A suspensão dos direitos políticos, o crime de estupro de vulnerável e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.

A suspensão dos direitos políticos e o Estatuto da Pessoa com Deficiência.

14/04/2016 às 16:04
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EMENTA: 1.1.Suspensão dos direitos políticos e a perda da capacidade civil. 1.2. A incapacidade civil absoluta no Código Civil. 1.3. A suspensão dos direitos políticos e o Estatuto da Pessoa com Deficiência. 1.4. A impossibilidade jurídica do absolutament

A suspensão dos direitos políticos, o crime de estupro de vulnerável e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência.

EMENTA: 1.1.Suspensão dos direitos políticos e a perda da capacidade civil. 1.2. A incapacidade civil absoluta no Código Civil. 1.3. A suspensão dos direitos políticos e o Estatuto da Pessoa com Deficiência. 1.4. A impossibilidade jurídica do absolutamente incapaz exercer direitos sexuais. 1.5. A impossibilidade jurídica do absolutamente incapaz exercer o direito de voto. 1.6. Uma conclusão razoável.

1.1.        Suspensão dos direitos políticos e a perda da capacidade civil

Preconiza o artigo 15 da Constituição Federal que:

É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de:

II - incapacidade civil absoluta;

A segunda causa de suspensão dos direitos políticos é a perda da capacidade civil. A capacidade civil é condição para aquisição e manutenção da capacidade política.

Verificando-se hipótese de incapacidade civil absoluta, dentre as previstas na lei civil, suspensa ficará a cidadania enquanto perdurar aquela.

1.2.        A incapacidade civil absoluta no Código Civil

As latitudes da incapacidade civil absoluta constam do Código Civil de 2002, que, em seu artigo 3º, enumera:

I – os menores de 16 anos;

A primeira hipótese não repercute na esfera eleitoral, dado que possui esta uma idade própria, como marco inicial da capacidade política, facultativamente, a partir dos dezesseis anos.

II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;

Segundo ensinamento dos Professores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, as pessoas que padeçam de doença ou deficiência mental, que as torne incapazes de praticar atos no comércio jurídico, são consideradas absolutamente incapazes.

A incapacidade deve ser oficialmente reconhecida por meio do procedimento de interdição, previsto nos arts. 747 a 758 do Novo Código de Processo Civil (Lei nº 13.105, de 16.03.2015 – DOU 17.03.2015).

A doutrina admite, ainda, uma incapacidade natural, quando a enfermidade ou deficiência não se encontra judicialmente declarada.

É bom lembrar ainda que, declarada judicialmente a incapacidade, não são considerados válidos os atos praticados pelo incapaz, mesmo nos intervalos de perfeita lucidez. Essa observação é necessária, considerando a existência de graves doenças mentais que se manifestam apenas ciclicamente.[1]

Observe que a incapacidade civil absoluta, nesta hipótese, enseja prévia decisão de interdição com trânsito em julgado. Portanto, o juiz, ao decretar a sentença de interdição, deve determinar que, “após o trânsito em julgado da sentença, comunique-se à Justiça Eleitoral, com o escopo de suspender os direitos políticos do interditado”.

Portanto, a consequência será o imediato lançamento no nome do interditado no sistema “ASE” do cartório eleitoral com o objetivo de efetivar a suspensão dos direitos políticos.

III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir a sua vontade.

Ainda segundo os mestres acima referidos, são considerados absolutamente incapazes aqueles que, sem serem portadores de doença ou deficiência mental, encontrem-se em estado de paralisia mental total ou temporária.

É o caso do dependente de tóxico que, sem haver evoluído ainda para um quadro clínico, esteja sob o efeito do entorpecente, que o priva totalmente de discernimento. Também pode estar nessa situação o ébrio eventual.

O caráter temporário e a impossibilidade total de expressão da vontade são, simultaneamente, elementos essenciais para a configuração dessa forma de incapacidade absoluta. Se há patologia reconhecida ou definitividade na limitação, vai-se estar diante da hipótese do inciso II. Se, por outro lado, embora permanente a patologia, o discernimento é apenas reduzido, mas não suprimido, será verificado a hipótese de incapacidade relativa prevista no art. 4º, II, do CC/2002.

Gagliano e Pamplona afirmam que:

Com a nova disciplina legal, a ausência passará a figurar em capítulo próprio, e os surdos-mudos impossibilitados de manifestar vontade deixam de figurar no rol de absolutamente incapazes, sem prejuízo de estarem em uma das três situações do art. 3º do novo Código. O que se fez, nesse particular, foi excluir a surdo-mudez, por si só, como causa autônoma de incapacidade, sem vedar, obviamente, a possibilidade de seu enquadramento nas hipóteses mais genéricas previstas.[2]

Maria Helena Diniz apresenta exemplos do caso em comento: “O dispositivo legal contempla como exemplo os seguintes casos: surdo-mudez por falta de educação adequada, perda de memória, deficiência física e outras causas temporárias”.

1.3.        A suspensão dos direitos políticos e o Estatuto da Pessoa com Deficiência

      A Lei nº 13.146/2015 instituiu a norma Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), destinada a assegurar e a promover, em condições de igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania.

     Dispõem os artigos 6º e 85 da supracitada lei:

Art. 6º  A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:

II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;

Art. 85.  A curatela afetará tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial.

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§ 1º  A definição da curatela não alcança o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio, à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto.

        Da leitura apressada dos dois artigos supracitados, poderíamos concluir que a norma Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência autoriza o absolutamente incapaz a exercer direitos sexuais e a exercer o jus singuli (direito de votar).

1.4.        A impossibilidade jurídica do absolutamente incapaz exercer direitos sexuais

        O absolutamente incapaz não pode “exercer direitos sexuais” porque segundo o § 1º do artigo 217-A do Código Penal, comete o crime de estupro de vulnerável quem praticar conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com pessoa que por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, in verbis:

“Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”.

1.5.        A impossibilidade jurídica do absolutamente incapaz exercer o direito de voto

            O absolutamente incapaz não pode exercer o jus singuli porque:

a)    Segundo o artigo 15 da Constituição Federal, a incapacidade absoluta gera suspensão dos direitos políticos, in casu, haverá incidência direta no jus honorum (direito de ser votado) e jus singuli (direito de votar).

b)    Haveria atentado contra três características principais do voto, a saber:

     Primeiro:  Voto é secreto.

       O voto não é identificado, apenas o eleitor se identifica na lista de presença, ou seja, o escrutínio é secreto, pois a escolha do candidato somente é do conhecimento do votante (via de regra, o escrutínio se realiza numa cabine indevassável). Destarte, o que caracteriza realmente o voto secreto não é que ele seja somente fechado, mas o tornar sempre, obrigatoriamente, desconhecido. Deverá ser punido quem tentar conhecer o voto do cidadão, por qualquer meio, a não ser que o próprio eleitor o declare espontaneamente.

    Segunda: Pessoalidade.

     Como decorrência da primeira característica, o voto só pode ser exercido pessoalmente. Não há possibilidade de se outorgar procuração para votar ou que o curador votar no lugar no curatelado.

    Terceira: Livre manifestação de escolha.

     O eleitor é livre em seu ato de manifestação e não pode ser constrangido a escolher determinado candidato. Como respaldo nesta livre manifestação o eleitor pode até ter a faculdade de “votar em branco ou anular seu voto”. A livre manifestação de escolha pressupõe que o cidadão tenha algum discernimento para efetivar o processo de escolha.

  

1.6.        As conclusões razoáveis e possíveis

        Entendemos que os artigos 6º (exercer direitos sexuais e reprodutivos) e o 85 (exercer o direito de votar) da Lei nº 13.146/2015 instituiu a norma Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência), relacionam os direitos que pode ser livremente exercido pelo deficiente “relativamente incapaz” que tenha o necessário discernimento para a prática do ato, quais sejam, os incapazes descritos nos incisos II e III do artigo 4º do Código Civil, in verbis:

São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:

II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;

III - os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;

        Insta ainda acentuar que:

a)    Segundo os incisos III (os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos) e IV (os excepcionais sem completo desenvolvimento mental) do artigo 1.767 do Código Civil, os deficientes relativamente incapazes, estão sujeitos a curatela.

b)    Como a nova disposição da curatela afeta tão somente os atos relacionados aos direitos de natureza patrimonial e negocial, o juiz ao decretar a interdição, deve o juiz ao proferir a sentença declarar expressamente a incapacidade eleitoral do interditado.

c)     Definido pela nova lei que a deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa exercer direitos sexuais, o estupro de vulnerável só pode ocorrer quando a deficiência mental, causa para a vítima a absoluta impossibilidade de não ter discernimento para a prática do ato sexual, destarte, a vulnerabilidade não é absoluta, devendo ser aferida por meio de perícia.

[1]     GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de Direito Civil. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 97-8.

[2]     Ibid.

ATENÇÃO: Os leitores do Jusnavigandi têm desconto especiais nos livros do autor:

  1. Direito Criminal – Parte Material (Tomo I).
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  3. Manual de Prática Eleitoral.
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Sobre o autor
Francisco Dirceu Barros

Procurador Geral de Justiça do Estado de Pernambuco, Promotor de Justiça Criminal e Eleitoral durante 18 anos, Mestre em Direito, Especialista em Direito Penal e Processo Penal, ex-Professor universitário, Professor da EJE (Escola Judiciária Eleitoral) no curso de pós-graduação em Direito Eleitoral, Professor de dois cursos de pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal, com vasta experiência em cursos preparatórios aos concursos do Ministério Público e Magistratura, lecionando as disciplinas de Direito Eleitoral, Direito Penal, Processo Penal, Legislação Especial e Direito Constitucional. Ex-comentarista da Rádio Justiça – STF, Colunista da Revista Prática Consulex, seção “Casos Práticos”. Colunista do Bloq AD (Atualidades do Direito). Membro do CNPG (Conselho Nacional dos Procuradores Gerais do Ministério Público). Colaborador da Revista Jurídica Jus Navigandi. Colaborador da Revista Jurídica Jus Brasil. Colaborador da Revista Síntese de Penal e Processo Penal. Autor de diversos artigos em revistas especializadas. Escritor com 70 (setenta) livros lançados, entre eles: Direito Eleitoral, 14ª edição, Editora Método. Direito Penal - Parte Geral, prefácio: Fernando da Costa Tourinho Filho. Direito Penal – Parte Especial, prefácios de José Henrique Pierangeli, Rogério Greco e Júlio Fabbrini Mirabete. Direito Penal Interpretado pelo STF/STJ, 2ª Edição, Editora JH Mizuno. Recursos Eleitorais, 2ª Edição, Editora JH Mizuno. Direito Eleitoral Criminal, 1ª Edição, Tomos I e II. Editora Juruá, Manual do Júri-Teoria e Prática, 4ª Edição, Editora JH Mizuno. Manual de Prática Eleitoral, Editora JH Mizuno, Tratado Doutrinário de Direito Penal, Editora JH Mizuno. Participou da coordenação do livro “Acordo de Não Persecução Penal”, editora Juspodivm.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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