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A fiança paga como adiantamento de legítima

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31/01/2004 às 00:00
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3 FIANÇA

3.1 Histórico

Após a apresentação do histórico e dos conceitos sobre a sucessão, sobre as formas de processamento, tanto do inventário como da partilha, e sobre a entrega dos quinhões hereditários, far-se-á, neste capítulo, um breve estudo sobre o instituto da fiança, uma vez que o mesmo também é objeto do presente trabalho.

"No direito romano, a palavra cautio (de cavere, guardar) designava todas as garantias que um devedor podia dar ao credor. Todas elas (sponsio, fidejussio, fidepromissio, mandatum, pecuniae, credentiae) vieram a fundir-se no moderno instituto da fiança". [48]

Tal instituto remonta a antiguidade e encontra-se inserido na Lei das XII Tábuas, em cujo número 7 da Tábua Primeira se lia: "O rico será fiador do rico; para o pobre qualquer um poderá servir de fiador". [49]

O Velho Testamento já fazia menção à fiança. Em Provérbios 6:1, constata-se: "Filho meu, se ficaste por fiador do teu próximo, se te empenhaste por um estranho". [50]

Vê-se, pois, não se tratar de um instituto recente.

No Brasil, antes mesmo de a legislação civil de 1916 tratar sobre o assunto, o Código Comercial de 1850 já disciplinava tal instituto. Os artigos 256/263 do referido Diploma Legal disciplinavam a matéria, seja quanto à capacidade das partes seja quanto aos princípios da sua aplicabilidade.

Com a entrada em vigor do novo Código Civil, porém, a matéria concernente à fiança, disposta na legislação comercial, não é mais aplicada. Houve a revogação expressa do citado instituto: Artigo 2.045, Código Civil/2002: "Revogam-se a Lei n º 3.071, de 1 º de janeiro de 1916 - Código Civil e a Parte Primeira do Código Comercial, Lei n º 556, de 25 de junho de 1850". [51]

Desta forma a fiança passou a ser regulada exclusivamente pelo Código Civil, pois a parte do Código Comercial que disciplinava a matéria (arts. 1º a 456) foi revogada.

3.2 Conceito

A fiança é uma garantia pessoal e sua definição legal encontra-se no artigo 818 do Código Civil: "Pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra." [52]

Pode-se dizer então que, no referido contrato, existe a confiança do credor em relação ao fiador, pois, mesmo sendo apenas uma garantia a mais, ele acredita que, caso não haja o adimplemento por parte do devedor principal, o fiador assumirá a responsabilidade de adimplir a obrigação. Há também a confiança do fiador em relação ao devedor, pois, se este não cumprir a obrigação assumida com o credor, aquele terá que cumprir.

Os conceitos apresentados pelos doutrinadores em nada se afastam da disposição legal. No entanto necessário se faz, para o presente estudo, apontar os vários entendimentos referentes à fiança, seja ela civil ou comercial [53].

Monteiro conceitua a fiança civil:

Obrigação acessória, que pressupõe, necessariamente, existência de outra obrigação principal, de que é garantia. Contrato unilateral; o fiador obriga-se para com o credor, mas este nenhum compromisso assume em relação àquele. Contrato oneroso em relação ao credor, mas gratuito, em regra, referentemente ao devedor; nem sempre, porém, pois há casos em que o afiançado remunera o fiador pela fiança prestada. [54]

Por sua vez, Rodrigues define a fiança como espécie do gênero garantia, e ocorre "quando terceira pessoa se propõe a pagar a dívida do devedor, se este o não fizer." [55]

Trata-se, pois, da garantia dada por uma pessoa de cumprir uma obrigação assumida por outrem [56]. Vê-se, assim, que, para sua existência, mister que haja um contrato/obrigação principal.

Nesse particular, outra questão deve ser abordada, qual seja a sua condição de contrato acessório.

Para que o contrato de fiança tenha existência, há que se ter um outro contrato, o qual aquela irá garantir. De outra forma a fiança será inexistente, pois o acessório segue o principal.

"Por força de sua condição de acessório a fiança segue o destino da obrigação principal, sendo nula se nula for a obrigação principal e extinguindo-se quando aquela se extingue". [57]

A onerosidade estipulada como obrigação do fiador não poderá ser superior à constante do contrato principal. Se o for, reduzido será o excesso, como dispõe o artigo 823 do Código Civil:

A fiança pode ser de valor inferior ao da obrigação principal e contraída em condições menos onerosas, e, quando exceder o valor da dívida, ou for mais onerosa que ela, não valerá senão até o limite da obrigação afiançada. [58]

Sobre os conceitos da fiança, importante ainda salientar que o que se está garantindo neste tipo de contrato é o adimplemento da obrigação de que resultou ou vai resultar a dívida. O que se busca, desta forma, para o credor é uma garantia acessória, de que será reavido o seu crédito perante o devedor principal.

Marmitt assim conceitua o instituto da fiança:

O contrato pelo qual um cidadão se obriga por outro, e perante o credor deste, a satisfazer determinada obrigação, na hipótese de o devedor não a cumprir no prazo fixado. A fiança envolve o cumprimento de obrigação convencional, oriunda de pacto escrito, e assegurada por terceiro, que responde pelo inadimplente. [59]

Nota-se, então, que, para existência de fiança, necessário se faz a presença de terceira ou mais pessoas que não pertencem à relação jurídica, mas que irão garantir o cumprimento da obrigação, pois "não é juridicamente possível que uma mesma pessoa seja, simultaneamente, devedora-afiançada e fiadora". [60]

Nesse sentido é o entendimento de Diniz quando aduz: "haverá contrato de fiança sempre que alguém assumir, perante o credor, a obrigação de pagar a dívida, se o devedor não o fizer". [61]

Ponto importante a destacar diz respeito a esta terceira pessoa que irá garantir a obrigação caso o devedor principal não cumpra. Na relação entre credor e fiador, necessário que o primeiro aceite o segundo [62], para que se configure o contrato de fiança. O mesmo não ocorre com relação ao devedor originário, uma vez que não importa a vontade deste [63] para que alguém figure como seu fiador.

Após as definições, resta demonstrado que a fiança civil é uma garantia acessória, prestada por pessoa que não pertence à relação jurídica, visando apenas complementar um contrato principal, de forma a dar maior segurança à parte credora, para que seja cumprido o que foi pactuado.

Por tratar-se de um contrato acessório, quando houver o adimplemento [64] ou outro motivo que venha extinguir o contrato principal, seja por nulidade do mesmo ou por vício, extinto estará o contrato acessório.

A seguir, algumas definições de fiança comercial que, embora tenha a mesma definição que a fiança civil (art. 818, CC/2002), haja vista o artigo 121 do antigo Diploma Comercial dispor que as regras e disposições do direito civil deveriam ser aplicadas aos contratos comerciais, em alguns momentos se diferem.

Fiança comercial: "se o devedor afiançado for empresário ou a obrigação afiançada tiver uma causa mercantil, embora o fiador não seja empresário. Será sempre solidária. O fiador não gozará do benefício de excussão ou do de ordem". [65]

Outro conceito de fiança comercial é dado por Marmitt, que em nada difere do acima citado:

A fiança comercial pressupõe que o afiançado seja comerciante, e que a obrigação afiançada se origine de causa comercial, inobstante não ser comerciante o fiador. Na fiança mercantil sobressaem, ainda, a característica da solidariedade e a inaplicação do benefício de ordem. [66]

Com essas definições, têm-se os principais pontos que diferem a fiança civil da comercial, que serão tratados em item próprio.

O primeiro ponto tem relação com as partes envolvidas no contrato; o segundo trata da causa que gerou a fiança, sendo ela mercantil, será a fiança mercantil/comercial. Há que se notar ainda que o princípio da solidariedade estará sempre presente na fiança comercial. Por fim, o benefício de ordem, não compreendido na fiança comercial.

3.3 Fiança no Código Civil de 1916 e no de 2002

Sob o ponto de vista conceitual, a fiança, disposta no atual Código Civil, em nada diverge da legislação anterior.

O Código Civil de 1916, em seu artigo 1.481, disciplinava que a fiança se daria quando uma pessoa se obrigasse por outra para satisfazer uma obrigação perante o credor dessa obrigação, caso não fosse esta adimplida pelo devedor principal.

No mesmo sentido, o Código Civil de 2002, no seu artigo 818, dispõe, com pequenas alterações gramaticais, que "pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra". [67]

As duas legislações também não divergem no que se refere à solenidade do negócio jurídico e à não admissão de interpretação extensiva [68]. Desta forma, para ter existência, necessário seja o contrato feito de forma escrita, não podendo também ser usada a analogia para serem ampliadas as obrigações do fiador, seja na abrangência ou duração [69].

Ainda no tocante à solenidade, vê-se uma alteração que merece destaque no Novo Código Civil.

A outorga uxória, prestada pelo cônjuge, na fiança, sofreu alteração importantíssima. Apesar de ser obrigatória nas duas legislações, na atual teve seus efeitos modificados quando da não utilização.

A jurisprudência era pacífica no sentido de que a inexistência da outorga uxória gerava a nulidade da fiança: "o art. 235, III, do CC, eiva de nulidade a fiança prestada pelo marido sem a respectiva outorga uxória." [70] E ainda:

Casado o fiador, impossível a prática do ato sem a concordância do cônjuge. A proibição legal é peremptória e a violação à regra gera nulidade da obrigação acessória. Não prosperou a doutrina de que a falta de outorga acarretaria apenas a isenção de responsabilidade da mulher, imputando-se a fiança na meação do marido. [71]

Assim, o contrato de fiança prestado por um dos cônjuges sem a outorga do outro tornava o ato nulo, não lhe surtindo os efeitos desejados. Ocorre, porém, que, com a vigência do novo Código Civil, tal posicionamento deverá ser alterado, visto que, pela própria disposição da lei, referido ato será anulável. "Art. 1.649. A falta de autorização, não suprida pelo juiz, quando necessária (art. 1.647), tornará anulável o ato praticado, podendo o outro cônjuge pleitear-lhe a anulação, até dois anos depois de terminada a sociedade conjugal" [72].

Cabe dizer que a nulidade do ato acarreta efeito ex tunc, ou seja, retroage desvinculando as partes desde o momento da prática do ato. Como conseqüência, desconstitui os efeitos jurídicos produzidos, resguardando, no entanto, os direitos de terceiros de boa-fé.

A anulabilidade aplica-se àquele ato que fere interesse particular, portanto não fere dispositivo de interesse público. No caso específico da fiança, o que se está visando é apenas o interesse patrimonial dos cônjuges, portanto, particular.

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De forma específica, sobre o artigo 1.647 acima citado, Nery Junior faz a seguinte citação: "O ato anulável, praticado por um dos cônjuges sem a autorização do outro, quando esta for necessária (CC 1647), pode ser objeto de confirmação". [73]

Desta forma, se o ato pode ser objeto de convalidação, como o próprio autor descreve, é anulável e não nulo.

O artigo 820 do novo Código Civil não sofreu alterações em relação ao antigo dispositivo civil. Foi acrescentado apenas, em sua parte final, a expressão "ou contra sua vontade", ficando assim disposto: "Pode-se estipular a fiança, ainda que sem consentimento do devedor ou contra a sua vontade." [74]

Da mesma forma, o artigo 821 da atual legislação em nada alterou-se com relação ao artigo 1.485 do antigo Código Civil. Ambas dispõem que só terá efeito para fiança a dívida/obrigação futura quando ela se fizer presente na obrigação principal, ou seja, quando ela passar a existir. Desse modo reforça a idéia de acessoriedade do instituto no sentido de que, se não originar a obrigação principal, resolver-se-á a fiança. [75]

Quanto aos limites da fiança, dispostos nos artigos 822 e 823 do novo Diploma Civil (1.486 e 1.487 do Código Civil/1916), também não foram objeto de alterações. Tais dispositivos tratam sobre os seus limites, caso em que o fiador, quando não limitada à fiança, responde também pelos acessórios da dívida principal. De outra forma, quando limitada, o fiador limita sua obrigação a valor e vencimento, tudo de sua responsabilidade.

O artigo 824 (1.488 do Código Civil/1916), dispositivo que trata da condição acessória da fiança, também não sofreu alteração e condiciona a validade da fiança à obrigação principal. Sendo esta nula, aquela assim será.

Com pequena alteração gramatical, o artigo 825 (1.489 do Código Civil/1916) dispõe sobre a mesma garantia dada anteriormente ao credor de recusar o fiador indicado pelo afiançado. Trata-se, pois, de relação entre fiador e credor.

Neste sentido, Rodrigues leciona:

Antes do contrato pode o credor recusar o fiador indicado, devendo o devedor provar a idoneidade do mesmo, se quiser obter que o juiz ordene sua aceitação. Após o contrato, pode o credor demandar a substituição do fiador, mas terá de provar que este se tornou incapaz ou insolvente. O ônus da prova varia conforme o caso. [76]

Da mesma forma, e sem alteração, o artigo 826 (1.490 do Código Civil/1916) trata da possibilidade auferida ao credor: em caso de insolvência ou incapacidade do fiador, poderá este ser substituído.

Sobre os efeitos da fiança, dispostos nos artigos 827 a 836 da atual legislação civil, não foram igualmente objeto de alteração.

No que se refere ao benefício de ordem, ou seja, a prerrogativa do fiador de ver primeiramente serem excutidos os bens do afiançado, disposto no artigo 827 do Código Civil (1.491 do Código Civil/1916), o que se vê na prática é a sua não utilização, já que, na maior parte, são os contratos redigidos com o disposto no artigo 828 do Código Civil (1.492 do Código Civil/1916) que subtrai do fiador prerrogativa disposta no artigo antecedente, que seria a de exigir que sejam primeiramente excutidos os bens do devedor principal. "Ora, obrigando-se como principal pagador, o fiador torna-se solidário do devedor principal, visto que o credor pode, desde logo, demandar dele o pagamento da dívida". [77]

A existência de mais de um fiador para a mesma dívida está disposta nos artigos 829, Parágrafo Único e 830 do Código Civil (1.493 e 1.494 do Código Civil/1916).

Tais artigos tratam da solidariedade [78] e da possibilidade de os fiadores poderem estipular responsabilidades para a obrigação que estão assumindo.

Desta forma, o artigo 829, primeira parte, dispõe: "A fiança conjuntamente prestada a um só débito por mais de uma pessoa importa o compromisso de solidariedade entre elas". [79] Neste primeiro momento, a legislação trata da solidariedade existente entre os fiadores. Assim, caso o afiançado venha a não adimplir sua dívida, ao credor socorre o direito de cobrar daqueles referida quantia. "Pode o credor, em caso de inadimplência do devedor principal, exigir de um, de alguns, ou de todos os fiadores o total da dívida." [80] Porém a parte final do mesmo artigo assim disciplina: "se declaradamente não se reservarem o benefício de divisão". [81] Neste ponto, observa-se a possibilidade, que deve ser expressa, existente para os fiadores que, desejando, estipulem a divisão da dívida, caso em que, ocorrendo a inadimplência e "estipulado este benefício, cada fiador só responderá pela parte que, em proporção, lhe couber no pagamento" (artigo 829, Parágrafo Único do Código Civil/2002). [82]

A divisão, como acima descrita, dar-se-á em proporções iguais. Tendo-se por base, v. g., uma dívida de R$100.000,00, com quatro fiadores, caberá a cada um a importância de R$25.000,00.

Afora o exemplo citado, por força do artigo 830 da atual legislação civil, poderão ainda os fiadores estipular limites para a fiança. Assim, sua responsabilidade perante o credor não se dará de forma proporcional aos demais fiadores, como descrito acima, mas sim, a um valor pré-estabelecido. No mesmo exemplo citado, se, incluída a cláusula de que um dos fiadores se obrigará por R$10.000,00, somente por este valor poderá ser demandado, importando aos demais o restante da dívida.

Os artigos 831 a 833 do atual Código Civil (1.495/1.497 do Código Civil/ 1916) disciplinam a sub-rogação do fiador em relação aos demais co-fiadores e ao afiançado, no caso de pagamento da dívida efetuado pelo primeiro.

O artigo 831 refere-se apenas ao pagamento integral da dívida. Em tal hipótese, surge para o fiador que paga a dívida, prerrogativa de cobrar do afiançado o valor integral, incluindo juros, mais perdas e danos que, por ventura, sofra em razão da fiança. Pode ainda demandar contra qualquer um dos co-fiadores, porém, nesta hipótese, a cobrança se dará por cota de responsabilidade de cada devedor solidário, haja vista existir a solidariedade entre os fiadores. Da mesma forma, ocorrendo a insolvência de um dos fiadores (artigo 831, Parágrafo Único do Código Civil/2002), aos restantes será repartida a quota da qual aquele era fiador.

Quanto à possibilidade de sub-rogação em pagamento parcial, observa-se: "a cláusula que ressalvar o direito de sub-rogação no que for pago, não condicionará a validade da fiança à possibilidade dessa sub-rogação, mas objetiva possibilitar a sub-rogação em pagamento parcial, não prevista no mencionado artigo." [83].

Para tanto, necessário se faz observar a previsão legal disposta no artigo 351 da atual legislação civil (990 do Código Civil/1916): "O credor originário, só em parte reembolsado, terá preferência ao sub-rogado, na cobrança da dívida restante, se os bens do devedor não chegarem para saldar inteiramente o que a um e outro dever". [84]

Desta forma, poderá existir a sub-rogação para pagamento parcial, ou seja, o fiador, pagando parte da dívida, poderá cobrar dos co-fiadores a quantia por ele paga, entretanto, se os bens do devedor não forem suficientes para saldar o débito, o credor tem preferência para cobrança do restante da dívida.

O fiador poderá, ainda, havendo inércia por parte do credor na execução iniciada em face do devedor, dar prosseguimento à mesma [85], "pois tem o fiador justo interesse em pôr termo à sua responsabilidade e em exigir que o resultado da ação seja logo apurado". [86]

Outra disposição que confere direito ao fiador para exonerar-se da obrigação encontra-se inserida no artigo 835 do Código Civil (art. 1.500 do Código Civil/1916).

Citado dispositivo assegura ao fiador, nos casos de fiança prestada por prazo indeterminado, e que garante negócio também por prazo indeterminado, a prerrogativa de desobrigar-se do encargo assumido. [87]

Acerca do assunto, Rodrigues esclarece: "isso raramente ocorre na prática, em que a responsabilidade do fiador é, em geral, exigida e assumida, enquanto perdurar a obrigação do afiançado". [88]

Ainda, no que concerne aos efeitos da fiança, o artigo 836 do Código Civil (art. 1.501 do Código Civil /1916), trata da obrigação dos herdeiros do fiador, que responderão pela fiança até a data da morte do fiador, mas seu valor não poderá ser superior ao da herança deixada.

A extinção da fiança, por motivos inerentes à sua própria natureza, encontra-se disciplinada na atual legislação civil nos artigos 837 a 839 (1.502 a 1.504 do Código Civil/1916).

Tratando-se de um contrato acessório, a fiança estará extinta com a extinção do contrato principal. Poderá, para tanto, o fiador opor suas próprias exceções [89] ou aquelas que competem ao devedor principal, desde que, no último caso, não sejam provenientes de incapacidade pessoal do mesmo. [90]

Para tanto a atual legislação civil, assim como a anterior, dispuseram sobre quatro casos em que o fiador ficará liberado da obrigação:

a) A moratória (expressa) concedida ao devedor pelo credor sem consentimento do fiador, "porque essa concessão poderá ter como conseqüência a diminuição das condições financeiras do devedor principal, cujos haveres já poderão ser insuficientes para suportar o direito regressivo do fiador". [91]

b) Quando, por fato do credor, o fiador não puder sub-rogar-se nos seus direitos e preferência. Sobre esta possibilidade auferida ao fiador, Rodrigues leciona:

O fiador, ao aceitar a fiança, não ignora a possibilidade de ser compelido a pagar a dívida afiançada. Mas, ao examinar essa perspectiva, decerto antevê a hipótese de sub-rogar nos direitos do credor, fato que naturalmente representa uma adequada possibilidade de reembolso. Se o crédito era garantido por fiança ou penhor, e o credor abriu mão da garantia pignoratícia, extingue-se igualmente a fiança, pois o fiador que resgatasse a dívida não mais seriam transferidos os direitos reais decorrentes do penhor, e com os quais aquele, legitimamente podia contar. [92]

c) Pode o fiador desonerar-se da obrigação. No caso de dação em pagamento, consentida pelo credor, e a coisa se tornar evicta. Assim, aceitando o credor coisa diversa daquela a qual garante o contrato acessório e vindo a mesma perecer, extingue-se a fiança.

d) Da mesma forma, ficará desonerado o fiador nos casos em que, utilizando-se do benefício de ordem, mantiver-se o credor inerte, de tal forma que impossibilite a cobrança futura por insolvência do devedor. Nesta hipótese, o fiador provará que, quando se utilizou do benefício, possuía o devedor, ao tempo da indicação, bens suficientes para a solução da dívida. [93]

3.4 Fiança no Código Comercial

Em 11 de janeiro de 2003, passou a vigorar o novo Código Civil com significativas alterações. No que concerne ao presente estudo, importante salientar a revogação expressa pela nova legislação civil da parte primeira do Código Comercial, Lei nº 556, de 25 de junho de 1850, incluídos os artigos 1º a 456, alguns já revogados anteriormente.

A fiança comercial, ou mercantil, estava disposta no Código Comercial em seus artigos 256 a 263. Revogada a parte primeira da citada legislação foram também revogados os artigos que disciplinavam tal instituto.

Não obstante o fato de referidos artigos já não fazerem mais parte do nosso ordenamento jurídico, importa, nesse momento, discorrer sobre as principais características e diferenças em relação à fiança civil. Como a fiança é parte inerente deste estudo, mister apresentá-las.

O artigo 121 do Código Comercial assim disciplinava sobre as regras para os contratos comerciais: "As regras e disposições do direito civil para os contratos em geral são aplicáveis aos contratos comerciais, com as modificações e restrições estabelecidas neste Código". [94]

No mesmo sentido, o Código Comercial, em seu artigo 428, sobre as obrigações comerciais, assim prescrevia: "As obrigações comerciais dissolvem-se por todos os meios que o direito civil admite para a extinção e dissolução das obrigações em geral, com as modificações deste Código". [95]

Tais modificações e restrições diziam respeito às partes envolvidas no contrato de fiança, assim como a obrigação assumida pelas mesmas e seus efeitos.

Para configurar-se como fiança comercial, a obrigação, objeto do contrato de fiança, teria que possuir natureza comercial, e da mesma forma ser comerciante o afiançado, mesmo não sendo o fiador comerciante. [96]

Como característica ímpar, a fiança comercial trazia consigo a solidariedade [97], não cabendo benefício de ordem, enquanto a fiança civil, como regra, é subsidiária [98].

FIANÇA COMERCIAL. CCOM-258. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. - Direito comercial. Fiança comercial. A fiança comercial gera obrigação solidária. Assim, se a massa falida do afiançado, pagando na moeda da falência, solveu apenas parte da dívida, o credor pode ir contra o fiador para haver deste o saldo. Inteligência do art. 258 do Código Comercial. [99]

No entanto, o artigo 261 do mesmo diploma permitia que o fiador exigisse a execução dos bens do devedor primeiramente, desde que desembaraçados.

Se o fiador for executado com preferência ao devedor originário, poderá oferecer à penhora os bens deste, se os tiver desembargados, mas, se contra eles aparecer embargo ou oposição, ou não forem suficientes, a execução ficará correndo nos próprios bens do fiador, até efetivo e real embolso do exeqüente. [100]

O que se nota, após essa leitura, é que, mesmo o fiador oferecendo à penhora os bens do devedor originário, teria sido ele, o fiador, executado em preferência do afiançado, e somente após, caso tivesse sido esta a vontade do credor, poderia aquele oferecer os referidos bens, não se tratando neste caso de benefício de ordem, que na fiança civil é a regra [101].

O fiador é sempre obrigado solidariamente com o devedor, pelo que não lhe é juridicamente possível invocar o benefício de ordem. Este instituto é exclusivo da fiança civil, e segundo ele primeiramente deve ser demandado o devedor principal. Em face desse predicado de solidariedade existente na fiança mercantil, não pode o fiador socorrer-se do benefictium excussionis [102], como exposto nos artigos 258 e 261 do Código Comercial. [103]

Outra diferença peculiar encontra-se em relação aos co-fiadores que, na fiança mercantil, respondem solidariamente pelo pagamento das obrigações [104], divergindo, portanto, da parte final do artigo 829, Parágrafo Único do Código Civil, que preconiza o chamado benefício de divisão, não previsto na lei comercial.

Art. 829 - A fiança conjuntamente prestada a um só débito por mais de uma pessoa importa o compromisso de solidariedade entre elas, se declaradamente não se reservarem o benefício de divisão.

Parágrafo único. Estipulado este benefício, cada fiador responde unicamente pela parte que, em proporção, lhe couber no pagamento. [105]

Assim, "a solidariedade implica também a ausência de invocar o benefício da divisão, existente na fiança civil." [106]

Por fim, cabe ainda falar sobre a vênia conjugal [107], mais especificamente, sua aplicação no instituto comercial. Não existe dispositivo expresso no Código Comercial sobre a necessidade de autorização por parte de um dos cônjuges para que o outro preste fiança.

Desta forma, poderiam ser utilizados os artigos 121 e 428 do mesmo Diploma Comercial, para adequar as regras a serem seguidas.

Sobre o assunto, Monteiro, citado por Marmitt, esclarece:

A respeito da fiança prestada por marido comerciante originou-se alguma divergência que em tal hipótese desnecessária seria a intervenção da mulher; mas, a melhor orientação doutrinária e jurisprudencial é aquela segundo a qual, ainda que o marido seja comerciante, nem assim lhe é lícito prestar fiança sem o expresso consentimento da esposa. O dispositivo civil é genérico, abrangendo toda e qualquer fiança, civil ou comercial. [108]

A vênia conjugal é necessária tanto na legislação civil como na comercial. Segundo já estudado, quando não presente o consentimento, será anulável a fiança prestada.

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Sobre o autor
Bóris Ceolin de Souza

Bacharel em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Bóris Ceolin. A fiança paga como adiantamento de legítima. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 209, 31 jan. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4784. Acesso em: 22 nov. 2024.

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