4 O PAGAMENTO DA FIANÇA E O ADIANTAMENTO DE LEGÍTIMA
4.1 Definição de adiantamento
Após o estudo dos institutos da sucessão e da fiança, da apresentação de suas características, dos aspectos históricos e, principalmente, da sua aplicabilidade em nossa legislação, discorrer-se-á, neste capítulo, sobre o adiantamento de legítima.
A forma proposta dar-se-á através do pagamento da fiança prestado pelo ascendente em benefício de um descendente. Este, não cumprindo a obrigação firmada com o credor, fará com que seu ascendente a cumpra, seja em processo de execução, seja com o efetivo pagamento em espécie também pelo ascendente, sempre em detrimento dos demais descendentes.
Assim, ao iniciar-se este capítulo, mister conceituar o que vem a ser adiantamento de legítima para, em seguida, serem apresentadas as formas como pode este adiantamento acontecer, e assim traçar-se um paralelo entre o instituto da sucessão e os direitos inerentes aos herdeiros.
Inicialmente poder-se-ia dizer que o adiantamento de legítima é o ato praticado por uma pessoa, que, em vida, transfere a um ou mais de seus herdeiros necessários, parte do seu patrimônio [109], o qual pudesse ser herdado (transmitido) após sua morte.
O artigo 544 do Código Civil, mesmo não conceituando o adiantamento de legítima de forma especifica, pois dispõe apenas sobre uma das formas que serão estudadas a seguir, nem por isso deixa de colaborar com o que se propõe neste momento, que é buscar uma definição sobre o assunto. Este é o artigo: "A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança". [110]
Em princípio cabe ressaltar que a própria legislação disciplina o adiantamento de legítima, como transcrito acima. Importa, ainda, fazer uma relação do citado artigo com o que foi dito sobre adiantamento de legitima.
Se a doação de ascendente a descendente ou de um cônjuge a outro, como o próprio artigo dispõe, é adiantamento de legítima, certo é também que, para a doação ocorrer, necessário que o objeto da mesma pertença a alguém.
Assim, se uma pessoa transferir parte de seu patrimônio, ainda em vida, a algum descendente [111], importará em adiantamento de legítima.
Tem-se, desta forma, que o adiantamento corresponde ao ato praticado por certa pessoa. Cabe agora definir aquilo que está sendo adiantado, ou seja, a legítima.
A definição de legítima, por sua vez, é encontrada na própria legislação civil em vigor, mais precisamente no artigo 1.846: "Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima" [112], ou seja, a legitima corresponde à metade do patrimônio que o inventariado possuía ao falecer.
Há que se ressaltar que citada definição é muito ampla, pois a herança consiste no patrimônio do de cujus há época da sucessão, e neste patrimônio poderão estar contidas obrigações ainda por cumprir ou já cumpridas, porém não descritas na herança.
Rodrigues traz uma definição singular de legítima:
Morto o de cujus, pagas as despesas de funeral e as dívidas do finado, divide-se o seu patrimônio em duas partes iguais. Uma delas constitui a quota disponível. À outra, adicionam-se o valor das doações recebidas do de cujus pelos seus descendentes, e que estes não tenham sido dispensados de conferir, e ter-se-á a legítima dos herdeiros necessários. [113]
Nota-se que a divisão se dará após a retirada da meação do cônjuge supérstite, obviamente quando casados pelo regime da comunhão universal de bens. [114]
Para o cálculo da legítima, deverá ser subtraído do valor apurado na abertura da sucessão [115] aquele proveniente de dívidas do de cujus. Deverão ainda subtrair-se os valores correspondentes às despesas com funeral, efetuar-se a retirada da meação do cônjuge supérstite, quando for o caso, para em seguida somar os valores sujeitos a colação [116]. Dessa forma obter-se-á o exato valor da legítima. [117]
Fica evidenciado assim que o adiantamento de legítima é o ato praticado por pessoa que, possuindo descendentes, a estes transfere, ainda em vida, parte daquilo que lhe poderia ser transmitido na forma de herança. A legítima, por sua vez, é o patrimônio, neste incluídos os bens e direitos ativos e passivos do de cujus, ainda que por ventura não tenham sido incluídos na herança. Neste caso, poderão os interessados peticionar para que sejam os mesmos conferidos [118].
4.2 Formas de adiantamento
O adiantamento de legítima pode acontecer de várias formas, porém a doação é a que ocorre com maior freqüência.
Muitas vezes, o doador, e mesmo o donatário, não sabem que está ocorrendo o adiantamento de legítima. Basta ser o donatário descendente do doador e que o objeto da doação tenha um valor expressivo, excetuadas as despesas efetuadas com casamento, alimentação ou estabelecimento e colocação dos descendentes, na medida em que sejam compatíveis com os usos e com a condição social e econômica do inventariado.
Uma vez ocorrendo a doação de ascendente para descendente, estará formalizado o adiantamento de legítima, e o objeto da doação deverá ser levado à colação, com exceção das despesas acima citadas.
A doação importa em adiantamento de legítima, e o Código Civil, ao disciplinar o assunto, assim dispõe: "Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança". [119]
O artigo 1.171 do Código Civil de 1916 assim disciplinava a matéria: " A doação dos pais aos filhos importa adiantamento da legítima". [120]
Nota-se, então, que ocorreu na atual legislação a inclusão da expressão "ou de um cônjuge a outro", mesmo porque o cônjuge, com a entrada em vigor do novo Diploma Civil, passa a ser considerado como herdeiro concorrente.
Outro ponto relativo ao adiantamento de legítima diz respeito à venda entre ascendentes e descendentes. Determinava o artigo 1.132 do antigo Código Civil que os ascendentes não poderiam vender bens aos descendentes, sem anuência expressa dos outros descendentes. Com alguma alteração, o atual Código Civil, em seu artigo 496, dispõe que é anulável a venda de ascendente a descendente, necessitando, para tanto, do consentimento expresso dos outros descendentes e do cônjuge do alienante.
Cria-se aqui outra inovação. Anteriormente era necessário apenas o consentimento dos demais descendentes. Hoje, pela nova redação, além deste consentimento, também o cônjuge há de consentir. Como anteriormente comentado, o cônjuge adquiriu "status" de herdeiro.
Ainda na mesma tendência, no que diz respeito ao contrato de troca, disciplinava o artigo 1.164, II do antigo Diploma Legal:
Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as seguintes modificações:
[...]
II - é nula a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimento expresso dos outros descendentes. [121]
O atual Código Civil dispõe sobre a mesma matéria em seu artigo 533, II, da seguinte forma:
Aplicam-se à troca as disposições referentes à compra e venda, com as seguintes modificações:
[...]
II - é anulável a troca de valores desiguais entre ascendentes e descendentes, sem consentimento dos outros descendentes e do cônjuge do alienante. [122]
Novamente a atual legislação cria a necessidade não só da anuência dos descendentes, como também do outro cônjuge.
As regras para o processamento das hipóteses de adiantamento de legítima encontram-se disciplinadas no Código de Processo Civil.
Os artigos 1.014 a 1.016 do Código dispõem sobre as colações, ou seja, sobre as normas processuais para se apurarem as respectivas cotas de cada um dos sucessores na herança, obrigando, assim, aos herdeiros que, por ventura, tiverem recebido algum tipo de doação, a conferir, por ocasião do inventário, igualando-se desta forma à legítima de cada herdeiro.
Dispõem ainda sobre as doações inoficiosas, aquelas que ultrapassam a metade disponível, atingindo, desta forma, a legítima, ou as que de alguma forma foram feitas irregularmente.
No que concerne ao pagamento das dívidas do espólio, as regras processuais estão determinadas nos artigos 1.017 a 1.021 do Código de Processo Civil. Disciplinam sobre a existência de credores por ocasião da morte do autor da herança. Dispõem sobre dívidas vencidas e vincendas, as formalidades para que estes credores se habilitem no inventário e a separação de bens para o devido pagamento.
No que se refere à partilha, seu julgamento, assim como sua anulação, é matéria disciplinada pelos artigos 1.022 a 1.030, todos do Código de Processo Civil. Da mesma forma, a partilha amigável (Artigo 2.015 do atual Código Civil) têm suas regras estabelecidas nos artigos 1.031 a 1.038 do Código de Processo Civil. [123]
4.3 A fiança paga e o adiantamento de legítima
Embora a temática não seja constante nas decisões dos tribunais, é questão importante entre aqueles que labutam na área do direito sucessório, notadamente em face do advento da Constituição Federal de 1988, que preconiza a igualdade como princípio basilar do direito e do novo Código Civil que, espelhado na Constituição Federal, traz dispositivos baseados naquele princípio.
O princípio da igualdade é o sustentáculo do Estado de Direito. A legislação civil brasileira, ao tratar das regras do direito sucessório, mais especificamente da colação, dá ênfase para sua efetiva aplicação, já que o mesmo não apenas rege o direito sucessório, mas sim serve de base para todo o direito.
É expressa a finalidade que o novo Código Civil, em seu artigo 2.003, busca quando dispõe sobre a colação:
A colação tem por fim igualar, na proporção estabelecida neste Código, as legítimas dos descendentes e do cônjuge sobrevivente, obrigando também os donatários que, ao tempo do falecimento do doador, já não possuírem os bens doados. [124]
No mesmo sentido é a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, citada por Darcy Arruda Miranda: "O instituto da colação destina-se à correção de desigualdade existente nas doações, jamais de desacertos praticados pelos donatários na infeliz administração ou aplicação dos bens doados". [125]
A desigualdade, por assim dizer, não é vocábulo utilizado no direito das sucessões, notadamente no que se refere aos herdeiros.
A Constituição Federal de 1988, linha mestra para o restante do ordenamento jurídico, acolheu o princípio da igualdade em sua máxima extensão. O artigo 5º, "caput", da Carta Política não deixa dúvida quanto a isso ao proibir que o mesmo seja maculado.
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [126]
Todos, afirma o texto constitucional, gozam de igualdade de direitos. Assim qualquer discriminação quanto ao gozo de direitos, seja entre nacionais e estrangeiros, é expressamente proibida pela Constituição.
Na verdade, a sua função é a de um verdadeiro princípio a informar e a condicionar todo o restante do direito. É como se tivesse dito: assegura-se o
direito de liberdade de expressão do pensamento, respeitada a igualdade de todos perante esse direito. [127]
A igualdade é o substrato da isonomia em todos os sentidos, "o mais vasto dos princípios constitucionais, não se vendo recanto onde ela não seja impositiva". [128]
Três são as limitações inerentes ao princípio da igualdade previstas pela Constituição e que abrangem todos os ordenamentos. A primeira é aquela direcionada ao legislador que, ao produzir as leis, deve fazê-las da maneira mais igualitária possível, evitando-se, assim, tratamentos diferenciados para àqueles a quem a lei é dirigida. A segunda está diretamente ligada ao aplicador do direito, ou intérprete, obrigando o mesmo a aplicar e lei com equação. Por fim, a igualdade é direcionada também ao plano particular, ou seja, existe a proibição de ações racistas ou discriminatórias. [129]
É inadmissível, que um cidadão seja lesado, estando nas mesmas condições de outro. Nesse particular, e sob o ponto de vista jurídico, ressalte-se que, em especial, o Poder Judiciário, no exercício de sua função jurisdicional de aplicar o direito ao caso concreto, deverá utilizar os mecanismos constitucionais no sentido de dar uma interpretação única e igualitária às normas jurídicas.
Nesta seara, cumpre discorrer sobre a doação feita em vida feita por ascendentes a um ou mais de seus descendentes. Embora já tratado nesse capítulo, no item "formas de adiantamento", o instituto da doação merece um aprofundamento, pois tem profunda ligação com o princípio da igualdade.
O princípio da igualdade, como se pode ver, tem como objetivo último a proteção aos cidadãos de alguma arbitrariedade cometida pelo legislador, pelo intérprete do direito ou pelo particular.
Desta forma, quando um herdeiro recebe alguma doação de seu ascendente, deverá levá-la a colação para que não ocorra prejuízo ou desigualdade entre os demais herdeiros. Aquele herdeiro necessário que recebeu, por ato de liberalidade e em vida, algum patrimônio, deve considerá-lo, levá-lo a colação, ou o valor correspondente a este patrimônio ao processo de inventário [130], a fim de que não receba nada além do que for destinado aos demais.
Nesse sentido, Gomes, citado por Miranda, leciona: "descendente que houver recebido doação de ascendente deve conferi-la, se concorre à sua sucessão com herdeiros da mesma classe. A essa conferência indeclinável denomina-se colação". [131]
A referida colação deve acontecer sempre que não tenha ocorrido a dispensa da mesma pelo doador, isto quando estiver se tratando da parte disponível, mesmo porque, quando se tratar da parte indisponível, impossível ocorrer a dispensa. Assim, "pode o doador determinar que saiam de sua metade os dotes ou doações que fizer, caso em que ficam eles dispensados da colação, contanto que não excedam essa metade". [132]
Tratar o objeto da doação como patrimônio, serve para abranger não apenas os bens existentes, mas sim tudo aquilo que possa o de cujus possuir ao tempo de sua morte, seja o ativo ou o passivo ou ainda direitos que, se vivo fosse, pudesse reclamá-los. O dispositivo contido no atual Código Civil para definir a doação também utiliza a expressão patrimônio: "Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra". [133]
Quando tratou-se de fiança, civil ou comercial, pôde-se observar o direito conferido ao fiador que, quando realiza o pagamento no lugar do afiançado, por este não ter cumprido com sua obrigação, ficaria sub-rogado nos direitos do credor para exigir do devedor originário tudo aquilo que tivesse despendido para a quitação do débito.
Esta sub-rogação é um direito; logo, esse direito é patrimônio do fiador. Assim sendo, quando da sua morte, para seus herdeiros será transmitido.
Quando, porém, a fiança é prestada pelo ascendente a um descendente, deve, no momento oportuno (inventário), trazer a colação o valor que por ventura seu ascendente despendeu para o pagamento da obrigação. É o que se observa com a interpretação a contrário senso do artigo 2.010 do atual Código Civil:
Não virão à colação os gastos ordinários do ascendente com o descendente, enquanto menor, na sua educação, estudos, sustento, vestuário, tratamento nas enfermidades, enxoval, assim como as despesas de casamento, ou as feitas no interesse de sua defesa em processo-crime. [134]
Ou seja, não estando abrangidos esses gastos, deverão ser levados a colação. Os gastos citados neste artigo já foram objeto de estudo no capítulo sobre sucessões. Há, porém, que se ressaltar o que leciona Miranda ao estudar o artigo 2.002. Esclarece que, embora o citado dispositivo só faça referência à doações, deverá ser interpretado com certa amplitude. "Assim, as quantias, com que os pais solvem gratuitamente as dívidas do filho, devem ser computadas na sua legítima". [135]
Fica evidente, com os ensinamentos de Miranda que, se, por algum motivo, o pai paga dívida de um filho, deve este no inventário apresentar referido valor para que seja descontado de seu quinhão hereditário. Se assim não fosse, estaria ferindo o princípio da igualdade, visto que a lei assim dispõe [136].
Nota-se, ainda, que a doação de ascendente para descendente se opera com previsão legal, ficando, porém, condicionado o retorno dela ao monte para divisão entre os outros herdeiros [137]. Não será, portanto, violação a um ato jurídico perfeito, pois existe restrição na origem aquisitiva, ou seja, na essência do ato.
Valer-se-á ainda, para o presente estudo, de artigo publicado por Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior que, no caso de um ascendente prestar algum tipo de garantia para seu descendente, se este não o cumprir, poderá ter bens executados:
Deste modo, se o devedor principal não cumpre com sua obrigação, o bem dado em garantia responderá pela dívida, podendo excutir o bem em hasta pública, após o devido processo de execução judicial. Assim, poderá um ascendente garantir a dívida de um descendente, hipotecando, empenhando, ou dando em anticrese um bem seu. Isso porque essa garantia pode ser prestada pelo próprio devedor, ou por terceiros. Neste diapasão, um bem do ascendente poderia ser dado em garantia da dívida de um descendente. Em não sendo honrada a dívida, este bem garantidor poderia ser excutido. Ter-se-ia, então, a perda de parte da propriedade do ascendente, em favor de apenas um descendente. Isso, ao nosso sentir, feriria a legítima dos demais herdeiros. [138]
O autor refere-se à desigualdade da legítima nos casos de garantia real dada pelo ascendente que, ao garantir dívida de um descendente, e este não cumprir com sua obrigação, faz com que seu ascendente a cumpra, sob pena de ser o bem dado em garantia excutido.
O raciocínio não se distancia do que se pretende com o presente estudo, uma vez que, mesmo não se tratando de garantia real, poderá haver execução dos bens do ascendente que prestou fiança a um descendente.
Neste caso, quando o descendente, afiançado por ascendente, não cumprir com a sua obrigação, seu ascendente irá cumpri-la sob pena de, após o processo de cobrança iniciado pelo credor, ver seus bens serem executados, tantos quantos forem necessários para o pagamento do valor afiançado.
Esta redução do patrimônio do ascendente sem dúvida alguma estará prejudicando os demais herdeiros, haja vista que é sobre o total do patrimônio deixado pelo ascendente que será obtida a legítima.
Assim, sendo um imóvel executado para pagamento de dívida ou o mesmo valor pago em dinheiro, estar-se-á reduzindo do monte a ser dividido entre todos os herdeiros. Relembre-se que essa redução, como posta aqui, ocorrerá sempre que o doador (ascendente) não fizer menção expressa para que o valor não seja objeto de colação, pois se assim o fizer, estará sendo reduzido da parte disponível de sua herança. [139]
De outro modo, sem registro de que referidos valores não necessitam conferência, terão os mesmos que serem colacionados por ocasião do inventário.
Tal exigência encontra suporte não apenas na Constituição Federal, mas na finalidade do próprio instituto da sucessão que, hoje, diferente do direito sucessório originário [140], busca a igualdade entre os herdeiros, sem discriminação de sexo [141], legitimidade de filiação [142] ou qualquer forma de benefício concedido a um herdeiro em detrimento dos demais.
A Constituição Brasileira de 1988, ao dispor sobre o princípio da igualdade, estabeleceu, conseqüentemente, regras para o restante das legislações pátrias. "É óbvio, contudo, que as próprias leis civis estão sujeitas integralmente ao princípio da igualdade". [143]
É certo também que a igualdade a qual se busca com a Constituição é aquela auto-aplicável, ou seja, a não existência de normatização para que seja ela aplicada. O Tribunal Pleno do STF já decidiu:
O princípio da isonomia, que se reveste de auto-aplicabilidade, não é – enquanto postulado fundamental de nossa ordem político-jurídica – suscetível de regulamentação ou de complementação normativa. Esse princípio – cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público – deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios. [144]
Desigualdade, discriminação são termos que não se conjugam com a justiça, com o que se busca com o direito. Desta forma não podem ter aplicação também no direito sucessório.
Quando o ascendente servir de fiador para descendente, e este não pagar a obrigação, fazendo com que o primeiro pague, ocorrerá, via de regra, a diminuição de patrimônio do ascendente. Esta diminuição do patrimônio do ascendente deverá ser recomposta. O ato de liberalidade feito pelo ascendente ao descendente tem regras próprias que devem ser seguidas.
O que ocorreu foi uma doação de patrimônio de ascendente para descendente e, quando não houver dispensa de colação, deverá, na hora oportuna, ser o patrimônio subtraído, conferido sob pena de sonegação, como dispõe o artigo 1.992 do novo Código Civil:
O herdeiro que sonegar bens da herança, não os descrevendo no inventário quando estejam em seu poder, ou, com o seu conhecimento, no de outrem, ou que os omitir na colação, a que os deva levar, ou que deixar de restituí-los, perderá o direito que sobre eles lhe cabia. [145]
É, sem dúvida, uma forma de aplicação do princípio da igualdade. Um herdeiro que tenha recebido doação do seu ascendente deverá conferi-la caso seu ascendente não o tenha dispensado. Assim, a doação recebida somar-se-á à massa sucessória para posterior divisão entre todos os herdeiros, não ocorrendo diferenciações entre eles.
Rodrigues, ao citar Gonçalves, aponta a presunção de que o de cujus assim o queria, "pois é justo presumir que o autor da herança dedicava a todos os seus descendentes igual afeto, não havendo razão para distinguir entre uns e outros, se não fez expressa menção". [146]
Da mesma forma leciona Monteiro, afirmando ser objetivo do ascendente manter a igualdade de tratamento em relação aos filhos. [147]
Por fim, aplicando-se a igualdade na produção de leis, e principalmente na aplicação ou interpretação das mesmas pelo magistrado, não havendo diferenciação para aqueles que estão sob a mesma condição, ter-se-á a implementação e a consolidação do princípio norteador do direito.