as mãos, pernas e o pés; enquanto sentidos referem-se a visão, audição, olfato, tato e paladar; função é a atividade particular dos órgãos, entre os quais a circulação, a respiração etc.); d) antecipação do nascimento é a saída do feto vivo antes do prazo normal. O melhor entendimento é o de que o agente não deve ignorar a gravides e que deva ter, ao menos, culpa pela aceleração do parto, pois esta não pode ser punida por mero nexo casual.
Embora não haja menção na rubrica, a expressão "lesão gravíssima" é tradicional na doutrina e na jurisprudência. Prevê-se, quando: resulta incapacidade permanente para o trabalho (como conceito econômico), entendendo-se este em sentido genérico; enfermidades incuráveis, por doença física ou mental cuja curabilidade não é alcançada pela medicina, em seus recursos e conhecimentos atuais; perda ou inutilização de membro, sentido ou função; que não se confunde com debilidade, pois nesta ainda remanescem (o membro, o sentido ou a função), embora inúteis, e naquela (perda), deixam de existir, são abolidas; deformidade permanente, causando impressão de desagrado, vexando seu portador, irreparável pelos meios comuns da medicina, apreciando critérios objetivos e subjetivos, com laudos fundamentados e documentados com fotografias; aborto, é o que resulta ao menos da culpa do agente, requerendo-se conhecimento do estado gravídico.
Quanto à deformidade permanente, ensinava Nelson Hungria que "não se trata de um conceito objetivo, mas, a um só tempo, objetivo e subjetivo", e a seguir, afirma: "se da apreciação objetiva passamos à subjetiva, cumpre fixar, desde logo, o seguinte: a deformidade deve ser tal que cause uma impressão, se não de repugnância ou de mal-estar, pelo menos de desgosto, de desagrado. É a cicatriz que acarreta chocante assimetria, é a desfiguração notável" (ob. cit., p. 328).
Esta orientação tem sido aceita pela jurisprudência, conforme venerandos acórdãos: "o conceito jurídico-penal de deformidade permanente deve ser apreendido sob os aspectos objetivo e subjetivo. E não é qualquer deturpação ou vício de forma que o configura. Daí a necessidade de vir o laudo pericial fundamentado e instruído com fotografias da vítima" (RT 588/322). E mais este outro: "A deformidade permanente precisa ser encarada dentro de uma objetividade que reuna dois pontos importantes: o físico e o social. Sem uma conclusão pericial positiva, que indique a extensão do mal causado, inclusive com ilustração fotográfica da cicatriz deformante, é menos seguro o acolhimento dessa forma mais grave da violatio corporis" (RT 406/229).
De remate, cumpre observar que o bem jurídico tutelado é a integridade física ou físico-psíquica da pessoa. Protege-se-lhe a incolumidade pessoal, de moldes a mantê-la socialmente apta e eficiente à sinergia da prosperidade geral da sociedade e do Estado, pois a invalidez da pessoa retira-lhe principalmente a capacidade laboral e os meios próprios de auto-subsistência, jogando-a para a dependência do Estado que deverá pensioná-la vitaliciamente, sem que haja contribuição em contrapartida. A lesão grave, portanto, atinge não apenas a vítima (esta, obviamente, a principal atingida), mas também, em múltiplas e diversificadas variantes, os seus parentes e amigos, o Estado e a sociedade como um todo.
Quanto ao mais, não comporta aqui minuciosa análise pois escaparia sobremaneira dos estritos limites do campo enfocado.
Afora a responsabilidade penal, nos casos supramencionados, temos a civil, que, como sabido, em regra não se confundem e são independentes -- embora, em verdade, sejam interdependentes -- podendo tramitar ações concomitantemente, salvo havendo incidentes de prejudicialidade externa evidente. Ademais, a sentença penal (condenatória ou absolutória) poderá influenciar na sentença civil, embora a recíproca não seja verdadeira.
Deste modo, toda vez que o agente, por ação ou omissão voluntária, ou até por imprudência, negligência ou imperícia causar danos à saúde de outrem, fica obrigado a repará-los. E aqui, no cível, diferentemente da área criminal, a responsabilidade pode decorrer de conduta própria ou até de terceiro, como ocorre na obrigatoriedade de o empregador responder objetivamente por atos culposos de seu empregado, bastando ao ofendido fazer prova do dano, nexo causal, culpa do empregado e que o evento ocorreu por este no exercício de sua função.
A teoria da responsabilidade civil subjetiva, acolhida em nosso direito, consoante se podia depreender do artigo 159 do Código Civil de 1916, agora versado no artigo 186 do Código em vigor, obriga o causador do dano a repará-lo, transferindo, também, ao empregador tal obrigação, principalmente quando se reconhece ter o empregado agido de forma culposa. É caso, mesmo, de aplicação da Súmula n. 341 do Supremo Tribunal Federal.
Tal como escreve José Afonso da Silva: "A vida humana não é apenas um conjunto de elementos materiais. Integram-na, outrossim, valores imateriais, como os morais. A Constituição empresta muita importância à moral com valor ético-social da pessoa da família, que se impõe ao respeito dos meios de comunicação social (artigo 221, inciso IV). Ela, mais que as outras, realçou o valor da moral individual, tornando-a mesmo num bem indenizável (artigo 5º, incisos V e X). A moral individual sintetiza a honra da pessoa, o bom nome, a boa fama, a reputação que integram vida humana como dimensão imaterial. Ela e seus componentes são atributos, em os quais a pessoa fica reduzida a uma condição animal de pequena significação. Daí por que o respeito à integridade moral do indivíduo assume feição de direito fundamental." (Curso de Direito Constitucional Positivo. 7ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, pág. 179)
Finalmente, leciona Teresa Ancona Lopez de Magalhães: "Os danos morais podem ser das mais variadas espécies. Os principais citados pela doutrina, são os que trazem prejuízo: à reputação, à integridade física, como o dano estético, ao direito moral de autor, ao direito de uma pessoa ao nome, às convicções de alguém, às pessoas que a vítima do dano tem afeto, como por exemplo a morte de um filho, à integridade da inteligência, à segurança e tranqüilidade, à honra, ao cônjuge por aquele que ocasionou o divórcio, à liberdade, aos sentimentos afetivos de qualquer espécie, ao crédito, etc. Os irmãos MAZEUD dividem o conteúdo do dano moral de um lado considerando aqueles que atingem a ´parte social do patrimônio moral'' como os que lesam o indivíduo na sua honra, reputação, consideração; de outro lado, salientando os danos que atingem ´a parte afetiva do patrimônio moral'', que prejudicam o indivíduo nas suas afeições; trata-se, por exemplo, da dor provada (provocada) pela morte de uma pessoa que nos é cara." (O Dano Estético. São Paulo: Revista dos Tribunais, pág. 8)
O dano estético, passível de reparação, é aquele conseqüente de conduta ilícita ou lícita excessiva e fora dos parâmetros permitidos (veja-se a respeito a teoria objetiva do abuso de direito consagrada expressamente no artigo 187 do Código Civil de 2002), que cause sentimento degradante à vítima, digna de dó pelo enfeiamento, Esta dor traz reflexos psicológicos na pessoa. Causa-lhe abalos intangíveis em razão da redução de sua beleza estética, ou do funcionamento desta, inclusive os membros, sentidos e órgãos. O sofrimento leva a uma cobertura patrimonial concernente. O dano estético cobre a ofensa ao natural, na imagem pessoal, o aleijão que acompanha a vítima.
A imagem da pessoa é o seu cartão de visita. Nalguns casos, é o seu instrumento de trabalho (como os modelos). A lesão a esta beleza natural pode lhe atingir tanto moral como economicamente. E é justamente esta lesão à beleza física que caracteriza o que juridicamente se popularizou como dano estético. A estética, em si mesma, não representa outra coisa que não o móvel ou o motivo causador do sofrimento e da tristeza da vítima. Portanto, não é situação autônoma.
A afronta estética, contudo, tem de ser duradoura para ter relevância jurídica. Se for passageira, ainda que relativamente longa, há no máximo interesse em perdas e danos. Nada mais. Afora isso, para se quantificar e qualificar a lesão, deve-se considerar a extensão da ofensa, sua localização, a possibilidade de sua remoção (completa ou parcial), o sexo da vítima, idade, profissão, estado civil e possibilidade de retorno normal ao convívio social, dado o aspecto repugnante e vexatório do ferimento etc., anotando-se que não é causa excludente da responsabilidade civil o fato de ser possível dissimular a lesão pelo uso de próteses, uma vez que, por mais perfeita e avançada que seja, evidente que o artificial está longe de poder simular o natural no que toca à aparência e aos movimentos do tecido vivo.
Prevalece, a propósito, que, no dano estético, há que se indenizar, tanto as despesas que o lesado tenha para a respectiva recuperação (reparação imaterial, ou patrimonial, porquanto dano físico), como os danos estéticos derivados do fato da violação (reparação moral, porque o reflexo se sente na esfera afetiva e valorativa da personalidade da pessoa atingida, na defesa da dignidade humana; dentre outros autores, cf. Ihering, "Actium injuriarum", págs. 1 a 19; Melchiorre Gioja, "Dell ingiuria dei danni-del soddisfacimento e relative basi di stima avanti i tribunali civili", pág. 27 e segs.; Henri De Page, "Traité de droit civil belge", vol. 2/913; Scandura Sampolo, "Del resarcimento dei danni morali", pág. 7 e segs.; Marguerite Riegert, "La notion de préjudice esthétique", pág. 13 e segs.; Jean Carrard, "O dano estético e sua reparação", trad., em RF 83/405; Alberto Ravazzoni, "La riparazione del danno non patrimoniale", pág. 37 e segs. e 73 e segs.).
Por tudo isso, vê-se que o chamado dano estético abraça duas espécies de danos individualmente integrantes dos elementos da responsabilidade civil, quais: danos materiais e danos morais.
3. O "DANO ESTÉTICO" COMO DANO MATERIAL
A responsabilidade civil em caso de lesão recebia especial atenção dos artigos 1.538, § 1º e 1.539 do Código Civil de 1916. Para estes, apurar-se-ia a lesão corporal de natureza grave, além do que, a deformidade física com prejuízos materiais constituía um dano patrimonial. "Entende-se, porém, que, além da indenização pelos danos materiais, não cabe a multa. Admitir-se-ia unicamente no dispositivo penal, ou se constasse contemplada apenas esta, o que não está previsto." (Arnaldo Rizzardo. A reparação nos acidentes de trânsito. 7ª ed., São Paulo: RT, p. 158).
O artigo continha grave defeito ao conceder o direito a recebimento da importância da multa no grau médio da pena criminal correspondente, cuja soma seria duplicada se o ferimento resultasse aleijão ou deformidade permanente (art. 1.538, § 1º do CC/1916). Ora, o dispositivo tratava da lesão corporal de natureza grave. Só que o delito penal de lesão corporal (a pena criminal correspondente) não continha nenhuma pena de multa para o ofensor! Não poderia, portanto, condenar ao pagamento de uma multa que não existia, muito menos duplicá-la. Não se dobra o que não existe. É uma aritmética simples, do ensino fundamental.
Assim, a disposição sub studio sempre foi vazia de conteúdo, de tal sorte que nas pelejas envolvendo acidentes que resultassem ferimentos estéticos, eventual indenização constituiria apenas despesas de tratamento e lucros cessantes, desprezando-se o dispositivo na parte final do artigo e em seu parágrafo primeiro. Não se poderia falar em multa, muito menos em dobro. É apenas dano material.
Nesse tocante, o Código Civil de 2002 sanou a irregularidade, quando disciplinou a matéria no artigo 949, substituindo a pena de multa do crime correspondente pela indenização de algum outro prejuízo além do tratamentos e lucros cessantes até o fim da convalescença. Manteve-se, porém, a idéia de que, para se caracterizar a deformidade mencionada e tutelada pelo dispositivo, é necessário que haja enfeiamento, que o ofendido cause impressão penosa ou desagradável.
Para o caso do revogado artigo 1.539 da Lei Material, exigia-se que o acidente reduzisse ou afetasse a capacidade laborativa da vítima. E ainda é assim, nos termos do artigo 950 do Código Civil de 2002, acrescido de uma novidade: o prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez (parágrafo único do artigo 950).
Até aqui, pelo que se pode inferir, trata-se apenas de danos materiais. A Lei fala de ressarcimento das despesas médicas, lucros cessantes e prejuízos outros. São mesmo danos emergentes e lucros cessantes, nos exatos termos do artigo 402 do Código Civil em vigor.
4. O "DANO ESTÉTICO" COMO DANO MORAL
Quer-nos parecer incontestável o abalo psicológico da pessoa que teve a sua imagem desvirtuada definitivamente, tornando-a de aparência degradante, vexatória e repugnante. O sentimento de comoção do espectador se transforma em sentimento de revolta do protagonista. A vítima nem sempre aceita as lamentações, comiserações e compaixões alheias, pois não raro apenas lhe fazem sentir-se ainda pior. Uma tatuagem cicatricial no rosto, ou em qualquer outra parte visível do corpo, assim como um membro roto, ou sutilmente deformado, pode ter peso vexatório incalculável para a vítima.
Estas estigmas vão se acumulando e corroendo psicologicamente por toda a vida. O dano estético, como ferida latente, ainda que não se mostre tão acintoso com o fluir do tempo, sempre se mostrará visível, pois visíveis e sensíveis são os seus registros. Os aspectos materiais resultantes da ofensa podem até desaparecer, ressarcidos e reembolsados que foram todos os danos materiais, mas o mesmo não se pode dizer com o aspecto intangível ou imaterial.
O dano estético, como afronta do elemento físico da pessoa, é apto a torná-la de aparência degradante. Integram-lhe portanto os elementos do dano moral. Define-se com a deformidade física, atingindo o lado psicológico do indivíduo, que se sente diminuído na integridade corporal e na estética de sua imagem externa. Classifica-se pela redução do valor existencial. Essa é, de regra, a sua natureza. A par de a vítima ter experimentado lucros cessantes e danos emergentes, afigura-se-nos plausível a ocorrência de danos imateriais.
Descabe tentar encontrar no baú conceitual qualquer espécie de firula expressional com o fito de dizer que se está diante de um bis in idem. Impossível conceder-se diversas indenizações da mesma natureza pelo mesmo fundamento como se se tratassem de coisas distintas. A indenização por dano moral e por dano estético, em geral, é da mesma natureza, daí prelecionar Arnaldo Rizzardo, com arrimo na jurisprudência, que: afirmando o dano moral em virtude exclusivamente do dano estético, não se justifica o cúmulo de indenizações. A indenização por dano estético se justificaria se a por dano moral tivesse sido concedida a outro título. Repare-se que ambos, como no caso dos autos, advêm de fonte única, qual seja, um dano físico que, pela sua natureza e aspecto deformativo da aparência física da pessoa causa uma dor moral, uma perturbação interior, com mudança de ânimo e comportamento. Com essa confusão, a condenação num e noutro, com pretendido pelos embargantes, seria um bis in idem, o que não encontra amparo no direito ( op. cit., págs. 306-7).
Alguns até tentam defender que o dano estético é a exteriorização do enfeiamento, os efeitos extrínsecos da lesão; e o dano moral é a interiorização da ofensa, os efeitos intrínsecos do ato ilícito. Não concordamos. Primeiro, não se pode perder de vista que a expressão dano moral é de caráter amplo e genérico, abraçando todas as ofensas que não sejam materiais (por isso se diz direitos morais). Entre os direitos imateriais da pessoa humana, estão alguns consagrados expressamente como direitos da personalidade, tais como a vida, a imagem, a dignidade humana e a integridade física. Danos morais, portanto, são as lesões sofridas pelas pessoas em certos aspectos de sua personalidade, em razão de investidas de outrem. Como observava Carlos Alberto Bittar, os danos morais são aqueles que atingem a moralidade e a afetividade, causando-lhe constrangimentos, vexames, dores, sentimentos e sensações negativas. Atingem-se componentes sentimentais e valorativos.
A lesão estética, no que diz respeito à parte externa da pessoa, aos seus traços plásticos e individualizadores, nada mais é do que a ofensa de um direito moral da personalidade humana. Ainda que se tenha de falar em honra objetiva da pessoa, certo é que estaremos tratando de dano moral. E a ofensa de qualquer um dos direitos da personalidade humana, por si só, é o bastante para configurar o direito à reparação em pecúnia, ainda que não tenha causado abalo psicológico.
Não se pode pleitear, assim, valores a título de dano moral e outros a título de dano estético, cumulativamente, como se se tratassem de franquias jurídicas distintas. Pelas hodiernas definições e abrangências do dano moral, metade da classificação do dano estético perdeu sua razão de ser, enquanto que, a outra metade (consistente basicamente no reembolso de despesas médico-hospitalares e custeio de tratamento ou plástica corretiva ou reparadora), está ultrapassada em face dos elementos integrantes do dano material.
Os danos imateriais aparecem, assim, como sinônimo de significativa parte do dano estético. Este é mesmo composto de elementos de dano material e dano moral. A somatória destes institutos é que constituem aquel´outro.
Em breve síntese, o dano estético, como apontado, é dano material ou dano moral; ou, simplesmente, dano estético, excluindo-se o moral e o material. Impossível mesmo falar-se cumulatividade dos pedidos de dano moral, dano material e dano estético, porque encerraria verdadeiro bis in idem. Basta que interpretemos sistematicamente o Direito, aplicando-se a responsabilidade civil à luz da responsabilidade penal no que tange ao crime de lesão corporal, que se preocupa com aparência física ou estado psicológico e os reflexos danosos materiais.