De uns tempos para cá a Justiça do Trabalho vem sendo assolada por um tsunami de ações onde se pede indenização pela “perda de uma chance” na obtenção de um emprego. O argumento é sempre o mesmo. O sujeito diz que atendeu a um classificado de jornal ou da internet ou teve seu currículo selecionado e iniciou um processo seletivo em busca do emprego. Lá um dia, sem mais nem outra, a empresa interrompeu o processo de admissão e não lhe deu o emprego esperado. Dizendo-se humilhado e padecendo de “intensa dor moral”, lá vem o pedido de indenização.
O máximo que poderia ser pedido em casos como esse seria o lucro cessante, isto é, o montante daquilo que o sujeito razoavelmente deixara de ganhar. Como não há nenhuma garantia razoável de que o candidato ao emprego superaria com êxito o período de prova, que coincide com o prazo do contrato de experiência, esse lucro cessante teria de ser a soma dos futuros salários e vantagens prometidos que receberia na empresa num contrato de experiência de noventa dias. Os advogados incham o pedido com quantias vultosas e sem nenhum critério objetivo.
Se colar, colou.
A perda de uma chance é apenas um dos fundamentos do “lucro cessante”, conceito pacificado na doutrina como aquilo que era razoavelmente esperável, aquilo que alguém razoavelmente deixou de ganhar. É o “reflexo futuro do ato ilícito no patrimônio da vítima”.
Duas expressões avultam de importância no conceito de lucro cessante, que é, como dito, fundamento da perda de uma chance: “razoavelmente” e “ato ilícito”.
Para que a perda de uma chance seja indenizável, é preciso, primeiro, que o que se perdeu fosse razoavelmente esperável, e, segundo, que essa perda tenha sido fruto de um ato ilícito do agressor. Se o que se perdeu não era razoavelmente esperável ou não é produto de invasão ilícita do outro no patrimônio da vítima, não se está diante de dano indenizável por esse fundamento.
A reparação da perda de uma chance repousa, como é curial, num juízo de probabilidade e noutro de certeza. Ou seja: é preciso concluir que “a chance seria realizada e que a vantagem perdida restaria em prejuízo”. “Razoável”, segundo uma leitura possível, é “aquilo que o bom senso diz que o credor lucraria, apurado segundo um juízo de probabilidade, de acordo com o normal desenrolar dos fatos. Não pode ser algo meramente hipotético, imaginário, porque tem que ter por base uma situação fática concreta”.
Na análise do lucro cessante ou da perda de uma chance, o intérprete deve depurar o conceito de lucro razoável daquele meramente hipotético, imaginário. A mera possibilidade não basta. É preciso que haja uma probabilidade objetiva que resulte do desenvolvimento normal dos acontecimentos naquele caso em concreto. Numa palavra: “o que se exclui de reparação é o dano meramente hipotético, eventual ou conjuntural, isto é, aquele que pode não vir a concretizar-se”.
Admito, como linha de argumento, a possibilidade de indenização da perda de uma chance no sistema jurídico positivo brasileiro, mas apenas como aquilo que a vítima razoavelmente pode ter deixado de ganhar e sempre que o dano assim constituído tenha sido causado por um ato ilícito da outra parte. Num processo de seleção ao emprego há variáveis imponderáveis, como a incapacidade do candidato ao emprego ou a maior aptidão de um universo de candidatos concorrentes à mesma vaga. Não há dano indenizável se o empregado é reprovado em qualquer de suas etapas, assim como não há, se a empresa, depois de ter iniciado o processo seletivo, resolve interrompê-lo, no todo ou em parte, provisória ou definitivamente, atendendo a razões de mercado ou de sua reengenharia interna. O que é preciso ficar claro é que não há indenização sem dano e dano somente haverá quando a invasão ao patrimônio da vítima decorrer de ato ilícito do suposto agressor. A perda tem de ser razoável, isto é, deve ser presumível pela força natural dos acontecimentos possíveis.
Na busca de um emprego, poderá haver perda de uma chance se o sedizente prejudicado provar que a sua sorte seria outra se aquele evento atípico que reputa causador do dano não tivesse ocorrido. É o caso, por exemplo, do candidato que comparece ao lugar das provas mas a empresa, sem avisá-lo, mudara o endereço. Ainda assim, a indenização possível não pode servir de lucro capiendo e precisa ser pedida e fixada com base em critérios objetivos. Como regra, a indenização mede-se pela extensão do dano e deve ser paga de uma só vez. Se o ofendido não puder provar prejuízo material, a indenização será arbitrada pelo juiz, equitativamente, conforme as circunstâncias do caso.
Assim, por exemplo, se o salário prometido para o cargo cujo emprego se perdeu era “x” e as vantagens acessórias “y”, o montante da indenização deve corresponder a “x+y” por um período máximo de noventa dias, acrescido de juros de mora, contados do ajuizamento da ação e correção monetária calculada desde o dia do ilícito. Nada além disso.