RESUMO
O presente estudo visa analisar, dentro do direito sucessório, a fiança e o princípio da igualdade. Ainda visa tratar do adiantamento de legítima e da possibilidade de prejuízo dos demais herdeiros, face a tal adiantamento. Utilizou-se a técnica de pesquisa bibliográfica, buscando uma interpretação dos textos legais e preceitos constitucionais.
Palavras-chave: Sucessão, Fiança, Princípio da Igualdade, Adiantamento de Legítima.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO; 2 SUCESSÃO; 2.1 Histórico; 2.2 Definição; 2.3 Regras de processamento do inventário, da partilha e da entrega dos quinhões; 3 FIANÇA; 3.1 Histórico; 3.2 Conceito; 3.3 Fiança no Código Civil de 1916 e no de 2002; 3.4 Fiança no Código Comercial; 4 O PAGAMENTO DA FIANÇA E O ADIANTAMENTO DE LEGÍTIMA; 4.1 Definição de adiantamento; 4.2 Formas de adiantamento; 4.3 A fiança paga e o adiantamento de legítima; 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.
1 INTRODUÇÃO
Esta monografia tem como finalidade apresentar uma análise sobre o princípio da igualdade aplicado no direito sucessório no que tange ao adiantamento de legítima. Serão também apresentadas as formas de adiantamento de legítima e abordados os institutos da fiança e da sucessão.
A respeito da sucessão, assim como da fiança, far-se-á um breve histórico através do qual se abordará como esses institutos foram tratados nas legislações, principalmente nacionais, ao longo da história.
O primeiro capítulo será destinado ao instituto da sucessão. Discorrer-se-á sobre o histórico, definições e procedimentos adotados dentro deste instituto, como as regras de inventário e partilha.
No segundo capítulo estará concentrado o instituto da fiança, sendo abordado seu histórico e principais características.
Após o estudo destes dois institutos, poder-se-á dar início ao tema proposto, qual seja, o adiantamento de legítima, sua definição, formas de adiantamento.
Posteriormente, centrar-se-á na discussão em torno das ocasiões em que um herdeiro usufrui bens ou direitos de seus ascendentes em detrimento dos demais, mais precisamente no que se refere ao adiantamento de legítima proveniente de fiança paga pelo ascendente em favor do descendente, sempre em detrimento aos demais. Isto ocorrendo, buscar-se-á demonstrar, pelo princípio da igualdade, que as garantias inerentes aos demais herdeiros devem ser asseguradas.
Por questão metodológica, tendo em vista a abrangência do estudo, a discussão ficará restrita ao adiantamento de legítima face o pagamento de fiança pelo ascendente, pois desta forma será possível uma abordagem mais precisa e pontual do tema proposto.
Com esse trabalho, pretende-se dar uma contribuição ao debate da aplicação do princípio da igualdade, concebido pela Constituição Federal, no escopo de melhor compreender o direito sucessório como uma garantia constitucional.
2 SUCESSÃO
2.1 Histórico
Neste capítulo discorrer-se-á sobre a Sucessão, destacando-se, além do seu histórico e conceitos, as regras de processamento e a entrega dos quinhões hereditários.
Quando se fala em direito sucessório, mister discorrer sobre algumas peculiaridades concernentes ao tema. Estudando sobre seu histórico, é possível desvendar algumas práticas utilizadas, no direito sucessório originário, por alguns povos, embora uma minoria.
A transmissão do patrimônio pelo de cujus "é instituição de grande antiguidade, encontrando-se consagrada, entre outros, nos direitos egípcio, hindu e babilônico, dezenas de séculos antes da Era Cristã". [1] Não por isso, devem-se fazer conclusões precipitadas sobre o tema, principalmente no que concerne ao instituto aplicado hodiernamente, mesmo porque, como se verá, teve e ainda tem este ramo do direito uma profunda transformação.
Se, de alguma forma na antiguidade, o direito sucessório era tido como prolongamento natural do organismo familiar, com a finalidade de preservação do culto religioso doméstico, de outra, teria relação com a idéia de co-propriedade familiar entre seus membros, ou seja, a propriedade comum dos bens por parte dos integrantes da família. A propriedade pertencia a todo um grupo de pessoas e não a um único indivíduo. Quando do falecimento de algum de seus integrantes, os restantes não recebiam a propriedade, mas sim continuavam na mesma, onde já se encontravam, porém com uma maior extensão de seus direitos.
Outro ponto no direito sucessório originário muito comum aos povos antigos era o direito à primogenitura e à varonia, que era seguido rigorosamente.
O primogênito varão tinha privilégios na sucessão, uma vez que a ele era dada a incumbência da continuidade do culto familiar, e assim, por conseqüência, ao agnado [2] era transmitida a propriedade da família. Vigorava desta forma entre eles o direito de primogenitura e varonia, ou seja, falecendo o cabeça do casal e este tendo filhos e filhas, o filho homem mais velho herdava a totalidade da herança. Quanto aos restantes, em nada participavam na herança, haja vista o interesse em perpetuar a propriedade a um ramo apenas da família.
"Modernamente, a desigualdade dos sexos em matéria sucessória subsiste apenas na Escócia, na Sérvia e no direito islâmico. Neste último, o herdeiro varão continua a receber porção correspondente a duas mulheres". [3]
Monteiro fala sobre algumas leis que traziam restrições ao direito de herdar por parte das mulheres. Dentre elas, destacam-se a Lei Sálica, a qual continha alguns dispositivos de lei civil, dentre eles o que impedia que as filhas herdassem terras. Usada por algumas dinastias européias para excluir as mulheres da sucessão ao trono. Citada lei permitia somente aos varões o direito de herdar a propriedade imobiliária. As mulheres eram excluídas da sucessão de bens imóveis. Já a Lei Vacônia, idealizada por Catão, que, no ímpeto de reprimir a independência das mulheres, fazia com que estas não tivessem capacidade passiva no testamento. [4]
Rodrigues explica o propósito "sui generis" destas diferenciações:
O direito de promogenitura e varonia, entretanto, perpetua-se em muitas civilizações, inspirado em outras razões de ordem política e social de considerável relevância. A primeira e principal delas é o propósito de manter poderosa a família, impedindo a divisão de sua fortuna entre os vários filhos. [5]
Rodrigues argumenta que a evolução do direito sucessório buscou alcançar a eqüidade entre os herdeiros. Hodiernamente, na maioria dos países, os herdeiros que se encontram no mesmo grau recebem partes iguais, não havendo descriminação entre eles. [6]
Ainda quanto à evolução histórica do direito sucessório, porém, numa trajetória para os dias atuais, destaca-se o instituto aplicado no direito feudal, o qual impunha que, quando da morte de uma pessoa, seus bens passavam ao poder do senhor feudal, o qual os repassava aos herdeiros do de cujus, recebendo, por isso, um tributo.
Esta forma de transmissão envolvendo terceiros resultou em abusos quanto ao valor e à forma como eram cobrados os referidos tributos, fazendo com que evoluísse para a idéia de que é o próprio de cujus que, à sua morte, repassasse seus bens aos sucessores, sem intervenção de terceiros, evitando-se, assim, a razão pelo qual se constituía o fato gerador do tributo.
Este sistema, denominado saisine, originado do direito feudal, foi, mais tarde, adotado no Código Civil francês de 1.804, conhecido como Código Napoleão, no qual a herança do de cujus é transmitida para seus sucessores no instante da sua morte.
Em decorrência desse princípio emprega-se a expressão "le mort saisit le vif", que significa "o morto dá posse ao vivo".
Tal princípio tem seus propósitos, uma vez que, com a transferência do patrimônio aos sucessores no exato momento da morte, subtrai-se a possibilidade de vacância do acervo hereditário.
O emprego da expressão saisine entre nós decorre de o seu conteúdo estar refletido no princípio contido no art. 1572 do Código Civil de 1916: "Aberta a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários". [7]
A mesma regra repete-se no art. 1.784 do atual Código Civil, porém com pequena variação: "Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros, inclusive testamentários". [8]
A referida variação dá-se quando se lê, no atual diploma legal, "a herança transmite-se", ao passo que a antiga disposição era "o domínio e a posse transmitem-se".
Embora, a rigor, a redação atual dê margem ao entendimento de que a expressão "a herança transmite-se" só se refira ao domínio, deve-se entender estarem ambas as hipóteses compreendidas naquele termo. Nada indica que se tenha abandonado o princípio da saisine, que se refere à transmissão da posse, princípio este reconhecido mundialmente e contra o qual nada se tem a dizer. [9]
Nesse sentido Monteiro leciona:
A existência da pessoa natural termina com a morte. Verificado esse evento, abre-se-lhe a sucessão. Desde o óbito, sem solução de continuidade, opera-se a transmissão da herança, ainda que os herdeiros ignorem o fato do falecimento. Antes da morte, o titular da relação jurídica é o de cujus; depois dela passa a ser o herdeiro, legítimo ou testamentário. E é o próprio defunto que investe o sucessor no domínio e posse dos bens hereditários. Esse princípio vem expresso na regra tradicional do direito gaulês le mort saisit le vif. Quer dizer, instantaneamente, independente de qualquer formalidade, logo que se abre a sucessão investe-se o herdeiro no domínio e posse dos bens constantes do acervo hereditário. [10]
A explicação para referida citação é dada pelo mesmo autor quando sustenta:
Se houver necessidade de recorrer aos interditos possessórios, ao inventariante, a quem cabe representar a herança em juízo, ativa ou passivamente (Código de Processo Civil, art. 12, V), compete requerê-los. Todavia, o herdeiro tem qualidade para promover ação possessória relativa aos bens do espólio. [11]
Verifica-se, assim, uma mudança substancial ocorrida ao longo dos tempos no que diz respeito a esse instituto.
A principal, e notadamente mais justa alteração verificada no direito moderno, encontra-se justificada pela incessante busca da igualdade e uniformização da transmissão hereditária.
Desta forma, procura-se acabar com privilégios entre herdeiros e, ao mesmo tempo, tornar sua aplicação idêntica em todo país, diferentemente do que ocorria no passado.
Mais recentemente, no que tange à capacidade para herdar, uma outra evolução pode ser verificada, pois, com o advento do novo Código Civil, em seu artigo 1.829, mais precisamente em seu inciso I, passou o cônjuge a figurar como herdeiro concorrente, desde que seja verificado antes o regime de casamento e a existência ou não de filhos.
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais. [12]
Assim, falecendo um dos cônjuges e tendo como regime de casamento a comunhão parcial de bens e, ainda, existindo bens particulares do de cujus, herdará o cônjuge supérstite em concorrência, no tocante a esses bens particulares tão somente, respeitando-se a sua meação.
2.2 Definição
No direito privado, a parte que regulamenta as relações jurídicas de uma pessoa após sua morte é chamada de Direito das Sucessões.
Antes de se ter uma definição para sucessão, necessário se faz definir o direito sucessório.
Venosa define o direito sucessório como sendo o instituto que "disciplina, portanto, a projeção das situações jurídicas existentes, no momento da morte, da desaparição física da pessoa, a seus sucessores". [13]
Beviláqua, citado por Santos, define o direito das sucessões como sendo "o complexo dos princípios, segundo os quais se realiza a transmissão do patrimônio de alguém que deixa de existir" [14]
Rodrigues, por sua vez, o define como "o conjunto de princípios jurídicos que disciplinam a transmissão do patrimônio de uma pessoa que morreu a seus sucessores". [15]
Desta forma, pode-se dizer que, ocorrendo a morte de uma pessoa, as regras que irão disciplinar a transferência de seu patrimônio a seus sucessores serão regidas pelo direito sucessório.
Saliente-se que o termo "patrimônio" tem um significado importante dentro do direito das sucessões, haja vista que, com a morte, o que será transferido para os sucessores são o passivo e o ativo da herança, respeitando-se, quanto ao passivo, após a partilha, as forças de cada quinhão hereditário. Daí porque não se utilizar a palavra bens.
Após estas definições, é possível conceituar o que vem a ser sucessão, pois essa expressão designa o objeto do direito sucessório.
O vocábulo sucessão, do latim successione, é definido como ato ou efeito de suceder; série, seqüência; hereditariedade; herança. [16] Nas palavras de Monteiro, sucessão é "o ato pelo qual uma pessoa toma o lugar de outra, investindo-se, a qualquer título, no todo ou em parte, nos direitos que lhe competiam". [17]
Entretanto, no direito sucessório, a definição é um pouco mais restrita, pois trata-se exclusivamente da transmissão do patrimônio do de cujus para as pessoas que a ele concorrem, diferentemente do que ocorre na sucessão em geral, em que uma pessoa sucede a outra, ou a esta é transmitido bens por ato inter vivos ou causa mortis.
É nesse sentido restrito que Diniz define sucessão como:
A transferência total ou parcial, de herança, por morte de alguém, a um ou mais herdeiros. É a sucessão causa mortis que, no conceito subjetivo, é o direito por força do qual alguém recolhe os bens da herança, e, no conceito objetivo, indica a universalidade dos bens do de cujus, que ficaram com seus direitos e encargos. [18]
No conceito objetivo, então, o patrimônio do de cujus é transferido, em sua totalidade, a seus sucessores no exato momento de sua morte, enquanto que no conceito subjetivo a sucessão refere-se ao direito que alguém tem de assumir a propriedade e a posse da herança.
2.3 Regras de processamento do inventário, da partilha e da entrega dos quinhões
Com a morte de uma pessoa, tem início a sucessão.
No Código Civil Brasileiro, o Direito das Sucessões divide-se em quatro títulos, quais sejam: da sucessão em geral, da sucessão legítima, da sucessão testamentária e do inventário e partilha.
No Título I estão contidas as normas referentes à sucessão testamentária e legítima, assim como dispositivos que regram a administração da herança, como aceitação, renúncia, vocação hereditária, herança jacente, pessoas legitimadas a suceder. Trata ainda da petição de herança assim como dos casos de indignidade. Esses dispositivos serão aplicados tanto na sucessão legal, quanto naquela decorrente da lei e na testamentária. [19]
O Título II tem uma importância especial, pois, ao tratar da sucessão legítima, vem abranger quase que a totalidade das sucessões, haja vista que, diferentemente da sucessão testamentária, é a sucessão legítima que mais se opera em nossos dias. Trata ainda este Título da ordem de vocação hereditária, da enumeração dos herdeiros necessários assim como da consagração do direito de representação. [20]
As normas referentes à sucessão testamentária, e à deserdação estão inseridas no Título III, que dispõe também das regras para testar. [21] Quanto a esses herdeiros, cumpre ressaltar a diferença existente entre eles e o legatário. O primeiro é aquele nomeado ou instituído por ato de última vontade e que, havendo parte disponível, recebe parte ideal da universalidade, porém, com a partilha, fica com seus direitos restritos aos bens que lhe foram indicados. Ele sucede o de cujus por testamento, quer total ou parcialmente.
Para o segundo, a coisa é determinada, ou seja, o legatário recebe coisa certa, concreta e individualizada, deixada a título singular, como, por exemplo, uma casa ou um carro.
Outra matéria de suma importância é a referida no Título IV que, além de disciplinar a forma como se darão o inventário e a partilha, enumera ainda as matérias referentes à colação e bens ou valores sonegados. [22]
Ressalta-se que nossa legislação admite a aplicação das duas formas de sucessão simultaneamente. Pode, desta forma, haver a sucessão testamentária (limitada a 50%) nos casos de existência de herdeiros necessários, conforme disposto no artigo 1.789 do Código Civil, ficando a estes assegurado sempre o direito de metade da herança (legítima) [23], segundo artigo 1.846 do Código Civil.
Não menos importantes são as matérias concernentes aos herdeiros, por serem parte inerente do assunto, e o nosso direito pátrio atribui ao herdeiro necessário e ao testamentário o direito para suceder.
Os herdeiros necessários estão assim dispostos no artigo 1.845 do Código Civil: descendentes [24], ascendentes [25] e o cônjuge [26].
Nossa legislação veda ao testador, na existência de herdeiros necessários, dispor de mais da metade do seu patrimônio. O Código Civil dispõe assim sobre esses sucessores: "Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima. [27]
No mesmo diploma legal, verifica-se a concorrência, que se dará, no caso de existência simultânea de herdeiros:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais. [28]
Embora já tratado no item 1.1, necessário se faz um aprofundamento sobre o referido artigo, mais precisamente sobre o inciso I, visto sua importância e notadamente por sua inovação com relação ao Código Civil de 1916.
A concorrência existente no artigo em questão está condicionada ao regime de bens adotado no casamento, quando da existência de descendentes do de cujus, pois, se esses não existirem, concorrerá o cônjuge supérstite com os ascendentes, seja qual for o regime.
Outrora, na falta de descendentes do de cujus, eram chamados à sucessão os seus ascendentes, que ficavam com toda a herança. Mas o Código Civil de 2002 inovou, determinando a concorrência dos ascendentes com o cônjuge sobrevivente. [29]
É certo que o estado condominial entre cônjuges e descendentes, ou ascendentes, é a regra, porém aponta o inciso I do referido artigo as hipóteses em que, tendo o autor da herança filhos, não surge o direito à concorrência com o cônjuge.
Assim, caso o regime de bens seja o da comunhão universal [30], o cônjuge sobrevivente tem direito à meação [31]. Caso seja o regime da separação obrigatória de bens [32], a própria lei veda a comunicação dos bens. Caso seja a comunhão parcial [33], desde que não restando bens particulares do de cujus, porém tendo ele deixado descendentes, não será o cônjuge supérstite considerado herdeiro.
Demonstrados os pontos dos procedimentos que devem ser seguidos em virtude da morte de uma pessoa, apresentada a nova posição que ocupa o cônjuge sobrevivente na linha de sucessão, abordar-se-á o processo de inventário e partilha, e a forma específica para seu trâmite.
A sucessão abrir-se-á no lugar do último domicílio do falecido. Este é o foro competente para o processamento do inventário (foro universal da herança), mesmo que o óbito tenha ocorrido fora do Brasil. Será, porém, o da situação dos bens, se o de cujus (autor da herança) não tinha domicílio certo, ou ainda o do lugar em que ocorreu o óbito, se, além disso, possuía bens em lugares diferentes. [34]
Frise-se, porém, que o direito, quanto à posse e ao domínio, concernente ao patrimônio deixado pelo autor da herança a seus sucessores, será indivisível até finalizar-se a partilha.
Para o processamento do inventário, é necessário apurar o patrimônio do de cujus, cobrar os créditos que por ventura existiam e pagar as suas dívidas. Deverão também ser demonstrados e avaliados os bens, assim como o pagamento do imposto "causa mortis" ou "inter vivos", quando cabível.
Um ponto importante sobre o processamento do inventário é que será sempre judicial, pouco importando se os envolvidos sejam ou não capazes e estejam ou não de comum acordo. [35]
Deverá ser requerido no prazo de 30 dias, a contar do falecimento do autor da herança, e estar encerrado dentro dos seis meses subseqüentes, podendo o juiz, por motivo justo, dilatar o prazo, dispondo assim o Código de Processo Civil:
Art. 983 - O inventário e a partilha devem ser requeridos dentro de 30 (trinta) dias a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos seis 6 (seis) meses subseqüentes.
Parágrafo único. O juiz poderá, a requerimento do inventariante, dilatar este último prazo por motivo justo. [36]
Não havendo requerimento para abertura do inventário no citado prazo, poderão os credores do de cujus, se houver, requerer a abertura, ou mesmo o juiz, de ofício, poderá determinar que se inicie.
Encontram-se nos artigos 987 e 988 do Código de Processo Civil as pessoas que têm legitimidade para requerer a abertura do inventário, enquanto, segundo o artigo 989, incumbe ao juiz o dever de determinar de ofício o seu início, quando ultrapassado o prazo e se nenhuma das outras pessoas legitimadas requererem:
Art. 987 - A quem estiver na posse e administração do espólio incumbe, no prazo estabelecido no artigo 983, requerer o inventário e a partilha.
Parágrafo único. O requerimento será instruído com a certidão de óbito do autor da herança. [37]
O artigo 988 do mesmo Diploma Legal complementa:
Art. 988 - Tem, contudo, legitimidade concorrente:
I - o cônjuge supérstite;
II - o herdeiro;
III - o legatário;
IV - o testamenteiro;
V - o cessionário do herdeiro ou do legatário;
VI - o credor do herdeiro, do legatário ou do autor da herança;
VII - o síndico da falência do herdeiro, do legatário, do autor da herança ou do cônjuge supérstite;
VIII - o Ministério Público, havendo herdeiros incapazes;
IX - a Fazenda Pública, quando tiver interesse. [38]
O artigo 989 do Código de Processo Civil traz uma exceção à regra do princípio da inércia da jurisdição, prevendo que seja determinado de ofício pelo juiz o início do inventário: "O juiz determinará, de ofício, que se inicie o inventário, se nenhuma das pessoas mencionadas nos artigos antecedentes o requerer no prazo legal". [39]
Da não observância do prazo para abertura do inventário, decorrerá multa, instituída pelo Estado como forma de sanção, e nesse sentido já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal através da Súmula 542: "Não é inconstitucional a multa instituída pelo Estado-Membro, como sanção pelo retardamento do início ou ultimação do inventário". [40]
Como já citado, o inventário constitui processo judicial de caráter contencioso e deve ser instaurado no último domicílio do autor da herança e é indispensável, mesmo que o falecido tenha deixado um único herdeiro. Neste caso não se procederá a partilha [41], segunda fase do procedimento da sucessão. Dar-se-á então desta forma a adjudicação dos bens ao herdeiro único mediante auto de adjudicação [42], em vez da partilha, que será lavrado no inventário.
O artigo 1.031 do Código de Processo Civil traz ainda outra forma de procedimento: poderão os herdeiros, quando maiores e havendo plena concordância de todos, efetuar a partilha amigável, que será homologada de plano pelo juiz mediante a prova de quitação dos tributos. Será também aplicável ao pedido de adjudicação, se houver herdeiro único.
No mesmo sentido, o Código de Processo Civil, em seu artigo 1.036, dispõe:
Quando o valor dos bens do espólio for igual ou inferior a 2.000 (duas mil) Obrigações do Tesouro Nacional - OTN, o inventário processar-se-á na forma de arrolamento, cabendo ao inventariante nomeado, independentemente da assinatura de termo de compromisso, apresentar, com suas declarações, a atribuição do valor dos bens do espólio e o plano da partilha. [43]
O arrolamento comum, como visto no artigo 1.036 do Código de Processo Civil, serve basicamente para o levantamento de pequenas quantias deixadas pelo de cujus provenientes de saldos bancários, ou mesmo para outorga de escrituras relativas a imóveis que, por ventura, foram vendidos em vida pelo autor da herança.
No que tange às dívidas do inventariado, será responsável por elas a herança, porém, no momento em que é feita a partilha, os herdeiros assumem esta responsabilidade, cada qual na proporção da parte que naquela lhe couber.
Durante o processo de inventário existem também alguns fatos que podem ocorrer, principalmente quando algum herdeiro ou o inventariante agir de má-fé.
A sonegação, por exemplo, é o ato pelo qual o inventariante ou algum herdeiro oculta bens que deveriam ser inventariados ou levados à colação.
Estará sujeito à colação tudo aquilo que o de cujus tiver despendido gratuitamente em proveito dos descendentes.
Subtraem-se, porém, gastos efetuados pelo autor da herança no que concerne às despesas efetuadas com casamentos, alimentação ou estabelecimento e colocação dos descendentes, na medida em que se harmonizem com os usos e com a condição social e econômica do inventariado.
Haverá também sonegação quando ocorrer omissão intencional na prestação das primeiras e últimas declarações, se houver bens ou valores por inventariar.
Pode ocorrer ainda a sonegação quando o herdeiro não indicar bens em seu poder, ou que saiba estar na posse de terceiros, ou ainda omitir os doados pelo de cujus.
Um dos procedimentos previstos no Código de Processo Civil para que não ocorra a desigualdade no que diz respeito à herança é a chamada colação, que vem a ser o ato no qual os herdeiros descendentes que concorrem à sucessão do ascendente comum declaram, no inventário, as doações que do de cujus em vida receberam, ou o inventariante, em suas declarações, assim também o faz para que desta forma sejam as mesmas conferidas, igualando-se, assim, à legítima entre os herdeiros.
Findo o inventário, será facultado às partes pelo juiz, para que, no prazo de 10 dias, formulem o pedido de quinhão. Em seguida, ele proferirá, no mesmo prazo de 10 dias, despacho de deliberação da partilha, resolvendo os pedidos das partes e designando os bens que devam constituir o quinhão de cada herdeiro e legatário. [44]
A partilha pode ser amigável ou judicial. Será amigável se resulta de acordo entre interessados, maiores e capazes. Será judicial se realizada no processo de inventário, quando não há acordo entre os herdeiros ou sempre que um deles seja menor ou incapaz.
Tais procedimentos dar-se-ão partilhando-se os bens entre os herdeiros e cessionários, entendendo-se por cessionário aquele a quem foram transferidos direitos hereditários por escrito público, a título gratuito ou oneroso, por parte de herdeiro. Separa-se ainda a meação do cônjuge supérstite.
Nos casos em que houver apenas um único herdeiro, a este será feita a adjudicação dos bens, oportunidade em que o herdeiro adquire o domínio e a posse dos bens, não em virtude da partilha, mas por força da abertura da sucessão.
A sentença que homologa a partilha retroage os seus efeitos a esse momento ("ex tunc"), ou seja, ao exato momento da morte do inventariado [45].
Os bens que, por qualquer razão, não foram objeto da partilha ficam sujeitos à sobrepartilha, que nada mais é do que uma complementação da partilha, destinada a suprir omissões desta. [46]
Assim, proposta a ação de inventário, resolvido qualquer ato de última vontade do de cujus, superadas quaisquer divergências por ventura existentes, recolhidos os impostos, pagas as dívidas e, por fim, julgada a partilha, caberá a cada um dos herdeiros o seu quinhão hereditário. É o que dispõe o art. 2.023 do Código Civil: "Julgada a partilha, fica o direito de cada um dos herdeiros circunscrito aos bens do seu quinhão. [47]
Desta forma se dará o formal de partilha sendo entregue aos mesmos os documentos dos bens que lhes couberem.