Algumas normas fundamentais do Novo Código de Processo Civil

30/03/2016 às 19:59
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Análise de algumas normas fundamentais do Novo Código de Processo Civil

O novo código de processo civil nem entrou em vigência, mas já se tornou o assunto mais comentado no “mundo jurídico”. Isso decorre justamente do grande número de alterações e mudanças vislumbradas no seu texto. Não seria o novo CPC um código de processo civil de 1973 reformado. Seria, sim, um novo código.

Como um dos pontos mais mencionados, dentre as novidades existentes, está a existência das normas fundamentais, na Parte Geral do Código de Processo Civil de 2015.

A própria denominação normas fundamentais já indica uma série de elementos importantes. Serviria, por exemplo, para direcionar a interpretação das demais normas.

Primeiramente, traz a denominação NORMAS, o que já prevê a existência, nesse capítulo, tanto de REGRAS, quanto de PRINCÍPIOS. Normas que, seguindo o entendimento de Robert Alexy, seriam o significado de enunciado normativo[1], numa modalidade deôntica, conforme o conceito semântico adotado pelo autor,

Sendo as normas reconhecidas como uma regra ou um princípio, elas expressam o que deve ser.  

Assim, a parte Geral do Novo CPC, relacionada ao capítulo I, é formada por uma série de regras e princípios considerados fundamentais pelo legislador.

O termo “fundamental” que adjetiva a palavra “norma” poderia ser justificada por diversas razões. Em uma, “Fundamentais”, porque se refeririam a uma série de direitos fundamentais, previstos no texto constitucional e transcritos no corpo do novo código para reafirmá-los. Assim, pode-se mencionar:

Art. 3° Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito (inciso XXXV, art. 5° da CF - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.

Art. 4° As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa (inciso LXXVIII, art. 5° da CF - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

Art. 8° Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência (Art. 37 da CF - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte.

Art. 9° Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida (inciso LV, artigo 5° da CF - LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Mas, poderiam ser fundamentais, porquanto se referem a normas que servirão de base e de embasamento, de norte propulsor, para compreensão das demais normas do desse mesmo código. Daí a sua posição na parte geral e daí a sua importância e fundamentalidade para o estudo do Novo CPC. Não será mais possível uma interpretação de uma norma do Novo CPC, sem que sejam consideradas as regras e os princípios da sua parte geral.

Como primeira norma prevista na Parte Geral, no capítulo das normas fundamentais, estaria o Art. 1° que prevê que o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código.

A presente norma poderia não vir escrita, pois mesmo assim deveria ser observada. É notório que a Constituição da República é a lei fundamental do país e que, por isso, deve ser observada por todas as demais normas (leis, sentenças, contratos, atos administrativos) produzidas no território brasileiro. No entanto, como bem lembrado pelo professor Fredie Didier, seguindo a doutrina de Marcelo Neves, a presente norma teria um cunho simbólico relevante: firma uma premissa de que não se pode pensar o processo distante das previsões constitucionais.

Pela doutrina de Marcelo Neves, todas as normas (salvo aquelas com sentido matemático, estipulando prazo, por exemplo) tem uma função simbólica, mas não seriam, automaticamente, uma norma simbólica. Uma legislação seria, sim, simbólica, quando o seu efeito simbólico, decorrente do texto normativo, fosse mais latente do que a sua função de regular as relações com força coercitiva.

Logo, seria a norma do artigo 1° muito mais simbólica do que coercitiva, visto que as normas ali previstas já estão previstas na Magna Carta da República. E, por isso, o descumprimento da previsão do art. 1° do novo CPC, não representaria uma violação à uma norma federal, passível de recurso especial (inciso III, art. 105 da CF - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência), mas, sim, violação a um regra constitucional, sendo passível de propositura um recurso extraordinário (inciso III, art. 102 da CF- julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição).

Não é possível deixar de mencionar que as normas fundamentais, mencionadas na parte geral, não estão apenas nesse capítulo, mas também espalhadas ao longo do diploma processual.

Dentre as normas fundamentais, a previsão do artigo 8° das normas fundamentais no Novo CPC, chama atenção.

O artigo 8 prevê a seguinte norma:

Art. 8° Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência (Art. 37 da CF - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte.

Pela simples leitura do texto, é possível se recordar de outra norma, prevista no art. 5° da antiga lei de introdução ao código civil. Prevê a referida norma:

Art. 5° Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Decreto-Lei n°4.657, de 4 de setembro de 1942).

Embora a simples leitura do art. 8° do Novo CPC remeta a previsão do art. 5° da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, há um ponto a ser destacado:

Art. 8°. Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum (parte 01).

Art. 5° Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

 Na previsão do novo CPC (art. 8°), o legislador afirma a necessidade do juiz, ao aplicar o ordenamento jurídico, atender aos fins sociais e as exigências do bem comum. Ou seja, a redação do artigo 8° é mais ampla do que a do art. 5° da LIDB que só previa a aplicação da Lei.

É natural que uma norma elaborada e promulgada num regime ditatorial (Decreto-Lei 4657/1942, lei de introdução ao direito brasileiro), considerasse a LEI como a mais relevante fonte do direito, afinal o Brasil vivia a ditadura Vargas e a ditatura da lei. Hoje, não mais há como considerar a lei como única fonte de direito, visto que muitas outras fontes foram revistas, reformuladas e ajustadas à sua devida posição.

A própria redação do art. 4° (Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito) da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro, ao indicar as fontes do direito, possivelmente utilizadas pelo juiz nos casos de lacuna, impõe uma ordem que considera legítima: 1. Lei; 2. Analogia; 3. Costumes; 4. Princípios gerais do direito.

Pela leitura do enunciado normativo das duas normas, teria havido uma revogação da lei de introdução? O tema “Revogação” também é regulamentado no mencionado decreto-lei:

Art. 2° Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.     

§ 1° A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.

A previsão do art. 8° amplia a previsão do artigo 5°, ao considerar que o que o juiz deve aplicar é o ORDENAMENTO JURÍDICO e não apenas a LEI. O conceito de LEI e o próprio termo legalidade vem sendo também ampliado pela doutrina, suplantando o conceito estrito e vinculado unicamente a lei em seu sentido formal (ato produzido por processo legislativo, conforme os modelos e regras previstos na CF).

O conceito de legalidade, hoje, inclui não apenas as leis em seu sentido formal, mas também as outras fontes do direito, que possivelmente poderiam ser aplicadas pelo magistrado (lei, constituição, resoluções do CNJ e do CNMP, precedentes judiciais, normas administrativas e contratos). A legalidade reduzida meramente à lei é característica de um modelo antigo de processo, pois, como já visto, no neoconstitucionalismo há readequação de novas e relevantes fontes do direito.

Assim, o termo “lei”, previsto no artigo 5°, deve ser interpretado de modo a estender, a esse conceito de lei, o conceito atual de legalidade. Haveria, portanto, uma reconstrução, pelo Novo Código de Processo Civil, do princípio da legalidade.

Seguindo essa “reconstrução”, o Código de Processo Civil de 2015, reforça a importância dos princípios e isso é verificável através de uma simples análise das suas normas componentes.

A valorização dos princípios decorre de um novo modo de reconhecer e enxergar as normas jurídicas de um ordenamento, tendo como principal enfoque o reconhecimento da força normativa da constituição federal. A constituição deixou de ser “um repositório de promessas grandioloquentes, cuja boa vontade dependeria da boa vontade do legislador e dos governantes de plantão”[2] e tornou-se a norma fundamental de todo ordenamento jurídico. Norma, portanto, que deveria ser observada por todas as normas vigentes ou em elaboração no país.

E essa “simples” alteração de postura (troca da lei pela constituição como norma fundamental do ordenamento), provocou uma verdadeira revolução, já que que o Estado deixou de ser legislativo para ser um Estado Constitucional.

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A valorização dos princípios e o seu reconhecimento como norma, é estudada por Robert Alexy, no seu livro sobre a Teoria dos Direitos Fundamentais. Em sucinta afirmação, o autor alemão afirma que “tanto regras quanto princípios são normas, porque ambos dizem o que deve ser[3] e, indo além, afirma que “para a teoria dos direitos fundamentais, a mais importante diferenciação teórico-estruturais é a distinção entre regras e princípios”[4]. Ou seja, conhecer princípios, reconhecê-los como norma e diferenciá-los das regras será o mais importante ponto para compreensão de uma teoria dos direitos fundamentais que, por sua vez, vem a ser o núcleo do direito constitucional moderno.

Diante de toda essa mudança de postura e consequente alteração da organização do ordenamento jurídico pátrio, o processo civil não poderia se manter inerte a tudo isso. Daí a denominação, que alguns autores adotam para essa nova fase do processo, Neoprocessualismo, em resposta ao Neoconstitucionalismo, já que utilizaria o processo “para destacar a importância que se deve dar aos valores constitucionais protegidos na pauta dos direitos fundamentais na construção e aplicação do formalismo processual”.[5]

O NCPC, formulado já sob a égide do denominado Neoprocessualismo, adotou as suas premissas básicas:

  1. “Reconhecimento da força normativa da Constituição” (art. 1° O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código).
  2. “Desenvolvimento da teoria dos princípios, de modo a reconhecer-lhes eficácia normativa: o princípio deixa de ser técnica de integração do Direito e passa a ser uma espécie de norma jurídica” (Art. 8° Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência (Art. 37 da CF - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte).
  3. “Transformação da hermenêutica jurídica, com reconhecimento do papel criativo e normativo da atividade jurisdicional” (Art. 140.  O juiz não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico; § 2°, art. 489 No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão).[6]

A previsão do §2° do art. 489 do NCPC, tomada de exemplo de norma neoprocessual, decorre, justamente, da teoria trazida por Robert Alexy e que traz ao enfoque a diferenciação entre regras e princípios e sua relevância para o direito constitucional. As regras e princípios seriam normas, sendo cada um deles espécies do gênero norma. A diferença entre essas duas espécies de normas decorreria de uma questão qualitativa e não de uma questão de grau de generalidade.

As regras seriam as normas aplicadas à maneira tudo ou nada. “Dado os fatos que uma regra estipula, então a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão”[7].  

Já os princípios seriam normas “que ordenam que algo seja realizado na maior medida do possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes”. Seriam, assim, mandamentos de otimização[8]. Sendo mandamentos de otimização, não haveria conflitos entre princípios, mas, sim, uma colisão dentro de um determinado caso. E para solução desses casos caberia ao magistrado agir, conforme a previsão do §2° do art. 489 do NCPC: justificar o princípio que, naquele caso, tem um maior peso e, então, fundamentando sempre a sua conclusão, através da razoabilidade e ponderação.

Dentre os diversos princípios que compõem a estrutura normativa do novo código, o princípio do contraditório sofreu uma releitura que já vinha sendo desenvolvida pela doutrina nacional e estrangeira, tendo sido já incorporada a alguns códigos.

Regulamentando uma norma processual, a Constituição Federal previu em seu art. 5° o princípio do contraditório. No inciso LV, prevê que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

O princípio do contraditório foi previsto pela primeira vez no texto constitucional ainda em 1937, mas se limitava apenas como garantia ao processo penal. Apenas em 1988, o contraditório estendeu-se ao processo civil, trabalhista, administrativo e, até mesmo, aos processos não jurisdicionais.

Mas qual seria o conteúdo do contraditório? Na linha de entendimento de Antônio do Passo Cabral[9], o contraditório abarbaria não só o conhecimento dos atos processuais praticados ou pendentes de realização, como também a possibilidade de pronunciamento a respeito.

Cândico Dinamarco[10], na sua conceituação, prevê o contraditório como uma garantia, imposta pela Constituição, destinada ao legislador para que esse conceda os meios para participação dos litigantes no processo e permita ao juiz como franqueá-los. Mas, também, “que o próprio juiz deve participar da preparação do julgamento a ser feito, exercendo ele próprio o contraditório”. Daí a dupla destinação do princípio do contraditório.

A visão dialética do processo, mencionada e explicitada por Carlos Alberto Álvaro de Oliveira[11], torna mais evidente a importância do contraditório como meio de garantir a participação dos interessados no iter de formação do provimento. A dinâmica dialética do processo caracterizaria a “possibilidade de intervir de forma não episódica e, sobretudo, de exercer um conjunto de controles, reações e escolhas, bem como a necessidade de se submeter aos controles e reações alheias”. Desse modo, continua o autor, o processo não seria um monólogo, mas um diálogo, uma troca de propostas: um intercâmbio de ações e reações.

A relação do contraditório com as partes não gera muitas dúvidas: o contraditório seria formado pelo binômio informação-reação, embora “com a ressalva de que, embora a primeira seja absolutamente necessária sob pena de ilegitimidade do processo e nulidade de seus atos, a segunda é somente possível”[12].  

Diante do neoprocessualismo, na sua vertente de que ao juiz caberia uma atitude criativa e normativa, a doutrina, encampada por diversos autores como Antônio do Passo Cabral, Candido Rangel Dinamarco e outros, prevê que o contraditório também deve ser direcionado ao Juiz. A mudança de postura do magistrado se coaduna com o novo modelo de processo, visto que a solução do conflito e o andamento processual interessam ao Estado e não somente as partes.  

Por isso, o juiz não deve atuar como mero espectador, mas com ativismo, de acordo com o ordenamento jurídico nacional. Deve atuar como um sujeito do contraditório, semelhantemente as partes processuais.

Assim, “a participação que a garantia do contraditório impõe ao juiz consiste em atos de direção, de prova e de diálogo”[13]. A direção do processo seria realizada através do impulso oficial, caracterizado, aqui, “como desdobramento da participação que a garantia do contraditório impõe ao juiz, quer que ele determine e realize os atos necessários independentemente de requerimento das partes”[14].

Em relação aos atos de prova, o ativismo se concretiza com uma postura ativa do juiz, autorizando que ele tome iniciativa diante da necessidade de um meio probatório não requerido pelas partes. Haveria, assim, uma mitigação do princípio do dispositivo.

Por fim, com relação aos atos de diálogo, o magistrado deve compreender o caráter dialético do processo e seu processamento como diálogo entre os sujeitos processuais. Não haveria monólogo, mas diálogo, onde todos participam. Desse modo e nesse entendimento, não poderia o juiz apoiar a sua decisão em fato não alegado pelas partes, sem que tenha aberto vista para que as mesmas se manifestem. Não poderia o magistrado promover a extinção do processo, sem que fosse ouvida as partes.

Esse entendimento já vem sendo adotado pelo legislador brasileiro na lei de execução fiscal (lei 6.830/1980). O parágrafo 4° do art. 40 determina que “Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.

“Mesmo a matéria que o juiz deva conhecer de ofício impõe-se pronunciamento apenas com previa manifestação das partes”[15], visto que, mesmo os temas passíveis de conhecimento de oficio, ampliam o  thema decidendum e, por consequência, exige a oitiva das partes para respeito ao princípio do contraditório.

Interessante que o legislador permite o reconhecimento de ofício da prescrição, mas, em respeito ao contraditório, exige a ouvida da Fazenda Pública.

Tal tema vem, agora, previsto também entre as normas do NCPC, comprovando, mais uma vez, a influência das normas constitucionais no legislador processual.

Art. 10.  O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

O núcleo do contraditório, no novo código de processo, estaria formado pela parte final do art. 7° (Art. 7o É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório), pelo artigo 9° (Art. 9o Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida) e pelo artigo 10° (Art. 10.  O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício). Apesar de pertencer ao chamado “núcleo do contraditório”, a norma prevista no artigo 10° seria uma regra e não um princípio.

Pelo conteúdo do princípio do contraditório, é possível afirmar a possibilidade de improcedência liminar do pedido (Art. 332.  Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar), sem que haja qualquer violação a este princípio.

Na improcedência liminar do pedido, o magistrado, ainda sem oitiva do réu, extingue o processo com análise de mérito, como, por exemplo, diante do reconhecimento de violação à precedente. Inicialmente, não se vislumbra uma violação ao contraditório, visto que, o autor tem pleno conhecimento da sua petição inicial e será ainda intimado da sentença que analisará liminarmente o mérito da causa.

Caso haja qualquer vício na decisão, inclusive utilização de fundamento desconhecido pelo autor, este poderá apelar e solicitar o juízo de retratação (§ 3° Interposta a apelação, o juiz poderá retratar-se em 5 (cinco) dias. § 4° Se houver retratação, o juiz determinará o prosseguimento do processo, com a citação do réu, e, se não houver retratação, determinará a citação do réu para apresentar contrarrazões, no prazo de 15 (quinze) dias).

No entanto, caso haja algum tipo de preparo ou custa para a interposição de apelação, a violação ao contraditório já poderia ser questionada, visto que a existência de custos reduz a possibilidade de manifestação.

Com relação ao réu, a citação será apenas para apresentação das contrarrazões, visto que a decisão de improcedência lhe é favorável, não havendo qualquer prejuízo o seu desconhecimento anterior da causa.


[1] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2012. p. 54.

[2] SARMENTO, Daniel. O neoconstitucionalismo no Brasil: riscos e possibilidades. Leituras complementares de Direito Constitucional – Teoria da Constituição. Marcelo Novelino (org.). Salvador: Ed. Juspodivm, 2009.

[3] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2012. p. 87.

[4] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2012. p. 85.

[5] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 16ª edição. Salvador: Editora Jus Podivm, 2014, p.33

[6] DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 16ª edição. Salvador: Editora Jus Podivm, 2014, p.29-30

[7] DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a sério. 2ª tiragem. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2011, p. 39

[8] ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. 2ª edição. São Paulo: Editora Malheiros, 2012. p. 91.

[9] CABRAL, Antônio do Passo. “O contraditório como dever e a boa-fé processual objetiva”. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2005, n. 126.

[10] DINAMARCO, Cândido. “O princípio do contraditório e sua dupla destinação”. Fundamentos do processo civil moderno. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, t. 1.

[11] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. “Garantia do Contraditório”. Garantias Constitucionais do Processo Civil. São Paulo: RT, 1999.

[12] DINAMARCO, Cândido. “O princípio do contraditório e sua dupla destinação”. Fundamentos do processo civil moderno. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, t. 1, p. 127

[13] DINAMARCO, Cândido. “O princípio do contraditório e sua dupla destinação”. Fundamentos do processo civil moderno. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, t. 1, p. 131.

[14] DINAMARCO, Cândido. “O princípio do contraditório e sua dupla destinação”. Fundamentos do processo civil moderno. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2001, t. 1, p. 132

[15] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro. “Garantia do Contraditório”. Garantias Constitucionais do Processo Civil. São Paulo: RT, 1999. p. 35

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Sobre o autor
Loan Kizzi Reina

Procuradora da Fazenda Nacional.<br>Mestranda em Direito na UFBA.<br>Especialista em Direito Processual Tributário.<br>Graduanda em Letras Vernáculas na UFBA

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Estudos desenvolvidos nas aulas de mestrado em direito público da UFBA

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