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A contestação na ação de desapropriação:

possibilidades de abordagens

Resumo:


  • O Decreto-Lei n.º 3.365/41 restringe as matérias que podem ser alegadas pelo proprietário/expropriado em sede de contestação, limitando-se a vícios no processo ou preço oferecido.

  • Existem correntes doutrinárias e jurisprudenciais que defendem a possibilidade de discutir o interesse público na ação desapropriatória, mesmo que o decreto-lei vigente restrinja a contestação a poucas matérias.

  • A contestação em ações de desapropriação pode abranger qualquer matéria útil à defesa do expropriado, inclusive a validade da declaração de utilidade pública ou interesse social, embora haja divergências quanto a essa possibilidade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O Decreto-Lei n.º 3.365, de 21 de junho de 1941, regula os casos de ação de desapropriação e, dentre outras providências, no seu artigo 20 dispõe sobre a matéria que pode ser tratada, em sede de contestação, pelo proprietário/expropriado. Possui o citado dispositivo legal a seguinte redação:

"A contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço; qualquer outras questão deverá ser decidida por ação direta."

Como se pode depreender da leitura do texto legal acima transcrito, são muito poucas as matérias a serem alegadas pelo proprietário por ocasião da contestação, ficando a mesma restrita às alegações de vício no processo ou preço ofertado insuficientemente.

A contestação só poderá versar sobre matéria processual ou referente à ação e, no mérito, sobre o preço (Cf. Ernane Fidélis dos Santos, in "Manual de Direito Processual Civil", volume 3, pág. 182, 5ª edição, Saraiva, São Paulo/SP. 1997). Possível será, por exemplo, alegar-se defeito de representação, petição inepta, incapacidade de ser parte, falta de capacidade postulatória, e ainda carência de ação. O expropriado não poderá discutir sobre a conveniência ou oportunidade da desapropriação, ou seja, se ocorre realmente utilidade pública ou interesse social.


O ilustre professor Edilson Pereira Nobre Júnior, magistrado da Seção Federal do Rio Grande do Norte, em recente obra denominada "Desapropriação para fins de reforma agrária", Editora Juruá, Curitiba/PR, 1998, manifesta-se da seguinte maneira sobre a amplitude das matérias que pode utilizar o expropriado em sua contestação:

"Considerando tanto o fim do processo judicial de desapropriação, que é, em princípio, o de fixar o preço da compensação pecuniária devida ao particular, bem como a tradição legislativa (dl 3.365/41, art. 20 e dl 554/69, art. 9º), vê-se que a matéria de defesa deverá guardar nexo com o montante da indenização ou com vícios do processo. Oportuna aqui a advertência do Diógenes Gasparini no sentido de que a expressão vício do processo comporta certa amplitude para compreender não só o procedimento desenvolvido em juízo, mas também defeitos na fase declaratória, como falta de competência ou a caducidade. Pelo referido autor todas as matérias do art. 301 do CPC podem ser articuladas pelo expropriado."

O decreto de utilidade pública ou de interesse social, embora, na sua forma, não apresente defeitos, poderá, quanto à substância, estar nulo. É o caso da inexistência de motivos, onde não haja, por exemplo, nenhuma calamidade que a desapropriação vai socorrer (art. 5º, "c", Dec. Lei n.º 3.365/41), ou do desvio de finalidade, abertura de estrada de exclusivo interesse particular. Em casos tais, o processo não comporta a matéria onde se discute a desapropriação, podendo o interessado, se assim o entender, socorrer-se das vias ordinárias (por vias ordinárias entenda-se todos os procedimentos possíveis que não sejam o da desapropriação, como a ação comum, o mandado de segurança, quando o direito for líquido e certo, logicamente, ou então a ação popular e assim em diante), para cassar o ato maculado.

Caso já tenha ocorrido a incorporação do imóvel à Fazenda Pública, seja Municipal, Estadual ou Federal, com o registro do mandado de transcrição no Cartório de Imóveis competente, só será possível ao expropriado buscar perdas e danos, estando frustadas quaisquer outras medidas de cunho reivindicatório. Para se precaver contra esse inconveniente, passou-se a admitir a proposição de medida cautelar, com vistas a sustar o andamento da desapropriação enquanto não decidido definitivamente o feito onde sua nulidade é questionada.

O professor Fidélis dos Santos, em obra já mencionada, analisa as possibilidades de suscitação de falta de interesse para a instauração do processo, que estaria dentro do elenco dos vícios do processo, permitido pelo artigo 20 do citado decreto lei n.º 3365/41, in verbis:

"Quando o decreto de utilidade pública estiver formalmente nulo, há falta de interesse para a instauração do processo, porque o nulo, não gerando efeitos, não pode dar margem a qualquer iniciativa de desapropriação judicial. Nulo, por exemplo, seria o decreto sem motivação, o que fosse baixado por autoridade incompetente (o município desapropriando terras situadas em outras circunscrição é um exemplo), o que não estivesse rigorosamente dentro dos limites do poder expropriatório dos concessionários, dos estabelecimentos públicos e dos de função delegada, ou ainda quando referidos decretos não obedecessem aos requisitos da lei (art. 4º). Falece também interesse ao desapropriante que se fundamenta em decreto caduco, sem renová-lo (lei n.º 3.365/41, art. 10, e lei n.º 4.132/62, art. 3º)." (Negrito acrescido)

Os nossos tribunais, a despeito de permitirem que o objetivo da expropriação seja impugnado, segundo o já citado professor Edilson Nobre Júnior, cit. pág. 171, excluem tal exame dos próprios autos da desapropriação. A decisão do Tribunal Regional Federal da Quinta Região, no julgamento do AI n.º 11.424-SE, DJ de 06/11/97, que teve como relator o Dr. Rogério Fialho Moreira, a seguir transcrita, corrobora tal posicionamento:

"Agravo de instrumento. Ação de desapropriacão. Decisão que concede imissão de posse initio litis. Alegação de invalidade do ato expropriatório por haver desconsiderado desmembramento anterior do imóvel. Presentes os requisitos do art. 6º da lc 79/93, o juiz fica obrigado a conceder a imissão liminar, que é imposição legal, e não ato discricionário do magistrado. Os vícios do ato expropriatório não são argüíveis nos próprios autos da ação de desapropriação, onde se discute apenas o quantum indenizatório. Agravo improvido." (Destacou-se)

O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça (apud Celso Ribeiro Bastos, in "Curso de Direito Administrativo", pág. 231, Saraiva, São Paulo/SP, 1994) também vêm decidindo da mesma forma, conforme se pode ver dos extratos a seguir colacionados:

"Se a desapropriação for ilegal, cabe mandado de segurança, ou com efeito restaurador, depois de iniciada a execução, ou com efeito preventivo, antes dela. Por outro lado, a ‘ação direta’ a que se refere o art. 20 da lei das desapropriações não exclui o mandado de segurança, pois o que caracteriza este remédio processual é o direito líquido e certo violado ou ameaçado por ato de autoridade." (STF – RDA 84/165)

"Administrativo. Ato administrativo. Moralidade. Exame pelo judiciário. – art. 37 da Constituição Federal. Desapropriação. Art. 20 do dl 3.365/41. É lícito ao poder judiciário examinar o ato administrativo sob o aspecto da moralidade e do desvio de poder. Com o princípio inscrito no art. 37, a Constituição Federal cobra do administrador, além de uma conduta legal, comportamento ético. O art. 20 do dl 3.365 permite que, em ação direta, o poder judiciário examine qualquer questão relativa à desapropriação." (1ª Turma do STJ, REsp 21.923-5-MG, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros.)

Inobstante tal posicionamento maciço da jurisprudência quanto à impossibilidade de discussão do interesse público na ação desapropriatória, vem crescendo uma corrente sustentando a sua possibilidade, uma vez que sua vedação seria inconstitucional. O professor Rubem Nogueira, um dos seus baluartes, em obra intitulada "controle judicial das desapropriações por interesse público" (RDP 30/05) defende veementemente tal posicionamento.

O referido professor sustenta que "de pouco ou nada vale permitir a revisão da legitimidade da desapropriação por interesse público mediante ação direta (fora do regime expropriatório), se não fica assegurada a preservação final do bem atingido pelo ato nulo. A lei só permite, na fase judicial da expropriação, a impugnação do preço oferecido ou a denúncia de vício da expropriação, e ainda veda a reivindicação do bem incorporado à fazenda pública, mesmo em havendo nulidade processual. Por onde se vê que, não admitindo a discussão dos pressupostos constitucionais da desapropriação, o legislador comum despoja o direito de propriedade de sua garantia constitucional, o que deve abrir a instância judicial do controle de constitucionalidade dos atos legislativos." (cit. págs. 8/10)

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O já citado professor Edilson Nobre Júnior (cit. págs. 173 e 174), tratando de tal particular, discorre sobre os seguidores recentes da referida corrente, abordando as razões de tal posicionamento:

"Mais recentemente, Celso Antônio Bandeira de Melo e Carlos Ari Sunfeld inclinaram-se pela possibilidade de tal apreciação ser feita na própria expropriação. O último dos autores, vale citar, foi mais além. Pôs a questão não somente quanto ao art. 5º, XXXV, da lei máxima vigente, porquanto, a princípio, a franquia da intervenção judiciária estaria satisfeita com a possibilidade de propositura de ação direta, mas em conformidade com o item liv do mesmo artigo, ao condicionar a perda da propriedade ao devido processo legal, o qual, por inexoravelmente abarcar o contraditório e a ampla defesa, não mais admite que a lei sonegue ao expropriado a oportunidade de, no processo de bem ou direito, que é o expropriatório, questionar a existência da utilidade pública ou do interesse social." (Destacou-se)

O mencionado professor Carlos Ari Sunfeld (apud Edilson Pereira Nobre Júnior, ob. cit. pág. 174, nota 25) sustentando a inconstitucionalidade dos artigos 9º e 20 do decreto lei n.º 3.365/41, e ainda que qualquer matéria pode ser argüida em sede de contestação, diz que "não basta assegurar-se ao interessado a apreciação judicial de sua inconformidade. É preciso fazê-lo no bojo do processo expropriatório. A correção desta assertiva resulta, com toda evidência, de cotejos dos incs. XXXV e LIV do art. 5º do texto constitucional. O primeiro garante o exame judicial de qualquer lesão ou ameaça a direito; o segundo, como se expôs, exige o devido processo legal para a decretação da perda da propriedade. Em virtude daquele, qualquer lesão a direito provocada por uma desapropriação ilegal já seria suscetível de apreciação do poder judiciário. O segundo dispositivo quer mais do que isto: quer o exame judicial das eventuais lesões a direito do expropriando no processo de desapropriação. Desta maneira, não basta garantir-se a apreciação jurisdicional fora dele. Contudo, os arts. 9º e 20 do dec. Lei 3.365/41, dispõem que a contestação não pode versar senão sobre os vícios do processo judicial e o valor da indenização, sendo defeso ao judiciário decidir, no processo de desapropriação, se se verificam os casos de utilidade pública. A jurisprudência já afirmara, à luz do ordenamento constitucional anterior, a possibilidade de exame dessas questões, desde que fora da ação expropriatória. A constituição de 1988, porém, exige a alteração deste entendimento, para admitir-se, na própria ação de desapropriação, o exame da validade da declaração de utilidade pública ou interesse social e de qualquer outro item que possa influir na improcedência da ação. Os referidos arts. 9º e 20, se já não estavam em desconformidade com a constituição anterior, sem qualquer dúvida não foram recepcionados pela carta de 1988. Destarte a contestação pode abranger qualquer matéria útil à defesa do expropriando, inclusive a validade da declaração de utilidade pública ou interesse social." (Destacou-se)

Mais adiante, o magistrado potiguar, mostrando-se simpatizante de tal corrente, pondera:

"Além do fator não positivo da perda material do bem antes do julgamento da ação direta de nulidade, esvaziadora do conteúdo desta, a não admissão da contestação do interesse público na própria desapropriação contribuíra para a multiplicação de processos perante o judiciário, pois haverá a necessidade, na maioria dos casos, de serem intentadas uma ação ordinária e outra de natureza cautelar."


Como se pode depreender de toda a exposição aqui ofertada, o tema guarda certa controvérsia, de forma que se pode afirmar que seguramente o caminho mais aconselhável, por enquanto, é seguir as regras contidas no decreto lei n.º 3.365/41, e ater-se tão-somente aos vícios do processo e impugnação do valor ofertado, em sede de contestação. Outrossim, é inegável a plausibilidade dos argumentos tecidos pelos defensores de uma contestação abrangente, de forma que é bastante razoável a previsão de que os tribunais pátrios, em pouco tempo, comecem a adotar tal posição, abrindo as possibilidades de matérias a serem abordadas na contestação em ações de desapropriação.

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Sobre o autor
Bruno Lacerda Bezerra Fernandes

advogado em Natal (RN), assessor jurídico da Câmara Municipal de Acari (RN), especialista em Processo Civil pela UFRN.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES, Bruno Lacerda Bezerra. A contestação na ação de desapropriação:: possibilidades de abordagens. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 37, 1 dez. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/478. Acesso em: 25 dez. 2024.

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